domingo, 5 de outubro de 2014

AS VIAGENS DOS REIS


Tropo, após a confraternização com Sato, começou a analisar os fatos. Primeiro fora a interferência do combate, depois o sumiço e a volta de Corin com as sementes.
Sentia estar vivendo uma passagem importante da história. Perguntava a si mesmo:
— O que estarão pretendendo? Se quisessem tomar o reino, com certeza poderiam fazê-lo.
Buscando outro grande livro do passado, procurou decifrar as mensagens. As páginas corroídas pelo tempo falavam sobre os antigos que viviam onde o gelo não existia, sobre guerras incríveis, onde raios eram armas e as batalhas eram travadas no ar.
O livro que entregara a Corin, falava da chegada de um povo do céu que viria salvar o mundo. Aquilo estava bem claro. Arrependera de havê-lo doado, gostava de folheá-lo. Pensava que nesse outro também encontraria a mesma mensagem.
As horas passaram, Vina por várias vezes já o havia chamado para dormir, mas debaixo dos archotes, continuava a procura.
De repente, a esposa ouviu o grito do marido:
— Encontrei!!
Ali, quase no final do volume, estavam as profecias de Skantro, dizendo com muita clareza: quando tudo parecer estar perdido os homens do céu virão para a salvação.   
Tropo temia serem verdadeiras as predições, acreditava nelas.
Na Roda as coincidências foram muitas. O Padre Santos não duvidava de que todos ali tivessem sido predestinados a salvar Marino. Percebera isto, quando a nave sozinha, sem qualquer ação sobre a direção viera ao sistema. Esta opinião guardava com ele, comentara isto somente numa das primeiras reuniões com os membros da Central.
Regis entregou o livro que Tropo lhe dera ao próprio Corin, para traduzi-lo dentro do possível. Antes, porém, observando marcas em alguns textos, junto com o moço conseguiu descobrir a mensagem principal. Entendendo o objetivo do Chefe Sumano, pediu ao jovem:
— Não comente nada disto, no momento não será oportuno. Não quero que os habitantes daqui saibam.
— Entendo. Não se preocupe. Quanto a tradução, vou demorar para entregá-lo, pois só agora é que estou associando as duas línguas, ainda tenho dificuldades.

Os meses passaram, Silas esperava o primeiro filho, recebia cuidados especiais, mas não a liberavam dos estudos. Dia a dia tanto Corin quanto ela aprendiam cada vez mais. Estavam sendo instruídos através de um processo intensivo.
Contrariando um pouco os membros da Central, Corin cortou a cabeleira, raspou os pelos do rosto e aparou os do corpo. Com isto, tornara-se igual aos locais. Silas, mais vaidosa ainda, raspava-se toda frequentemente. Fizeram isto por dois motivos, primeiro porque achavam bonita a aparência dos terrestres, segundo porque para eles o ambiente era quente.
Regis não gostou, seu propósito era trazer pessoas de Marino para serem instruídas, queria que vissem nos dois professores a imagem deles. Corin dizia que isto não iria atrapalhar o importante era que conhecia a cultura de seu povo e saberia agir.
O ex-mensageiro depois de quase três anos, com os ensinamentos que recebia, já conhecia o suficiente para se igualar aos habitantes da Roda. A esposa não ficava atrás, ambos entendiam a finalidade. Percebiam claramente que os terrestres só não desciam porque precisavam formar um bom relacionamento com seu povo. Portanto levaria algum tempo para se estabelecerem no solo.
Nesse período, por votação popular, todos concordaram em viver na Roda. Viagens a superfície seriam somente as necessárias, na atmosfera os gastos de combustível eram grandes. O controle era prioritário diante da intenção da Central, a de salvar a população do planeta. Conforme Jansen, inundações ocorreriam nos próximos anos, muitos equipamentos e veículos seriam utilizados.

Corria o mês de Junho de 413, foi no dia 10, Silas sentira que chegara a hora, Corin apertou a tecla para atendimento. Segurando a mão da esposa, acompanhou-a até a porta da maternidade. Não demorou os gritos de um forte garoto logo se fez ouvir. Estava completa a felicidade do jovem.
Um mês depois, foi chamado na Central.
Logo que entrou, Regis veio ao seu encontro:
— Corin, precisamos de sua ajuda. Queremos que traga Tropo até aqui, você já está qualificado para dar aulas.
Chegou a hora do verdadeiro trabalho, mas não vamos poder executá-lo sem antes nos entendermos com o Rei. Quero que você explique detalhadamente o que irá passar na viagem, para não ter surpresas.
— — —

