domingo, 5 de outubro de 2014

A VIDA NA FRONTEIRA COM O INFINITO

Por:    Armando de Oliveira Caldas

1997




INTRODUÇÃO


Desde que a raça humana tenha oportunidade de evoluir, a ciência parecerá não ter limites. Alcançará estágios sempre nunca imaginados pelos antepassados. Não há a mínima dúvida de que chegará às estrelas e numa época futura aquilo que hoje nos possa parecer impossível tornar-se-á rotina.
Este livro visa mostrar a hipótese do homem existir na forma como é em pontos dispersos de nossa galáxia, não cabendo surpresa se o encontrarmos nas estrelas periféricas da grande espiral.
Marino é um planeta semelhante a Terra, só que próximo da fronteira com o vazio intergaláctico.
O grande enigma da existência, das lutas pela sobrevivência, das idas e voltas do tempo está intercalado numa fantasia que não deixara de adicionar interrogações:
Será possível a inteligência se perder ou evoluir?
Será possível outras civilizações no UNIVERSO SEM FIM?
Será possível o remoto passado ser espelho do presente?

Deus, força máxima que rege tudo que vemos, incluindo os trilhões e trilhões de astros que se perdem numa soma infinita, por certo, não colocaria o homem somente num cantinho microscópico de sua criação.







A VIDA NA FRONTEIRA COM O INFINITO


            PRIMEIRA PARTE  -  NÔMADES   DO   ESPAÇO

            SEGUNDA PARTE  -  A VIDA NA FRONTEIRA COM O INFINITO

           TERCEIRA PARTE  -  O FUTURO


Obs.:  O livro foi dividido em três partes que foram subdivididos e publicados em capítulos neste blog.


N Ô M A D E S   D O   E S P A Ç O


PRIMEIRA   PARTE

TERRA — 2930


  A população terrestre havia atingido o auge da evolução cultural e técnica. As guerras há muito não mais existiam, embora os exércitos continuassem. As nações se entendiam. Miséria, pobreza e descontentamentos inexistiam. O homem vivia no mundo perfeito, num paraíso. A própria ciência que tanto maltratara o planeta o recuperara. Por séculos que o total de habitantes mantinha-se em cinco bilhões, resultado do próprio controle individual.
Assim era o mundo dos humanos naqueles idos. O retrato da harmonia, que a fatalidade ou destino haveria de rasgar.
Tudo começou quando os astrônomos perceberam alterações orbitais de Sírios B, estrela anã que acompanhava Sírios A. Em cada cinquenta anos a pequena mas pesadíssima irmã da estrela maior se aproximava mais, sendo iminente o choque das duas.
Contrariando os conceitos científicos, foi justamente o que ocorreu. O grande impacto foi acompanhado. Sondas enviadas ficaram próximas ao fenômeno e forneceram as imagens. Foi então que se viu a implodida estrela se chocar e expandir dentro de Sírius A, tal como um artefato bélico que caísse numa grande fornalha.
Estilhaços chamejantes venceram a força gravitacional da estrela maior e passaram a orbitá-la. Um pedaço de Sírius B não seguiu a regra, como se houvesse ricocheteado, adquiriu incrível velocidade e ganhou o espaço livre, como a recusar aquela união.
O registro do desastre cósmico teria ficado como mais um dos acontecimentos da astronomia, não fosse a consequência.
Continuando a acompanhar o bloco desgarrado, a ciência traçou a trajetória.
Como uma seta atirada para um alvo, a pesadíssima matéria estelar, l.000 quilos para cada dois centímetros cúbicos, possuía uma direção. Depois de viajar pelo vazio sideral alcançaria o sistema solar, atravessaria as órbitas planetárias e atingiria o centro do astro rei. Na passagem colheria a Terra em 2 de julho de 3.210.
Nada impediria o intruso de cumprir o destino, nada poderia detê-lo, o fim da humanidade estava marcado. Aquele pedaço de estrela era muitas vezes maior que o próprio mundo dos terrestres.
A notícia alarmou as nações, mas os comentários sensacionalistas aos poucos se aquietaram, afinal o fim não seria no dia seguinte.
Aquele fato cósmico surpreendera o homem, mas o homem evoluído, capaz de pensar em soluções mesmo diante do irremediável. Por sorte, se é que pudesse ser dito, o inevitável desfecho da civilização não fora no início do terceiro milênio, época das “guerras”. O pânico seria incontrolável, levantar-se-iam legiões de fanáticos religiosos. Abusos de toda ordem aconteceriam, os alimentos seriam difíceis, a fome se alastraria. Conflitos, saques e vandalismos estabeleceriam caos social. Mas, o tempo era outro.

Confirmada a situação, os governos das Nações se reuniram no Centro Mundial de Solidariedade, em Paris. Os melhores cientistas do planeta estavam presentes.
Presidentes e homens da ciência, durante um mês, em ambientes separados, esmiuçaram o assunto e encontraram as respostas. A definição científica acabou sendo a base de todo trabalho que viria a ser executado. Frank Stanis, um dos mais conceituados membros do grupo de estudos, foi o porta-voz que apresentou os motivos e o projeto de salvação da raça humana. Sua oratória, desprovida dos chavões de reverência ficou registrada:
— Senhores,
Estudamos detalhadamente o assunto. Analisamos todos os ângulos e encontramos a forma de evitar a extinção de nossa raça.
A única opção será a retirada de nossos descendentes. Para isto cerca de trezentos grandes navios deverão ser construídos em órbita estacionária. Elaboramos o projeto, serão pequenas Terras, com ambientes semelhantes ao de um município, onde as pessoas poderão viver e procriar até chegarem ao Sistema Alpha Centauro. Lá existem dois planetas com possibilidades para a vida, conforme os arquivos.
Antes, porém, é importante tecermos algumas considerações sobre nossa posição técnica.
Como é do conhecimento de todos, ainda não nos aventuramos em viagens estelares. Nossas naves tripuladas dominam o sistema solar, explorando o turismo ou transportando minérios. Não estão preparadas para permanências no vazio interestelar, essas incursões são reservadas apenas para sondas equipadas com robôs.
A estabilidade de nosso mundo vem influindo no atraso da conquista de outras estrelas, razão de não estarmos preparados para uma saída imediata. Por outro lado, 280 anos nos separam da colisão. Tempo mais que suficiente para a execução do projeto.
Os passageiros dessas naves viverão numa estrutura tubular com diâmetro interno de dois quilômetros, seguindo-se por uma extensão circular de vinte e cinco quilômetros.
Sobre o fundo interno das Rodas, residências, áreas de administração, de comando, de laser, de plantios, de escolas, de comércio, de controle da saúde, tudo que for necessário para o bem estar, serão edificados.
Cada astronave poderá comportar um mínimo de 4.000 vidas, mas no embarque o máximo deverá ser 2.5OO. Haverá uma simulação terrestre perfeita, com dias e noites artificiais, até chuvas. Para que os aparelhos atinjam a perfeição, calculamos 150 anos para o término das obras, que inclui as grandes bases.
Por sua vez, as bases estarão presas às rodas através de eixos especiais. Neles, um sistema móvel de elevadores se encaixará para acesso a elas, ou delas para os aros de interligação. Como podem ver no desenho: materiais, bens de consumo, estarão sob processo de conservação permanente. Lugar para veículos e naves auxiliares, militares ou não. São quilômetros para depósito de tudo aquilo que possuímos. Somente não poderá ser ocupado o local dos propulsores principais.
Bem, vamos limitar os detalhes, basta dizer-lhes que interna e externamente serão adaptados tudo o que for necessário, já criado ou a ser criado pela ciência. Metais especiais, duríssimos, constituirão as carcaças e os invólucros protetores dos navios, o suficiente para que possam permanecer mais de mil anos no espaço.
Cronologicamente, distribuímos o trabalho por etapas, que deverão ser cumpridas com rigor, assim:
1 — até 2.935, um ou dois parques fabris de enorme envergadura deverão ficar prontos em cada continente. A área para este fim deverá ser grande o suficiente para comportar a criação de vários centros de treinamento, de escolas e acomodações para os futuros tripulantes.
Paralelo aos empreendimentos, deverá ser criado um processo educativo mundial, para controle da natalidade. Apenas 7.500.000 poderão ser embarcados, entre jovens, cientistas e instrutores, o restante que permanecer no planeta não poderá continuar a procriar, também não poderá ter idade suficiente para alcançar o final.
Nosso plano visa a extinção do homem na Terra alguns anos antes da catástrofe.
2 — Até 3.O35, após a implantação dos polos de produção das peças, o trabalho será executado em terra e no espaço, para a construção das espaçonaves. O tempo se justifica diante da técnica a ser aplicada em cada detalhe dos componentes metálicos.
Durante o mesmo período a produção agrícola e de bens de consumo será de máxima importância. Os excedentes deverão ser levados para grandes câmaras de suspensão degenerativa. Servirão para suprirem as naves e para os que ficarem.
3 — A última etapa, partindo de 3.035 vai até 3.080, ano em que a Terra enviará seus filhos para a grande viagem.
Neste espaço de tempo, todos os jovens e crianças do mundo, com idade máxima de vinte anos, deverão ser encaminhados para os centros de treinamento. Somente eles irão gerar, sob controle, os representantes humanos que conhecerão o vazio sideral.

