AS VIAGENS DOS REIS
Tropo, após a confraternização
com Sato, começou a analisar os fatos. Primeiro fora a interferência do
combate, depois o sumiço e a volta de Corin com as sementes.
Sentia estar vivendo uma
passagem importante da história. Perguntava a si mesmo:
— O que estarão pretendendo?
Se quisessem tomar o reino, com certeza poderiam fazê-lo.
Buscando outro grande livro
do passado, procurou decifrar as mensagens. As páginas corroídas pelo tempo
falavam sobre os antigos que viviam onde o gelo não existia, sobre guerras
incríveis, onde raios eram armas e as batalhas eram travadas no ar.
O livro que entregara a
Corin, falava da chegada de um povo do céu que viria salvar o mundo. Aquilo
estava bem claro. Arrependera de havê-lo doado, gostava de folheá-lo. Pensava
que nesse outro também encontraria a mesma mensagem.
As horas passaram, Vina por
várias vezes já o havia chamado para dormir, mas debaixo dos archotes,
continuava a procura.
De repente, a esposa ouviu o
grito do marido:
— Encontrei!!
Ali, quase no final do
volume, estavam as profecias de Skantro, dizendo com muita clareza: quando tudo parecer estar perdido os homens
do céu virão para a salvação.
Tropo temia serem
verdadeiras as predições, acreditava nelas.
Na Roda as coincidências
foram muitas. O Padre Santos não duvidava de que todos ali tivessem sido
predestinados a salvar Marino. Percebera isto, quando a nave sozinha, sem
qualquer ação sobre a direção viera ao sistema. Esta opinião guardava com ele,
comentara isto somente numa das primeiras reuniões com os membros da Central.
Regis entregou o livro que
Tropo lhe dera ao próprio Corin, para traduzi-lo dentro do possível. Antes,
porém, observando marcas em alguns textos, junto com o moço conseguiu descobrir
a mensagem principal. Entendendo o objetivo do Chefe Sumano, pediu ao jovem:
— Não comente nada disto, no
momento não será oportuno. Não quero que os habitantes daqui saibam.
— Entendo. Não se preocupe.
Quanto a tradução, vou demorar para entregá-lo, pois só agora é que estou
associando as duas línguas, ainda tenho dificuldades.
Os meses passaram, Silas esperava
o primeiro filho, recebia cuidados especiais, mas não a liberavam dos estudos.
Dia a dia tanto Corin quanto ela aprendiam cada vez mais. Estavam sendo
instruídos através de um processo intensivo.
Contrariando um pouco os
membros da Central, Corin cortou a cabeleira, raspou os pelos do rosto e aparou
os do corpo. Com isto, tornara-se igual aos locais. Silas, mais vaidosa ainda,
raspava-se toda frequentemente. Fizeram isto por dois motivos, primeiro porque
achavam bonita a aparência dos terrestres, segundo porque para eles o ambiente
era quente.
Regis não gostou, seu
propósito era trazer pessoas de Marino para serem instruídas, queria que vissem
nos dois professores a imagem deles. Corin dizia que isto não iria atrapalhar o
importante era que conhecia a cultura de seu povo e saberia agir.
O ex-mensageiro depois de
quase três anos, com os ensinamentos que recebia, já conhecia o suficiente para
se igualar aos habitantes da Roda. A esposa não ficava atrás, ambos entendiam a
finalidade. Percebiam claramente que os terrestres só não desciam porque
precisavam formar um bom relacionamento com seu povo. Portanto levaria algum
tempo para se estabelecerem no solo.
Nesse período, por votação
popular, todos concordaram em viver na Roda. Viagens a superfície seriam
somente as necessárias, na atmosfera os gastos de combustível eram grandes. O
controle era prioritário diante da intenção da Central, a de salvar a população
do planeta. Conforme Jansen, inundações ocorreriam nos próximos anos, muitos
equipamentos e veículos seriam utilizados.
Corria o mês de Junho de
413, foi no dia 10, Silas sentira que chegara a hora, Corin apertou a tecla
para atendimento. Segurando a mão da esposa, acompanhou-a até a porta da
maternidade. Não demorou os gritos de um forte garoto logo se fez ouvir. Estava
completa a felicidade do jovem.
Um mês depois, foi chamado
na Central.
Logo que entrou, Regis veio
ao seu encontro:
— Corin, precisamos de sua
ajuda. Queremos que traga Tropo até aqui, você já está qualificado para dar
aulas.
Chegou a hora do verdadeiro
trabalho, mas não vamos poder executá-lo sem antes nos entendermos com o Rei.
Quero que você explique detalhadamente o que irá passar na viagem, para não ter
surpresas.
— — —
Tropo após o término da
guerra passou a vistoriar seus domínios. Visitava camponeses, levando sementes
e alimentos. Sentia que seu povo estava feliz. Passava dias e até meses em suas
andanças. Atravessou florestas, rios e chegou até o mar. Parou em muitas
aldeias, em todos os lugares era sempre aclamado. Sua última viagem fora no
território dos Nogos, para visitar Sato, este o recebeu como amigo parecia até
que nunca haviam guerreado.
Quem não gostava das longas
ausências era Vina, não sabia o que fazer para prendê-lo em casa. Pensava:
— Antes era a maldita
guerra, e agora? Sempre encontra um motivo, parece que nada represento para
ele.
O difícil para Vina era a
distância que a colocavam. Nenhuma amiga, as mulheres da aldeia não se
aproximavam dela.
Era Rainha, mas também era
gente. A criadagem se limitava às tarefas e não parava sequer para uma palavra.
Kiria e Jasp nunca estavam perto, sempre brincando ou recebendo aulas das
pessoas que Tropo contratava. Para ela os dias eram longos.
Estava perdida na análise de
sua existência, quando o barulho de abertura do grande portão a alertou, correu
para a sacada e um sorriso modificou seu rosto. Era o Rei que finalmente
voltava. Subiu rapidamente as escadas e entrou dando-lhe o costumeiro abraço.
