segunda-feira, 20 de julho de 2009

ENIGMAS DA VIDA - Contos

ENIGMAS DA VIDA
Ildefonso Giuliani vivia muito bem com a esposa Marta e as duas filhas adolescentes Miriam e Maria Joana.
Na intimidade era conhecido por Ildo. Um pacato cidadão de quarenta e dois anos, estatura média, com início de calvície, falador, agradável e possuía até um certo carisma.
Na sua pequena cidade todos o conheciam, sua presença em fins de semana junto a amigos era comum, onde estivesse sempre havia um toque de alegria.
Nas segundas feiras tomava seu veículo e partia para visitar farmácias em muitas cidades. Era vendedor de produtos farmacêuticos.
Tudo corria como sempre até que certo dia durante uma viagem sentiu-se muito mal. Palpitações descontroladas, suor frio, dificuldade com o braço esquerdo fizeram com que ele parasse na primeira cidade e procurasse o pronto socorro.
A situação era séria, foi imediatamente internado e a família foi avisada. Marta e as duas filhas alugaram um Táxi e partiram imediatamente para Carmo da Serra, em duas horas estavam no Hospital Central.
O mal súbito de Ildo trouxe total intranqüilidade para a família. Recebera alta com severas recomendações do médico que o atendera.
O Doutor Jânio, conversando com Marta disse-lhe:
--- Seu marido está com séria lesão cardíaca, todo cuidado será pouco. Desculpe-me se falo desta forma, mas é urgente um tratamento.
Marta não entendera bem, ficou desnorteada e perguntou:
--- Poderá ele continuar trabalhando?
--- Talvez nunca mais possa, aconselho entrar em entendimento com a empresa e pedir aposentadoria por invalidez.
--- Doutor, então a situação é grave mesmo.
O médico confirmou, deu alguns medicamentos para controle imediato e orientou sobre as providências que deveria tomar. Também informou não ter dito nada ao paciente, preocupado em não piorar a situação, mas que aos poucos ele deveria ser informado.
Voltando para sua casa em Pedra Branca não deixou o marido dirigir, dizendo que ele estava sob sedativos. Para as filhas apenas falou que o pai não estava bem.
No dia seguinte, enquanto Ildo descansava, procurou o Dr. Celso, amigo e médico da família. Contou tudo a ele que imediatamente foi vê-lo.
O Dr. Celso também entendeu a gravidade do caso e o levou para internação. Depois de muitos exames, de algumas tentativas frustradas fez uma reunião médica onde foi definido que somente um transplante poderia salvá-lo; a operação teria que ser urgente.
Ildo era muito bem quisto e isto veio a ajudá-lo naquele momento. Nessa altura dos acontecimentos já estava a par da doença.
Fora dispensado da empresa, indenizado e os papeis de aposentadoria já corriam. Ao contrário do que se esperava ele encarou a doença com otimismo e achava que ainda não seria daquela vez que deixaria este mundo.
Entrou na fila de espera para o transplante.
Sua única tristeza era ter de ficar em sua casa e não participar mais das habituais festas.
Dessa forma ele passou três meses. Numa quarta feira de junho o Dr. Celso foi visitá-lo com a notícia:
--- Ildo chegou a hora de trocarmos o seu coração, o centro de transplantes de Japirã fará a cirurgia, temos um doador. Devido a urgência de seu caso você encabeçou a lista. Vou levá-lo para lá ainda hoje.
Em seguida deu instruções à Marta sobre tudo que deveria preparar.
Assim aconteceu, foram para Japirã e a cirurgia foi um sucesso.
Em poucos dias Ildo já se sentia outro, queria até sair do hospital, só não deixaram porque ainda precisavam acompanhar rejeições ao órgão.
No final, recebeu alta e o tempo passou. Alguns meses depois o ex-viajante sentia-se inteiro, perfeito, quase voltando à rotina antiga.
Cansado de não fazer nada, disse para Marta:
--- Já estou muito bem. Pedi aposentadoria por invalidez, mas eu posso trabalhar. O que não consigo mais é ficar inativo. E agora?
