segunda-feira, 20 de julho de 2009

Estranho Caso - Conto

O colega de trabalho de Samuel não estava bem. Vivia contando uma história muito estranha, sem nenhum sentido. Até que o amigo o advertiu:
--- Miranda, você não pode ficar falando as coisas que vem afirmando, acabará junto com seus pacientes.
--- Mas é verdade, você conhece o Garcia. Ele desapareceu na minha frente. Não estou doido, não! É verdade!
Samuel dando certo crédito ao amigo resolveu confirmar o fato. Anotou o nome: Antonio Garcia. Não se lembrava dele. Em seguida procurou na recepção os dados do mesmo. Nada encontrou. Voltou então a conversar com Miranda.
--- Miranda, não está registrado, você tem certeza?
--- Mas claro Samuel! Peguei a pasta dele, fiz anotações. Marquei os remédios que deveria tomar e ele estava no quarto 53.
--- Miranda, o paciente que você fala nunca deu entrada neste hospital.
--- Não é alucinação! Disse bravo o Doutor Miranda.
Samuel logo percebeu que estava diante de um problema e, com muito cuidado, disse:
--- Miranda, sei de alguns comentários, mas ainda não entendo, confie em mim, me conte tudo. Só espere um pouco, vou ter que ir à recepção, mas já volto.
--- Vai, eu espero, preciso desabafar. Respondeu Miranda que se recostara no divã.
De fato, Samuel foi até lá e chamando Silvia lhe disse:
--- Desmarque todos os meus compromissos para hoje, vou estar no meu gabinete com Miranda. Não quero ser interrompido.
Retornando à sala, pediu para o amigo relaxar e relatar os fatos.
--- Bem Samuel, vou confiar em você.
Venho cuidando de Garcia à cerca de um mês. Tudo levava a crer que o que me dizia era uma paranóia. Falava que visitava mundos fantásticos, dava nomes de estrelas, da forma de vida existente. Contava sobre animais que nunca imaginei. Fantasia após fantasias, assim pensava.
Eram até fascinantes suas histórias.
Dando-lhe corda, perguntei como se locomovia para visitar as estrelas. Para lhe ser franco, acabei me envolvendo em suas narrativas. Daria um fantástico livro de ficção.
--- Também estou curioso, como ele fazia?
--- Viu! Até você se interessou.
Bem, ele disse que usava o crenomo, uma espécie de veículo ou armadura, e queria que ele não viesse mais, pois era forçado a entrar naquilo. Quase ri, mas ele ficou muito sério. Procurei lhe dizer que era fruto de sua imaginação, que tal coisa não existia.
O Dr. Samuel tendo sua curiosidade aguçada pediu:
--- Conte-me pelo menos uma das histórias de seu paciente.
--- Vou lhe contar uma delas, foi antes de ficar nesta situação.
Garcia estando em Dakon, um dos planetas mais mencionados por ele, me disse ter sido liberado para conhecer os habitantes e o modo de vida daquele estranho mundo. O planeta possuía uma temperatura amena, a estrela que fornecia o calor aparentava ser menor que o sol e a claridade era inferior à nossa. O verde estava em todo lugar, um musgo parecia cobrir a terra toda, as árvores apresentavam um tipo de folhagem caída, mas eram abundantes. Andou por aqueles campos, sentiu que eram tristes, em contraposição com os seres de lá, muito alegres. As noites eram rápidas, mas os dias longos.
--- Mas e os viventes de lá? Interrompeu Samuel, curioso.
--- Segundo Garcia, não eram altos, mas muito faladores. Possuíam uma certa semelhança com os humanos, braços, pernas e cabeças grandes da qual descia uma espécie de carapaça até metade das costas. Usavam roupas pesadas, com certeza para eles o local era frio. Sobre o tampo da cabeça havia cabelos negros e a pele era esverdeada como a acompanhar o panorama. Não viu estradas, nem ruas, mas se locomoviam em coisas que pareciam botes, muitos velozes, sempre um pouco acima do solo. Não viu cidades, mas casas distantes umas das outras. Todas iguais, em formato de esferas e também verdes. Interessante que raramente via cores diferentes. A curta noite, no entanto, oferecia um festival de tonalidades. Duas luas e um fundo muito estrelado e o horizonte que parecia formar o que chamamos aqui de aurora boreal.
Naquele estranho mundo ninguém parecia se importar com a presença de Garcia, somente não conseguia se comunicar com os nativos.
Envolvi-me de tal maneira, que perdia tempo nas consultas. Sempre levando tudo aquilo como fruto de uma imaginação fértil e doentia de meu paciente. Ele me contava tudo nos mínimos detalhes.
--- Mas como ele fazia essas viagens Miranda? Perguntou Samuel cada vez mais entusiasmado.
--- Pois aí é que está o problema! Não posso nem imaginar.
Sempre quando terminava a consulta, saia normalmente pela porta, mas na última vez levantou-se da cadeira e desapareceu na minha frente, foi ficando transparente e sumiu. Meu coração disparou, senti que estava falando com um fantasma. Ainda mais eu, que, como você sabe não acredito em nada.
--- Que coisa incrível Miranda, estou propenso a acreditar em tudo o que está dizendo. Vou lhe pedir apenas um grande favor, não conte mais para ninguém. Vou lhe tirar dessa situação, mas preciso de sua ajuda. A principal é a que acabei de lhe falar. Já entendi tudo e no seu lugar teria agido até pior que você. No meu relatório vai apenas constar que houve um mal entendido, mas vou querer conhecer tudo lá fora. Você deve ter muito mais coisas para dizer e estou curioso. Vamos tirar uma pausa para o almoço e depois continuaremos.
--- Que ótimo amigo, estou precisando disto! Até que enfim vou sair desta agonia que não me deixa dormir e nem me alimento direito.
Ambos deixaram a sala e partiram para o restaurante da clínica.
Depois da refeição voltaram para o consultório.
Miranda já ia deitando-se no divã, quando Samuel lhe disse:
--- Miranda, a pesquisa clínica já terminou. Você não tem nada, mas quero saber tudo sobre o assunto.
--- Quanto me agrada ouvir isto de você. São tantas as coisas que Garcia me disse que até faço confusão. Vou lhe contar como foi o início dos problemas dele.
Segundo me disse, morava numa pequena fazenda do interior de São Paulo. Seu trabalho era de administrador de produção de uma área de plantio de algodão. Residia com a esposa e dois filhos ainda pequenos numa das casas para empregados. Certa noite, muito quente, resolveu dar uma volta pelos arredores, quando notou uma espécie de estrela cadente riscando o firmamento. Em seguida viu uma forte claridade nas proximidades e foi olhar mais de perto. Andou uns quinhentos metros e, de repente, contra sua vontade se viu levado para dentro de um grande objeto esférico.
Ficou muito assustado, mais ainda quando estranhos homens que lembrava os chamados Ets se aproximaram falando normalmente e lhe disseram:
--- Necessitamos de uma cobaia humana e você serve.
Com um terrível medo, mal balbuciando as palavras, perguntou:
--- Vão me matar?
--- Não, você conhecerá coisas que nunca imaginou. Viajará pelas estrelas, terá uma vida muito longa, mas nunca mais voltará para a Terra.
Garcia ficou até feliz por saber que não lhe fariam mal.
Até neste ponto da história julgava-o paranóico. Mas como sabe, nossa profissão é ouvir o paciente ao máximo para encontrarmos a solução. Então continuei:
Garcia, por que queriam você como cobaia? Explicaram?
--- Sim, disseram simplesmente que em planetas do tipo da Terra eles não podem descer, que já haviam tentado isto, mas que foi desastroso, inclusive devido a um terrível vírus que não conseguiram controlar, visto serem diferentes das espécies que habitam planetas rochosos.
--- Então você não esteve no planeta deles? Perguntei.
--- Da mesma forma que eles não podem andar pela Terra, com certeza eu também não poderia descer onde vivem.
--- Mas como então eles entraram em contato com você? Tornei a perguntei.
--- Eles não me tocaram, estou vivendo dentro do crenomo desde o primeiro instante, mas não sabia.
--- E no momento Garcia, onde está este tal de crenomo?
--- Doutor, você não pode vê-lo, deixei lá fora antes de entrar aqui.
--- Não pode escapar agora? Perguntou Miranda.
--- Não ele vai atrás de mim e sou chupado para dentro, ele me controla. Para lhe ser franco, nem sei o que sou. Da forma que você me vê eu também me vejo.
--- Por que veio aqui? Por que não vai ver sua família?
--- Sou parte da máquina, assim penso. Apenas saio dela quando me permite.
--- Bem Samuel, achava tudo isto uma tremenda de uma idiotice.
--- Entendi Miranda, continue a contar sobre os planetas.
--- Bem, continuemos com as palavras de Garcia.
--- Em vários lugares onde estive só existiam animais, em paisagens primitivas. Pelo jeito não são muitos os planetas habitados por seres inteligentes. Vários lugares são habitados por hominídeos de todos os formatos. Por vezes enormes, ora tão baixos que não passam de um metro. O planeta que mais me chamou a atenção possuía dois sóis e uma civilização avançadíssima. Chegaram a capturar o cremono e a ter contato com os seres que me encarceram nele. Houve entendimento porque depois, já estava de novo me aproximando de algum outro astro.
--- E como faz para se alimentar?
--- Desde que saí da Terra não como ou bebo nada, meu organismo é controlado pela máquina. Sei apenas que estou vivo e que não necessito de nada para viver.