Quando o marido chegava era
sempre a mesma coisa, esquecia a raiva e acabava nunca dizendo nada a ele.
Daquela vez não ia ser assim, prometera para si mesma.
No dia seguinte, como de
hábito quando estava em casa, Tropo passava horas com seus velhos livros.
Estava debruçado sobre um deles quando Vina se aproximou dizendo:
— Preciso falar um pouco com
você.
— Fale Vina, continuando a
leitura.
— Deixe um pouco seus livros
e me ouça. Nunca reclamei, mas você não tem se importado comigo.
— Mas Vina, eu te amo.
— Não parece. Me deixa aqui
sozinha, nunca sei onde vai, onde está. Antes era a guerra, até compreendia,
mas agora não há justificativa para ficar tanto tempo fora.
— Como não Vina! Sou o Rei,
preciso conhecer meus domínios.
— Você também é marido e pai
e precisa reservar um tempo maior para sua família.
Tropo ia revidar, mas
refletiu e viu que a esposa tinha um pouco de razão, gostava dela e não queria
vê-la daquele jeito. Pensou um pouco e disse:
— Bem Vina, não vou poder
ficar sempre em casa, preciso continuar em contato com meu povo, quando tiver
de ir a algum lugar que tenha de demorar, se você puder e quiser, poderá seguir
comigo. Os filhos ficarão sob os cuidados de Jasun.
— Está bem Tropo, vou cobrar
esta promessa.
Depois dessa conversa o Rei
resolveu ficar mais tempo no “Castelo”, procurando dar mais atenção à esposa e
aos filhos.
Uma semana após, estava no grande pátio
andando e refletindo, quando ouviu vozerio no portão, foi saber o que estava
acontecendo. Um dos guardas lhe disse:
— Tem aí fora um homem sem pelos,
quer falar com Sua Majestade, diz que é Corin, mas ele eu conheço.
— Pode deixar entrar.
— Mas Majestade!
— Faça o que estou
ordenando!
O guarda abriu o portão e
Corin entrou. Realmente estava diferente, não parecia com gente do lugar. Logo
que viu o Rei, reverenciou e disse:
— Majestade, me mandaram
novamente para dar-lhe um recado.
— Suba, vamos para o salão,
lá conversaremos.
Tropo sentou-se na grande
poltrona junto a mesa de audiências, mandando Corin fazer o mesmo.
— Diga-me agora, para que
veio?
— Regis é o chefe da cidade
do céu, me pediu para convidá-lo a ir até lá, gostaria também que a Rainha
acompanhasse.
— Quando partiremos?
— Amanhã. Devo dizer-lhe que
só voltarão dentro de alguns dias. Se aceitar e se me permitir ficar aqui,
poderei lhe fornecer muitas explicações que serão necessárias para a viagem.
Tropo chamou um criado e
mandou preparar acomodação para o moço. Depois pediu a presença de Vina. Quando
esta entrou não reconheceu o jovem e estranhou a ausência dos pelos.
Falando para a esposa:
— Vina, vou viajar, você irá
comigo?
A mulher sorriu e se
interessou, perguntando:
— Para onde?
— Para o céu.
— Não brinque comigo na
frente de estranhos. Disse magoada, pensando que o marido a humilhara.
— É verdade, Corin mora numa
cidade muito acima das nuvens e é para lá que vamos. Ele nos vai explicar e
orientar.
Corin contou então sua história,
com todos os detalhes. Tropo ao contrário da esposa não parecia nem um pouco
surpreso, em nenhum momento discordou, mostrando acreditar em tudo que lhe era
dito. Vina, arredia, achava impossível as coisas que ouvia, mas iria com o
marido.
Tropo chamou Jasun,
recomendou sobre os filhos e disse que partiriam de madrugada, apenas com o
rapaz, ninguém deveria segui-los. Observou para que cuidasse de tudo enquanto
estivessem fora e, se demorassem, que não houvesse preocupação.
O local era o mesmo, muito
conhecido por Corin. Alta madrugada e frio cortante. O Rei estava tranquilo,
nunca demonstrava emoções. Vina, pelo contrário, sentia medo e se apavorou
quando aquela coisa desceu soltando fogo. Naquele momento estava arrependida de
ter falado com o marido. Mas os dois ao seu lado diziam para que não se preocupasse
que nenhum perigo havia.
Por ordem de Regis, o
assento onde Tropo se afivelara ficava frente a um dos visores. Assim, durante
a trajetória até a Base, viu detalhadamente o seu mundo.
Na cidade dos humanos,
informados pelo piloto Kleber que tudo corria bem, que os convidados estavam
tranquilos, Regis preparou uma recepção.
Todos os membros da Central,
o Comandante Marcos e outras pessoas, sob a liderança de Regis acolheram
festivamente o peludo homem e a esposa. Em seguida os levaram para um quarto
especialmente preparado para eles.
Corin servia de interprete e
guia, entrou com os dois no aposento, informando detalhadamente a utilidade dos
objetos. Mostrou-lhes o banheiro e os sanitários e como funcionavam. Disse que
se quisessem sair, poderiam caminhar pela cidade, que estivessem a vontade,
descansassem, pois o encontro seria no dia seguinte. Observou que voltaria com
a refeição e se precisassem dele era só apertar um botão, que mostrou na
parede. Indicou os frutos sobre a mesa, dizendo que experimentassem. Cumprida a
missão, fez reverência e deixou o casal a sós.
Tropo sentiu-se aliviado,
precisava de um descanso, a postura que mantivera até aquele momento
contrariara a expansão de seus medos. Se ele que era homem, sentia-se
estraçalhado, quando mais Vina que fez tudo para imitá-lo.
Olhou para a esposa e
sorriu, mas um sorriso diferente, de quem elogia, de quem confia e compreende.
Expressão que captou, sentou-se ao lado dele e se aconchegou em seus braços.
Ficou muito tempo naquela posição, sem nada dizer, até pouco a pouco seu
coração diminuir a palpitação.
— Onde estamos, que lugar é
este?