Tropo após o término da guerra passou a vistoriar seus domínios. Visitava camponeses, levando sementes e alimentos. Sentia que seu povo estava feliz. Passava dias e até meses em suas andanças. Atravessou florestas, rios e chegou até o mar. Parou em muitas aldeias, em todos os lugares era sempre aclamado. Sua última viagem fora no território dos Nogos, para visitar Sato, este o recebeu como amigo parecia até que nunca haviam guerreado.
Quem não gostava das longas ausências era Vina, não sabia o que fazer para prendê-lo em casa. Pensava:
— Antes era a maldita guerra, e agora? Sempre encontra um motivo, parece que nada represento para ele.
O difícil para Vina era a distância que a colocavam. Nenhuma amiga, as mulheres da aldeia não se aproximavam dela.
Era Rainha, mas também era gente. A criadagem se limitava às tarefas e não parava sequer para uma palavra. Kiria e Jasp nunca estavam perto, sempre brincando ou recebendo aulas das pessoas que Tropo contratava. Para ela os dias eram longos.
Estava perdida na análise de sua existência, quando o barulho de abertura do grande portão a alertou, correu para a sacada e um sorriso modificou seu rosto. Era o Rei que finalmente voltava. Subiu rapidamente as escadas e entrou dando-lhe o costumeiro abraço.
Quando o marido chegava era sempre a mesma coisa, esquecia a raiva e acabava nunca dizendo nada a ele. Daquela vez não ia ser assim, prometera para si mesma.
No dia seguinte, como de hábito quando estava em casa, Tropo passava horas com seus velhos livros. Estava debruçado sobre um deles quando Vina se aproximou dizendo:
— Preciso falar um pouco com você.
— Fale Vina, continuando a leitura.
— Deixe um pouco seus livros e me ouça. Nunca reclamei, mas você não tem se importado comigo.
— Mas Vina, eu te amo.
— Não parece. Me deixa aqui sozinha, nunca sei onde vai, onde está. Antes era a guerra, até compreendia, mas agora não há justificativa para ficar tanto tempo fora.
— Como não Vina! Sou o Rei, preciso conhecer meus domínios.
— Você também é marido e pai e precisa reservar um tempo maior para sua família.
Tropo ia revidar, mas refletiu e viu que a esposa tinha um pouco de razão, gostava dela e não queria vê-la daquele jeito. Pensou um pouco e disse:
— Bem Vina, não vou poder ficar sempre em casa, preciso continuar em contato com meu povo, quando tiver de ir a algum lugar que tenha de demorar, se você puder e quiser, poderá seguir comigo. Os filhos ficarão sob os cuidados de Jasun.
— Está bem Tropo, vou cobrar esta promessa.
Depois dessa conversa o Rei resolveu ficar mais tempo no “Castelo”, procurando dar mais atenção à esposa e aos filhos.
 Uma semana após, estava no grande pátio andando e refletindo, quando ouviu vozerio no portão, foi saber o que estava acontecendo. Um dos guardas lhe disse:
— Tem aí fora um homem sem pelos, quer falar com Sua Majestade, diz que é Corin, mas ele eu conheço.
— Pode deixar entrar.
— Mas Majestade!
— Faça o que estou ordenando!
O guarda abriu o portão e Corin entrou. Realmente estava diferente, não parecia com gente do lugar. Logo que viu o Rei, reverenciou e disse:
— Majestade, me mandaram novamente para dar-lhe um recado.
— Suba, vamos para o salão, lá conversaremos.
Tropo sentou-se na grande poltrona junto a mesa de audiências, mandando Corin fazer o mesmo.
— Diga-me agora, para que veio?
— Regis é o chefe da cidade do céu, me pediu para convidá-lo a ir até lá, gostaria também que a Rainha acompanhasse.
— Quando partiremos?
— Amanhã. Devo dizer-lhe que só voltarão dentro de alguns dias. Se aceitar e se me permitir ficar aqui, poderei lhe fornecer muitas explicações que serão necessárias para a viagem.
Tropo chamou um criado e mandou preparar acomodação para o moço. Depois pediu a presença de Vina. Quando esta entrou não reconheceu o jovem e estranhou a ausência dos pelos.
Falando para a esposa:
— Vina, vou viajar, você irá comigo?
A mulher sorriu e se interessou, perguntando:
— Para onde?
— Para o céu.
— Não brinque comigo na frente de estranhos. Disse magoada, pensando que o marido a humilhara.
— É verdade, Corin mora numa cidade muito acima das nuvens e é para lá que vamos. Ele nos vai explicar e orientar.
Corin contou então sua história, com todos os detalhes. Tropo ao contrário da esposa não parecia nem um pouco surpreso, em nenhum momento discordou, mostrando acreditar em tudo que lhe era dito. Vina, arredia, achava impossível as coisas que ouvia, mas iria com o marido.
Tropo chamou Jasun, recomendou sobre os filhos e disse que partiriam de madrugada, apenas com o rapaz, ninguém deveria segui-los. Observou para que cuidasse de tudo enquanto estivessem fora e, se demorassem, que não houvesse preocupação.

