A
VOLTA DAS CRIANÇAS E RETORNO DOS PROFESSORES.
A GRANDE IDEIA DE CHATO.
No Reino dos Nogos, Tat após
ter visitado a amiga, encontrara o caminho a seguir. Aprendera com Vina como
entender os escritos dos humanos. Desde então, aos poucos traduzia revistas e
livros. Muito inteligente, assimilava com facilidade os ensinamentos. Não
perdia uma reunião dos terráqueos, enquanto Sato viajava, desde que voltara do
encontro na Roda. Longe do que pensava a esposa, não estava alheio aos fatos,
apenas direcionava sua capacidade para soluções futuras. Num compartimento
especial acumulava seus desenhos topográficos. Ele que após a guerra
dificilmente se locomovia para o interior de seu país, passou a fazer incursões
longínquas em direção às áreas geladas. Alheio aos problemas políticos, fincava
estacas com marcações do nível de gelo, fazia o mesmo em rios e lagos.
Conversava com habitantes da região, principalmente idosos, anotando áreas que
estavam livres e que há muitos anos antes eram cobertas pelo manto branco.
Bem protegido, com um grupo
de guias, usando trenós puxados por auruns, enveredou por regiões onde somente
as geleiras dominavam. Viu o perigo, grandes trincas formando abismos, sinais
de desmoronamentos e até locais livres.
Em meio àqueles lugares,
desenhava rapidamente, marcava setores e entregava as folhas para um auxiliar.
Não perdia nenhum detalhe, tudo registrava.
De volta a Catun, baseado em
suas anotações, traçou linhas no mapa de seu território, unindo os vários
pontos onde esteve.
Pela primeira vez chamou Tat
para expor o que fazia e de certa forma justificar suas viagens demoradas.
— Quero que tome
conhecimento de uma coisa. Sente-se e me ouça, indicando-lhe a grande cadeira a
frente de sua mesa.
— Do que se trata Sato?
— Os homens lá de cima estão
certos. Fui às grandes geleiras do norte e do sul, estão derretendo. As terras
do Reino estão aumentando. Em compensação, a água desprendida é grande,
aumentaram o volume dos rios e estão formando lagos.
— Veja no mapa que elaborei,
houve um aumento tanto ao norte quanto ao sul do território livre.
— Mas como pode saber, vai
me dizer que andou em tudo isto.
— Não Tat. Dois ou três
pontos de penetração em locais distantes, bastam para a comparação e
posicionamento do restante.
Não possuo a sabedoria
daqueles homens, mas o que me preocupa é que poderemos ter muito menos tempo do
que os vinte anos que disseram.
— Nada entendo do que faz,
mas se há tanto perigo para nós, o mesmo acontece para o país de Tropo. Fale
com ele, use o aparelho de comunicação e converse com os homens do céu.
— Tem razão, vou agora mesmo
para Vale Verde.
Tat ficou pensativa,
enquanto observava o marido sair e chamar os guardas para acompanhá-lo.
Tropo examinou as várias
folhas, comentando:
— Fez um excelente trabalho
Sato.
Seria oportuno que enviasse
a Regis. Eles tem aparelhagem para verem tudo, mas não estão aqui em baixo. O
que está me mostrando, pode acelerar o que pretendem.
— É o que vou fazer logo que
meus filhos voltarem.
Mas, sabendo que estavam com
razão, procurei uma solução com nossos meios. Desenhei saídas de emergência
para muitas vilas, mas acabei desistindo. Sem a ajuda deles vai ser impossível
escaparmos.
Tropo, com isto confirmei a
não intenção de nos dominar, mas realmente de nos ajudar. É mais que necessária
a orientação coletiva que fazem.
— Você me surpreende,
pensava que estivesse indiferente ao trabalho que realizam. Soube que não
participa do treinamento.
— Desde que voltei de lá,
viajei muito, estava justamente levantando dados para os mapas que lhe mostrei.
De qualquer forma entendi onde querem chegar, vou procurar dar minha
contribuição. Também, vou aparecer nas aulas.
— Desde o início tenho
acompanhado as instruções, tenho até passado por professor. Frequentemente
ajudo na orientação. No entanto devo lhe dizer, não deixava de ter algum
receio, que agora se desfaz diante do que me disse.
— Tropo, se me permitir,
gostaria de usar seu comunicador. Preciso melhor situar meus governadores,
gostaria de marcar uma reunião. Vou tentar isto através de Jansen.
— Faça isto Sato, esteja a
vontade, seu povo um dia vai agradecê-lo.
O Rei não esperou, foi até a
caixa e acionou o botão, imediatamente Jansen atendeu. Sato perguntou se podia
contar com a ajuda dos instrutores, explicando suas intenções.
O membro da Central pediu a
relação das Vilas, os nomes, prometeu providências e disse para usar o mesmo
procedimento quantas vezes quisesse.
— — —
Aquilo que é feito com boa
intenção acaba gerando bons frutos. Os chefes das Nações tudo faziam para
cuidar de seus povos.
A inesperada presença
alienígena, diante do primitivismo material que viviam, não deixava de
amedrontá-los. Tropo, pelo lado cultural, foi o primeiro a aderir ao projeto.
Por mais que se esforçasse, se preocupava. Sua união com Sato, o rápido
esquecimento da inimizade ligava-se diretamente à presença dos vizinhos do
alto. O mesmo acontecia com o outro, mas este fora verificar e descobrira a
realidade. Isto mudara o pensamento de ambos. Com esta confirmação, perceberam
que se aqueles homens quisessem, bastariam esperar a catástrofe, depois era só
se apossarem do planeta.
O tempo corria, faltando um
mês para a descida das crianças e retorno dos professores, Regis reuniu seu
grupo.