 Completando a explicação, o cientista observou que logo após a partida das naves, os últimos habitantes da Terra ainda teriam 130 anos para usufruírem do planeta. Como os mais novos não iriam ter menos de trinta, mesmo com a média etária de 150, nenhum deles veria o dia do apocalipse, desde que cumprissem com determinação um rígido controle de natalidade.
 Sobre a viagem: alcançariam Alpha Centauro em 500 anos aproximadamente, uma vez que a velocidade média do comboio seria de 3.000 quilômetros por segundo.
Terminada a exposição, o projeto foi colocado em votação. Nenhum chefe de Nação optou contra, a aprovação foi unânime.
Ainda, naquela assembleia, foram decididos pontos fundamentais, como liberalidade de fronteiras, estabelecimentos das áreas para os futuros parques, padronização do trabalho, das peças e linguagem única.
 O controle de natalidade foi um dos fatores mais debatido, no entanto, diante do equilíbrio que os próprios habitantes mantinham, ficou resolvido apenas partirem para um sistema universal de orientação e acompanhamento. Se necessário, outras medidas seriam tomadas.
Terminada as negociações, em menos de trinta dias foram iniciadas as grandes construções em terra. Assim, no Planalto Central, começaram as implantações da grande Base que serviria a América do Sul. O mesmo nos Estados Unidos, China, França, Austrália, África do Sul e Índia.

Após cinco anos, os grandes complexos estavam prontos. Iniciava-se a produção das grandes peças.
Os anos passaram, naves com minérios especiais da região dos asteroides e das luas de Júpiter desciam e voltavam, permitindo obtenção de ligas duríssimas.
Enormes vigas não paravam nas plataformas, uma a uma iam sendo enviadas para engates. As carcaças dos grandes navios, gradativamente tomavam forma.
Os trabalhadores em órbita viviam nas diversas estações requisitadas. Androides manipulados se misturavam com os humanos na grande tarefa.
Em terra, cumpriam-se fielmente as instruções governamentais, os excedentes de produção iam abarrotando os armazéns.
De tempos em tempos, os astrônomos conferiam a trajetória do grande meteoro, o resultado era sempre o mesmo.

Grandes metrópoles se ergueram a volta dos parques. O jovem trabalhador do início das obras estava centenário, alguns já haviam partido.
Os “colossos”, externamente, ficaram prontos, trezentos e sessenta no total, muito mais do que determinava o projeto. As “rodas” giravam, estavam criadas as forças gravitacionais para a sobrevivência humana. Nelas tudo funcionava com perfeição, inclusive o oxigênio ambiental. Iniciava-se o trabalho interno, o acabamento, a formação das condições terrestres.


PREPARATIVOS PARA A VIAGEM


O grande momento se aproximava, cem anos haviam passado. Os navios estavam em fase de acabamento, iniciava-se a colocação da terra e as construções internas. Era a última etapa, chegara a hora da preparação humana.
Um levantamento mundial mostrou o quadro que se esperava. Em todo planeta as maternidades raramente recebiam pacientes. O controle de natalidade fora cumprido com rigor.
A tristeza de um mundo desprovido do sorriso das crianças se abatia sobre os povos, principalmente quando as poucas existentes foram levadas para os centros de treinamento. Para amargar ainda mais, adolescentes e jovens também foram banidos dos lares.

No mundo em agonia, os velhos desapareciam, tal qual sempre fora. Casas esvaziavam-se e cidades morriam.
Exceto nos campos de preparação, as crianças deixavam de existir. Os jovens e adolescentes também não eram vistos em outro lugar. Para amenizar, a cibernética criou androides com aparências infanto-juvenis. Foram espalhados no planeta, mas não eram reais e a ilusão não supria o grande vazio.
Nas cidades da juventude, como passaram a ser chamadas, exércitos de professores, psicólogos, médicos e especialistas cuidavam dos futuros germinadores das sementes que lotariam as naves.
Após cinco anos, as uniões controladas se iniciaram e os meninos e meninas que embarcariam na grande viagem começaram a nascer.      
Enquanto isto, os pequenos mundos artificiais eram preparados nos mínimos detalhes.
As primeiras crianças cresceram e também já eram pais, quando a grandiosa obra ficou pronta.
Em setembro de 3.080, a enorme massa ainda jovem era colocada em suas acomodações. Independente da idade, cientistas, instrutores e pessoas indispensáveis também embarcaram. Nada fora esquecido, inclusive animais foram levados para setores reservados.
Passariam a vida no cosmos, gerações nasceriam naquelas Rodas. As bases estavam lotadas com tudo que a Terra possuía, só faltavam as fábricas. Os suprimentos eram para muitos séculos.
Trezentas e sessenta gigantes se reuniram em órbita estacionária sobre o Planalto Central. Por dias o facho luminoso se fez presente nas noites de Brasília.
O último adeus foi acenado. Os que ficaram não veriam o final.

