domingo, 5 de outubro de 2014

A VOLTA


Depois de um ano no mundo dos terrestres, Corin já se comunicava perfeitamente com os humanos. Regis então o chamou e disse:
— Agora que já faz algum tempo que está entre nós, você compreende que viemos de muito longe. Entende que seu mundo é uma bola igual a muitas outras. Percebe que seu povo precisa aprender muito para se desenvolver.
Você gostaria de saber mais, muito além do que imagina?
— Gostaria sim Regis.
— Bem, então vamos levá-lo para seu povo. Depois de um mês voltaremos para buscá-lo no mesmo lugar da primeira vez, lembre-se que ninguém poderá chegar perto do transportador. Você teve muita sorte por estar vivo.
— Regis, posso trazer Silas comigo?
— Quem é Silas, sua namorada?
Corin acenou afirmativamente com a cabeça. O Chefe da Central então respondeu:
— Está bem, você poderá até ajudá-la a se instruir.
Lembre-se, ainda aprendeu muito pouco, poderá vir a ser igual a qualquer um de nós, o que será de importância fundamental para sua nação.
Escrevemos uma longa carta para ser entregue ao seu Rei. Uma grande quantidade de sementes para plantio também seguirá. Dentro de algum tempo não haverá mais fome nas aldeias.

Qual não foi a surpresa dos aldeões ao ver Corin transitar como antes entre eles. Olhavam assustados para o moço, que calmamente se dirigia aos portões do Forte.
O interessante era que Tropo já o esperava, simplesmente pediu a Jasun:
— Traga Corin a minha presença. Sabia que ia voltar.
Mais amigo que servidor, Jasun foi até o portão e subiu as escadarias acompanhando o jovem.
Corin se apresentou e entregou um grande envelope ao Rei, este abrindo retirou um bloco de folhas considerável, tornando a recolocá-las. Dirigindo-se para o moço, disse:
— Você vai voltar, não estou certo?
— Dentro de um mês Majestade.
— Tem alguma coisa a me dizer?
— Sim. No alto da Serra tem sementes, pediram que as plante. Darão frutos que eliminarão a fome de nosso povo.
— Você sabe o que está escrito nestas folhas?
— Não Majestade.
— Um dia antes de seguir viagem, venha buscar minha mensagem.
Depois de conversar com o Rei, Corin foi para a casa de Silas. Esta soubera que ele se encontrava na vila desde a aurora. Estava raivosa, não queria nem olhar para o moço. Sentia-se desprezada.
— Silas, voltei!
Ao contrário do que esperava, utensílios domésticos começaram a chover sobre ele.
— Mas Silas, para que fazer isto, eu amo você!
— Não vem com conversa, faz muito tempo que me deixou, sem nenhuma explicação!
Chorei muito, pensando que estava morto.
Está vivendo com alguma outra e ainda quer que entenda?
— Não é nada disso. Preciso que você se acalme para tentar lhe explicar. Vou lhe contar tudo.
Levou dois dias para Silas se conter e escutar o namorado. E para entender? Isto ele não conseguiu, mas prometeu que a levaria. Ao dizer que iriam juntos, encontrara a chave do impasse. Para confirmar, Corin perguntou-lhe:
— Silas, já lhe expliquei várias vezes onde estive e que vou voltar. Preste a atenção, volto a lhe perguntar, você irá mesmo comigo?
— Vou! Não importa para onde.
— Então terei que lhe ensinar algumas coisas.
A moça era órfã de pai, morrera na guerra. Estava decidida a partir com Corin, falou com a mãe. Esta chorou, mas não podia impedir a filha, disse então que ia viver com a irmã na aldeia vizinha.
Onde chegava, os curiosos o rodeavam, queriam saber se estivera mesmo no mundo dos espíritos. Ele negava e dizia que havia morado em outro mundo. Alguns acreditavam, outros achavam que era brincadeira.
As semanas passaram, na véspera do dia marcado Corin foi falar com Tropo, este lhe deu uma carta e um grosso livro para levar.
Avisou Silas que partiriam de madrugada e que não avisasse ninguém. Durante aquele mês procurou preparar a moça, mas não lhe dava muita atenção, no fundo não acreditava no rapaz.
A escuridão era total quando Corin, munido de um archote, bateu na porta e chamou:
— Silas, vamos! Não temos muito tempo.
Como a maioria das mulheres, não estava totalmente pronta, de qualquer forma apareceu logo, puxando uma grande mala.
— Para que isto? Não vai ser preciso, lá tem de tudo.
— Não vou sem ela!, afirmou taxativa a moça.
— Está bem Silas! Então vou ter de ir a pé, o animal não vai aguentar.
Puxando os dois quadrúpedes, em um deles colocou o pesado caixote e no outro a namorada. A mãe abençoou o casal e eles atravessaram as tortas ruas do povoado, tomando o rumo da serra.
Duas horas depois, estavam subindo a trilha que dava para o alto da montanha, foi quando Silas exclamou:
— Então é verdade! Você não estava mentindo!
— Prova que você me conhece muito pouco, nunca iria mentir para você. Agora se quiser voltar, terá de fazer sozinha, logo eles chegarão e preciso estar lá.
A jovem não respondeu, além do frio da noite, outro lhe correu pela espinha.
Corin estava cansado, mas logo estariam no topo. Com o archote e ainda lembrando do tempo que era mensageiro, seguia com segurança o caminho.
Chegando ao cume, desceu a namorada e a pesada mala. Retirou os arreios dos animais e os soltou. Em seguida providenciou uma fogueira para rebater o ar gelado.
Silas estava pálida, seu belo rosto moreno parecia totalmente branco. Embutida na grossa vestimenta ainda tiritava de frio e medo. Corin puxou-a para si e procurou acalmá-la.
— Veja aquele ponto luminoso, são eles.
A moça olhava assustada e nada dizia, apenas se segurava no namorado. Estava apavorada, mais ainda quando a nave aterrissou. Com os olhos arregalados, via as fortes luzes. Não desmaiou porque Corin a avisara. O medo que sentia era tanto que lhe impedia andar. Acabou sendo carregada para o transportador junto com o precioso baú.
— Silas, abra os olhos, está tudo bem!
— Não está não! Não sei se estou para cima ou para baixo. Estou com medo. Balbuciou a moça.
— É assim mesmo, logo chegaremos e tudo voltará ao normal.
Apesar de tudo, até chegarem a base ela até se recuperou, confiando no namorado. O problema foi na hora de tirarem sua roupa para a descontaminação.
— É preciso Silas.
— Ninguém me toca! Não deixo! Esquecera até que estava flutuando.
Foi preciso tempo para convencê-la. Por fim aceitou, mostraram onde devia entrar e, sem ninguém perto dela se desfez das várias peças que ficaram suspensas. Quando saiu vestia a túnica que lhe deram. Passou pelo mesmo processo que Corin havia experimentado, com uma diferença, o namorado estava sempre perto e a orientava em todos os momentos.