Era preciso coordenar, se
deixassem os garotos no mesmo lugar, alguns levariam até um mês para chegarem
em seus lares, quanto aos professores a mesma coisa. Para liberar vários
transportadores, o gasto era grande e precisavam reservar combustíveis para o
futuro. Definiram pela primeira opção.
Os Reis foram avisados da
impossibilidade de descerem em vários lugares. Foram também informados que as
crianças chegariam no mesmo lugar de onde partiram.
Diante do problema, já que
teriam direito de permanência de apenas um mês na superfície, ficou combinado
que os Reis, em comum acordo, construiriam acomodações para os pais e filhos,
próximas ao campo de pouso.
Tudo acertado, Jansen se
encarregou de avisar as famílias através dos instrutores e, estes por sua vez
através dos guardiães. Informando também os casais sobre a partida.
Aquele primeiro ano fora um
sucesso para Corin e Silas. As crianças adoravam o lugar, tanto que não estavam
contentes em voltar.
O casal precisava de um
descanso muito justo, até então não haviam tido um dia sem excessivo trabalho.
Passariam as férias com o filho.
Silas escreveu uma longa
carta para a mãe, entregou a Kiria junto com uma pequena caixa, pedindo a
garota para entregá-la a um mensageiro.
O momento da partida
chegara, os grupamentos infanto-juvenis, separados por idade e sexo, dessa vez,
estavam curiosos. Já sabiam flutuar, se divertiam muito nas bases, entrar
naqueles ônibus espaciais tornara-se motivo de alegria.
Ao contrário dos dias que
precederam a partida, a garotada estava alegre. Os meninos e meninas pareciam
ansiosos para rever os familiares. Vários professores estavam presentes,
aproveitariam o trajeto para dar-lhes explicações diante do panorama real.
Enquanto isto, no Planeta a
noite era gélida, os archotes faziam um grande círculo no local do pouso.
Numa boa distância, os pais
e os casais terrestres olhavam para o alto. Deram gritos de alegria quando
viram os dois pontos luminosos descerem até se transformarem, bem pertos, em
grandes fornalhas e vagarosamente se apoiarem no solo.
Desligados os propulsores,
forte iluminação transformou em “dia” a grande área plana. Eram os holofotes
controlados pelos astronautas que desciam junto com as crianças.
Meninos e meninas, iam
recebendo demorados abraços, principalmente das mães. Uma grande euforia tomou
conta de todos, enquanto os casais tomavam lugares nos veículos.
Muitos instrutores tiveram
de viajar dias para chegar ao local de decolagem, repetindo o trajeto de quando
vieram.
O sol de Marino já
despontava, quando as naves retornaram.
A metade da meninada partiu
para as aldeias, a outra ficou. Boas acomodações foram construídas, os que
ficaram passariam as férias ali mesmo, com o melhor que os Reis puderam fazer.
Os sorrisos estavam em toda
parte, um dia de grande festa.
— — —
Salésio, único terrestre a
permanecer no solo do Planeta, fizera um bom relacionamento.
Acostumado a solidão, não
estranhou a ausência do casal.
Sem nada para fazer, passava
os dias, ora conversando com Gat na taberna, ora andando pelos arredores,
principalmente onde as lavadeiras ficavam. Naquele pouco tempo que estava na
aldeia, esforçara-se muito para aprender a linguagem local, o próprio guardião
o auxiliava.
Para quem o conhecesse na
Cidade Espacial, se o visse não acreditaria que era o mesmo. Mudara
radicalmente seu comportamento.
Muitas vezes se punha a
conversar com Oda, viúva de meia idade, forte e muito simpática. Algo o impelia
para aquela mulher de pernas e braços peludos, mas que não a enfeavam, pelo
contrário, faziam-na exótica com os longos cabelos castanhos a se misturarem
com o corpo. Uma estranha forma de beleza aliada ao rosto bem feito e olhar
sereno.
Perdera o marido na guerra,
logo no início do casamento. Depois disto não se interessara por mais ninguém.
Criara uma filha, que se casou e lhe deu três netos. Vivia só, ganhava o
sustento lavando roupas e tecendo lãs de trelos criados na região. De suas mãos
saiam mantas coloridas com muito bom gosto. Recebia compradores até de lugares
distantes. Possuía uma boa economia em moedas de ouro.
Numa das ocasiões em que
Chato estava em suas andanças, parou perto dela, como já estava se tornando
hábito, entre outras coisas, perguntou-lhe, fazendo-se entender da melhor forma
que podia:
— Porque você trabalha tanto
Oda?
— Acostumei a não parar, a
princípio, durante muito tempo era pela solidão, gostava muito de Tanin. Depois
me conformei, mas não conseguia ficar sem fazer nada.
— Fiz esta pergunta porque
sei que tece e faz roupas também.
Sabe que temos uma coisa em
comum. Eu também fazia roupas onde estava. Coisa que sempre gostei. Enquanto
transformava panos, esquecia de meus problemas. A solidão também é minha
companheira.
Depois de mais algumas
palavras, Salésio se distanciou e começou a percorrer a margem do rio, olhando
as águas que caiam numa pequena cachoeira. Ficou ali por muito tempo, quieto,
imaginando a força da correnteza. De repente surgiu-lhe a mente os filmes que
assistira sobre paisagens da Terra. De associação em associação, lembrou-se das
fontes de energia elétrica. Deu até um pulo com a ideia que teve. Levantou-se e
voltou depressa para casa. Entrou e foi buscar papéis para anotações, encontrou
tudo que precisava.
Acostumado a fazer moldes
para roupas, não foi difícil para ele desenhar um pequeno projeto de energia,
aproveitando a pequena queda d’água, poderia acionar uma pequena turbina.
Simples, através de uma pequena roda de madeira que poderia ser feita ali
mesmo. Estenderia fiação até o centro da aldeia e colocaria algumas lâmpadas.