— É a cidade do céu,
lembra-se. Viemos num carro que nos trouxe até aqui.
— Veja estas coisas, tudo
brilha. É claro como o dia, como é lindo tudo isto. Disse Vina, ao remexer a
penteadeira.
— Nossa! Que panos bonitos!
, abrindo um armário.
Esquecida da angustiante
viagem passou a vistoriar o apartamento, se entusiasmando com tudo que via.
Tomou banho e falou para Tropo fazer o mesmo. Comeram os frutos, deitaram na
macia cama e adormeceram.
Acordaram com o barulho da
campainha. Era Corin que empurrando um carrinho, trazia farta refeição. Viera
com Silas, que embora houvesse morado na aldeia, não era conhecida deles. Fez
reverência e foi apresentada pelo marido.
Vina ficou contente, teria
alguém para conversar. Estranhando a falta de pelos da moça, perguntou:
— Por que vocês tiraram os pelos?
— Aqui é quente para nós
Alteza, temos de raspá-los para nos sentir aliviados.
— Mas não estou sentindo
calor.
— É porque este quarto foi
preparado por eles com clima igual ao que estão habituados.
— Amanhã enquanto os homens
se reúnem se quiser conhecer minha casa, ficarei muito contente. Quero que
conheça meu filho. Depois vou lhe mostrar a cidade.
— Quero sim Silas. Será que
tudo que estou vendo não é um sonho?
— Quando me trouxeram,
também não acreditava, demorou tempo para me acostumar. São gente como nós,
apenas não são peludos porque o lugar onde viviam era muito quente.
Agora precisamos ir, amanhã
virei buscá-la.
Enquanto as duas tagarelavam,
Tropo e Corin não conseguiram trocar palavra, apenas se despediram.
Novamente a sós, comeram os
alimentos e ficaram maravilhados com os saborosos pratos.
Totalmente recuperados,
saíram e viram o bonito céu artificial. O período era noturno e as imitações
astrais fulguravam salientando a bela lua. Para os dois, acostumados ao negrume
de suas noites, aquilo era um espetáculo esplendoroso. De surpresa em surpresa,
andaram por cerca de uma hora e depois voltaram. Viram as pessoas do lugar
transitando e muitas luzes.
No apartamento, apertando os
botões que Corin mostrara, acabaram ligando o som. Adormeceram sob acordes de
belas melodias.
Em Vale Verde, Kiria
perguntava a Jasun da mãe, enquanto Jasp se enfunava em uma banqueta. Muito
bonita, cabelos castanhos iguais ao do pai, olhos escuros e pelos ralos. Nos
seus oito anos, tudo lhe era colorido, as flores, a paisagem e o azul celeste.
Naquela noite sentia medo, pela primeira vez a mãe não estava por perto. No
pai, nem pensava, sempre ausente, não fazia diferença.
O menino vivia no mundo da
fantasia, passava parte do dia de espada em punho, destruindo seus fantásticos
guerreiros. Fora Jasun quem a fizera da melhor madeira que encontrou. Estava esperando
o bom homem terminar a lança, com as duas armas ninguém o venceria.
Sanka e Truf passavam horas
ensinando os dois a ler, escrever e fazer contas. Kiria era a mais interessada,
Jasp só pensava em ficar com os amigos para travar intermináveis batalhas. Cat,
o aurun, parecido com o cão
terrestre, vivia a pular em volta dos irmãos.
Ambos, sentiam falta da
protetora de seus sonos, embora Jasun fizesse tudo para substituí-la.
Com seus quase sessenta
anos, viúvo e sem filhos, estimava o casal ao ponto de dar sua vida por eles.
Homem rústico, lutou ao lado do antigo Rei e o amparou quando foi trespassado
por uma lança. Não esquecia da promessa que então fizera, de que cuidaria de
Tropo.
Quando as duas crianças se
acomodaram, o velho servidor também se retirou para o devido descanso.
Na Roda, os preparativos
para a reunião haviam sido consumados.
Logo de manhã, Silas,
conforme prometera, foi buscar Vina, ambas guardavam muitas coisas para
conversar.
Regis, acompanhado de Corin,
foi pessoalmente pedir a presença do Rei, antes porém, o levou para um farto
café da manhã. Tendo ao lado o interprete, perguntou-lhe:
— Sente-se bem Majestade?
— Muito bem, embora tudo me
pareça estranho.
— Um dia também vão
construir coisas iguais as nossas.
Depois de saciados, seguiram
para a Central, onde um grupo selecionado já os esperava. Todos saudaram Tropo
e indicaram sua cadeira no topo da mesa. Regis ficou próximo dele e, após se
acomodarem, iniciou:
— Majestade, é muito
importante sua presença entre nós. Enquanto falava, Corin, como já vinha
fazendo, ia traduzindo.
Regis explicou a Tropo que
sua ida à Roda era decisiva para uma aproximação com os humanos.
Elogiou o alto grau de
cultura daquele homem, aparentemente primitivo. Depois de outros pormenores,
pediu que observasse o quadro a frente.
O Rei surpreendeu-se quando viu
sua aldeia próxima e depois a distância. Mostraram-lhe o planeta em todos os
ângulos, o suficiente para que entendesse. Recebeu uma verdadeira aula de
astronomia e geologia. Interpelou o tempo todo, sempre recebendo respostas para
suas dúvidas. Além do que, estava de posse de um manual previamente preparado,
redigido na sua língua.
Percebendo que Tropo havia
entendido as mensagens visuais, Regis entrou no objetivo, dizendo:
— Majestade, sua capacidade de
aprender é fabulosa, vimos isto quando nos mandou sua mensagem e o livro.
Antecipou nosso trabalho. Sou obrigado a dizer-lhe que está com razão. Estamos
aqui por uma força muito maior, que rege o Universo, tão grande que os
antepassados de seu mundo já sabiam de nossa vinda. No entanto, é importante
que saiba que somos seres iguais aos de sua espécie.
— Mas vocês não são peludos
como nós.
— Isto é simples de
entender. Fizemos uma retrospectiva de seu planeta para lhe mostrar.