O local era o mesmo, muito conhecido por Corin. Alta madrugada e frio cortante. O Rei estava tranquilo, nunca demonstrava emoções. Vina, pelo contrário, sentia medo e se apavorou quando aquela coisa desceu soltando fogo. Naquele momento estava arrependida de ter falado com o marido. Mas os dois ao seu lado diziam para que não se preocupasse que nenhum perigo havia.
Por ordem de Regis, o assento onde Tropo se afivelara ficava frente a um dos visores. Assim, durante a trajetória até a Base, viu detalhadamente o seu mundo.
Na cidade dos humanos, informados pelo piloto Kleber que tudo corria bem, que os convidados estavam tranquilos, Regis preparou uma recepção.
Todos os membros da Central, o Comandante Marcos e outras pessoas, sob a liderança de Regis acolheram festivamente o peludo homem e a esposa. Em seguida os levaram para um quarto especialmente preparado para eles.
Corin servia de interprete e guia, entrou com os dois no aposento, informando detalhadamente a utilidade dos objetos. Mostrou-lhes o banheiro e os sanitários e como funcionavam. Disse que se quisessem sair, poderiam caminhar pela cidade, que estivessem a vontade, descansassem, pois o encontro seria no dia seguinte. Observou que voltaria com a refeição e se precisassem dele era só apertar um botão, que mostrou na parede. Indicou os frutos sobre a mesa, dizendo que experimentassem. Cumprida a missão, fez reverência e deixou o casal a sós.
Tropo sentiu-se aliviado, precisava de um descanso, a postura que mantivera até aquele momento contrariara a expansão de seus medos. Se ele que era homem, sentia-se estraçalhado, quando mais Vina que fez tudo para imitá-lo.
Olhou para a esposa e sorriu, mas um sorriso diferente, de quem elogia, de quem confia e compreende. Expressão que captou, sentou-se ao lado dele e se aconchegou em seus braços. Ficou muito tempo naquela posição, sem nada dizer, até pouco a pouco seu coração diminuir a palpitação.
— Onde estamos, que lugar é este?
— É a cidade do céu, lembra-se. Viemos num carro que nos trouxe até aqui.
— Veja estas coisas, tudo brilha. É claro como o dia, como é lindo tudo isto. Disse Vina, ao remexer a penteadeira.
— Nossa! Que panos bonitos! , abrindo um armário.
Esquecida da angustiante viagem passou a vistoriar o apartamento, se entusiasmando com tudo que via. Tomou banho e falou para Tropo fazer o mesmo. Comeram os frutos, deitaram na macia cama e adormeceram.
Acordaram com o barulho da campainha. Era Corin que empurrando um carrinho, trazia farta refeição. Viera com Silas, que embora houvesse morado na aldeia, não era conhecida deles. Fez reverência e foi apresentada pelo marido.
Vina ficou contente, teria alguém para conversar. Estranhando a falta de pelos da moça, perguntou:
— Por que vocês tiraram os pelos?
— Aqui é quente para nós Alteza, temos de raspá-los para nos sentir aliviados.
— Mas não estou sentindo calor.
— É porque este quarto foi preparado por eles com clima igual ao que estão habituados.
— Amanhã enquanto os homens se reúnem se quiser conhecer minha casa, ficarei muito contente. Quero que conheça meu filho. Depois vou lhe mostrar a cidade.
— Quero sim Silas. Será que tudo que estou vendo não é um sonho?
— Quando me trouxeram, também não acreditava, demorou tempo para me acostumar. São gente como nós, apenas não são peludos porque o lugar onde viviam era muito quente.
Agora precisamos ir, amanhã virei buscá-la.
Enquanto as duas tagarelavam, Tropo e Corin não conseguiram trocar palavra, apenas se despediram.
Novamente a sós, comeram os alimentos e ficaram maravilhados com os saborosos pratos.
Totalmente recuperados, saíram e viram o bonito céu artificial. O período era noturno e as imitações astrais fulguravam salientando a bela lua. Para os dois, acostumados ao negrume de suas noites, aquilo era um espetáculo esplendoroso. De surpresa em surpresa, andaram por cerca de uma hora e depois voltaram. Viram as pessoas do lugar transitando e muitas luzes.
No apartamento, apertando os botões que Corin mostrara, acabaram ligando o som. Adormeceram sob acordes de belas melodias.
Em Vale Verde, Kiria perguntava a Jasun da mãe, enquanto Jasp se enfunava em uma banqueta. Muito bonita, cabelos castanhos iguais ao do pai, olhos escuros e pelos ralos. Nos seus oito anos, tudo lhe era colorido, as flores, a paisagem e o azul celeste. Naquela noite sentia medo, pela primeira vez a mãe não estava por perto. No pai, nem pensava, sempre ausente, não fazia diferença.
O menino vivia no mundo da fantasia, passava parte do dia de espada em punho, destruindo seus fantásticos guerreiros. Fora Jasun quem a fizera da melhor madeira que encontrou. Estava esperando o bom homem terminar a lança, com as duas armas ninguém o venceria.
Sanka e Truf passavam horas ensinando os dois a ler, escrever e fazer contas. Kiria era a mais interessada, Jasp só pensava em ficar com os amigos para travar intermináveis batalhas. Cat, o aurun, parecido com o cão terrestre, vivia a pular em volta dos irmãos.
Ambos, sentiam falta da protetora de seus sonos, embora Jasun fizesse tudo para substituí-la.
Com seus quase sessenta anos, viúvo e sem filhos, estimava o casal ao ponto de dar sua vida por eles. Homem rústico, lutou ao lado do antigo Rei e o amparou quando foi trespassado por uma lança. Não esquecia da promessa que então fizera, de que cuidaria de Tropo.
Quando as duas crianças se acomodaram, o velho servidor também se retirou para o devido descanso.

Na Roda, os preparativos para a reunião haviam sido consumados.
Logo de manhã, Silas, conforme prometera, foi buscar Vina, ambas guardavam muitas coisas para conversar.
Regis, acompanhado de Corin, foi pessoalmente pedir a presença do Rei, antes porém, o levou para um farto café da manhã. Tendo ao lado o interprete, perguntou-lhe:
— Sente-se bem Majestade?
— Muito bem, embora tudo me pareça estranho.
— Um dia também vão construir coisas iguais as nossas.
Depois de saciados, seguiram para a Central, onde um grupo selecionado já os esperava. Todos saudaram Tropo e indicaram sua cadeira no topo da mesa. Regis ficou próximo dele e, após se acomodarem, iniciou:
— Majestade, é muito importante sua presença entre nós. Enquanto falava, Corin, como já vinha fazendo, ia traduzindo.
Regis explicou a Tropo que sua ida à Roda era decisiva para uma aproximação com os humanos.
Elogiou o alto grau de cultura daquele homem, aparentemente primitivo. Depois de outros pormenores, pediu que observasse o quadro a frente.
O Rei surpreendeu-se quando viu sua aldeia próxima e depois a distância. Mostraram-lhe o planeta em todos os ângulos, o suficiente para que entendesse. Recebeu uma verdadeira aula de astronomia e geologia. Interpelou o tempo todo, sempre recebendo respostas para suas dúvidas. Além do que, estava de posse de um manual previamente preparado, redigido na sua língua.
Percebendo que Tropo havia entendido as mensagens visuais, Regis entrou no objetivo, dizendo:
— Majestade, sua capacidade de aprender é fabulosa, vimos isto quando nos mandou sua mensagem e o livro. Antecipou nosso trabalho. Sou obrigado a dizer-lhe que está com razão. Estamos aqui por uma força muito maior, que rege o Universo, tão grande que os antepassados de seu mundo já sabiam de nossa vinda. No entanto, é importante que saiba que somos seres iguais aos de sua espécie.
— Mas vocês não são peludos como nós.
— Isto é simples de entender. Fizemos uma retrospectiva de seu planeta para lhe mostrar.
Veja, sua terra e a de Sato, se estendem na linha do equador. Do outro lado do globo também existe uma faixa que desconhecem, está separada pelo mar. Alguns grupos primitivos vivem lá, são poucos.
Já lhe mostramos que o calor do sol impede geleiras onde moram. Vocês são sobreviventes de um mundo que não era gelado, talvez até igual ao nosso. Nessa remota época não tinham pelos, ou então menos que agora.
Enquanto Regis falava, uma simulação era apresentada. Atento Tropo acompanhava as explicações de Corin, que lhe repetia tudo.
O Padre Santos, o Comandante Marcos, o Tenente e os demais se mantinham silenciosos. O tempo passava, em nenhum momento notara-se fadiga no convidado. Cenas preparadas, mostraram grandes cidades virem abaixo diante da fúria dos elementos e a inutilidade das pessoas tentando fuga.
Regis continuou:
— E veio a catástrofe, um cataclismo que envolveu todo o planeta. O gelo dos pólos cobriu os continentes, depois a calmaria. Uns poucos sobreviventes que se esconderam em grutas escaparam, por muito tempo tiveram que se sujeitarem ao frio. Os que conseguiram viver chegaram a lugares um pouco mais quentes, na linha do equador. Por ficarem milhares de anos sob o clima gélido, a natureza criou os pelos que possuem em seus corpos para protegê-los.
Depois da explicação, parou um pouco, dando tempo para que o Rei refletisse e perguntou:
— Majestade, entendeu ou quer que lhe forneça mais detalhes?
— Entendi e aprendi muito, esta história existe em alguns livros que tenho, mas nunca havia compreendido o significado.
 Terminada o que seria uma primeira parte da conferência, Regis convidou todos para o almoço. Nesse meio tempo, o grupo se manifestou, conversando com o convidado todos os tipos de assuntos.
 O Rei familiarizou-se e a descontração melhorou muito o ambiente. No almoço, Vina estava presente e muito alegre. Sorria com facilidade ao lado de Silas.
 Descansaram por duas horas e voltaram.