Na roda aprendera tudo sobre eletricidade.
Sua intenção era apenas ver
luz durante a noite, mas outra ideia lhe veio, por que não dar a Oda uma
máquina para costurar os grossos tecidos? Ele a ensinaria.
Há cerca de um mês que
constantemente pensava naquela mulher, por onde ia, a imagem dela lhe vinha a
mente. Lutava para não aceitar a realidade, ainda mais na idade que estava.
— Que bobagem!, pensava.
Vivia a implicar com as crianças daqui e agora estou me sentindo preso. Mais
ainda, nem entendo bem os costumes deles. Tão pouco tempo. Será que estou
caducando? Nem acredito em minhas novas tendências. É incrível, o pior é que
estou gostando. Todos me tratam bem, estou aprendendo a conversar com eles. Me
respeitam, me entendem, continuou Chato monologando, sozinho em seu pequeno
quarto.
No dia seguinte, novamente
lá estava ao redor de Oda. Aquilo já estava chamando a atenção, as amigas da
mulher começavam a falar. Salésio não percebia e ela não via como afastá-lo, na
verdade até o procurava com os olhos. Quando não vinha, ficava irritada.
Chegara cedo, queria
explicar a ela suas ideias. Com muito custo conseguiu fazê-la entender que a
máquina ajudaria a fazer o trabalho dela muito mais rápido, que ele a
ensinaria. Nem ela mesma compreendeu porque aceitara a proposta. Fez questão de
dizer que ia tentar convencer os donos de sua Vila, para enviarem-na junto com
outros materiais.
Saindo dali, passou muito
tempo com Gat, desenhando num papel o pequeno projeto. O Guardião, lembrando-se
que a última ordem do Rei era para dar todo apoio aos terrestres, não fez
objeção e disse que o auxiliaria no que fosse possível. Porém, durante a
conversa, observou-lhe sobre o tempo de existência da aldeia, ao que Chato
respondeu:
— Pelo menos haverá dez ou
vinte anos de luz, se não fizer algo agora, depois acredito que não terei mais
tempo.
— Então o senhor pretende
viver aqui?
Aquela pergunta o pegou de
surpresa, parou um pouco para meditar. Depois de alguns instantes, disse:
— Pretendo, se me quiserem.
Gat ficou emocionado e
estendeu-lhe a mão, num aperto, para selar uma amizade.
Salésio voltou para casa e
para os papéis, fez uma relação de tudo que precisava, procurando não se
esquecer de nada, inclusive de um bom suprimento de linhas para a máquina,
lâmpadas, peças para reposição e ferramentas manuais. Depois de tudo anotado,
acionou o comunicador e transmitiu a Jansen o seu pedido, inclusive informando
que ia residir definitivamente em Marino, que aquele era o único e último
pedido que fazia.
Tão logo completou a
solicitação, desligou o aparelho e um alívio o dominou. Há dois dias que mal
dormia, assim, apenas recostou em sua cama e o sono lhe veio, profundo. Sonhou
que estava com Oda, passeando sob a claridade de suas lâmpadas e alguém
segurava suas calças, olha e vê um menino peludinho. Quando vai segurar a
criança, acorda.
Seu estômago reclamava, não
havia alimentado, tateando procurou na escuridão o archote, acendeu-o e foi
para a cozinha preparar alguma coisa para comer.
Deixemos Salésio com suas
fantásticas ideias e vejamos o Forte do Rei Tropo.
Jasun estava sorridente, já
não aguentava de tanto esperar seus pequenos, como dizia. Kiria e Jasp, depois
de estarem com os pais, se agarraram ao velho servidor, que chorou de alegria.
A garota não esquecera a encomenda de Silas, entregou a caixa e a carta ao
velho e pediu para que ele providenciasse um mensageiro.
O menino, irrequieto, logo
foi procurar seu aurun, ficaram brincando na relva cercada pelas fortificações.
Muita felicidade no Reino,
Tropo cortou todas as audiências para dedicar aos filhos. Vina queria saber
tudo, nos mínimos detalhes.
Depois de uma semana de
total entrega às crianças, Tropo chamou ambos para uma conversa, e para
experimentá-los, muito sério perguntou:
— Vocês querem voltar para
lá?
Demoraram um pouco, mas
quase ao mesmo tempo responderam:
— Queremos.
— E se disser que não vou
deixá-los ir.
— Papai!, o senhor não pode
fazer isto!, disse Jasp, seguido pela mesma expressão da irmã.
— Não, não vou fazer, apenas
os testava para ver se estavam satisfeitos naquele lugar.
— Estamos sim, aprendemos
coisas que nem pode imaginar.
— Então me contem.
Assim, passaram os dias e as
crianças sempre falando das maravilhas da Roda.
No Reino vizinho, as coisas
não foram diferentes, deslumbrados os filhos de Sato não paravam de comentar
sobre a vida na cidade espacial. Também queriam voltar.
Tat estava satisfeita com a
felicidade deles. Vê-los naquela alegria era o maior presente que recebia. Suni
e Kalil triplicaram os conhecimentos. Sato acabou fazendo uma sabatina
geográfica com eles e se assustou com a capacidade mental adquirida por ambos.
Orgulhou-se deles, pensando:
— Em todo meu Reino não
devem existir crianças mais inteligentes.
Para ele, nem as que
partilhavam do mesmo ensino deveriam ser tão capacitadas.
Tanto Sato, quanto Tropo
estavam contentes, verem os filhos com aquele grau de conhecimento fora uma
satisfação muito grande.
Querendo expandirem de
alguma forma a felicidade, procuraram dar aos pais e as crianças que estavam
acampadas o máximo de atenção. Mandaram distribuir alimentos e colocaram muitas
pessoas para servi-los. Na maioria, eram filhos de governadores e guardiões,
estes não estavam menos entusiasmados do que os Reis.