O comboio singrou o sistema solar e ganhou o vazio sideral. Formava três colunas comandadas pela nave 001 que ia a frente. Distantes cinquenta quilômetros uma da outra, se dispunham nas filas em ordem numérica crescente.
As comunidades com média de 2.5OO pessoas cada, eram cidades flutuantes que esperavam alcançar num futuro distante, algum mundo em Alpha Centauro.
A maioria dos viajantes nunca haviam usufruído de tanto conforto, nem da liberdade que encontraram. Confinados desde o nascimento até iniciarem a jornada, estavam habituados a um mundo fechado, com pouco contato com a natureza. Todos falavam a mesma língua, um tipo de “esperanto”. 


FIM DA TERRA

 A VISITA DOS IONIS


O plano humano funcionou, as cidades embutidas nos círculos metálicos levavam pedaços de um mundo prestes a sucumbir.
As primeiras gerações já estavam substituindo os velhos habitantes.
O conjunto dos navios formava o “território” de uma grande nação, com alegrias, tristezas, trabalhos e entretenimentos. Um pedaço de nova história já existia.
O ano já era 3.210, aproximava-se a data sinistra. As imagens da Terra chegavam muito ruins. Há vários anos que haviam cessado os contatos verbais. De vivo, apenas alguns animais nas fantasmagóricas cenas recebidas.
Como haviam cumprido um quarto da travessia, somente no ano seguinte é que veriam os últimos momentos da Mãe-Terra. Foi o que aconteceu.
Em 8 de novembro de 3.2ll, captava-se o fim, a revolta da natureza, tudo se incendiando e tornando-se massa informe,  última imagem recebida.
Os velhos choraram, eram os únicos que entendiam aquele final e o enorme trabalho realizado.
Dois meses após era reiniciada a contagem do tempo, o ano UM começou em Janeiro de 3.212.

Nem tudo era perfeição, descontentamentos, focos de desentendimentos e até acidentes graves faziam parte do dia a dia. Nessa primeira fase da viagem, a mais grave ocorrência fora com o navio 096, onde a Roda parou, mais de oitenta habitantes da comunidade perderam a vida.
Viagens entre as Cidades Espaciais tornaram-se comuns. Dos ônibus, os passageiros podiam ver o exterior, o negrume do cosmos pontilhado de estrelas e as luzes dos navios. O grupamento aparentemente imóvel, ganhava distância.
Entre os fatos mais interessantes registrados, foi o do contato com alienígenas, no décimo ano da nova contagem.
Originários de um planeta do sistema Tau-Ceti, abordaram o comboio, numa nave menor que qualquer das cidades espaciais. Comunicaram-se na língua dos humanos e por alguns dias visitaram o mundo dos terráqueos. Pequenos, de cabeças avantajadas, olhos oblíquos, se mostraram amáveis e logo ganharam a confiança. Nas entrevistas, disseram ter visto a Terra, após a catástrofe. Eram cientistas, de há muito conheciam tudo sobre o mundo dos homens, mas nunca haviam optado pelo contato. Foram eles que informaram sobre a total impossibilidade da vida no sistema solar após a colisão. Disseram vir de um planeta chamado Ion, onde a evolução técnica havia superado todas as barreiras.
A visita dos Ionis foi a única de extraterrestres, durante toda travessia, as futuras gerações não mais iriam ter aquela oportunidade. Vieram num momento muito oportuno, abafando movimento de grupos radicais que perturbavam a ordem, exigindo a volta das astronaves. Esses grupos diziam que não passavam de cobaias, que tudo fora preparado para pensarem que a vida no planeta deixara de existir.
Uma insensatez, mas aconteceu, tudo começara há vários anos antes, na nave 007 numa aula de história, quando o aluno Pasteli expôs sua ideia e logo ganhou a adesão de muitos colegas. Aquilo que não teria passado de “bate papo” entre aluno e professor acabou transformando-o em líder. Gostou da ideia e passou a pressionar as autoridades. Formou uma associação que acabou estendendo por todas as comunidades.
Pasteli reconheceu o erro quando os Ionis lhe mostraram a verdade. Apresentou-se no sistema televisivo, se desculpou com a sociedade e a organização foi extinta.

FATOS MARCANTES


Duzentos e cinquenta anos após a partida da Terra, a frota se encontrava em pleno vazio sideral. Nada no exterior perturbava o caminhar dos humanos. A geração era outra, ideias novas surgiram. Mudanças nas regras, com liberalidades prejudicavam a estabilidade.
Tudo que fora implantando, parecia desmoronar. Uma regressão moral levava os jovens ao vandalismo e a abusos de toda ordem. Roubos e assassinatos se registravam. Cidades ameaçavam outras. Nada ia bem.
O sentido da viagem perdia-se. A nave militar 002 destinada à formação de reservistas, tornara-se um grande presídio.
Uma radical mudança era necessária. Foi o que aconteceu. O Presidente Tobias, principal responsável pela situação, pressionado pelos conservadores acabou se demitindo.
Jonas Tetri assumiu, formou novo conselho, mudou a maior parte dos comandantes de naves e reestruturou a segurança, baniu as novas leis, retornando ao sistema anterior. Utilizando forças militares prendeu os transgressores. Com a Nave 002 superlotada, ameaçou deixá-la a deriva, com o sistema de direção danificado. Não o fez, o susto fora suficiente para conseguir novamente a ordem.
Tudo voltou a antiga rotina, no comércio, nas festas, nas aulas, nos esportes, nos cultos e em todas as atividades. As excursões passaram a ser novamente bem recebidas e a alegria retornou.

Desde o acidente da 096, a manutenção passou a ser permanente, aquilo dificilmente voltaria a ocorrer. No entanto, o ser humano é falho e pode criar o acidente. Foi o caso do Comandante Brenus da 120.
Estava ele, sentado, frente ao painel de sua responsabilidade, quando o sono lhe veio e não percebeu a ordem do Comando Geral. Uma avalanche de meteoros se aproximava, a ação de desvio deveria ser imediata.
Não fossem os auxiliares tomarem conhecimento e acordá-lo, aquele Navio seria despedaçado.
Tão logo abriu os olhos, mandou que se retirassem, acionassem os alarmes e levassem os habitantes para a base. Enquanto isto, procurava trabalhar contra o tempo, acionando os propulsores para se colocar junto com os demais navios.
Antes mesmo dos últimos moradores seguirem para o abrigo, o ribombar das pedras soavam como uma grande tempestade.
Quando a Astronave se nivelou, um grupo de inspeção com trajes protetores entrou na Roda. Tudo estava em ordem, menos o ar que se extinguira.
Brenus, ainda com a mão nos comandos, estava imóvel. Fora negligente e herói, mesmo vendo a vida se esvair, manuseou os controles até o último instante.
Depois deste acontecimento tudo novamente retornou a normalidade.

A jornada interminável seguia o destino. Corria o ano 130, o sistema Alpha já tomava conta dos telões. Foi quando um ponto luminoso começou a aparecer, para no espaço de alguns meses se tornar uma brilhante estrela.
Um sentimento de que talvez estivesse chegando o momento de encontrar novo lar, não deixou de oferecer uma sensação de ansiedade coletiva. Mas logo os comunicados dos centros de estudo desfizeram falsos comentários, era apenas um micro sistema planetário, sem registro científico.
Passaram perto do conjunto, dois planetoides iluminados por um pequeno sol.
O comboio cumulava os fatos. Em cada cidade a vida dos habitantes e todas as ocorrências eram processadas. Uma infinidade de informações, se compiladas formariam volumes sem conta sobre os terrestres.
  