Veja, sua terra e a de Sato,
se estendem na linha do equador. Do outro lado do globo também existe uma faixa
que desconhecem, está separada pelo mar. Alguns grupos primitivos vivem lá, são
poucos.
Já lhe mostramos que o calor
do sol impede geleiras onde moram. Vocês são sobreviventes de um mundo que não
era gelado, talvez até igual ao nosso. Nessa remota época não tinham pelos, ou
então menos que agora.
Enquanto Regis falava, uma
simulação era apresentada. Atento Tropo acompanhava as explicações de Corin,
que lhe repetia tudo.
O Padre Santos, o Comandante
Marcos, o Tenente e os demais se mantinham silenciosos. O tempo passava, em
nenhum momento notara-se fadiga no convidado. Cenas preparadas, mostraram
grandes cidades virem abaixo diante da fúria dos elementos e a inutilidade das
pessoas tentando fuga.
Regis continuou:
— E veio a catástrofe, um
cataclismo que envolveu todo o planeta. O gelo dos pólos cobriu os continentes,
depois a calmaria. Uns poucos sobreviventes que se esconderam em grutas
escaparam, por muito tempo tiveram que se sujeitarem ao frio. Os que
conseguiram viver chegaram a lugares um pouco mais quentes, na linha do
equador. Por ficarem milhares de anos sob o clima gélido, a natureza criou os
pelos que possuem em seus corpos para protegê-los.
Depois da explicação, parou
um pouco, dando tempo para que o Rei refletisse e perguntou:
— Majestade, entendeu ou
quer que lhe forneça mais detalhes?
— Entendi e aprendi muito,
esta história existe em alguns livros que tenho, mas nunca havia compreendido o
significado.
Terminada o que seria uma primeira parte da
conferência, Regis convidou todos para o almoço. Nesse meio tempo, o grupo se
manifestou, conversando com o convidado todos os tipos de assuntos.
O Rei familiarizou-se e a descontração
melhorou muito o ambiente. No almoço, Vina estava presente e muito alegre.
Sorria com facilidade ao lado de Silas.
Descansaram por duas horas e voltaram.
Retomado os trabalhos, Regis passou a Jansen a
responsabilidade de continuar as informações. Este, voltado às projeções,
mostrou ao Rei as geleiras do sul e do norte do planeta e as imensas
rachaduras, observando:
— Majestade, o período glacial está
terminando, muita água já aumentou o oceano, mas uma parte dela vai cair sobre
todo vale que envolve as aldeias, inundando tudo. Isto vai acontecer dentro de
vinte anos, não será agora.
Tropo, bastante preocupado, interferiu:
— Então vamos desaparecer!
— Não Majestade, por isto o
chamamos aqui, vamos ajudá-lo, mas antes era preciso que entendesse a situação.
Vão passar períodos difíceis, mas acreditamos que fomos encaminhados para o seu
mundo para auxiliá-los.
— Nos escritos antigos, o
povo do céu chegaria para nos salvar. Não entendia, agora compreendo e quero
que me ajudem.
— Bem, como estava dizendo,
as inundações cobrirão a faixa fértil. Aparecerão grandes rios e lagos, grande
área ficará livre das geleiras. A vegetação brotará e no correr de quinhentos
anos todo centro do globo ficará liberto e a vida invadirá todos os lugares.
Terminada a exposição, Regis
voltou a falar:
— Majestade, nada poderemos
fazer se não nos permitir, com o tempo haverá terra para todos, inclusive para
nós, que um dia teremos de morar com vocês e desfrutar da mesma vida.
Por enquanto vamos continuar
nesta cidade, poderemos ficar aqui por tempo muito longo, talvez nem seus netos
nos vejam chegar. Também poderemos enfrentar juntos o frio clima de sua terra e
logo descermos. Não somos mais que três mil, o planeta que habitávamos morreu,
portanto temos que encontrar nosso lugar. Se aceitar nossa ajuda, poderemos
ensiná-los e quando chegar a época das enchentes poderemos salvá-los.
Tropo ficou aturdido, mas
entendera que se não aceitasse, não iria conseguir socorrer seu povo. Em seu
íntimo, temeroso diante da repetição real das profecias, nunca diria não, assim
respondeu:
— Façam o que tiver de ser
feito, serei um aliado incondicional. Acredito que assim estarei cumprindo
minha parte.
— Agradecemos suas palavras.
Precisamos de seu apoio para que possamos levar avante nosso plano.
Pretendemos colocar na
superfície 125 casais, distribuídos em várias aldeias, tanto para sua Nação,
quanto para a de Sato. Esses homens e mulheres serão muito bem preparados para
orientar a população. Levarão equipamentos, mostrarão imagens e ensinarão o que
for necessário. Precisarão apenas de acomodações nos locais que ficarem.
Vamos precisar de bom
entendimento com os habitantes do planeta, assim, em benefício mútuo, estamos
preparados para receber 500 pessoas da superfície, em idades de 7 a 15 anos,
para transmitirmos a eles todo nosso conhecimento. Essas crianças e
adolescentes, meninos ou meninas, viverão aqui até se formarem e uma vez por
ano descerão para ver os familiares.
Majestade, sua presença é o
primeiro passo do grande trabalho que estamos assumindo. Assim, gostaríamos
mais uma vez que confirmasse seu acordo com nossos propósitos. Principalmente
sabendo que de sua Nação, aguardaremos 250 meninos ou meninas na idade que
falamos.
— Você disse 500, e a outra
metade?
— A outra será reservada
para Sato, visto que a Nação dele tem a mesma quantidade de habitantes. Quanto
a ele, se for possível, agradeceríamos se adiantasse todo assunto.
— Bem, entendi corretamente.
Como já disse, farei tudo que estiver ao meu alcance. Mandarei providenciar
acomodações para metade dos casais. Falarei com Sato. Quanto as crianças, serão
selecionadas, apenas me digam quando tudo deverá ser providenciado.
— Pretendemos descer dois
grandes transportadores, já com os professores, trazendo a garotada na volta.