 Retomado os trabalhos, Regis passou a Jansen a responsabilidade de continuar as informações. Este, voltado às projeções, mostrou ao Rei as geleiras do sul e do norte do planeta e as imensas rachaduras, observando:
 — Majestade, o período glacial está terminando, muita água já aumentou o oceano, mas uma parte dela vai cair sobre todo vale que envolve as aldeias, inundando tudo. Isto vai acontecer dentro de vinte anos, não será agora.
 Tropo, bastante preocupado, interferiu:
 — Então vamos desaparecer!
— Não Majestade, por isto o chamamos aqui, vamos ajudá-lo, mas antes era preciso que entendesse a situação. Vão passar períodos difíceis, mas acreditamos que fomos encaminhados para o seu mundo para auxiliá-los.
— Nos escritos antigos, o povo do céu chegaria para nos salvar. Não entendia, agora compreendo e quero que me ajudem.
— Bem, como estava dizendo, as inundações cobrirão a faixa fértil. Aparecerão grandes rios e lagos, grande área ficará livre das geleiras. A vegetação brotará e no correr de quinhentos anos todo centro do globo ficará liberto e a vida invadirá todos os lugares.
Terminada a exposição, Regis voltou a falar:
— Majestade, nada poderemos fazer se não nos permitir, com o tempo haverá terra para todos, inclusive para nós, que um dia teremos de morar com vocês e desfrutar da mesma vida.
Por enquanto vamos continuar nesta cidade, poderemos ficar aqui por tempo muito longo, talvez nem seus netos nos vejam chegar. Também poderemos enfrentar juntos o frio clima de sua terra e logo descermos. Não somos mais que três mil, o planeta que habitávamos morreu, portanto temos que encontrar nosso lugar. Se aceitar nossa ajuda, poderemos ensiná-los e quando chegar a época das enchentes poderemos salvá-los.
Tropo ficou aturdido, mas entendera que se não aceitasse, não iria conseguir socorrer seu povo. Em seu íntimo, temeroso diante da repetição real das profecias, nunca diria não, assim respondeu:
— Façam o que tiver de ser feito, serei um aliado incondicional. Acredito que assim estarei cumprindo minha parte.
— Agradecemos suas palavras. Precisamos de seu apoio para que possamos levar avante nosso plano.
Pretendemos colocar na superfície 125 casais, distribuídos em várias aldeias, tanto para sua Nação, quanto para a de Sato. Esses homens e mulheres serão muito bem preparados para orientar a população. Levarão equipamentos, mostrarão imagens e ensinarão o que for necessário. Precisarão apenas de acomodações nos locais que ficarem.
Vamos precisar de bom entendimento com os habitantes do planeta, assim, em benefício mútuo, estamos preparados para receber 500 pessoas da superfície, em idades de 7 a 15 anos, para transmitirmos a eles todo nosso conhecimento. Essas crianças e adolescentes, meninos ou meninas, viverão aqui até se formarem e uma vez por ano descerão para ver os familiares.
Majestade, sua presença é o primeiro passo do grande trabalho que estamos assumindo. Assim, gostaríamos mais uma vez que confirmasse seu acordo com nossos propósitos. Principalmente sabendo que de sua Nação, aguardaremos 250 meninos ou meninas na idade que falamos.
— Você disse 500, e a outra metade?
— A outra será reservada para Sato, visto que a Nação dele tem a mesma quantidade de habitantes. Quanto a ele, se for possível, agradeceríamos se adiantasse todo assunto.
— Bem, entendi corretamente. Como já disse, farei tudo que estiver ao meu alcance. Mandarei providenciar acomodações para metade dos casais. Falarei com Sato. Quanto as crianças, serão selecionadas, apenas me digam quando tudo deverá ser providenciado.
— Pretendemos descer dois grandes transportadores, já com os professores, trazendo a garotada na volta. Porém, ainda vamos treinar o pessoal que seguirá para as aldeias. Talvez dentro de um a dois meses. Vamos lhe entregar um comunicador, para que possamos entrar em contato, depois lhe explicamos como utilizá-lo.
— Se resolver incluir meus filhos, quero que tenham orientação especial, que sejam preparados para reinar.
— Assim será feito Majestade, mas devemos dizer-lhe que se Sato aceitar, os filhos dele também receberão o mesmo tratamento.
Vendo que o principal objetivo havia sido atingido, o Padre Santos comentou:
— Alteza, a vida é uma dádiva preciosa. Se estamos aqui é porque o Criador Universal nos encaminhou e nos direcionou para as atitudes que motivaram esta reunião.
— Concordo, por isto estou aceitando plenamente a participação de sua gente.