No espaço entre um sistema estelar e outro, nada realmente existe. Um objeto parado ou em alta velocidade, visualmente se torna inerte. O vácuo, a falta de atrito, permitiram aos humanos colocar os pequenos mundos na direção dos sóis mais próximos. Aos poucos ganhavam distância, quase sem acidentes externos.
Famílias se sucederam dentro de um rígido controle de natalidade. Cada roda mantinha em média 4.500 pessoas em todas as faixas etárias. No cotidiano, os acontecimentos locais e das cidades vizinhas davam sustentação emocional aos moradores.
No correr dos anos, sempre alguma coisa alegrava ou chocava a nação.
Um curioso episódio dessa “odisseia”, foi o encontro de uma nave alienígena perdida, pouco antes de entrarem nos domínios de Alpha Centauro.
Detectada com surpresa pelo comando geral e percebida a não resposta dos diversos sinais emitidos, foi dada ordem de abordagem.
Tomada as precauções necessárias, cientistas e técnicos forçaram a escotilha e invadiram o enorme objeto. Atmosfera e gravidade artificial igual a dos humanos compunham o ambiente vital do aparelho. Esqueletos dos últimos sobreviventes se espalhavam no centro de controle.
O aparelho não estava danificado. Descobriram como operá-lo e o mesmo passou a fazer parte da frota, tornando-se temporariamente um tipo de “museu”.

O mistério da morte dos tripulantes foi desvendado. Simplesmente as reservas alimentícias se esgotaram. Surpreendente atraso diante da técnica encontrada.
Conforme as gravações de bordo, originavam-se de um planeta estável, 30 anos luz da área onde a astronave fora encontrada. Faziam regulares incursões estelares e podiam atingir até 60.000 km s/s. Portanto, a capacidade de mobilidade do objeto era incomparável com a máxima dos navios terrestres.
O ocorrido marcou um período de agitação nas comunidades, a existência de seres semelhantes na periferia da galáxia não surpreendia, mas colocava dúvida sobre a origem evolutiva animal. Reforçando a teoria, de que o homem há muito plantava sementes nas estrelas.
Naquela fase da viagem, a juventude se mostrava muito inquieta, adquiria índices culturais altíssimos, mas não conseguia aplicar os conhecimentos. Rapazes e moças entravam na vida adulta praticando as mesmas rotinas dos antepassados. Trabalhos quase artesanais, comércio e raras oportunidades de pertencerem aos quadros de comandos dos navios.
A capturação da astronave motivou um grupo liderado por Guilherme Telles. Suas ideias tomaram forma e ultrapassaram o círculo metálico da 210. Persistente e atuante, acabou por conseguir o uso da nave alienígena.
Reuniu uma tripulação de quinhentos homens e mulheres na faixa de 25 a 30 anos, após rigorosa seleção.
Por bom tempo trabalharam no aparelho, adaptando-o para as condições terrestres, não deixando de incluírem um sistema de conservação alimentar permanente.
Concluída a reforma, algumas incursões foram realizadas, todas de curta duração, o suficiente para perceberem que no vazio nada existia.
Frustrada as expectativas, o projeto inicial perdera sentido. Guilherme não se entregou, convenceu o comando geral e obteve permissão para seguir à frente do comboio, buscando o objetivo da missão. Assim, no ano 190 o navio partiu deixando a frota. Nascia uma esperança, se chegassem ao destino, um elo poderia ser vital.

Alpha C tomava conta dos visores, os planetas podiam ser detectados, doze ao todo, gélidos, de vários tamanhos. Acompanhavam o grande astro em agonia. Seu brilho era visto porque a frota penetrava seus domínios.
Os antigos e fiéis instrumentos de bordo indicavam justamente a primeira estrela do sistema. Também a ordem de desaceleração do comboio, passando-o para a velocidade mínima, o caminho dali para frente seria de risco. Assim, mais lentas ainda seguiam as naves, de 3.000 para 300 Kms./s. Asteroides, meteoros, cometas poderiam infestar a área astral, principalmente considerando que até planetas se escondessem no escuro éter. Corria então o ano 300.
A frota atravessou o primeiro sistema sem maiores problemas, enviando mísseis de reconhecimento, foi possível uma visão frontal do caminho e uma reaceleração controlada.


O COMETA GIGANTE


A CHEGADA EM ATLAN

Em 320, completava-se 450 anos terrestres da grande travessia. O conjunto estelar Alpha A e B estavam próximos, o fim da viagem estava chegando.
Foi nessa região espacial que um fato nunca esperado aconteceu. Um cometa gigantesco se aproximava. Parecia não haver saída para a raça humana. Aquilo era tão grande que poderia colher todo comboio. Não passavam de pontinhos negros diante do núcleo esbranquiçado chegando.
O Presidente na época, Salinas, não encontrou alternativa, expediu imediata ordem de aceleração total. Foi o maior desastre ocorrido, o astro passou e dez navios desapareceram, os últimos das fileiras. Outras naves também próximas ficaram descontroladas e com muitas avarias. Milhares de vidas se perderam, não contando as das espaçonaves perdidas. O lamentável acidente fez toda nação chorar.
Salvos os navios vitimados e recuperadas as cidades, a frota se alinhou novamente e seguiu o destino.