Porém, ainda vamos treinar o pessoal que seguirá para as aldeias. Talvez dentro
de um a dois meses. Vamos lhe entregar um comunicador, para que possamos entrar
em contato, depois lhe explicamos como utilizá-lo.
— Se resolver incluir meus
filhos, quero que tenham orientação especial, que sejam preparados para reinar.
— Assim será feito
Majestade, mas devemos dizer-lhe que se Sato aceitar, os filhos dele também
receberão o mesmo tratamento.
Vendo que o principal
objetivo havia sido atingido, o Padre Santos comentou:
— Alteza, a vida é uma
dádiva preciosa. Se estamos aqui é porque o Criador Universal nos encaminhou e
nos direcionou para as atitudes que motivaram esta reunião.
— Concordo, por isto estou
aceitando plenamente a participação de sua gente.
A conversação continuou
naquele resto de dia e no seguinte, até ficarem esgotados todos os detalhes.
Tropo recebeu, em sua língua, as anotações completas de tudo que fora tratado,
com muitas ilustrações e fotos, para seu uso e para mostrar a Sato.
Permaneceu com a esposa mais
quatro dias, a pedido dos terráqueos. Tudo lhe foi mostrado, até uma visita a
base foi realizada. Corin foi o companheiro constante, incansável, tradutor e
guia durante sua estada.
Ganharam muitos presentes,
coisas que nunca imaginaram existir. Foram tantos, que adicionaram à nave um
veículo especial, para transportá-los em terra, junto com o casal.
Na partida, estavam felizes,
sorridentes agradeceram a hospitalidade.
Foram deixados de madrugada
perto do “castelo” ao lado de várias caixas. A vila estava erma, os guardas não
perceberam a silenciosa máquina, mas logo identificaram o Rei e a Rainha que se
aproximavam, abrindo imediatamente os portões.
Jasun ouviu ruídos e correu
para a sacada, percebendo que estavam de volta, foi ao encontro para
prestar-lhes auxílio.
Tropo, perguntando se tudo
havia corrido bem, pediu ao amigo para trazer as embalagens para o forte e
depositá-las no salão. O servidor já ia se retirando, quando o Rei completou:
— Peça ajuda aos guardas,
cuidado com os volumes.
Os homens, a medida que
levavam os engradados ficaram curiosos em saber como o Rei havia transportado
tudo aquilo. Mas quem iria perguntar? Assim, depois de algum tempo, colocaram
os objetos no local onde fora indicado e retornaram para suas funções.
Regis fez um balanço da
visita e a considerou extremamente satisfatória, muito mais do que imaginava.
Dali em diante, poderia dar sequência ao plano com maior liberdade. Restava
fazer o mesmo com Sato. Quanto aos indígenas do outro lado do planeta, eram
poucos e a região onde estavam, alta e limitada, uma ilha ou ponta de continente,
de qualquer forma não iriam sofrer as consequências do degelo.
O sol de Marino já brilhava
quando Jasum chamou as crianças, informando que os pais haviam chegado.
Levantaram de imediato, atendidas pela criadagem, tomaram banho, se alimentaram
e ficaram aguardando.
Tropo e Vina estavam
cansados, se mantinham na cama. Jasp, impaciente, ficou a andar pelos grandes
pavimentos, de repente voltou correndo para a irmã:
— Kiria, venha ver!
A menina, diante da
expressão de surpresa do irmão, correu a acompanhá-lo.
— Olhe! O que serão estas
coisas?
— É mesmo Jasp. O que será?
Tomara que Sanka e Truff não venham.
— Pela primeira vez a menina
não queria os professores.
Estavam em volta das caixas,
curiosos, quando os pais entraram e os abraçaram. Estavam tão empolgados, que a
primeira pergunta deles foi sobre aquele monte de coisas.
— São presentes que
ganhamos. Logo vamos abri-los, disse Tropo.
As crianças lembrando das
aulas e se incluindo na tarefa, perguntaram:
— E o estudo?
— Por algum tempo ficarão
dispensados, em outro momento vou explicar a vocês.
Os olhos de Jasp brilharam, o pai adivinhara o
que queria. Nisto, Jasun veio avisar que os mestres haviam chegado. Tropo foi
ter com eles, depois de alguns minutos voltou para o salão.
De surpresa em surpresa foram retirando
maravilhas dos embrulhos, que pareciam ter vindo de um conto de fadas.
Para Vina, roupas, tecidos,
toalhas, perfumes, joias, aparelhos para cozinha, tantos objetos, que pareciam
não ter fim. Muito mais do que admirara na casa de Silas e no apartamento.
Para o Rei, muitos livros,
revistas, bebidas, aparelhos para diversos usos, inclusive a caixa para se
comunicar com os terrestres.
Para as crianças, todo tipo
de brinquedo, coisas que sequer poderiam imaginar. Para completar, cadernos,
canetas, sapatos, meias, roupas e muito mais.
O Rei possuía fixação em
livros, assim diante da quantidade que ganhara, se sentia contente, poderia dar
vazão à sua curiosidade. Um pequeno dicionário fora composto, o que iria
possibilitá-lo de entender muitas coisas.
Queria saber tudo, passava
os dias tentando desvendar o conteúdo daquele farto material de leitura.
Instalou a caixa que lhe
deram, experimentou e funcionou, poderia falar com Regis quando quisesse.
Não quis perturbar a alegria
familiar, por isto não havia dito nada a esposa. Naquela primeira semana, não
saíra, esperava o momento oportuno. Sabia que não seria fácil, mas teria de ser
feito. Assim, chamando Vina, pediu que escutasse:
— O que achou da viagem que
fizemos?
— Não tem explicação as
coisas que vi, é um lugar de magia, as pessoas se movimentam em quadros. Tudo é
limpo e brilha, parece o paraíso. A princípio fiquei com medo, mas o pouco que
Silas me ensinou me fez entender. São iguais a nós mas infinitamente mais
adiantados. Construíram coisas que não compreendemos.