A conversação continuou naquele resto de dia e no seguinte, até ficarem esgotados todos os detalhes. Tropo recebeu, em sua língua, as anotações completas de tudo que fora tratado, com muitas ilustrações e fotos, para seu uso e para mostrar a Sato.
Permaneceu com a esposa mais quatro dias, a pedido dos terráqueos. Tudo lhe foi mostrado, até uma visita a base foi realizada. Corin foi o companheiro constante, incansável, tradutor e guia durante sua estada.
Ganharam muitos presentes, coisas que nunca imaginaram existir. Foram tantos, que adicionaram à nave um veículo especial, para transportá-los em terra, junto com o casal.
Na partida, estavam felizes, sorridentes agradeceram a hospitalidade.

Foram deixados de madrugada perto do “castelo” ao lado de várias caixas. A vila estava erma, os guardas não perceberam a silenciosa máquina, mas logo identificaram o Rei e a Rainha que se aproximavam, abrindo imediatamente os portões.
Jasun ouviu ruídos e correu para a sacada, percebendo que estavam de volta, foi ao encontro para prestar-lhes auxílio.
Tropo, perguntando se tudo havia corrido bem, pediu ao amigo para trazer as embalagens para o forte e depositá-las no salão. O servidor já ia se retirando, quando o Rei completou:
— Peça ajuda aos guardas, cuidado com os volumes.
Os homens, a medida que levavam os engradados ficaram curiosos em saber como o Rei havia transportado tudo aquilo. Mas quem iria perguntar? Assim, depois de algum tempo, colocaram os objetos no local onde fora indicado e retornaram para suas funções.

Regis fez um balanço da visita e a considerou extremamente satisfatória, muito mais do que imaginava. Dali em diante, poderia dar sequência ao plano com maior liberdade. Restava fazer o mesmo com Sato. Quanto aos indígenas do outro lado do planeta, eram poucos e a região onde estavam, alta e limitada, uma ilha ou ponta de continente, de qualquer forma não iriam sofrer as consequências do degelo.
O sol de Marino já brilhava quando Jasum chamou as crianças, informando que os pais haviam chegado. Levantaram de imediato, atendidas pela criadagem, tomaram banho, se alimentaram e ficaram aguardando.
Tropo e Vina estavam cansados, se mantinham na cama. Jasp, impaciente, ficou a andar pelos grandes pavimentos, de repente voltou correndo para a irmã:
— Kiria, venha ver!
A menina, diante da expressão de surpresa do irmão, correu a acompanhá-lo.
— Olhe! O que serão estas coisas?
— É mesmo Jasp. O que será? Tomara que Sanka e Truff não venham.
— Pela primeira vez a menina não queria os professores.
Estavam em volta das caixas, curiosos, quando os pais entraram e os abraçaram. Estavam tão empolgados, que a primeira pergunta deles foi sobre aquele monte de coisas.
— São presentes que ganhamos. Logo vamos abri-los, disse Tropo.
As crianças lembrando das aulas e se incluindo na tarefa, perguntaram:
— E o estudo?
— Por algum tempo ficarão dispensados, em outro momento vou explicar a vocês.
 Os olhos de Jasp brilharam, o pai adivinhara o que queria. Nisto, Jasun veio avisar que os mestres haviam chegado. Tropo foi ter com eles, depois de alguns minutos voltou para o salão.
 De surpresa em surpresa foram retirando maravilhas dos embrulhos, que pareciam ter vindo de um conto de fadas.
Para Vina, roupas, tecidos, toalhas, perfumes, joias, aparelhos para cozinha, tantos objetos, que pareciam não ter fim. Muito mais do que admirara na casa de Silas e no apartamento.
Para o Rei, muitos livros, revistas, bebidas, aparelhos para diversos usos, inclusive a caixa para se comunicar com os terrestres.
Para as crianças, todo tipo de brinquedo, coisas que sequer poderiam imaginar. Para completar, cadernos, canetas, sapatos, meias, roupas e muito mais.