Vinte anos após, a população já havia esquecido a tragédia, nenhum outro problema ocorrera. Faltava muito pouco para entrarem em Alpha A/B, quando a ponte de comando da nave 001 ordenou o envio de sondas para os diversos planetas dos sistemas, concentrando-as nos centrais de ambas estrelas, onde os antigos davam como certa a possibilidade de vida. Observaram então a incrível máquina celeste, dois sóis, um de intensidade luminosa maior do que o outro, se orbitando, levando nessa dança suas famílias. Nesse jogo, a equidistância com os dois centros de energia permitia dois mundos se beneficiarem das condições para a vida. Confirmação logo obtida através das imagens que começavam a chegar.
Os centros de estudos estavam em intenso trabalho, quando débeis sinais radiofônicos começaram a chegar. A princípio pensaram ser de alguma das naves perdidas, mas melhorando os controles de captação, ficaram atônitos quando entenderam tratar-se do filho de Guilherme Telles, que já vivia no mundo que procuravam. As mensagens demoravam a chegar e era difícil o entendimento.
O então Presidente Alves respondeu, pedindo para que melhorasse a transmissão.
Passado algum tempo, Argos voltou, desta vez a voz era clara. Contou sobre a viagem, nascera dentro da espaçonave e vivera nela até os vinte anos, aprendera tudo sobre navegação.
Conforme o filho de Telles, ao entrarem no sistema a nave quase foi destruída por Asteroides pequenos, por isto não possuíam condições de comunicação eficiente. Ao descerem no planeta encontraram alguns nativos de estaturas médias e olhos grandes, mas simpáticos. O maior problema foi o das doenças. Não estavam imunizados, mais da metade dos tripulantes não suportaram e faleceram; inclusive o próprio pai.
Quanto às condições do ambiente, eram as melhores, pouquíssimas as divergências com os padrões terrestres. Períodos noturnos e diurnos variavam de acordo com as posições solares e os satélites naturais, nunca se formando escuridão. Estações mais secas, mais frias e de chuvas se revezavam.
A ajuda de Argos eliminava todas as dificuldades que poderiam ter para chegar ao azulado mundo de Atlan, nome dado pelos pioneiros, 5o. planeta da Alpha A, com três luas e dois sóis. Assim, após ultrapassarem a barreira de Asteroides, iniciaram intensos preparativos, criaram vacinas ativadoras de anticorpos e receberam treinamentos intensivos de como viver na superfície. Sempre auxiliados por aquele homem do solo; o grande conjunto das trezentas e cinquentas astronaves orbitaram a futura morada.
Desceram tudo que podiam, pessoas, animais, máquinas, equipamentos de todo tipo, inclusive algumas bases. A grandiosa tarefa terminou com o envio das cidades vazias, junto com a maioria dos lastros para os dois sóis.
Na superfície do belo planeta, os campos verdejantes estavam prontos para receber os humanos. Os nativos eram pouquíssimos, não passavam de três mil em todo globo. Mares, oceanos, rios, lagos, montanhas, pássaros, animais desconhecidos e ruínas de uma civilização extinta compunham a paisagem do novo paraíso.
Quinze milhões de terrestres invadiram territórios sem dono e iniciaram a colonização. Eram passageiros, sementes, que encontraram o solo; o porto de chegada.





A VIDA NA FRONTEIRA COM O INFINITO

SEGUNDA PARTE


A NAVE PERDIDA


Registro de bordo:
Entrávamos no sistema Alpha Centauro, já havíamos encontrado a apagada estrela C, caminhávamos para chegar ao futuro lar quando a fatalidade cruzou nosso caminho.
O enorme cometa ou coisa parecida se aproximou e tomou conta do firmamento, a Roda parou, metade dos habitantes foram sufocados pela terra da área agrícola. Uma tremenda força gravitacional a impelia ora para um lado, ora para outro. Éramos um joguete preso àquele bólide gigantesco na sua trajetória.
A princípio não tínhamos noção de onde estávamos. Na tela do visor, que ainda funcionava, apenas luz fosca e gelo. Foram terríveis horas para as quatro mil e seiscentas pessoas que sucumbiam ou viam seus semelhantes serem massacrados por toneladas de entulhos. A astronave por fim se assentou, ficara presa e todos os sistemas internos parados.
Os sobreviventes, aos poucos, se aproximaram do local onde se formara efeito gravitacional. A pequena população, apavorada, em pânico, assemelhava-se às almas perdidas no “inferno de Dante”. Pavoroso era o ambiente, só não entendíamos porque ainda existíamos. Pelo menos os equipamentos de emergência funcionavam e o ar não vazara.
Independente de organização, os socorros foram feitos e os feridos amontoados por cima dos escombros. Colaboradores, conseguiram medicamentos e improvisaram o hospital.
Nunca poderíamos sequer imaginar um cometa de tais proporções, a ponto de reter tanta gravidade, deveria ser do tamanho de um planeta. Até hoje não entendemos como não fomos estraçalhados. Seja como for, por sorte a base do navio simplesmente se prendeu à superfície, encravando-se no gelo.
Ficamos vários dias naquelas condições. Os que sobraram, se não agissem, também pereceriam. Algo urgente haveria de ser feito. Foi quando o comandante Tasco teve a iniciativa de organizar um plano de emergência. Assim, reuniu uma equipe de apoio e distribuiu funções:
— Alex, quero que faça um estudo para nos liberarmos deste cometa. Encontre pessoas capacitadas e forme um grupo de trabalho.
Leon e Katume, em breve toda sorte de germes poderá nos atacar, corpos de pessoas e animais irão se decompor. Não poderemos utilizar os desintegradores, encontrem um meio de retirá-los para fora da nave. Procurem utilizar homens fortes e que possam agir com rapidez. Terminada a desinfeção, organizem saúde e alimentação.
— Mas como vamos retirar os corpos através da Roda? perguntou Leon.
— Prevendo situações graves, existem saídas lacradas nas paredes da Roda. Terão de alcançar o centro de comando, para descobrir onde estão. Se não conseguirem acionar os arquivos, peguem a planta manual numa gaveta embaixo do painel de direção.

Para atender as ordens de Tasco, o grande desafio era o de sair daquele astro, principalmente diante da confusão material existente. De qualquer forma os estudos começaram.
Antes de tentarmos uma saída, seria necessário analisar cuidadosamente as consequências para o aparelho e para a tripulação. Preocupava-nos se os propulsores estariam em condições de funcionar; afinal o navio não fora feito para uso em solo.
A energia emergencial e os alimentos em breve se extinguiriam, um mês no máximo. As entradas para a base estavam bloqueadas e a única solução era chegarmos até lá para ligarmos o sistema de proteção total.
Terra e entulhos haviam caído sobre as raias tubulares.
Se quiséssemos resolver nossos problemas, primeiro era escolher a entrada mais viável para iniciar as escavações. Assim, munidos do que podíamos, começamos o trabalho em duas galerias. As vedações haviam sido rompidas por detritos de toda espécie, levou vários dias para limparmos o acesso.
Transferimos toda população sobrevivente para a base. A gravidade era razoável e nos permitia um movimentar quase normal.
Nenhuma rachadura, nem danos nos equipamentos, aquilo nos assombrava, embora dávamos graças pela esperança maior de nos desligarmos daquela massa. Tornara-se tão escuro quanto o negrume do espaço, sinal de que se distanciara dos sóis de Alpha Centauro, o que não fazia sentido.
Se a nave tivesse sido construída para cavalgar aquele cometa, até que seria uma ideia aceitável, sem problemas poderíamos acompanhar sua órbita até algum ponto longínquo do espaço.
O desconforto era grande, mas fora possível uma distribuição de todos os ocupantes da espaçonave. Tudo improvisado, a vida teve uma rotina tolerável.
 Organizado o sistema de sobrevivência retirado os corpos, chegara a vez das providências para desencravarmos a base e colocar o navio em direção ao infinito. Toda a frente estava sob o gelo, seria preciso elevá-la. Para isto utilizaríamos os sub-jatos existentes por baixo do grande lastro. A seguir os grandes propulsores para o deslocamento.
Não perdemos tempo, não havia outra alternativa. Assim, com todos os habitantes em locais seguros, procedemos a experiência. Os visores mostravam tudo, inclusive a pesadíssima base presa na crosta branca e brilhante pela ação das luzes direcionadas.
Tasco deu a ordem, os motores auxiliares entraram em ação, tudo sacolejava, aos poucos se vislumbrou o casco em toda sua extensão. Do lado externo um turbilhão de névoa se erguia, o calor das turbinas fazia a superfície gelada se desintegrar. Tão logo a frente se erguera, entrava em ignição os propulsores, a nave apenas começara a se locomover quando tudo entrou em pane. O enorme navio apenas deslizou sobre a duríssima camada hipercongelada, ficando imóvel como se estivesse numa plataforma descomunal. Foram em vão as tentativas, os computadores mostravam irregularidades em muitos setores do processo de combustão, principalmente nos sensores.
Desanimadora a análise que se seguiu. Não menos de cinco anos para uma nova tentativa. Tempo máximo para uso do sistema emergencial.
A tentativa fracassada provara que nem tudo estava perfeito como pensávamos. Estragos daquela natureza não eram previstos. Por outro lado, somente poderíamos saber se ligássemos os propulsores principais.
Neste ponto das anotações, o comentarista retorna ao dia em que foram feitas e continua: ainda não sabemos o que nos reserva o futuro. Este grande cometa está nos levando para regiões desconhecidas, se conseguirmos sobreviver até o término dos trabalhos, nos restará a esperança de procurarmos uma estrela, caso contrário seremos parte dele para sempre.
Não tivemos condições de medir a velocidade deste astro, mais parece um planeta que se deslocou da órbita de algum sistema.
Não sabemos o que restaram da frota, se todos os navios estão espalhados neste mundo hostil, se foram destroçados ou não. Já tentamos comunicação e não obtivemos qualquer resposta.
Pelo que conhecemos sobre cometas, a única coisa que se enquadra é o gelo. Sequer nos interessou analisá-lo, sabemos apenas que não está sendo nocivo ao material externo. Os sistemas funcionam normalmente, apenas a temperatura baixou um pouco.
Alguns estudiosos, vêm tentando descobrir a órbita deste gigante, calculam estar numa reta, cujo desvio é tão insignificante que os processadores não registram. Formularam a hipótese de que quando fomos colhidos estávamos em velocidade máxima e por alguma razão ficamos a frente dele. Nos alcançou e sua força gravitacional nos prendeu. Isto quer dizer que possui uma velocidade maior que a da nave.
Uma coisa é certa, ele não pertence ao sistema Alpha e não sabemos para onde está nos levando, nem tampouco que tipo de astro é realmente.
Completa-se um ano da tragédia que nos envolveu, hoje é 10 de julho de 321. Esta é a nave 355 da Confederação Terrena, população atual de 1.530 pessoas. O histórico exposto representa os acontecimentos principais ocorridos após a captação da astronave, até hoje. Informante responsável — Alex Port, assessor de Ferguson Tasco — Comandante em exercício.