--- Ildo, Ildo, não invente moda. Ainda é cedo para recomeçar, só quando o médico disser que mais nenhum perigo existe. Continuou:
Estou vendo que você está querendo é viajar, pois então façamos uma corrida por todos os lugares onde você vendia.
--- Eu topo Marta, podemos ir amanhã. Bem, e nossas filhas? Estão na escola.
--- Elas podem ficar com a avó até voltarmos. Mas vou dizer desde já, eu vou dirigindo.
--- Não vejo a hora de pegar no volante. Eu dirijo o carro.
--- Veremos! Não vai não e se teimar nós ficamos.
--- Está bem Marta, você manda! Por enquanto!
Combinada a viagem, o casal alegremente colocou a bagagem no veículo, despediram das filhas e partiram um tanto sem rumo.
Ildo estava eufórico, depois de algum tempo entraram na primeira cidade.
Marta ficou conhecendo pessoas e lugares onde o marido costumava ir. Almoçaram num restaurante e depois, ainda no mesmo dia seguiram para uma outra localidade. E assim, ainda foram para uma terceira, onde pernoitaram.
Quando amanheceu já estavam de novo na estrada. O ex-viajante estava recordando e não deixava de ficar aborrecido, afinal nunca havia esperado que seu tipo de vida fosse interrompido.
Marta, percebendo, procurou distraí-lo e direcionou seus pensamentos para outras coisas. Assim, perguntou-lhe:
--- Para onde vamos agora?
--- Para Santana da Paz e depois para Serra Mestra?
--- E o que tem de interessante nelas?
--- Você vai gostar, há recantos maravilhosos, só que por hoje vamos apenas nas duas, teremos que andar mais de cem quilômetros.
--- Mas, não têm outras entre elas?
--- Não me lembro, parece que sim, mas não era do meu roteiro de visitas.
Chegaram em Santana, passearam e se divertiram e depois retornaram para a estrada.
Na metade do caminho de Santana para Serra Mestra, havia uma cidade cuja entrada era bem próxima à pista. Quando estavam perto Ildo comentou com a esposa:
--- Ora, não entendo, o nome é Pitangueira e me parece bastante familiar.
--- Quer dar uma entrada para conhecermos? Não estamos fazendo nada mesmo, não custa conhecê-la. Disse Marta curiosa.
À medida que o carro passava pelas ruas e vielas, mais lembranças do lugar iam surgindo, chegou até a ponto de falar para Marta que ao entrarem em determinada rua encontrariam o grupo escolar. O que de fato aconteceu.
Ildo começou a ficar preocupado, tinha certeza de nunca ter ido aquela cidade.
Ao dobrar uma esquina viu um homem que o deixou bastante estranho. A esposa observou a mudança de fisionomia e logo interpelou:
--- O que aconteceu? Você conhece aquele homem? Você ficou branco!
--- Olha Marta tenho certeza de que nunca o vi, por outro lado tenho também certeza de que o conheço muito. Será que a doença me perturbou? Isto é muito estranho.
Ildo deu mais uma volta com o carro e tornou a passar perto da mesma pessoa que permanecia junto à porta de um escritório. Uma vez mais afirmou para Marta que conhecia aquele homem.
Marta ficou preocupada e fez com que o marido saísse de lá e continuasse o caminho. Para acalmá-lo disse que já havia lido sobre tal tipo de acontecimento. Explicou que algumas vezes nossa visão adianta um pouco em relação ao raciocínio e provoca este tipo de coisa, ou seja, a impressão de já ter estado em determinado lugar.
Sabia que ela passava muito tempo lendo, por isto aceitou seu argumento.
Passaram toda uma semana viajando, divertiram-se e voltaram para casa.
Tudo corria bem, sem problemas.
Dez meses depois, certa noite, Ildo acordou assustado. Havia tido um pesadelo, sonhara com o homem do escritório. Estava numa estrada de terra onde havia uma grande pedra e nela a propaganda, Casa do Agricultor, em letras enormes; olhava para o escrito quando referido homem chegou perto dele puxou de uma arma e atirou em sua cabeça, ao cair viu que ele colocava o revolver debaixo da pedra.