Na Roda, a Central preparou
uma recepção para os casais.
A maior parte deles não via
a hora de voltar, não que quisessem abandonar a missão, mas sentiam saudades do
conforto e dos familiares.
Aquele mês de novembro de
4l5, marcava uma vitória, a conquista pacífica dos homens de Marino.
Regis não queria
perturbá-los durante as férias, mas precisava ter um dia de conversa coletiva.
Assim, convocou os seu pessoal e solicitou a presença dos instrutores.
Logo de início, perguntou se
todos estavam dispostos a voltar.
Dez casais se manifestaram.
Disseram haver muita violência onde estavam, preferiam ficar.
Imediatamente o Chefe da
Central os dispensou e pediu para que se retirassem. Após saírem, comentou:
— Temos casais para
substitui-los. Devo no entanto dizer, nunca pediram nenhum auxílio ou
reclamaram.
Mas, vamos ao que interessa.
Gostaria de ouvi-los, de conhecer um pouco de cada aldeia e do resultado do
treinamento.
A conversa foi demorada, Regis
escutou casal por casal durante quase todo o dia.
O único aspecto negativo do
trabalho fora o abandono da missão pelos casais citados, o restante apresentou
boas informações. Haviam passado por momentos difíceis, mas o resultado já se
mostrava. De forma geral, os nativos haviam assimilado os ensinamentos; nas
vilas nascia uma nova forma de pensar. Estavam de espírito preparado para as
inundações.
Regis, após ter considerado
os problemas normais e ótimo o resultado geral, informou que continuariam mais
seis meses nas mesmas vilas, depois seguiriam para outras. Porém, antes de
terminar, perguntou:
— Vocês conhecem o Chato?
Quase em coro, responderam:
— Quem não o conhece! Mas
não vimos ele.
— Não viram porque não está
mais aqui. Estava nos criando confusão com a garotada de Marino, vivia a
importuná-las. Há cerca de seis meses o deportamos para lá, como castigo
deveria ficar pouco mais de um ano da superfície.
Voltando-se para Jales,
pediu:
Conte para todos ouvirem, o que aconteceu.
— Bem, Salésio, quando
chegou já estava modificado. Também o conhecia, passei a estranhar os modos. Já
no começo, falou que os dois dias que estivera preso pensara muito, concluindo
que durante toda sua vida só fizera coisas erradas, mas que ia mudar.
A princípio não acreditei,
mas suas atitudes foram relevantes, passou a nos ajudar e a se relacionar com
os habitantes de lá. Diariamente insistia em aprender o idioma, em pouco tempo
conseguia se comunicar. Ninguém o reconheceria mais, foi uma mudança da água
para o vinho.
— Pois bem, acreditem ou
não, ontem recebi um extenso pedido dele. Você sabia disto Jales?,
mostrando-lhe a folha de papel com toda a requisição.
— Não Senhor Regis, nunca me
falou nada. Mas veja, já faz quase um mês que saí de lá.
— Pois então ouçam todos, e
leu a longa lista. Continuou:
A solicitação dele é de
coisas muito antigas, já mandei fazer um levantamento, temos tudo que precisa.
No seu comunicado disse também ser o único pedido que faz e que deseja ficar lá
para sempre. Primeiro vou fazer uma pergunta para Jales:
O que você acha? Convém lhe
darmos o que pede?
— Acredito que sim, formou
amizade com os aldeões. Parece estar feliz, deve ter encontrado algo que queira
fazer.
— Bem, vou colocar em
votação, ele está lá por castigo, é o único terrestre no planeta no momento. Levantem
a mão os que apoiam o envio de tudo que pediu.
Todos sem exceção, até os
membros da mesa aprovaram a remessa.
— Assim sendo, peço a Jansen
avisá-lo para ir buscar o material quando voltarem, vamos aproveitar o
transportador.
Os homens da Central ainda
continuaram por algum tempo, esclarecendo dúvidas e acatando opiniões sobre
algumas mudanças no treinamento.
Enquanto os casais
descansavam, Chato ficara na expectativa da resposta. Haviam passado três dias
que fizera a solicitação. Nesse período quase não saiu, se o fez foi apenas
para trocar algumas palavras com Oda. Estava tão ansioso que por pouco não
ligara novamente. Mas aguentou, não achava prudente. No quarto dia, já estava
ficando triste, quando o pequeno sibilo do aparelho o fez correr, atendeu:
— Aqui é Jansen.
— Pode falar amigo.
— Tenho a lhe informar que
seu pedido foi aceito. Você deverá ir buscar o material quando as naves
descerem com os instrutores.
— Muito obrigado Jansen,
agradeça Regis, diga-lhe que isto foi muito importante para mim.
Desligado o comunicador, seu
coração pulava, precisou até tomar água. Não aguentava de tanta satisfação. O
difícil seria esperar aqueles dias que seriam longos. Estava pensando assim,
quando lembrou-se de que teria de partir de imediato. Levaria tempo para
alcançar a fronteira. Quando chegasse, era certeza de que os transportadores já
não estariam lá.
Estava saindo para pedir
ajuda a Gat, quando teve uma ideia. Voltou e ligou o comunicador, foi ainda
Jansen que atendeu:
— Jansen, uma última coisa.
Posso falar com Jales?
— Vou tentar uma ligação com
o apartamento onde está. Espere um pouco.
Salésio aguardou, logo o
companheiro estava na linha.
— Fale Chato, o que manda?
— Preciso de um grande favor
seu.
— Até acho que já sei.
— Sabe?
— Levar as mercadorias que
pediu, não é?
— Isto mesmo. Como sabe?
— Regis me falou e pediu
para que as fizesse chegar às suas mãos. Jansen não lhe disse?