Dos registros de bordo, o de Alex Port expressou os fatos de maneira sintética e objetiva.
Para aqueles sobreviventes, as dificuldades estavam apenas começando, mal sabiam que muita coisa haveria pela frente.
Passaram cinco anos presos, no final o frio aumentara devido ao esgotamento gradativo da energia. O sistema de conservação permanente começava a apresentar problemas. No âmbito social a cultura decaia diante da precariedade escolar. Todos tinham medo, embora mantivessem a esperança.
No calendário, o mês de maio de 326 seria decisivo. Depois de um esforço de vários anos, o sistema propulsor fora recomposto. Muitos técnicos capacitadíssimos haviam sucumbido no desastre, assim em muitos casos, para se trocar uma simples peça era necessário estudá-la. Isto motivou muitos atrasos. Mas, por fim tudo estava pronto.
No dia 15 de maio, foram acionadas as grandes turbinas, só que dessa vez tudo funcionou. A própria superfície serviu de base de lançamento. O eixo rotacional fora previamente protegido. O próprio gelo que se acumulara naqueles anos também fixara a roda no corpo da base.
Deixando uma enorme cratera, a grande nave se projetou e se desligou do incômodo astro. Os terráqueos estavam livres. Pareciam um pedaço daquele astro, bloco de gelo com os contorno do grande navio. Nem o calor da ignição fizera romper a carapaça branca.
Foram meses de espera, vivendo sem gravidade. Equipes tiveram de trabalhar no lado esterno para remover as placas.
Levou muito tempo para novamente se organizarem, dois anos ou mais. Nesse período recolocaram a terra nas áreas agrícolas, reativaram a grande roda e reiniciaram as plantações. Limparam as ruas, as casas e a população foram redistribuídas.
Num consenso, autoridades foram votadas e assumiram posições. Consertos mecânicos e eletrônicos foram executados. As escolas voltaram a funcionar com professores escolhidos entre os mais capacitados. Quando tudo terminou, a alegria voltou e a esperança.
Somente após a normalização, Link, o novo comandante, convocando dez auxiliares, passou a analisar a posição do navio e a direção que estavam. Falando ao grupo, observou:
— Não podemos ficar a deriva simplesmente, temos que analisar os astros em todos os ângulos. Jaques, Antunes e Salim farão cobertura pelos telescópios que acabaram de ser recuperados. Façam uma tomada geral. Pelo visor simples, percebi que estamos prestes a entrar no espaço intergaláctico, no vazio total e eterno. É urgente que nos direcionemos para a estrela mais próxima.
Jesse e David ficam encarregados de procurarem-na através do sensoriamento magnético. Os demais me auxiliarão no mapeamento, precisamos organizar provisoriamente um levantamento de toda região estelar onde nos encontramos.
Conforme observaram, os arquivos de configuração das constelações de nada nos servem. Em qualquer ângulo, nas mais diversas regiões siderais, as posições astrais divergem do local onde estamos. Isto quer dizer que nos encontramos numa área da galáxia nunca estuda pelo homem.
Bem, vamos ao trabalho, é urgente que saibamos para onde temos que ir.
Por vários dias, a equipe se dedicou às pesquisas, começaram pelas estrelas de maior intensidade, depois para as de menor. Aos poucos procedia-se a nova programação dos computadores. No final, o resultado foi impressionante. A conclusão era de que não haveria necessidade de mudar nem um milionésimo de grau na direção. A estrela mais próxima era a mais apagada que se divisava no centro do visor, não mais que um ano luz de distância. De oitava grandeza, com quatro planetas. Relativamente pequena, mas com toda possibilidade de gerar vida.
Como aquilo acontecera, ninguém conseguira decifrar. O desvio da nave havia sido muito grande, bilhões ou trilhões de quilômetros numa diagonal que colocou o sistema visual em total disparidade com o que era familiar. Mas afinal, isto não importava diante da solução de vida que procuravam. O objetivo era alcançarem um planeta habitável, onde quer que fosse.
Link, falando pela televisão anunciou que o caminho fora definido. Seguiriam para Argenta, nome que dera à pequena estrela que divisava com o infinito.
Poucos eram as companheiras visuais de Argenta. O vazio até ela parecia total, o que possibilitava manter a astronave na velocidade adquirida e também permitiria chegarem em oitenta anos ao sistema.