O Rei possuía fixação em livros, assim diante da quantidade que ganhara, se sentia contente, poderia dar vazão à sua curiosidade. Um pequeno dicionário fora composto, o que iria possibilitá-lo de entender muitas coisas.
Queria saber tudo, passava os dias tentando desvendar o conteúdo daquele farto material de leitura.
Instalou a caixa que lhe deram, experimentou e funcionou, poderia falar com Regis quando quisesse.
Não quis perturbar a alegria familiar, por isto não havia dito nada a esposa. Naquela primeira semana, não saíra, esperava o momento oportuno. Sabia que não seria fácil, mas teria de ser feito. Assim, chamando Vina, pediu que escutasse:
— O que achou da viagem que fizemos?
— Não tem explicação as coisas que vi, é um lugar de magia, as pessoas se movimentam em quadros. Tudo é limpo e brilha, parece o paraíso. A princípio fiquei com medo, mas o pouco que Silas me ensinou me fez entender. São iguais a nós mas infinitamente mais adiantados. Construíram coisas que não compreendemos.
— Aprendi muito mais, foi justamente para que víssemos que não eram espíritos que fomos chamados para ir até lá. Explicaram-me que vieram de muito longe, mostraram onde vivemos. Ensinaram-me tanto que acabei entendendo. Disseram que moravam num mundo igual ao nosso, que foi destruído. Construíram então aquele lugar e partiram a procura de outro e encontraram o nosso. Você está entendendo?
— Sim Tropo, é muito estranho, mas fui até lá.
— Bem, me mostraram tudo, vi coisas muito além de minha imaginação. Disseram que no futuro nosso povo será igual a eles, terá carroças que andam sem animais e aparelhos que poderão voar.
A vinda deles está registrada nos velhos livros. Mas disseram não serem deuses, apenas foram desviados por força poderosa para chegarem até aqui. Vão nos salvar de uma desgraça que acontecerá dentro de vinte anos.
— Mas que desgraça Tropo?, perguntou assustada.
— As águas vão cobrir nossa nação e a de Sato, tudo será destruído. Prometeram salvar nossa gente, vão mandar pessoas para nos ensinar, já prometi colaboração. Mas não é só isto, querem formar um grupo especial, preparando duzentos e cinquenta de nossas crianças.
Vina ouvia atentamente o marido, não perdia uma palavra, sentiu um aperto no coração percebendo onde queria chegar. Sua fisionomia modificou e foi direta:
— Vamos ter de entregar nossos filhos?
— Sim Vina, se não quisermos não precisamos, mas como poderiam reinar amanhã? Sabendo menos que muitos outros?
— Compreendo, será para o bem deles. Quem sabe nos deixem visitá-los.
— Disseram que uma vez por ano trarão todos para ficarem um mês com a família.
Vou ter de convencer Sato a fazer a mesma viagem, outras duzentos e cinquenta crianças serão da nação dos Nogos.
Quero sua ajuda com relação a nossos filhos. Vou ter muito trabalho, vou me ausentar por algum tempo, desta vez sua presença será mais importante aqui.
Em seguida, mostrou para a esposa a pasta onde estavam os detalhes do encontro, com muitas fotos. Vina se interessou e acabou entendendo tudo que ocorrera.

Em Catun, principal aldeia dos Nogos e sede do Reino, Tat estava preocupada com o marido, dera para passar o tempo todo na sua fortaleza e vivia a implicar. Pouco saia, os auxiliares diretos faziam o seu papel de contato com os governadores das províncias. Quando surgia algum problema iam a sua presença, raramente se locomovia no seu território. Era a maneira como administrava. A época da fome havia passado, com as sementes que ganhara e distribuíra, conseguira o afeto de seu povo.
Nos períodos de guerra quase não lhe sobrava tempo para a mulher e os filhos, depois, no princípio, passara momentos felizes e despreocupados.
Talvez a falta de estímulo, uma vez que tudo corria bem, tornara-o intransigente. Possuía uma boa cultura, mas ao contrário de Tropo, não se dedicava a leitura.
Sua filha Suni de oito anos e seu filho Kalil de nove, representavam para ele o motivo de sua existência, mas mesmo com eles não vinha demonstrando paciência. Tat chegara a adverti-lo dos modos. Dizia que ia melhorar, mas não passava muito tempo e de novo estava ranzinza. Os servidores diretos, só em último caso falavam com o Rei, todos o estimavam mas passaram a evitá-lo.
Sato, no seu íntimo não queria mal a ninguém, apenas não encontrava uma forma de ocupar o tempo. Constantemente recebia seus súditos, mas não tomava aquilo como algo importante. Na guerra, cuidava da estratégia dos ataques, desenhava as regiões e simulava as batalhas. Em sua rústica mesa, as gavetas estavam repletas das grossas folhas que utilizava. Não desejava a luta e por ele nunca mais derramaria o sangue de seu povo, mas a falta das ações militares tirou-lhe uma das coisas que gostava de fazer.
Tat era liberal, o que fazia sua criadagem muito feliz, nunca se portara como uma rainha. Chegava a ponto de participar nas limpezas e preparos de alimentos. Os filhos seguiam a mãe e se misturavam com as demais crianças. Recebiam estudos separados, apenas porque eram príncipes e por regra do reino.

Sato estava num dos dias de intranquilidade, quando anunciaram a presença de Tropo. Para ele, aquela visita era oportuna, sentia vontade de conversar.
Recebeu Tropo com alegria e logo o convidou a entrar. Este segurava um grosso livro, pediu licença e o depositou numa mesa. Após habituais comentários, o Rei vizinho entrou no assunto:
— Lembra-se Sato das sementes dos novos alimentos, que ganhamos?
— Como não! Salvou minha nação da fome, hoje temos de sobra e todos estão satisfeitos.
— Pois bem, estive na cidade onde moram os doadores. Vieram me buscar, passei alguns dias lá, com Vina. Querem também falar com você e pediram que o convidasse.
— Precisava de algum acontecimento para poder sair. Veio no momento certo este convite.
— Vou lhe mostrar uma coisa que o deixará muito surpreso, pegando o volume que havia levado.
Ao abri-lo, a primeira fotografia fez Sato comentar:
— Isto é coisa da “noite negra”, foi lá que esteve?
— Não amigo, é coisa de um povo muito inteligente. Estão milhares de anos a nossa frente, por isto que é difícil de entender. Mas esqueça isto, preste atenção em tudo.
Tropo, que já passara pela experiência, sabia como induzir Sato a compreender.
Passou horas e horas orientando o Rei dos Nogos. Juntos explicaram a Tat sobre a viagem.
Acreditaram no Chefe da Nação vizinha e concordaram em visitar a cidade do céu. Ficaram sabendo sobre o envio das crianças. Quem mais se preocupou foi Sato, não obstante Tat também se entristecesse, mas julgava necessário o envio dos filhos.
Tropo disse que deveriam aguardar o mensageiro, que em breve chegaria.
Depois de muitas explicações, acabou ficando muito tarde, pernoitou e no dia seguinte, despediu-se e voltou para Vale Verde.