— Não, deve ter esquecido.
— Pode ficar descansado,
logo que chegar providenciarei um carregador com vários conis.
— Obrigado Jales, muito
obrigado mesmo.
Chato estava contente,
saltitava, desceu o degrau da porta de entrada de sua casa e caminhou depressa
na direção do rio. Não encontrou Oda, sabendo onde morava, foi para a casa
dela.
— Oda, eles me atenderam!
Vão mandar tudo que pedi! Vamos ter luz e você a máquina que prometi.
Vendo o homem tão alegre, a
mulher também sorria compartilhando daquele momento.
Depois de um bom tempo
conversando com ela, foi procurar Gat, contando-lhe tudo.
O Guardião ficou muito
interessado e prometeu ajudá-lo no que estivesse ao alcance, como já havia dito
antes.
Ao detalhar novamente o
projeto para o amigo, lembrou-se da roda de madeira e dos suportes que teriam
de ser colocados sobre o rio, foi então que perguntou para o chefe da aldeia:
— Tem aqui alguém que
trabalhe com madeira, que seja capaz de fazer uma roda, como a que desenhei?
Gat pensou um pouco, depois
disse:
— Licos, mora na entrada da
mata dos “lutis”, um tipo de pássaro. Corta madeira, tira tábuas, faz carros.
— Gostaria que me levasse
lá.
— Não sendo hoje, qualquer
outro dia.
— Depois de amanhã, está
bem?
— Fica combinado, saímos
cedo.
Depois dessa conversa,
Salésio foi para casa e retornou para seus desenhos, continuando a planejar a
pequena usina.
No dia seguinte, lá estava
ele novamente a conversar com a mulher de longos cabelos. Dessa vez não parou
muito, indo logo para a beirada do rio procurando examiná-lo. Uma pinguela com
corrimão permitia a passagem para o outro lado. Assim, ora estava numa margem,
ora na outra, para espanto de Oda, que começou a desconfiar da sanidade do
homem.
Atenta aos movimentos de
Chato, não o perdia de vista, o que fora oportuno, porque, de repente,
escorregou e:
— Socorro!, não sei nadar!
Mais que depressa, Oda do
jeito que estava, atirou-se às águas não muito fundas, abraçou-se a ele,
puxando-o para a margem, até retirá-lo para fora, com a ajuda de outras
companheiras.
— Está ficando louco? Ficou
de um lado e do outro do rio, vi que ia cair a qualquer momento. Disse a mulher
em tom de censura.
— Estava calculando
distâncias para quando for assentar a turbina.
— Não entendo nada disto,
precisamos trocar de roupa.
Enquanto caminhavam, Salésio
não deixara de observar as roupas molhadas externarem toda feminilidade da
nativa. Sentia ainda os braços dela a segurá-lo, fortes e macios.
Naquele momento percebera a
realidade, estava apaixonado, tanto quanto um jovem. Era algo novo para um
coração que nunca havia entrado nesse lado da vida.
— — —
O único a não tirar férias
fora Regis, passava os dias a analisar detalhes do que considerava sua missão
de vida.
Casado, sem filhos, amava a
esposa, mas não deixava de sentir que algo lhe faltava.
Assumir a responsabilidade
de um plano com as dimensões que estava tomando, preenchera todo seu vazio
íntimo. Tornara-se sua razão de existência.
Naquele mês, os membros da
Central não esperavam reunião, quando foram surpreendidos pela convocação.
Contrariados, mas sem
reclamação, foram para a habitual sala de conferências. Regis nem se desculpou,
foi logo ao assunto:
— Pedi para virem, porque o
tempo é valioso, tudo que é previamente preparado representa cinquenta por
cento a mais no acerto das decisões.
O motivo porque os chamei, é
para discutirmos algo que faremos no final, mas que vai requerer o máximo de
nós. Precisamos mapear toda faixa territorial livre com total segurança, muito
antes dos fatos acontecerem.
— Mas as inundações só vão
ocorrer daqui a vinte anos, atalhou Jansen.
— E se dentro de um ano tudo
se desencadear? Você garante que não?
— Bem, pelos meus cálculos não. Mas garantir, bem,
garantir não posso.
— Pois é isto. Não discuto
sua estimativa Jansen, mas não podemos ficar presos a ela. Talvez não aconteça,
mas tudo pode precipitar e não temos nada preparado.
Pensando no pior, o caminho
é sabermos com antecedência onde colocar o povo de Marino.
Se soubéssemos hoje que as
geleiras se desgarraram, que a camada fina se derretera e as águas estavam
invadindo as aldeias, quase nada poderíamos fazer.
Portanto, vejam se tenho ou
não razão em chamá-los. Muito antes das inundações, pretendo fixá-los em
lugares seguros. Temos que visualizar a situação com realismo. Não sabemos o
momento exato.
Concordaram com Regis, de
fato, precisavam agir, numa emergência saberiam o que fazer.
Jansen observou:
— Se o Comandante Marcos
concordar, poderíamos baixar ao máximo a órbita da espaçonave para uma análise
detalhada da superfície.
Por sua vez o Tenente Fusco
comentou:
— Temos veículos não tripulados,
justamente para análise de terrenos. Seria oportuno colocá-los sobre as áreas
geladas, para uma verificação completa.
— Concordo Fusco, mas quero
dizer que não pretendo ocupar nenhum ponto fora das regiões habitáveis. Na
minha opinião, não vai ocorrer o fim do planeta, apenas acomodação das águas,
que procurarão os lugares baixos. Precisamos apenas saber até onde o volume
alcançará, isto é, onde será o futuro nível. A grande maioria das vilas está em
locais baixos, em vales. Se continuarem lá, certamente serão varridas, mas se
as colocarmos sobre platôs de montanhas ou sobre locais de altitude acima,
estarão salvas. Portanto, quero saber com a máxima segurança, onde estão essas
áreas. Para isto poderão usar todos os instrumentos necessários.