Setenta e cinco anos passaram, a população dobrara e a comunidade se manteve dentro dos princípios terrestres. A terrível tragédia fora esquecida e os humanos estavam cheios de esperança diante da ofuscante estrela que se destacava no firmamento.
Em setembro de 408, o então comandante Marcos Montelo reduziu a velocidade. Pelos cálculos o sistema planetário estava próximo. O volume estelar dos visores desaparecera, o infinito parecia um quadro negro marcado apenas pelo luzente astro central. Sondas foram encaminhadas.
Não demorou, em poucas semanas as imagens planetárias eram vistas. O povo comemorou quando na segunda órbita um planeta azulado era visto, sinal característico de atmosfera análoga à terrestre. No entanto, as primeiras tomadas do solo mostravam apenas áreas cobertas de gelo.
A tristeza já ia se abater sobre a solitária cidade, quando paisagens cheias de vida surgiram nos telões, identificando florestas e habitantes.
Imediatamente a alegria retornou, o mundo que sonhavam estava perto, mas não deixava de existir um porém, era habitado.
Alguns anos depois, em dezembro de 412, o grande navio entrou em órbita de Marino, nome que recebeu. Nos dias que se antecederam, numa reunião com líderes, ficou estabelecido que iriam orbitar por algum tempo o planeta.
 Os levantamentos mostravam que apenas uma faixa de 2.000 quilômetros disposta em volta do equador era propícia a vida. Uma população de cerca de cinco milhões de seres ocupavam a terça parte dessa faixa, ou seja a única terra disponível. Eram homens e mulheres muito semelhantes aos humanos, exceto possuírem pelos, obviamente devido às condições climáticas. Observados pelas câmeras das sondas, eles mantinham sociedade quase tribal, usavam roupas, lanças, espadas e possuíam casas, muito primitivos diante dos terrestres.
 A situação para os habitantes da Astronave não era das melhores. Precisavam de um lugar para viver, entrar naquele mundo era uma temeridade, teriam de dizimar os nativos ou sujeitarem-se a serem trucidados.
Marcos sentiu que a decisão não poderia ser sua, que teria de estabelecer um conselho. Convidou autoridades e pessoas capacitadas.
Reuniram-se no salão destinado ao clube, ao todo formavam um grupo de vinte.
Marcos, tomando a palavra, iniciou:
— Encontramos um planeta com perfeitas condições para nos estabelecermos. Por outro lado, é habitado, são primitivos e parecem atender a lei do mais forte. O mundo é deles, vivem se digladiando, conforme chegamos a filmar, no entanto subsistem.
De acordo com a regra, devemos continuar viagem.
Os três planetas restantes são inóspitos. A estrela mais próxima está a vinte anos luz, este navio não aguentaria. Para uma posição, considerem que nada mais temos a ver com a frota. Valerá nossa decisão, aquilo que ficar definido será colocado em prática.
Jansen, um dos auxiliares do comando, observou:
— Antes de estudarmos a solução, peço licença para acrescentar que efetuei um levantamento geológico. O processo de glaciação que envolve o planeta está no final. Pelo visor e fotos, observei que as geleiras estão derretendo. A quantidade de água é muito grande, os oceanos logo vão aparecer, bem como os continentes.
— Quanto tempo para isto? Interpelou Sancho, administrador da cidade.
— Da forma que as geleiras cedem, dentro de aproximadamente cinquenta anos, uma faixa bem maior se estenderá, mas no espaço de quinhentos uma boa parte do planeta estará livre. Por outro lado, muitas inundações ocorrerão. Se descermos, deveremos preferir lugares altos. Quanto aos nativos, se os deixarmos nos lugares onde estão, serão tragados pelas águas.
Joseli que numa ponta da mesa acompanhava o comentário entrou em cena:
— Então, se ficarmos poderemos salvar o povo de Marino e ao mesmo tempo irmos preparando nosso local.
 Marcos interrompeu:
 — Gostaria que nosso ministro religioso, Padre Santos nos desse a opinião.
 — É cedo para uma decisão, mas dentro do âmbito religioso observei que uma força além de nossa concepção nos empurrou para esta estrela, vejam que não tínhamos uma direção e ao mesmo tempo estávamos posicionados para chegarmos aqui. Nem tudo é acaso, particularmente acredito que Deus nos colocou neste lugar. Seja visto que depois que nos desligamos do cometa, nada mais de anormal aconteceu, quero dizer, nenhum outro acidente. Não desejo influenciar, mas a configuração astral onde estamos é totalmente incompatível com a que conhecíamos no sistema de Alpha, podemos estar até no outro lado da galáxia. Enquanto estávamos no “cometa” nada vimos, não sabemos o que aconteceu.
Resumindo, quero dizer que temos uma missão muito importante aqui, talvez nem seja em relação a nós, principalmente em relação às vidas lá em baixo.
— O Padre Santos, que conheceu de perto amargos dias no passado, deu seu voto, pelo que entendi, por ele devemos ficar. É sua vez Tenente Fusco, qual sua opinião na esfera militar?
— Temos armas suficientes para liquidar todos os marinenses, isto não quer dizer que partilho deste pensamento. Mas podemos estabelecer para nós uma área intransponível, em qualquer lugar que for demarcada.
— Isto seria uma invasão, ficaríamos presos, vez ou outra nossa vigilância poderia falhar. São extremamente ferozes, não nos aceitariam, mais cedo ou mais tarde teríamos que dizimá-los, ou então isto aconteceria conosco. Observou Regis, professor de história, continuando:
Estou com o Padre Santos, devemos orbitar por algum tempo, auxiliá-los e orientá-los. Conseguir nossa aceitação junto deles é prioridade para que tenhamos nosso lugar.
Todos partilharam das conversações, o debate foi acirrado entre os que queriam uma ação imediata e os que opinavam por moldarem os bárbaros viventes de Marino.
Terminada a reunião, o resultado favorável à permanência em órbita, no tempo que fosse necessário para aproximação com os nativos, prevaleceu.

Os membros do conselho favoráveis ao procedimento e os contrários, foram convidados a estudarem formas de acesso à vida na superfície. O comando forneceria o que fosse necessário para desempenho das missões.

O NOVO MUNDO


Na colina, o exército inimigo empunhando lanças e toscas máquinas de guerra, caminhava sobre a relva fria e molhada pelo gelo que derretera. O barro e a lama encravavam nas sandálias dos soldados, mas a fúria estava solta e nada os livraria da contenda que se aproximava.
Mais a baixo, frente a um riacho, camuflados, dois mil homens se postavam para receber a turba sanguinária. Nada impediria o grande massacre.
De repente, o estrondo violentíssimo de um petardo rasgou a terra entre os dois exércitos, assustando os contendores.
Medrosos, encolhidos, ambos os lados abandonaram os postos e partiram em sentidos contrários. Não sabiam o que significava aquilo. O céu estava limpo, como então um raio tão forte fora cair?
Tropo, chefe da nação Suma, que aguardava antes do rio a descida dos Nogos, ficou estupefato. Vira o objeto cair de cima e impedir o combate. Pensou:
— Quem era ele para contrariar tamanha força?

A primeira ação dos terrestres para se anunciarem fora a de impedir aquela luta.
Ao contrário do que se esperava, o Tenente Fusco, chefe da milícia, aderira ao plano e passara a auxiliar Regis que ficara responsável pelas ações. O Padre Santos, Jansen e outros também compunham a Central de Apoio às Atividades em Solo.
Jansen, na sala de comando, montou uma equipe de observadores para detectar atividades em terra, conseguiram captar movimentação de tropas, o resto fora fácil. Informaram a Central e a decisão foi tomada.
Os habitantes da 355 haviam sido imunizados, poderiam descer no planeta. O passo seguinte envolveria a presença de humanos, pelo menos uma base avançada seria construída.