A tradição em ambos os países eram iguais, as lendas passadas de pais para filhos se intercalavam nas crenças religiosas, falavam de homens do céu que iam chegar.
Tropo se aprofundara nos assuntos antigos, em suas pesquisas descobriu citações dizendo que o povo do céu viria para salvar. Os Skans, chefes religiosos das aldeias, em suas práticas comentavam quase a mesma coisa, mas associavam castigo. De qualquer forma era um bom argumento para o Rei.
O Chefe Sumano ia começar sua peregrinação para conversar com os governadores regionais, quando lembrou-se de que teria de se comunicar com a cidade espacial.
Retornando para sua casa, mudou de ideia quanto a viajar. Chamou Jasun e pediu para que providenciasse mensageiros para convidar os Governadores a virem ao Forte. Em seguida foi ao local onde colocara a caixa, apertou o botão e:
— Pode falar Majestade, dito na língua dele.
— Quero falar com Regis.
— Vou chamá-lo, aguarde um pouco.
Passados alguns minutos, o suficiente para deixá-lo impaciente, ouviu:
— Me desculpe Majestade, por demorar, fui chamar Corin para podermos nos entender.
— Conversei com Sato, aceitou partir. Está aguardando o mensageiro.
— Agradecemos Alteza. Qualquer ajuda que precisar, nos comunique.
— Até o momento está tudo bem. Estou providenciando o que combinamos. Gostaria de confirmar sobre quando as crianças deverão ser embarcadas.
— O embarque será de todo o grupo, que inclui o seu pessoal e o de Sato, quando estiverem prontos me avise, vou então orientar o que fazer.
Nada mais a comentar, despediu e desligou o aparelho.

Ciente de que até aquele momento cumprira sua parte, foi ao encontro de Vina.
— Já orientou as crianças?
— Tentei, mas está difícil para entenderem.
— Até partirem, farei com que aceitem a ideia.
Conversou algum tempo com a esposa e depois seguiu para os porões do castelo. Desceu as escadarias rumo ao subsolo. Grandes pedras compunham o paredão que alicerçavam o Forte e ao mesmo tempo formavam vários compartimentos. Ali eram guardadas muitas relíquias, coisas de eras antigas. Objetos os mais diversos, lembranças do passado. Pilhas de livros se misturavam com todos os tipos de papeis e documentos, velharias que se deterioravam. Fora dali que extraíra todo conhecimento que possuía.
Durante dias revirou aquelas sobras arqueológicas, tudo que achou útil levou para sua sala de estudos, para desespero de Vina, que gostava de ver tudo limpo. Nem ouviu as reclamações da mulher, pacenciosamente acabou organizando sua biblioteca, limpando e ajeitando os volumes carcomidos pelo tempo.
Quanto mais se aprofundava nos conhecimentos, mais compreendia os terráqueos. No final confirmara, eram sobreviventes de uma catástrofe, haviam provas importantes, tanto naqueles livros, quanto em vários dos objetos guardados.

Os vinte governadores e suas comitivas foram acomodados pelo Rei, a medida que chegavam. O último levou um mês, viera da Província das Grandes Águas.
Surpresos pela atitude inesperada de Tropo, os convidados confabularam muito enquanto esperavam a chamada para o encontro. Teciam conjecturas que iam da continuação da guerra a problemas políticos regionais.
Completo o grupo, Tropo os reuniu no grande salão do Forte.
— O assunto que vou tratar está ligado a nossa sobrevivência. Estão em seus cargos porque foram bons guerreiros, enfrentaram a morte e cuidaram bem de seus soldados, agora a responsabilidade será para com suas vilas.
Quero de vocês a mesma firmeza; para o que vou dizer, aquele que entrar em pânico perderá o cargo.
Ao ouvirem estas palavras, um murmúrio tomou conta do ambiente, mas o Rei continuou:
— Dentro de poucos anos, nossas terras e a de Sato serão cobertas pelas águas, grandes enchentes varrerão nossas casas e nossas lavouras.
A partir de agora, cada um terá sua responsabilidade dobrada. Vamos receber ajuda de um povo que ainda não conhecem. Virão sessenta e dois casais para ensinar em nossas aldeias, para mostrar o que vai acontecer. Exijo que sejam bem tratados, são pouco diferentes de nós. Não possuem pelos. Estão a milhares de anos em nossa frente, possuem coisas acima de nossa compreensão.
Naquele momento, um dos governadores o interrompeu:
— Peço permissão Majestade, para fazer-lhe uma pergunta.
— Faça Ludo.
— Conheço muitos lugares de nosso País e dos Nogos. Nunca ouvi falar em outros povos a não serem os nossos.
— Não precisa continuar, sei onde quer chegar. Quer saber de onde são.
Eles residem numa vila muito diferente de tudo que já viram. Fica dentro de uma carapaça metálica muito acima do nosso céu.
Quando completou a frase, cochichos tomaram o recinto. O Rei, irritado, imediatamente chamou a atenção:
Escutem todos, não terminei de falar. Não se trata de nenhuma fábula. Creio que nem fosse preciso provar nada, vocês sabem que minha palavra é lei, ou estou errado?
Estive lá, fui convidado, junto com a Rainha passei alguns dias com eles. Fui num carro sem conis, todo fechado. Depois me trouxeram de volta.
Sabia que seria difícil vocês acreditarem, assim, trouxe alguns presentes que me deram. Vejam por exemplo esta caixa de música, esta máquina que retrata pessoas, este ... , e foi amontoando objetos na grande mesa.  
Não precisava nem lhes mostrar estas coisas, vocês se esqueceram das sementes que nos salvaram da fome?
Todos abaixaram as cabeças. Arrependidos de terem duvidado do Chefe supremo. O próprio Ludo, quebrou o silêncio e em atitude humilde disse:
— Perdão Majestade.
— Tudo bem, era de se esperar que duvidassem.
Vamos continuar. Vocês deverão alertar seus guardiões para acolhê-los em uma casa que deverá ficar a disposição do casal enquanto ficar na aldeia. De imediato deverão também selecionar as primeiras vilas que os receberão. Nada de mal quero que aconteça a eles, vou assinar leis severas para isto.
No trato que fiz com o Chefe deles, vou enviar meus filhos para cuidarem e darem ensino, ficarão lá por vários anos. De nossa Nação, mais duzentos e quarenta e oito meninos ou meninas, nas idades de 7 a 15 anos terão o mesmo tratamento. Deverá haver uma boa seleção, sem concentração, uma ou duas de cada vila. Deixo isto a critério de vocês. Cada um deverá organizar um grupo de doze.
 Tropo ainda continuou por algum tempo, ouvindo perguntas e orientando.