Quanto às geleiras, não
podem ser desprezadas, é importante ser conhecido o grau de rigidez, o estado
de liquidificação, o tempo que levará para se decompor, a profundidade, para
onde as águas se escoam, etc.
Próximo ou não das vilas,
deverá ser marcado o ponto no mapa para a transferência de cada uma, isto é
prioritário.
Resolvida esta parte, ai
sim, nas primeiras denúncias de problemas, principalmente na orla marítima,
tomaríamos as providências de assentamento.
É provável que algumas
poucas aldeias nem precisem ser transferidas, mas é certeza que a maioria seja.
Assim, precisamos também pensar agora no que será feito. A faixa disponível
possui densa vegetação, portanto nos lugares das novas instalações, terão de
ser abertas clareiras, bem como preparação para as construções. Como solucionaremos?
— Isto poderá ser resolvido
com envio de aviões de combate. Bombardeariam a região marcada, depois um
transportador levaria as máquinas para a terraplanagem, respondeu Fusco.
— De fato, nosso trabalho
poderia ser executado com rapidez. Está é a solução, faça um estudo detalhado
Tenente, deixando tudo pronto para o momento.
Os demais participantes da
reunião, bastante leigos no assunto, se limitavam a ouvir. Regis no entanto,
levantou uma outra parte da questão que envolveria todos os membros.
— Vimos o lado técnico, não
podemos esquecer que lá em baixo estarão homens, mulheres e crianças que verão
seus antigos lares destruídos. Enfrentarão radicais mudanças. Temporais, neves,
descontroles climáticos variados vão ocorrer. Vão precisar de muita ajuda.
O Padre Santos, que
aguardava uma oportunidade, comentou:
— Acredito que possa
coordenar esta parte, farei um completo levantamento dos problemas que
surgirão. Já possuímos uma grande ponte com os Marinenses, representada pelos
professores.
Durante todo o dia os homens
da Central se mantiveram em estudos, ficando definido fatores importantes do
projeto.
No final dos trabalhos,
Regis referindo-se à futura mudança dos terrestres para o planeta, observou:
— Por maior tecnologia que
tenhamos, não vamos poder organizar uma Nação separada. Lembrem-se de que a
espécie deles conseguiu sobreviver na glaciação, criando imunidades que não
temos. Mesmo assim, não somos diferentes fisicamente, exceto possuírem massa
encefálica um pouco mais acentuada.
— Mas são primitivos,
interrompeu Joseli, continuando:
Pelo que entendi, deveremos
nos misturar com os peludos.
— Perfeitamente Joseli.
Pelas normas de nossos ancestrais, sequer poderíamos entrar em Marino. Mas
diante das circunstâncias, estamos criando condições para nos misturarmos a
eles. Já temos o primeiro exemplo, o caso do Chato.
Sancho que pouco
participava, atalhou:
— Não era esta a minha
opinião, esperava que quando descêssemos, formaríamos uma nação.
— Onde? No Gelo? Ou
deveremos esperar centenas de anos aqui para obtermos nossa faixa territorial?
Pelo levantamento de Jansen,
nos próximos vinte anos haverá queda de grandes geleiras, mas isto não quer
dizer que uma vasta área ficará disponível. Melhor explicando, essas novas
áreas livres seriam impróprias para nossos organismos.
Por que estaríamos fazendo
esta reunião, se não fosse para termos um levantamento das áreas vitais da
faixa de terras? Lógico que a finalidade é a transferência das aldeias, mas
também envolve nosso futuro e dos nossos filhos.
Bem, foram tantos
acontecimentos e trabalhos ao mesmo tempo, que muita coisa deixou de ser
debatida. Mas caso não perceberam, estamos sendo professores desse povo para
que possamos criar uma civilização mais adequada aos nosso procedimentos.
Vejam que mencionei o Chato,
ele está fazendo justamente o que gostaria que fosse feito, não importa o que
tenha sido.
— Não entendo, comentou
Fusco.
— É simples, vai para lá,
conseguiu se adaptar, vai instalar uma pequena fonte de luz. Esta luz vai
chamar a atenção, outras vilas vão querer ter a mesma coisa. Ele não deixa de
estar colocando a sementinha do progresso. Logo os filhos de Marino que estudam
aqui estarão super preparados e incentivados a criarem muitas coisas.
Quem sabe, outros dos nossos
venham a querer viver na superfície levando algum tipo de atividade.
Conversando com Corin, me
disse não ser incomum a existência de alguns nativos desprovidos de pelos,
iguais a nós. É bom lembrar que possuem capacidade cerebral maior que a nossa,
assimilam com facilidade os ensinamentos.
— Por que então estavam numa
guerra interminável? Perguntou Fusco.
— Você já leu a história do
planeta de nossa origem? As guerras de lá nunca terminavam, por milhares de
anos estiveram presente, mesmo com tecnologia já avançada, demorando para serem
extintas.
Se vocês não observaram,
vejam que hoje reina paz entre as duas nações. Tenho certeza que isto acontece
única e exclusivamente porque se uniram para nos observar. Para seus Reis, não
somos inimigos, mas uma força muito grande. Sabem que não poderão nos vencer,
portanto se acautelam.
Como já foi confirmado,
possuem um Q.I. acima do normal, comercializam entre si, utilizam ouro para
valores altos e uma liga com o mesmo metal para valores baixos, chamando seu
dinheiro de “taro”. A grande maioria dos habitantes são “alfabetizados”.
Acredito mesmo que a guerra entre eles tenha se originado por interesses
econômicos.