O relógio do consultório de Samuel já marcava mais de l8,00 horas e a narrativa de Miranda não parecia ter fim. Foi quando o chefe da psiquiatria disse ao amigo:
--- Miranda, tudo que vem contando faz sentido, mas é tão fantástico! Ele não deixou algo, alguma coisa qualquer, pois todos os registros que falou não existem, nada para apoiá-lo.
--- Sim, tem razão! Havia me esquecido. Ele me presenteou com isto! E entregou ao amigo um pequeno cilindro de cerca de 5 centímetros de comprimento por 0,5 centímetros de diâmetro. Um objeto transparente igual a qualquer pedaço de vidro.
--- Mas isto é vidro! Samuel disse até irritado.
--- Então experimente quebrá-lo. É mais resistente do que qualquer coisa que já vi.
As horas haviam passado e a secretária Silvia já estava ansiosa, aguardava o chefe o dia todo. Nisto sua auxiliar que também esperava o médico para poder sair perguntou:
--- O que está fazendo o Doutor sozinho no seu consultório?
--- Não sei, só vi ele sair para o almoço e logo voltar. Respondeu Silvia.
--- Muito estranho. Disse Neide.
Para alívio de ambas, o Doutor Samuel saiu do consultório e fechou a porta, em seguida chegou até elas e perguntou:
--- Vocês viram se o Doutor Miranda saiu?
--- Quem é o Doutor Miranda? Retrucou Silvia.
--- Ora, vai me dizer que não o conhece! Era só o que me faltava!
--- Nunca o vi Doutor, é algum amigo seu?
O médico saiu correndo e as duas se olharam.
--- Será que o Doutor pirou? Você conhece esse tal de Doutor Miranda? Perguntou Silvia. --- Nunca vi tal médico. Vamos embora que já passou muito da hora de sairmos.

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