— Aprendi muito mais, foi
justamente para que víssemos que não eram espíritos que fomos chamados para ir
até lá. Explicaram-me que vieram de muito longe, mostraram onde vivemos.
Ensinaram-me tanto que acabei entendendo. Disseram que moravam num mundo igual
ao nosso, que foi destruído. Construíram então aquele lugar e partiram a
procura de outro e encontraram o nosso. Você está entendendo?
— Sim Tropo, é muito
estranho, mas fui até lá.
— Bem, me mostraram tudo, vi
coisas muito além de minha imaginação. Disseram que no futuro nosso povo será
igual a eles, terá carroças que andam sem animais e aparelhos que poderão voar.
A vinda deles está
registrada nos velhos livros. Mas disseram não serem deuses, apenas foram
desviados por força poderosa para chegarem até aqui. Vão nos salvar de uma
desgraça que acontecerá dentro de vinte anos.
— Mas que desgraça Tropo?,
perguntou assustada.
— As águas vão cobrir nossa
nação e a de Sato, tudo será destruído. Prometeram salvar nossa gente, vão
mandar pessoas para nos ensinar, já prometi colaboração. Mas não é só isto,
querem formar um grupo especial, preparando duzentos e cinquenta de nossas
crianças.
Vina ouvia atentamente o
marido, não perdia uma palavra, sentiu um aperto no coração percebendo onde
queria chegar. Sua fisionomia modificou e foi direta:
— Vamos ter de entregar
nossos filhos?
— Sim Vina, se não quisermos
não precisamos, mas como poderiam reinar amanhã? Sabendo menos que muitos
outros?
— Compreendo, será para o
bem deles. Quem sabe nos deixem visitá-los.
— Disseram que uma vez por
ano trarão todos para ficarem um mês com a família.
Vou ter de convencer Sato a
fazer a mesma viagem, outras duzentos e cinquenta crianças serão da nação dos
Nogos.
Quero sua ajuda com relação
a nossos filhos. Vou ter muito trabalho, vou me ausentar por algum tempo, desta
vez sua presença será mais importante aqui.
Em seguida, mostrou para a
esposa a pasta onde estavam os detalhes do encontro, com muitas fotos. Vina se
interessou e acabou entendendo tudo que ocorrera.
Em Catun, principal aldeia
dos Nogos e sede do Reino, Tat estava preocupada com o marido, dera para passar
o tempo todo na sua fortaleza e vivia a implicar. Pouco saia, os auxiliares
diretos faziam o seu papel de contato com os governadores das províncias.
Quando surgia algum problema iam a sua presença, raramente se locomovia no seu
território. Era a maneira como administrava. A época da fome havia passado, com
as sementes que ganhara e distribuíra, conseguira o afeto de seu povo.
Nos períodos de guerra quase
não lhe sobrava tempo para a mulher e os filhos, depois, no princípio, passara
momentos felizes e despreocupados.
Talvez a falta de estímulo,
uma vez que tudo corria bem, tornara-o intransigente. Possuía uma boa cultura,
mas ao contrário de Tropo, não se dedicava a leitura.
Sua filha Suni de oito anos
e seu filho Kalil de nove, representavam para ele o motivo de sua existência,
mas mesmo com eles não vinha demonstrando paciência. Tat chegara a adverti-lo
dos modos. Dizia que ia melhorar, mas não passava muito tempo e de novo estava
ranzinza. Os servidores diretos, só em último caso falavam com o Rei, todos o
estimavam mas passaram a evitá-lo.
Sato, no seu íntimo não
queria mal a ninguém, apenas não encontrava uma forma de ocupar o tempo.
Constantemente recebia seus súditos, mas não tomava aquilo como algo
importante. Na guerra, cuidava da estratégia dos ataques, desenhava as regiões
e simulava as batalhas. Em sua rústica mesa, as gavetas estavam repletas das
grossas folhas que utilizava. Não desejava a luta e por ele nunca mais
derramaria o sangue de seu povo, mas a falta das ações militares tirou-lhe uma
das coisas que gostava de fazer.
Tat era liberal, o que fazia
sua criadagem muito feliz, nunca se portara como uma rainha. Chegava a ponto de
participar nas limpezas e preparos de alimentos. Os filhos seguiam a mãe e se
misturavam com as demais crianças. Recebiam estudos separados, apenas porque
eram príncipes e por regra do reino.
Sato estava num dos dias de
intranquilidade, quando anunciaram a presença de Tropo. Para ele, aquela visita
era oportuna, sentia vontade de conversar.
Recebeu Tropo com alegria e
logo o convidou a entrar. Este segurava um grosso livro, pediu licença e o
depositou numa mesa. Após habituais comentários, o Rei vizinho entrou no
assunto:
— Lembra-se Sato das
sementes dos novos alimentos, que ganhamos?
— Como não! Salvou minha
nação da fome, hoje temos de sobra e todos estão satisfeitos.
— Pois bem, estive na cidade
onde moram os doadores. Vieram me buscar, passei alguns dias lá, com Vina.
Querem também falar com você e pediram que o convidasse.
— Precisava de algum
acontecimento para poder sair. Veio no momento certo este convite.
— Vou lhe mostrar uma coisa
que o deixará muito surpreso, pegando o volume que havia levado.
Ao abri-lo, a primeira
fotografia fez Sato comentar:
— Isto é coisa da “noite
negra”, foi lá que esteve?
— Não amigo, é coisa de um
povo muito inteligente. Estão milhares de anos a nossa frente, por isto que é
difícil de entender. Mas esqueça isto, preste atenção em tudo.
Tropo, que já passara pela
experiência, sabia como induzir Sato a compreender.
Passou horas e horas
orientando o Rei dos Nogos. Juntos explicaram a Tat sobre a viagem.
Acreditaram no Chefe da
Nação vizinha e concordaram em visitar a cidade do céu. Ficaram sabendo sobre o
envio das crianças. Quem mais se preocupou foi Sato, não obstante Tat também se
entristecesse, mas julgava necessário o envio dos filhos.