 O Rei de Suma já estava adiantado nas suas providências. Sato por sua vez, ainda seguiria para a cidade do espaço.
 Tal qual acontecera com Tropo, Corin também fora o encarregado de avisá-lo.
 Percebendo que o casal já havia sido preparado, esperou apenas se prepararem e os encaminhou à nave, que descera num local afastado, fora da vista dos habitantes de Catun.
 Sato chamou o Chefe dos Guardiões, homem de sua maior confiança, para cuidar do “castelo” por alguns dias. Os filhos ficaram sob os cuidados de duas mulheres que trabalhavam nos serviços domésticos, amigas da Rainha.
 Na viagem, ambos se apavoraram um pouco, mas mantiveram suas posturas.
 No primeiro dia, passaram pelos mesmos procedimentos adotados com Tropo e a esposa.
Tat, também se entusiasmou com a penteadeira e com tudo que existia no apartamento.
Sato não era leitor assíduo dos livros antigos, gostava mais das coisas do presente. Por outro lado, era um curioso nato, verificava detalhe por detalhe do local. Se encabulava por não poder definir muitos objetos. Como desenhista, era capaz de guardar na memória detalhes que para outros nada significava.
Analisava portas, sanitários, cama, cadeiras, etc. Logo descobriu a TV e o som, apertava todos os botões que via.
Seu mundo era outro, não o de Rei, mas não deixava ninguém perceber sua verdadeira aspiração.
Tat por muitas vezes, via o marido desenhando, mas nunca o julgava como merecia. Ele por sua vez não fazia questão de se mostrar. Embora no período da guerra, os vencedores das batalhas se equilibrassem, não houve luta durante o seu reinado que antes não fosse traçada sobre o mapa, facilitando os ataques. Se não fosse a astúcia de Tropo, por certo teria ganho a guerra.
Nunca quisera ser Rei, tampouco guerreiro, possuía espírito artístico. Por uma questão machista, não queria ser ele a propor a paz, mas regozijou com a oferta do oponente. Por ele, nunca mais usaria as armas, sentiu muito as perdas e a miséria que Nação passara.
Vendo o marido perdido em seus pensamentos, após ter revirado o quarto, Tat lhe perguntou:
— Cansou Sato?
— Não, não sei porque uma infinidade de pensamentos veio a minha cabeça, mas deixa isto para lá. Você o que acha de tudo isto?
— Quer que lhe seja sincera, estou adorando!
Parece que estamos nos contos infantis.
Nisto, a porta se abriu, Corin e Silas entraram, traziam a refeição. Silas conversou muito com Tat, combinando a saída no dia seguinte.
Corin, observando que a TV estava ligada, perguntou ao Rei se estava gostando. Este não perdeu tempo:
— Me diga, como eles fazem isto?
— Com o tempo vai aprender Majestade, isto envolve o sistema elétrico, o importante é saber: o que está vendo não está acontecendo, é uma espécie de teatro, igual ao que temos, só que usam máquinas para que possamos ver.
— Como é fantástico tudo aqui!
Durante a refeição, Sato não cansava de tecer elogios. Após, ficaram vendo a tela mágica, depois ele a desligou e ligou o som. Ambos também adormeceram embalados por suaves músicas.
No dia seguinte repetia-se nos mínimos detalhes a acolhida que tivera Tropo. Na reunião a mesma coisa, com uma diferença, o Rei sempre queria detalhes, por que disso, por que daquilo. Interpelou tanto, que boa parte da pauta ficava para o próximo dia. Quando o mapa de seu território apareceu, disse que já o conhecia, que também havia desenhado um igual.
Foi então que os membros da mesa, realmente passaram a valorizá-lo. Jansen arriscou uma pergunta:
— Quer dizer que isto não lhe é novidade, então deve saber que ao norte e ao sul tudo são geleiras.
Sabia que o seu mundo é redondo?
— Não tenho a cultura de Tropo, procuro sempre coisas do momento. Deixei de ler os escritos antigos, talvez neles existam referências sobre isto. Por outro lado, já visitei as grandes águas e notei a curvatura no horizonte.
— Exato Majestade, esta é uma das provas de superfície.
Vejo que não vai ser difícil nos entendermos. Comentou Regis.
Na grande tela, o planeta inteiro era mostrado, numa repetição, até chegarem novamente ao mapa. Depois veio a orientação sobre o degelo e suas consequências.
Não foi problema entender a situação e a necessidade de ter seu povo instruído sobre o que iria acontecer. Aceitou o envio das crianças, incluindo seus filhos. Titubeou ao falar sobre eles, mas aí entrou um pouco da antiga rixa, não ficaria diferente de Tropo.
Tudo acertado com a Central, lhe concederam mais dois dias para usufruírem o conforto da Cidade Espacial.

Também voltaram com muitos presentes, para eles e para os filhos.

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