Contou para Marta que não deu maior valor, dizendo que ele deveria deixar de comer antes de deitar.
Dali em diante o mesmo pesadelo sempre voltava.
Diariamente comentava com a esposa, reclamando da vida e do sonho que se repetia. Marta cheia de problemas acabou perdendo a paciência:
--- Veja se faz alguma coisa, agora você já pode, o Dr. Celso me disse que não há mais risco. Também não me aborreça mais com teus pesadelos, pense em outros problemas.
Ildo ficou magoado, quis responder, mas ponderou: - ela tem razão, está trabalhando no meu lugar, cuidando da casa, de mim e das filhas. Depois disse:
--- Bem Marta, você tem razão, vou viajar um pouco e ver se consigo fazer alguns bicos.
No entanto ele queria mesmo era desvendar o porquê de seus pesadelos. Não dissera a ninguém, mas começava a acreditar que a memória do doador estava nele.
Achava um absurdo, mas passou a acreditar que bastaria descobrir como morrera o homem que lhe salvara a vida para ficar livre dos sonhos.
Procurou o Dr. Celso, mas este nada sabia. Disse apenas que alguma informação talvez só no centro de transplantes em Japirã. Com receio de cair no ridículo não contou para o amigo o verdadeiro motivo da pergunta.
Foi a Japirã, mas nada conseguiu. A família do doador proibira informações.
Cada vez mais desconfiado de que seus pesadelos tinham a haver com o transplante, se empenhou em conhecer de uma forma ou de outra quem teria sido o doador, fixou seu pensamento nas imagens do sonho.
Resolveu voltar a Pitangueira e investigar.
Com base na data em que fora operado, procurou no arquivo municipal, jornais locais.
Não demorou muito para encontrar o que queria. Dois dias antes da data de sua cirurgia encontrou a manchete:
Mauricio Jonas Lutércio encontrado agonizante.
Verificando o jornal do dia seguinte viu a notícia sobre a morte do rapaz.
Pelo que constava não havia pistas sobre quem teria assassinado o jovem. O jornal dizia tratar-se de pessoa bem relacionada, que desfrutava de bom conceito.
Fazendo algumas perguntas ficou sabendo que a polícia não havia encontrado o assassino. Lembrou-se então do homem que lhe aparecia em sonho. Acabou descobrindo-o no mesmo lugar, seu nome: Antonio Justino Mafoto. Foi fácil, era dono de um cartório e seu nome estava numa placa frontal no prédio.
Associando sonho e fatos, entrou em várias pequenas estradas municipais procurando a pedra que via nos pesadelos. Encontrou-a, mas nem desceu do carro para procurar a arma.
Algo parecia lhe dizer para não perder mais tempo e informar a polícia. Com tal pensamento saiu de Pitangueira e voltou para sua cidade. Em sua cabeça tinha certeza de que o doador era a vítima e de que não precisava de maiores detalhes.
De sua cidade fez uma ligação anônima chamando o delegado de Pitangueira e disse-lhe:
--- É sobre a morte de Maurício Jonas Lutércio, sei quem foi seu assassino. Basta procurarem na estrada que vai para o Bairro Seco, mais ou menos na metade do caminho, encontrarão uma grande pedra e nela a propaganda Casa do Agricultor, debaixo da mesma tem um vão e lá encontrarão um revolver. As digitais nele deverão indicar pertencer a Antonio Justino Mafoto, o criminoso.
Poderia ter ido à delegacia, mas achou que se assim procedesse não surtiria o efeito desejado, acabariam julgando-o louco. Razão de optar por uma denúncia anônima.
Depois de alguns dias Ildo ficou sabendo sobre a prisão do culpado e que o mesmo confessara o crime.
O ex-viajante nunca mais voltou a ter qualquer sonho relacionado e sentiu merecer aquele coração.
Contou tudo para a esposa que acabou acreditando nele e no final lhe perguntou:
--- Será que era o espírito do rapaz?
Ildo pensou um pouco, depois respondeu:
--- Não sei, é um grande enigma. Não quero nem pensar e nem falar mais do acontecimento. Começaremos nova vida.

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