Tropo disse que deveriam
aguardar o mensageiro, que em breve chegaria.
Depois de muitas explicações,
acabou ficando muito tarde, pernoitou e no dia seguinte, despediu-se e voltou
para Vale Verde.
A tradição em ambos os
países eram iguais, as lendas passadas de pais para filhos se intercalavam nas
crenças religiosas, falavam de homens do céu que iam chegar.
Tropo se aprofundara nos
assuntos antigos, em suas pesquisas descobriu citações dizendo que o povo do
céu viria para salvar. Os Skans, chefes religiosos das aldeias, em suas
práticas comentavam quase a mesma coisa, mas associavam castigo. De qualquer
forma era um bom argumento para o Rei.
O Chefe Sumano ia começar
sua peregrinação para conversar com os governadores regionais, quando
lembrou-se de que teria de se comunicar com a cidade espacial.
Retornando para sua casa,
mudou de ideia quanto a viajar. Chamou Jasun e pediu para que providenciasse
mensageiros para convidar os Governadores a virem ao Forte. Em seguida foi ao
local onde colocara a caixa, apertou o botão e:
— Pode falar Majestade, dito
na língua dele.
— Quero falar com Regis.
— Vou chamá-lo, aguarde um
pouco.
Passados alguns minutos, o
suficiente para deixá-lo impaciente, ouviu:
— Me desculpe Majestade, por
demorar, fui chamar Corin para podermos nos entender.
— Conversei com Sato,
aceitou partir. Está aguardando o mensageiro.
— Agradecemos Alteza.
Qualquer ajuda que precisar, nos comunique.
— Até o momento está tudo
bem. Estou providenciando o que combinamos. Gostaria de confirmar sobre quando
as crianças deverão ser embarcadas.
— O embarque será de todo o
grupo, que inclui o seu pessoal e o de Sato, quando estiverem prontos me avise,
vou então orientar o que fazer.
Nada mais a comentar,
despediu e desligou o aparelho.
Ciente de que até aquele
momento cumprira sua parte, foi ao encontro de Vina.
— Já orientou as crianças?
— Tentei, mas está difícil
para entenderem.
— Até partirem, farei com
que aceitem a ideia.
Conversou algum tempo com a
esposa e depois seguiu para os porões do castelo. Desceu as escadarias rumo ao
subsolo. Grandes pedras compunham o paredão que alicerçavam o Forte e ao mesmo
tempo formavam vários compartimentos. Ali eram guardadas muitas relíquias,
coisas de eras antigas. Objetos os mais diversos, lembranças do passado. Pilhas
de livros se misturavam com todos os tipos de papeis e documentos, velharias
que se deterioravam. Fora dali que extraíra todo conhecimento que possuía.
Durante dias revirou aquelas
sobras arqueológicas, tudo que achou útil levou para sua sala de estudos, para
desespero de Vina, que gostava de ver tudo limpo. Nem ouviu as reclamações da
mulher, pacenciosamente acabou organizando sua biblioteca, limpando e ajeitando
os volumes carcomidos pelo tempo.
Quanto mais se aprofundava
nos conhecimentos, mais compreendia os terráqueos. No final confirmara, eram
sobreviventes de uma catástrofe, haviam provas importantes, tanto naqueles
livros, quanto em vários dos objetos guardados.
Os vinte governadores e suas
comitivas foram acomodados pelo Rei, a medida que chegavam. O último levou um
mês, viera da Província das Grandes Águas.
Surpresos pela atitude
inesperada de Tropo, os convidados confabularam muito enquanto esperavam a
chamada para o encontro. Teciam conjecturas que iam da continuação da guerra a
problemas políticos regionais.
Completo o grupo, Tropo os
reuniu no grande salão do Forte.
— O assunto que vou tratar
está ligado a nossa sobrevivência. Estão em seus cargos porque foram bons
guerreiros, enfrentaram a morte e cuidaram bem de seus soldados, agora a
responsabilidade será para com suas vilas.
Quero de vocês a mesma
firmeza; para o que vou dizer, aquele que entrar em pânico perderá o cargo.
Ao ouvirem estas palavras,
um murmúrio tomou conta do ambiente, mas o Rei continuou:
— Dentro de poucos anos,
nossas terras e a de Sato serão cobertas pelas águas, grandes enchentes
varrerão nossas casas e nossas lavouras.
A partir de agora, cada um
terá sua responsabilidade dobrada. Vamos receber ajuda de um povo que ainda não
conhecem. Virão sessenta e dois casais para ensinar em nossas aldeias, para
mostrar o que vai acontecer. Exijo que sejam bem tratados, são pouco diferentes
de nós. Não possuem pelos. Estão a milhares de anos em nossa frente, possuem
coisas acima de nossa compreensão.
Naquele momento, um dos
governadores o interrompeu:
— Peço permissão Majestade,
para fazer-lhe uma pergunta.
— Faça Ludo.
— Conheço muitos lugares de
nosso País e dos Nogos. Nunca ouvi falar em outros povos a não serem os nossos.
— Não precisa continuar, sei
onde quer chegar. Quer saber de onde são.
Eles residem numa vila muito
diferente de tudo que já viram. Fica dentro de uma carapaça metálica muito
acima do nosso céu.
Quando completou a frase,
cochichos tomaram o recinto. O Rei, irritado, imediatamente chamou a atenção:
Escutem todos, não terminei
de falar. Não se trata de nenhuma fábula. Creio que nem fosse preciso provar
nada, vocês sabem que minha palavra é lei, ou estou errado?
Estive lá, fui convidado,
junto com a Rainha passei alguns dias com eles. Fui num carro sem conis, todo
fechado. Depois me trouxeram de volta.
Sabia que seria difícil
vocês acreditarem, assim, trouxe alguns presentes que me deram. Vejam por
exemplo esta caixa de música, esta máquina que retrata pessoas, este ... , e
foi amontoando objetos na grande mesa.
Não precisava nem lhes
mostrar estas coisas, vocês se esqueceram das sementes que nos salvaram da
fome?
Todos abaixaram as cabeças.