Corin levou a carta e o grande livro para Regis.
Tomando conhecimento do conteúdo da correspondência, o chefe da Central convocou os principais membros e pediu a presença do comandante.
— Senhores, li a mensagem de Tropo. É extremamente surpreendente o que nos diz. Quero que cada um tome conhecimento, passando inicialmente o documento para Marcos.
O comandante, de posse do papel, pediu a Jansen que o traduzisse e fizesse a leitura em voz alta. Antes porém, Regis alertou que o assunto deveria ser comentado somente entre os presentes, assim, examinou o ambiente e pediu o fechamento das portas.
Ficaram boquiabertos diante do conteúdo. O Padre Santos foi o primeiro a comentar:
— Estamos diante de algo que nos parece impossível, lógico para nós simples mortais. Pelo que vimos, nossa missão apenas está começando. O livro que nos enviou deverá confirmar o que nos diz.
Todos concordaram com o Padre. O assunto era delicado, assim, resolveram pela não divulgação.
Terminado a conversa, o Comandante Marcos, aproveitando a reunião, disse:
— Desde que chegamos a este planeta, tenho deixado o trabalho de aproximação para vocês. Quero que entendam, se a descida na superfície não envolvessem situações como as que apareceram, nós já estaríamos lá, sem nenhum auxílio. Minha capacidade é técnica e, sinceramente nunca me dediquei a problemas diferentes. Pouco poderia resolver no rumo que está tomando nossa fixação. Se concordarem, vou redigir um documento oficial dando livres poderes a Regis para assumir um comando paralelo. Dessa forma, me sentiria melhor, cuidaria apenas tecnicamente do navio.
A anuência foi geral. Conforme vinha acontecendo, tornava-se difícil o trabalho. A Central muitas vezes ficava inibida em cada atitude que ia tomar, sempre precisando da autorização do comandante. Este por sua vez parecia totalmente leigo nos assuntos, fora então o melhor caminho.