— Tem razão, disse Jansen,
acrescentando:
Recentemente conversando com
Corin, me ocorreu perguntar-lhe sobre os motivos da guerra. Disse que começara
no tempo dos avós. Alguns homens de Suma haviam descoberto um veio de ouro
próximo à fronteira, acabaram entrando no território dos Nogos.
Soldados foram enviados para
a região, alguns sumanos foram mortos. Houve revide, depois disto, pararam
somente quando impedimos aquele combate.
— Minha gente, não estamos
lidando com ignorantes. O que nos disse, confirmam minhas suposições. A
princípio pensava estarem num remoto primitivismo, mas pelas informações dos
casais, apenas não possuem um desenvolvimento industrial porque as jazidas
minerais deverão estar debaixo das geleiras.
Resumindo, dentro das nações
deles, não vamos poder formar outra, restando-nos a imigração pura e simples.
Terminado o encontro, todos
acabaram concordando e firmes decisões foram registradas.
Aquele mês passou rápido, as
férias foram curtas. No ano seguinte, talvez o período fosse aumentado,
conforme promessa de Regis. Dez novos casais seguiram no lugar dos desistentes.
Foram acolhidos por outros dez e aprenderiam na prática, depois ficariam no
lugar deles, que por sua vez seguiriam para as aldeias “problemáticas”. Os
adolescentes de Marino voltaram felizes, descontraídos e contentes por
novamente poderem desfrutar do conforto da Astronave.
Jansen, em comum acordo com
Marcos, baixaram ao máximo o enorme navio, passando a orbitar o planeta como se
fosse uma estação de estudos.
Os professores aproveitaram
a oportunidade para levarem os estudantes para o salão do visor público, boa
oportunidade para serem orientados.
Enquanto isto, uma equipe
levantava a topografia da área habitável, outra acompanhava os sinais enviados
pelos veículos colocados nas regiões geladas. Não se perdera tempo, dados de
importância máxima iam compondo o mapeamento desejado pelo Chefe da Central.
Corin e Silas haviam
aproveitado ao máximo suas férias, divertiram-se ao lado do filho. Pela
primeira vez estavam descansados para reiniciarem.
Quando a criançada voltou,
viram feições diferentes de quando chegaram pela primeira vez. Se divertiram a
valer durante a trajetória. No dia seguinte todos já estavam nos bancos
escolares.
Os moradores da Roda, também
retornaram a uma atividade intensa, dado o retorno das crianças. O reduzido
número de habitantes integrava-se a um contínuo ocupacional nos trabalhos de
apoio ao grupo de Marino. As pequenas fábricas, a própria produção agrícola e
até os cuidados com o zoológico geravam serviços.
— — —
Regis estava sempre com
novas ideias. Embora não houvesse pressa para colocação de humanos na
superfície, ele pensava em tudo.
Percebendo que Sancho e
Joseli queriam uma participação ativa no projeto, entregou a eles o estudo e a
colocação de animais em solo, dizendo:
— Vocês serão os
responsáveis diretos pelo controle e adaptação de nossa vida animal no Planeta.
Deverão enviar pessoas que saibam ensinar camponeses a cuidarem deles.
Cuidado com o uso dos
transportadores. Temos de fazer economia, procurem utilizar naves pequenas,
entendam com o Fusco. Parte dos animais deverão ser doados, depois negociados.
Vamos precisar do dinheiro de lá.
Para exemplo, galinhas,
outras aves domésticas e porcos poderão ser enviados quando quiserem, para
qualquer aldeia. Granjas não existirão, deverão proliferar normalmente. Levem
pássaros e os soltem.
Oportunamente, quando os levantamentos
que estamos fazendo terminarem, ou quando as novas aldeias surgirem, será a vez
dos grandes animais.
Neste documento, vocês têm
discriminadamente todos os passos a tomarem, e entregou a eles os papéis.
Agora prestem a atenção, com
retirada de animais do navio, deverão ativar a produção da espécie diminuída.
Como já disse, quero obter
algum lucro. Façam portanto uma doação controlada. Sobre isto, embora não venha
ao caso, não só animais deverão ser vendidos, pretendo abrir nossos estoques de
utilidades para comerciar, mas temos que ir devagar.
— — —
Na Vila Talma, conis
carregando ou puxando caixotes sobre estrados chegaram, para infinita alegria
de Salésio. Esquecera até de cumprimentar Jales e Júlia. Foi preciso que o
rapaz desse um toque em seu ombro dizendo:
— Como vai Chato?
— Desculpem, estou tão
emocionado que sinceramente nem os vi, e abraçou a ambos.
— Júlia deu um alô para as
vizinhas e entrou em sua casa. Pensava encontrá-la pelo avesso, mas para sua
surpresa, estava até mais limpa que antes. Acontece que Salésio era um
solteirão, acostumado a cuidar de si e além disto, gostava das coisas
organizadas. Ficou contente, fora um alívio depois de novamente passar um mês
junto com aquele grupamento de animais e pessoas. Chuva, frio, terra barrenta,
estava enlameada.
Logo chegou Jales,
reclamando de seu estado, mas alegre, se entusiasmara com a felicidade do
amigo. Este ficara lá, mostrando lugares para descarregar. Conversara com Gat,
este lhe cedera um cômodo com porta para a rua. O Guardião estava ao lado dele,
ajudando e vendo os objetos serem amontoados.
Quando terminaram o
descarregamento, foi conversar com o dono dos animais para pagá-lo, possuía
algum dinheiro local, mas tudo estava quitado. Ficou tempo ali, conversando com
o Chefe da Vila, voltando para casa ao anoitecer, esquecera até de Oda.
— Jales, você pagou o
transporte?
— Não, Regis conversou com
Tropo e tudo foi providenciado.
— Nossa! O próprio Rei. Será
que vou ter de chamá-lo na inauguração?
— Que loucura é esta? Você
não me falou nada, foi uma surpresa quando me disseram.