Arrependidos de terem duvidado do Chefe supremo. O próprio Ludo, quebrou o
silêncio e em atitude humilde disse:
— Perdão Majestade.
— Tudo bem, era de se
esperar que duvidassem.
Vamos continuar. Vocês
deverão alertar seus guardiões para acolhê-los em uma casa que deverá ficar a
disposição do casal enquanto ficar na aldeia. De imediato deverão também
selecionar as primeiras vilas que os receberão. Nada de mal quero que aconteça
a eles, vou assinar leis severas para isto.
No trato que fiz com o Chefe
deles, vou enviar meus filhos para cuidarem e darem ensino, ficarão lá por
vários anos. De nossa Nação, mais duzentos e quarenta e oito meninos ou
meninas, nas idades de 7 a 15 anos terão o mesmo tratamento. Deverá haver uma
boa seleção, sem concentração, uma ou duas de cada vila. Deixo isto a critério
de vocês. Cada um deverá organizar um grupo de doze.
Tropo ainda continuou por algum tempo, ouvindo
perguntas e orientando.
O Rei de Suma já estava adiantado nas suas
providências. Sato por sua vez, ainda seguiria para a cidade do espaço.
Tal qual acontecera com Tropo, Corin também
fora o encarregado de avisá-lo.
Percebendo que o casal já havia sido
preparado, esperou apenas se prepararem e os encaminhou à nave, que descera num
local afastado, fora da vista dos habitantes de Catun.
Sato chamou o Chefe dos Guardiões, homem de
sua maior confiança, para cuidar do “castelo” por alguns dias. Os filhos
ficaram sob os cuidados de duas mulheres que trabalhavam nos serviços
domésticos, amigas da Rainha.
Na viagem, ambos se apavoraram um pouco, mas
mantiveram suas posturas.
No primeiro dia, passaram pelos mesmos
procedimentos adotados com Tropo e a esposa.
Tat, também se entusiasmou
com a penteadeira e com tudo que existia no apartamento.
Sato não era leitor assíduo
dos livros antigos, gostava mais das coisas do presente. Por outro lado, era um
curioso nato, verificava detalhe por detalhe do local. Se encabulava por não
poder definir muitos objetos. Como desenhista, era capaz de guardar na memória
detalhes que para outros nada significava.
Analisava portas,
sanitários, cama, cadeiras, etc. Logo descobriu a TV e o som, apertava todos os
botões que via.
Seu mundo era outro, não o
de Rei, mas não deixava ninguém perceber sua verdadeira aspiração.
Tat por muitas vezes, via o
marido desenhando, mas nunca o julgava como merecia. Ele por sua vez não fazia
questão de se mostrar. Embora no período da guerra, os vencedores das batalhas
se equilibrassem, não houve luta durante o seu reinado que antes não fosse
traçada sobre o mapa, facilitando os ataques. Se não fosse a astúcia de Tropo,
por certo teria ganho a guerra.
Nunca quisera ser Rei,
tampouco guerreiro, possuía espírito artístico. Por uma questão machista, não
queria ser ele a propor a paz, mas regozijou com a oferta do oponente. Por ele,
nunca mais usaria as armas, sentiu muito as perdas e a miséria que Nação
passara.
Vendo o marido perdido em
seus pensamentos, após ter revirado o quarto, Tat lhe perguntou:
— Cansou Sato?
— Não, não sei porque uma
infinidade de pensamentos veio a minha cabeça, mas deixa isto para lá. Você o
que acha de tudo isto?
— Quer que lhe seja sincera,
estou adorando!
Parece que estamos nos
contos infantis.
Nisto, a porta se abriu,
Corin e Silas entraram, traziam a refeição. Silas conversou muito com Tat,
combinando a saída no dia seguinte.
Corin, observando que a TV
estava ligada, perguntou ao Rei se estava gostando. Este não perdeu tempo:
— Me diga, como eles fazem
isto?
— Com o tempo vai aprender
Majestade, isto envolve o sistema elétrico, o importante é saber: o que está
vendo não está acontecendo, é uma espécie de teatro, igual ao que temos, só que
usam máquinas para que possamos ver.
— Como é fantástico tudo
aqui!
Durante a refeição, Sato não
cansava de tecer elogios. Após, ficaram vendo a tela mágica, depois ele a
desligou e ligou o som. Ambos também adormeceram embalados por suaves músicas.
No dia seguinte repetia-se
nos mínimos detalhes a acolhida que tivera Tropo. Na reunião a mesma coisa, com
uma diferença, o Rei sempre queria detalhes, por que disso, por que daquilo.
Interpelou tanto, que boa parte da pauta ficava para o próximo dia. Quando o
mapa de seu território apareceu, disse que já o conhecia, que também havia
desenhado um igual.
Foi então que os membros da
mesa, realmente passaram a valorizá-lo. Jansen arriscou uma pergunta:
— Quer dizer que isto não
lhe é novidade, então deve saber que ao norte e ao sul tudo são geleiras.
Sabia que o seu mundo é
redondo?
— Não tenho a cultura de
Tropo, procuro sempre coisas do momento. Deixei de ler os escritos antigos,
talvez neles existam referências sobre isto. Por outro lado, já visitei as
grandes águas e notei a curvatura no horizonte.
— Exato Majestade, esta é
uma das provas de superfície.
Vejo que não vai ser difícil
nos entendermos. Comentou Regis.
Na grande tela, o planeta
inteiro era mostrado, numa repetição, até chegarem novamente ao mapa. Depois
veio a orientação sobre o degelo e suas consequências.
Não foi problema entender a
situação e a necessidade de ter seu povo instruído sobre o que iria acontecer.
Aceitou o envio das crianças, incluindo seus filhos. Titubeou ao falar sobre
eles, mas aí entrou um pouco da antiga rixa, não ficaria diferente de Tropo.
Tudo acertado com a Central,
lhe concederam mais dois dias para usufruírem o conforto da Cidade Espacial.
Também voltaram com muitos
presentes, para eles e para os filhos.
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