Tropo, autêntico representante da raça, montado em seu coni com arreios vistosos, era o Rei que voltava de uma batalha que não houvera. Cavalgava lentamente, tendo ao lado alguns soldados, companheiros de luta. A tropa fora dispensada e ele seguia para seu Forte.
Não conseguia esquecer o ocorrido, nunca vira algo semelhante. Em dado momento, comentou com o fiel servidor, à sua direita:
— Jasun, aquilo que aconteceu foi um aviso. Vivemos nos matando. Eles chegaram. Temos de mudar nosso modo de vida. Preciso falar com Sato. Quero que providencie um mensageiro, logo que chegar vou escrever a carta.
— Mas ele é nosso inimigo!
— Era a última coisa que faria, mas algo me diz que este é o caminho, acredito que haja alguma coisa no alto muito mais forte do que tudo que existe. Vi quando aquilo riscou o céu e não era um meteoro.
— Vou falar com Corin, hoje mesmo ele segue para os domínios dos Nogos e entregará o documento a Sato.
Cônscio de que sua decisão era certa, Tropo pareceu liberto da pressão, chegou a sorrir e comentou que muita coisa iria mudar.
Não era uma pessoa sem cultura, pelo contrário, gostava de ler, possuía um cômodo repleto de livros antigos. Alguns deles falavam de épocas muito diferentes, que não entendiam, outros ensinavam coisas que não eram praticadas.
Era noite quando os portões foram abertos e o grupamento adentrou. Tropo subiu as escadarias da forte construção e chamou Jasun, que o acompanhou. Abraçou a mulher, que aflita viera a seu encontro, dizendo:
— Que bom! Você voltou!
— Quanta preocupação Vina! Não é a primeira vez.
Em seguida, sentando-se, abriu a gaveta de uma mesa e retirou uma folha parecida com papel grosso, redigiu algumas palavras, dobrou-a e lacrou, usando um carimbo imprimiu sua identificação.
— Aqui está Jasun, entregue-a ao Corin urgente.
Vina, como todas as mulheres de Marino, era peluda, exceto no rosto, onde as feições de uma bela jovem se evidenciavam. Muito meiga, se aproximou do esposo:
— Você está muito distante. Parece abatido, tire a couraça, tome um banho e vá se alimentar. Depois me conta o que aconteceu.
Como se faltassem aquelas palavras para ele sair da cadeira, Tropo ergueu-se e foi fazer o que a mulher lhe havia dito. A criadagem logo o acompanhou para ajudá-lo.
Os archotes exalavam o cheiro que gostava, sentia neles o sabor de estar em casa junto da esposa e dos filhos que naquela hora dormiam.
Tropo não conseguia conciliar o sono, a esposa se inquietara e também não conseguia dormir, vendo o marido tenso, se remexendo a todo momento, perguntou-lhe:
— O que houve? Até agora nada me disse. Falando você se alivia.
— Foi um sinal do céu. Eu sei, um grande raio impediu o combate.
Algo me diz que tenho de acabar com esta guerra. Já mandei uma carta para Sato. Precisamos nos unir.
Vina ao invés de se torturar com a resposta, ouvira o que tanto queria, afinal se viesse a ser realidade, bendito seria aquele raio. Na intenção de acalmá-lo disse:
— Pode crer Tropo, me orgulho de você. Se o que está me dizendo se concretizar, poderemos ter paz e criar nossos filhos com tranquilidade. Esqueça o passado e faça um acordo. Para mim, ser forte não é saber matar. Durma tranquilo, foi a melhor atitude que tomou em toda sua vida.
O chefe da Nação Suma se aquietou com as sábias palavras da esposa, fora um bálsamo em suas preocupações. Dera-lhe razão, não havia sentido aquela interminável luta. Era coisa dos tempos dos pais e avós, tudo por causa das minas.
Mutilados por toda parte, a miséria e a fome estavam em todos os lugares. As aldeias caiam aos pedaços, mal tinham condição de plantar. De qualquer forma estava na hora de pararem, primeiro pelo caos, segundo, porque o que acontecera não deixava de ser uma ameaça.
  
A estrela de Marino já brilhava, uma brisa fria soprava, os aldeões peludos, agasalhados, estavam atarefados na limpeza do gelo que se acumulara durante a noite, outros carregavam lenha. Estavam no fim do inverno, logo chegaria a época do plantio.
A notícia do fim da guerra alvoroçara a população, todos ficaram sabendo da carta que fora enviada ao inimigo. As mulheres rezavam. Por causa dos malditos combates do ano anterior a desgraça assolara as famílias, muitas crianças morriam desnutridas.
O trotar do também peludo animal, misto de zebra e cavalo, chamou a atenção de todos, era Corin que voltava de sua missão. Não parou, dirigiu-se com rapidez para os portões do “castelo”, que logo foram abertos.
Tropo recebia a resposta, Sato concordava com o encontro. Também desejava falar. Marcara a conversa para o dia seguinte, na linha de fronteira, apenas dez soldados deveriam acompanhar cada um.
— Cuidado Tropo, pode ser uma cilada. Disse Jasun, preocupado com seu senhor.
— Não acredito, penso que ele também tenha refletido.
Amanhã estarei lá.

No dia seguinte, Tropo e dez guardas seguiram pela trilha, na metade do dia encontraram o local. Sato ainda não havia chegado. Desmontaram e organizaram um pequeno acampamento, colocando uma mesinha que haviam trazido e duas cadeiras. Estavam terminando os arranjos, quando a facção contrária chegou.
Os dois Reis se postaram frente a frente, quietos, sisudos, atitudes típicas da situação que enfrentavam. Tropo foi o primeiro a falar:
— Meu povo está faminto, as famílias destroçadas. Esta guerra vem ceifando vidas dos dois lados. Há mais de cem anos que estamos em briga, honestamente nem sei porque nos odiamos tanto. Chegou o momento de pararmos com isto, que só o mal tem trazido para ambos os lados. As minas de ouro estão na fronteira, podemos fazer um trabalho conjunto e dividirmos a produção. Precisamos também saber sobre aquilo que aconteceu, parece estar ligado às profecias.
Enquanto o chefe dos Suma falava, Sato foi mudando o semblante, de sisudo e áspero foi passando para pensativo. Não queria, mas não deixava de concordar, palavra por palavra com seu oponente. Lembrou que também seu povo vivia horrores, que ele mesmo não respirava tranquilo, sempre com medo de não voltar das lutas. Não custava concordar, não fora ele que propora o acordo, assim, depois de ouvir calado por bastante tempo, respondeu:
— Sou obrigado a admitir que você tem razão, chegou a hora de fazermos a paz e que ela seja duradoura. Precisamos reconstruir nossas nações.
Um aperto de mão selou o fim da guerra entre os dois povos. Ali mesmo, os soldados que os acompanhavam comemoraram.


As duas nações festejaram o fim das hostilidades, os soldados voltaram para as famílias, um novo tempo começava.