Após alguns meses, Silas sentia-se feliz, nunca imaginara nem em sonho, viver da forma que estava. Muito ativa e ainda auxiliada por Corin, já começava a falar a linguagem dos terrestres. A presença dos dois na cidade já não era nenhuma novidade, mais ainda, eram bem quistos. Eles por sua vez, não mais estranhavam aquele povo sem pelos.
Conversaram com o Padre Santos, se casaram e ganharam uma das residências. O trabalho deles era o estudo, todos os dias recebiam aulas. O plano da Central: qualificá-los para professores. Logo que estivessem prontos, grupos da superfície receberiam ensinamentos. A pretensão era levar conhecimentos aquele povo primitivo.

No castelo, Tropo passou tempo lendo e analisando as várias folhas que recebera dos Terráqueos. Não havia mais dúvidas, como já sabia, eles haviam chegado. O momento das decisões se iniciavam, fora o escolhido. Então que assim fosse. Chamou a esposa:
— Vina, o que esperava vai acontecer. Vamos passar por períodos de muita fartura, por alguns anos tudo correrá bem. Vamos receber muita ajuda.
— De quem, de onde?
— Do alto, do céu. Corin foi o mensageiro, já distribui as sementes e orientei como plantá-las. Aqui nestes papéis está tudo explicado. Jasun está acompanhando nosso povo. Quando a colheita for feita, vamos ter um novo tipo de alimento.
— De que sementes está falando? Não estou entendendo nada.
— Vieram de cima, conforme estava escrito.
— Escrito onde?
— Nos livros antigos. Tem mais uma coisa Vina, em breve ensinarão nossos filhos.
— Meus filhos, serão ensinados por mim!, esbravejou Vina.
— Você ainda vai entender.

As sementes foram plantadas, a terra do vale era muito fértil. Germinaram e cobriram muitas áreas.
As produções de trigo, milho e outros cereais foram ótimas. Tropo passou a todos, as formas de preparo dos alimentos, e o povo se deliciou com as novas iguarias.
Restava ao Rei cumprir a última instrução.
Mandou chamar Jasun. Este vistoriava os improvisados silos quando foi avisado. Não demorou em atendê-lo.
— Quero falar com Sato, você mesmo deverá formar uma comitiva e convidá-lo a vir me visitar. Se não quiser, peça para permitir que vá até ele. Diga ser importante o que tenho para mostrar.
Jasun foi até a nação vizinha e convidou o Rei dos Nogos. Sato, depois de muito pensar, resolveu aceitar o convite, dizendo:
— Fale a Tropo que estarei lá dentro de seis dias. O Servidor voltou e deu o recado ao seu Rei.

Passados aqueles dias, Tropo mandou preparar um verdadeiro banquete, só com os novos alimentos.   
Recebeu festivamente o ex inimigo que trouxera a esposa e vários auxiliares.
Estavam para iniciar a refeição, quando Sato estranhando as coisas que via, esperava o anfitrião começar. Este, percebendo, logo passou a comer e deu sinal aos da casa, o que foi seguido pelos convidados. A medida que o Rei dos Nogos e seu grupo ingeriam os alimentos, não deixavam de elogiar o que saboreavam.
Vina se entendera muito bem com Tat e logo estava mostrando o casal de filhos e suas coisas. Nascia ali, naquele momento uma união. A esposa de Sato também era mãe de um casal, quase na mesma idade, ambas tiveram muito assunto.
Tropo, depois do farto banquete, levou Sato com o grupo para conhecer os estoques daquela aldeia. Quando voltaram, pediu ao então quase amigo para conversarem. Ambos sentaram, um frente ao outro, junto a uma pequena mesa, o que lembrava a última vez que se encontram. Difícil era distinguir a fisionomia de ambos, faces peludas e cabelos longos, mesma altura, mesmo corpo, a única diferença era que o Rei de Suma possuía cabelos castanhos.
— Sato, o convidei para vir me visitar, justamente para que saboreasse a comida. Os alimentos são frutos de sementes enviadas por um povo que vive fora daqui, doadas sob a condição de que depois da colheita deveria distribuí-la para sua nação. Mandei escrever a maneira de plantar, como colher e a forma de preparar os produtos. Também, como a safra deve ser guardada. Quando voltar lhe entregarei as instruções. Não há comparação com os cereais que produzíamos.
— Não sei o que dizer. Isto para nós é a salvação. Mas, de onde é esse povo?
— Não sei muito bem como explicar. Nosso mensageiro Corin desapareceu por algum tempo, de repente voltou e me trouxe uma longa carta e as sementes foram deixadas no topo da serra principal. Vieram do alto, do céu.
— Acredito Tropo, nunca vi por aqui tais alimentos. De qualquer forma agradeço sua generosidade.

 Aquela confraternização selara em definitivo a paz entre os dois países.

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