— Foi uma ideia que tive
depois que partiram. Quero iluminar o centro da Vila.
— E a máquina de costura?
— Bem, ... enrolou um pouco,
ficou vermelho, depois disse: é para Oda.
— Quem é Oda?
— É uma mulher com quem fiz amizade.
— Bem, vamos comer, estou
faminto e Júlia preparou alguma coisa boa, está cheirando até aqui.
No dia seguinte, ainda
escuro, Salésio levantou-se, quase não dormira, imaginando sua construção. Não
demorou, saiu levando um archote e a grande chave que Gat lhe dera.
Logo que chegou ao cômodo,
começou a separar toda parafernália de coisas. O guardião acordou com o barulho
e foi verificar, encontrando o amigo.
— É você Chato? Pensei que
fossem ladrões.
— Não conseguia dormir, me
desculpe. Vim separar o material. É o meu entusiasmo, esqueci até que a hora
era imprópria.
Preparava para sair, quando
Gat o interrompeu:
— Pode continuar, não se
preocupe comigo, se soubesse que era você, nem teria vindo.
— Preciso encontrar a caixa
de ferramentas, parte dela vou doar a Licos em troca do trabalho, conforme
prometi no dia em que estivemos com ele. Mas são tantas coisas que preciso
fazer um pouco de barulho.
Não vou demorar, abrirei
aquele caixote, me dê uma mão, vamos traze-lo para cá. Espere um pouco, aquela
caixa comprida parece uma das coisas que pedi.
O Guardião, curioso, não
arredava pé. Passou a ajudá-lo, queria tanto quanto o outro ver o conteúdo, até
mais que o terrestre. Assim, abriram o comprido e estreito volume encontrando
várias serras para serem utilizadas por duas pessoas. O nativo não aguentou:
— Que coisa fabulosa, que
material, só por uma destas, garanto que ele lhe faria o serviço.
Eram ao todo cinco, Salésio
separou duas, adaptou os cabos e as colocou de lado. Depois, ajudado pelo
outro, abriu a pesada caixa. Ali estavam ferramentas manuais de todos os tipos,
sempre em triplo por espécie. Separou um jogo de cada e foi colocando junto com
as serras. Chaves, martelos, alicates, torquesas, furadeiras, esquadros,
réguas, plainas, enfim, tudo que existia.
Gat fora perturbado, mas em
contrapartida se viu presenteado com várias delas. Depois procuraram a
embalagem onde deveriam estar pregos, parafusos e outras miudezas. Nesse meio
tempo, não perceberam que o dia chegara e já era quase hora do almoço. Foi
quando Salésio comentou:
— Vou precisar de dois
conis, será que me conseguiria.
— Pode deixar por minha
conta, vou com você até lá.
Façamos o seguinte: Vamos
almoçar, em seguida providencio os animais.
Alimentados e com os conis
carregados, seguiram.
Licos, junto com alguns
empregados, estava preparando toras, quando chegaram.
— Como vai Licos! Estamos
aqui de novo, falou o Guardião.
— Tudo bem! Respondeu ele,
enquanto limpava madeiras.
E os senhores?
— Vim trazer-lhe as
ferramentas que prometi, gostaria que desse uma olhada.
O profissional encostou o
machado e foi até onde estava, ajudando a descer os objetos.
Espalhadas as peças no chão,
Licos parecia não acreditar, pegava e olhava cada coisa, tornava a olhar e a
examinar, por fim disse:
— Nunca pensei que existiam,
sinceramente não acreditei quando me disse.
Seus olhos brilhavam, já
encontrando utilidade para cada objeto. Até se esqueceu das visitas,
experimentando aqui e ali os belos exemplares metálicos.
— Então Licos, negócio
fechado?
Mas o carpinteiro não deu
atenção a Chato, continuava abobalhado diante do material.
— Licos, ô Licos, Salésio
está lhe fazendo uma pergunta.
— O que?
— Acorda homem! Aceita o
negócio?
— Sim! Claro que aceito, farei
o que quiser, vai precisar me explicar novamente.
— Breve voltarei para
orientá-lo. Preciso ver o resto das peças, só então poderei desenhar com
exatidão o que terá de ser feito.
Até mais!
Quando saíram, sorriam
diante da felicidade de Licos.
Antes de entrar em casa,
Salésio foi a casa de Oda, encontrando-a bastante amarga.
— Porque não tem ido ao rio?
Até se surpreendeu com
pergunta tão direta, pensou:
— Sinal de que sentiu falta
de mim. Isto é bom. Vou até prolongar um pouco. Respondeu:
— Bem, fiquei passeando na
praia estes dois dias.
— Porque não volta para lá?
O barulho do mar deve ser melhor que minha voz!
— Não fique irritada, ontem
recebi o material que pedi e hoje passei o dia desmanchando os pacotes, depois
fui falar com Licos e só agora tive tempo de vim lhe ver.
Mas, parece que sentiu minha
falta?
— Bem, é que estava
acostumanda a vê-lo todo dia, falou a mulher já em outra tonalidade e amável.
— A máquina que lhe falei
chegou. Preciso de um carrinho para transportá-la, ou da ajuda de uma pessoa.
Amanhã cedo você pode ficar
aqui? Agora está escurecendo e quero mostrar-lhe como funciona.
— Minha filha e meu genro
vão chegar, nem ia para o rio. Assim, peço para o Clifo ir lhe ajudar.
— Sabe Oda, gosto muito de
você, queria ... bem, deixe para depois, um dia lhe digo.
Despediu da mulher, que
ficou a acompanhá-lo enquanto distanciava e pensava:
— Ele até que é simpático,
não é peludo, mas não sei porque, fico com raiva quando não vem conversar.
Disse que gosta de mim, será que quer casar comigo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário