OS NOVOS REIS
OS ÚLTIMOS IMIGRANTES TERRESTRES
Na astronave, o grande
trabalho se concretizara. Os candidatos a Reis já haviam retornado a seus lares
e todos os demais jovens de Marino.
Os combustíveis separados
para a realização da grandiosa obra estavam quase zerados, mas somados com as
reservas previstas para as últimas descidas, eram satisfatórios.
Estava fora de cogitação a
colocação da grande base metálica na superfície. Permaneceria no mesmo local,
até vagarosamente se distanciar e se perder no espaço. Por isto ficara naquela
órbita, se estivesse mais baixa, ao contrário, acabaria sendo sugada pelo
planeta e poderia provocar um terrível acidente.
Naqueles três anos de luta,
os terrestres que estavam no solo, preferiram permanecer nos locais e também
construíram suas casas. Enfrentaram junto com os nativos as mesmas situações.
Homens, mulheres e crianças
iniciavam nova existência. Bem quistos pelos peludos. Viam neles seus
salvadores, embora soubessem que ainda teriam problemas.
O entrelaçamento das raças
começava.
A cidade espacial estava
vazia, no máximo mil pessoas ainda viviam nela. Os que ficaram, geralmente mais
velhos, não queriam sair das acomodações da Roda.
Os veículos utilizados nas
terraplanagens e construções, aéreos ou não, ficaram no solo.
As novas sedes dos Reinos
eram provisórias, tanto Sato quanto Tropo sonhavam com as edificações futuras.
Regis doou aos Reis grande
parte dos artigos que estavam em conservação permanente. Máquinas, ferramentas
e uma infinidade de outras coisas, esvaziou parcialmente os compartimentos da
base, só não fornecendo armas. Por sua vez, contrataram terrestres para a organização,
distribuição ou venda.
Nenhuma dúvida por parte dos
Reis, tudo se esclarecera. Ambos mandaram escrever um registro de agradecimento
aos homens do céu, para perpetuar na memória das nações os acontecimentos da
época.
— — —
Quando todos já estavam
seguros e mais nada precisava ser feito, Jansen que continuava observando os
acontecimentos na superfície chamou Regis e o Comandante.
— Vejam, as grandes geleiras
desceram, olhem, tudo aquilo é oceano, as áreas que estão brancas, são
continentes, este é o momento final. O restante vai demorar muito para
derreter. Vou avisá-los do perigo.
— Faça isto, recomendou
Marcos.
Jansen ligou para Tropo e
depois para Sato, dizendo a mesma coisa:
— Majestade, avise sua gente
que as grandes geleiras cederam, virá novos descontroles climáticos. As
inundações finais ocorrerão num período aproximado de três meses. Outra vez,
vendavais, chuvas violentas, nevascas e até tremores da terra assolarão o
planeta. Apesar de estarem livres das águas deverão se proteger em lugares fortes
e seguros. Auxiliarei, utilizando os comunicadores, pedirei para mandarem
mensageiros para todas as localidades que não possa entrar em contato.
Do outro lado do planeta, os
poucos silvícolas teriam apenas fortes temporais. Como viviam em cavernas, nada
sofreriam, apenas esperariam passar as tormentas.
Dias depois, nas novas
habitações o vendo uivava, os relâmpagos assustavam, o aguaceiro caia e se
escoava para as partes baixas. Ondas gigantescas varriam o litoral baixo. As
fugas em quase todos os lugares foram para os templos, onde as fortes vigas
pareciam aguentar a raiva da natureza. As crianças gritavam de medo, mulheres
choravam, parecia que todo esforço havia sido em vão, que não escapariam, que o
fim havia chegado.
O sol não aparecia, as noites
eram terríveis. A maioria dos terrestres estava arrependida de não ter voltado.
Deixar a tranquilidade da cidade espacial para ficar ali, naquele inferno.
Chuvas de granizos, neves e
ventos se misturavam na revolta da natureza, mas o tempo foi melhorando, até
que Argenta brilhou novamente.
Os estragos foram grandes,
alguns não seguiram as regras e acabaram tragados pelas enxurradas. Um lamaçal
nunca visto fora o resultado. Dos antigos povoados, nem sinal.
Jansen, durante aquele
período de agonia, não despregava de seu visor, anotando tudo. As correntes
irregulares dos ventos, as formações das nuvens, depois todo planeta coberto
por elas. Viu os dias passarem e tudo permanecer na mesma.
Sem nenhuma comunicação do
solo, rodeado pelo grupo da Central, esperavam e acompanhavam o sofrimento das
Nações.
Quando finalmente perceberam
os claros sobre a área habitada, a comunicação foi restabelecida. Souberam
então, que apesar dos danos materiais, o povo estava salvo. Uma enorme alegria
invadiu a Astronave.
Os moradores da nova Vila
Talma tiveram muito trabalho para reconstruírem a comunidade, mas não demorou
para recolocarem as madeiras no lugar e limparem a lama.
Quando foram observar a
antiga Vila, encontraram o mar, tão próximo como antes, apenas sem praias.
Para os nativos, o sol
estava tão quente que começaram a se desfazerem dos agasalhos. As águas do
riacho aumentaram e Salésio já começava a analisá-lo.
Em Catun, Vale Verde, Prince
e em todas as aldeias novas o povo se levantava para uma nova época. Por gerações
e gerações não teriam mais problemas com a natureza, dali em diante o caminho
seria o progresso.
Os meses passaram e a
normalidade voltara. Sato deixando Suni em seu lugar, convidou Kalil para uma
longa viagem. Visitaria as regiões onde um dia colocara marcações sobre o gelo.
Encontrou somente duas
estacas sobre um solo já seco. Andou por dias sobre uma vegetação ainda
rasteira, acabou voltando sem alcançar as novas geleiras. Comentando com o
filho, disse:
— Nosso território se
expandiu muito para o norte, provavelmente aconteceu o mesmo no lado sul, vamos
ter de marcar novas fronteiras. Só o que vi, recupera tudo que perdemos. Desta
vez não vou querer mais guerra, conversarei com Tropo para acertarmos as novas
divisas. Se não fizermos isto, no futuro as invasões de lado a lado trarão
consequências graves.
— Está coberto de razão meu
pai, posso ajudá-lo a mapear as regiões, mas se pedirmos a Jansen, nos fará
isto com precisão e rapidamente.
— Vou falar com ele quando
voltarmos. Mudando de assunto, a grande escola começou a funcionar.
— De fato, por falar nisto,
Kiria quer ser professora, deseja ir para a de Suma ou para a nossa, ninguém
lhe tira da cabeça a ideia.
— Você quer ficar em Catun,
não é isto?
— Sim, é a Capital.
— Vou lhe fazer duas perguntas
filho. Primeira: por que não quis ser Rei? Segunda: por que Kiria não pode ser
uma professora onde quiser?
— Bem, vou pensar. Talvez
esteja sendo egoísta, posso montar em Prince um grande escritório e vender
minhas plantas.
— Pensei que quando voltassem,
o casamento seria realizado.
— Por mim estaríamos unidos,
mas ela preferiu esperar o fim dos acontecimentos geológicos. Disse não querer
que um filho nascesse antes. Tivemos até uma pequena discussão e desde então
não vimos nos entendendo.
Enquanto caminhavam, o pai
procurava desvendar o íntimo do moço. Percebera que ultimamente não visitava
Vale Verde, deixara os projetos, não se detinha no trabalho como antes e
passara a ter atitudes fora de seu molde, como frequentar tabernas. Querendo
colocar as coisas no lugar, disse ao rapaz:
— Você, muito mais do que
eu, teve a oportunidade de conhecer o modo dos terrestres. Eles são sábios
porque se evoluíram a milhares de anos, passaram por todos os estágios,
inclusive dos relacionamentos sociais.
— Porque está me dizendo
isto? Sei como agem, mas nós somos diferentes.
— Primeiro, interrompeu meu
raciocínio, segundo, não são diferentes e sabe muito bem. Mas, me permita
concluir.
Como estava dizendo, não
fazem distinção de sexo, as oportunidades são iguais. Você foi o primeiro que
me fez entender isto, tanto que vou passar o Trono para Suni.
Estou percebendo que quer
impor sua vontade sobre Kiria, o que ela nunca aceitará. Nem sua mãe que nada
entendia, que vivia numa sociedade machista, nunca aceitou, quanto mais ela que
tem um conhecimento muito além do nosso?
Veja como está fixo em
princípios errados, falou de montar um escritório para ficar perto dela, em
seguida disse que somos diferentes dos terrestres. Está titubeando, precisa
firmar numa posição. Precisa analisar, entrar em acordo sem forçar.
Eu e sua mãe, não temos
sidos perfeitos, somente depois destes últimos anos é que aprendi a filosofia
deles, reconheci minhas falhas, não quero que as tenha. Por isto, simplesmente
considere-a igual a você e se coloque no lugar dela, tenho certeza que
resolverá seus problemas.
— O senhor tem razão. Estava
confuso, suas palavras me alertaram. Vou visitá-la.
Pela primeira vez Suni
assumia o lugar do pai enquanto este viajava. A seu lado Thomás acariciava a
bela menina que nascera daquela união.
Estavam felizes, o moço já
cuidava das finanças, organizando pagamentos e compondo sistemas, numa posição
não declarada de Ministro. Sato e Tat passaram a estimá-lo como filho.
Suni sonhava com o trono
definitivo. Não que pensasse em pedir ao Rei a posição, mesmo porque, faltava
pouco para isto, já direcionava quase tudo. O pai só não havia transferido o
Reino para a filha por um motivo, as formalidades, detestava aquelas coisas.
Estava com o marido, quando
os portões de entrada se abriram, pai e filho subiram as escadas.
Sorrindo, cumprimentaram
familiarmente o casal e entraram. Mais tarde, Sato falando para o casal,
comentou:
— Tenho uma grande novidade,
as terras do Reino dobraram, fui onde antes o gelo dominava e encontrei vegetação,
andei muito e não consegui encontrá-lo novamente.
— Que ótima notícia pai, não
podia haver coisa melhor.
— Quero viajar por todos
esses lugares, quem sabe Regis me conceda uma dessas máquinas voadoras.
Outra coisa, veja o que
tenho de fazer para lhe transferir o Reino, arranje tudo. Se deixar por minha
conta vai ficar esperando a vida toda. Vou escrever uma autorização para me
representar no que for possível.
— Está bem papai. Amanhã
começo, falarei com o Skan Mestre, para marcar a cerimônia. Farei comunicados e
entregarei ao chefe dos Guardiães. Quero só dizer-lhe uma coisa, assumindo o
poder, pretendo fazer algumas modificações.
— Minha filha, será a
Rainha, com todos os poderes, confio em você, sei que agirá corretamente.
Vou descansar um pouco, mais
tarde me comunicarei com Jansen.
Suni não conseguia esconder
a alegria, logo recebeu o abraço de Kalil. Thomás em seguida a acariciou e a
abraçou também. Nisto, sua mãe chegou e ficou sabendo da decisão. Ao
cumprimentar a filha, olhou para Kalil, percebendo sua tranquilidade,
compreendeu que o trono era realmente dela.
Em Vale Verde, Jasp começava
a dar as primeiras ordens. Há poucos dias as cerimônias de posse marcara um dia
de grande festa. Uma multidão comparecera para aclamar o novo Rei. Suni e Tat
estiveram presentes. Tropo, Vina e Kiria estavam felizes.
O jovem, com ambiciosas ideias,
queria colocar em prática tudo que pensara. Começou chamando os candidatos a
Ministros. Nomes que foram levantados quando estudava, perfeitamente triados
por Corin. Com muita esperteza, deixara de preencher um dos cargos, que
reservara para o maior mestre sumano. Assim, ligou para a Nave:
— Jansen, gostaria de falar
com Corin.
— Pois não Majestade, vou
chamá-lo.
Alguns minutos depois, Jasp
conversava com ele.
— Preciso de você, meu professor.
Como deve saber, assumi o trono de Suma, estou organizando os ministérios. O da
Educação será seu.
— Muita honra para mim
Majestade, como poderia recusar. Quando deverei partir?
— Até hoje se puder, estou
ansioso para começar a governar.
— Dentro de dois dias, se
for possível me levarem, estarei aí. Farei tudo que puder pelo ensino de meu
povo.
Corin, depois de conversar
com o novo Rei, foi ao encontro de Silas. Estava preocupado, sabia que a esposa
adorava a cidade espacial, por ela nunca sairiam de lá.
Como recusar ao seu Rei a
grandiosa tarefa que lhe fora proposto. Entrou em sua casa, Silas, entretida
com um filme mal lhe dera atenção. Chegando perto, disse-lhe:
— Preciso falar com você.
— Diga, respondeu ela
continuando apegada ao vídeo.
— Fui convidado para ser
Ministro de Jasp.
— Não aceitou, é claro!
— Aceitei.
— Aceitou!!!, disse ela
olhando quase gritando.
Sabe que não quero voltar
para lá! Que não gosto e não tenho nem vontade de visitar! Eu não vou, vá você!
— Não poderia dizer não a
uma oportunidade como esta, também não poderia dizer não ao meu povo. Posso
modificar todo ensino lá, posso criar uma nova mentalidade.
Este é um lado, o outro é
nosso filho. Até quando você pensa que esta cidade vai durar. Ele vai ficar
moço, como poderá criar uma família aqui? E nossos netos que futuro terão? Por
que pensa que nossos amigos vieram parar aqui?
Independente da solicitação
de Jasp, já venho pensando nisto a muito tempo. Se não tivessem gasto os
combustíveis até que concordaria. Sabe o que vai acontecer?
— Não.
— Saiba que as pessoas que
optarem por ficar, somente serão aceitas se não tiverem filhos, ou se os mesmos
estiverem na superfície. Isto ainda não foi comunicado em reunião, mas já foi
decidido.
— Então não há solução. Vou
sentir sair daqui.
— Silas, vamos mudar aquele
mundo, você me ajudará, criaremos escolas em todas as cidades. Vou pedir para
levar todo material escolar que tiverem, repartirei com os Nogos.
— Seremos modeladores da
nova sociedade, criaremos vários graus de ensino. Novos bens de consumo logo
começarão a surgir, fabricados lá. Se pensa que os rapazes e moças que saíram
daqui estão inativos, se engana. Já provocam mudanças, reinventando objetos que
conheceram aqui.
Nosso filho irá para o
Centro de Ensino, já em funcionamento. A maioria dos professores que existiam,
já lecionam nas duas escolas.
— Não precisa falar mais
nada. Vamos voltar.
Resolvido com a esposa,
Corin procurou Regis e explicou sobre o pedido de Jasp, obtendo por resposta:
— Aquele meu aluno vai
longe, sabe escolher. Fale com o Tenente, diga que concordei. Antes, quero lhe
agradecer-lhe por tudo que fez.
— Acredito que possa falar
em nome dos Marinenses, você foi o grande pai que tiveram, que salvou nosso
mundo da destruição.
— Seja feliz Corin, agradeça
também a Silas, disse emocionado o Chefe da Central.
— Um último pedido Regis.
Gostaria que me cedesse materiais escolares para serem utilizados nas duas
nações.
— Pegue todo estoque, deixe
apenas um resíduo para nosso uso.
Vendo que o amigo ia deixar
a Roda, Regis ficou pensativo. O mundo lá em baixo não corria mais riscos, o
novo tempo começara. Chegara o momento da grande decisão. Não havia mais
motivos para ficarem em órbita, aqueles que ainda permaneciam precisavam
partir.
Convidou o Comandante e os
habituais ajudantes da grande tarefa, já muito limitados, para uma reunião.
Começou pelo Padre Santos:
— Terminamos nossa missão.
Gostaria de saber se deseja ir para a superfície para ensinar sua fé.
— Não, não posso introduzir
o ensino Cristão onde Ele não esteve. Tenho de respeitar os ensinamentos que
Deus colocou para eles, ao que parece bem semelhantes aos conceitos que temos.
Sou muito velho, prefiro ficar aqui mesmo.
— E você Marcos, tem um
filho casado com a Rainha, vai ficar com eles?
— Também não, não posso
abandonar o navio, mas não vou impedir Laura de ir, se desejar.
— Sancho, que me diz?
— Não vou saber o que fazer
lá.
— E o nosso Jansen,
conhecido por todos, até por nativos, vai descer?
— Dediquei minha vida aos
meus aparelhos, como poderia ficar longe deles?
— E você Fusco? Comandou
tantas missões e nunca desceu até lá, não quer conhecer a superfície?
— Não Regis, como poderia
viver no chão? Nem aviões terei, me sentiria um peixe fora d’água.
— Esta reunião era só para
identificar a posição de vocês. Quanto a minha é a mesma, o que poderei fazer
lá em baixo?
Todos nós já vivemos muito,
já trabalhamos e merecemos ficar, mas os moços terão de ir.
Regis, após a reunião,
solicitou pela televisão o comparecimento de todos os habitantes na grande sala
de conferência, nada dizendo pelo vídeo.
Atendendo ao pedido, as
casas se esvaziaram para o comparecimento maciço.
Todos atentos, Marcos
iniciou:
— Temos um assunto da máxima
importância para falar, assim, escutem o que Regis tem a dizer:
Regis, tomou o lugar e
começou:
— Chegou o grande momento,
nada mais impede a descida à superfície. Assim sendo, peço a todos os casais
que possuam filhos menores que se aprontem para partirem amanhã. Peço também
que saiam da sala neste momento, podem voltar para suas casas.
Esperou o grupo sair e
reiniciou:
Agora, todos os jovens e
adultos até cinquenta anos podem saírem, também seguirão para Marino.
Ficaram os mais velhos, ele
continuou:
Todos os que quiserem
descer, queiram se retirar, farão companhia aos que foram dispensados.
Metade das pessoas que ali
estavam, deixaram o local.
Cerca de apenas trezentas
pessoas restaram. Regis observou cuidadosamente aqueles homens e mulheres,
alguns muito velhos, outros nem tanto. Reiniciou:
— O Marcos, eu e outros da
chefia também ficarão, nada nos faltará. Nunca mais vamos poder descer, as
naves sequer voltarão. Portanto, se ainda resolverem, bastam embarcar amanhã.
Tudo o que temos e possa ser útil, será colocado nos transportadores. Será a
última descida, sem retorno, porque os pilotos também não voltarão.
Quando Regis pronunciou as
últimas palavras, um casal da plateia se levantou e cabisbaixos saíram do
local.
O Chefe da Central parou e
esperou a retirada deles, depois voltando-se para os demais, voltou a repetir:
Ainda há tempo, todos
poderão embarcar se quiserem, mas gostaria dos que estão no momento, no mínimo
com dúvidas, que também saíssem.
Ninguém mais se levantou.
Regis continuou então sua orientação.
Jonas e Cássia já haviam
passado da meia idade, não que fossem velhos e cansados e por isto quisessem
ficar na astronave. Pelo contrário, se continuassem ali seriam prestativos como
sempre foram. Gostavam do lar, onde nasceram e criaram Kleber. Razão maior da
vida de ambos.
Sem trocarem palavras,
quietos, com as lágrimas querendo cair, caminharam para a antiga moradia.
Ao entrarem, a mulher
soluçou alto e foi para o quarto, o marido a acompanhou e procurou consolá-la.
— Sei que é difícil Cássia,
mas se ficarmos, um pedaço de nós seguirá no transportador.
— Mas o que será de nós,
cada pedacinho daqui também é parte de mim, e chorou, chorou muito.
Na maior tristeza que já
tivera, começou a separar coisas que não queria deixar.
Cássia era vaidosa,
conservava sempre os belos cabelos castanhos, nunca ninguém percebera que se
não fossem as tinturas, o branco seria a base de sua cabeleira. Usava maquiagem
e mantinha-se com aparência jovem, escondendo metade da idade. Mas naquele dia,
quem a visse não a reconheceria diante dos sulcos de angústia.
Jonas mantinha da juventude
o espírito, fisicamente, as rugas, um pouco de obesidade e a falta de cabelos o
diferenciavam muito do que um dia fora. Mas a nova imagem o tornava simpático.
A casa estava numa total
bagunça, quando Kleber chegou. Trazia uma grande caixa retangular, procurando
um lugar para colocá-la, viu a anarquia que estavam os cômodos.
— O que é isto?, perguntou à
mãe, vendo a confusão.
— Estou separando coisas
para levar.
— Tudo aquilo mãe? , apontando
a grande pilha que fazia.
Irritada com o que
acontecia, desgostosa como estava, extravasou:
— Além de ir para aquele
horrível lugar, ainda não posso levar minhas coisas?
— Claro minha mãe, um pouco,
não mais que dez quilos. Escolha roupas para frio.
Nisto, Jonas entrou na
pequena sala e perguntou para o rapaz:
— Kleber, uma coisa está me
preocupando, onde vamos ficar?
Amanhã, antes de partir,
receberão por escrito muitas informações. Minha última prestação de serviço à
Central será o encaminhamento das pessoas. Mas vou lhe dar uma explicação.
Como o senhor sabe, as
Nações estão sendo reconstruídas, nos lugares das aldeias estão surgindo vilas
semelhantes a pequenas cidades. Quando Regis iniciou a abertura das clareiras e
terraplanagens para as novas moradias, combinou com os Reis a construção de
casas para os terrestres. Talvez não encontremos acomodações nas sedes dos
Reinos.
— O importante é que vamos
ter um teto, depois já sei que nosso povo que desceu está espalhado. Somente
quero que procure um lugar onde haja alguém daqui, que já conviva com os
nativos.
— Pode deixar pai, já existe
mapa perfeito. Por falar nisto, recebi de Jansen uma caixa deles, das áreas
habitadas e das que ainda poderão ser. São muitas cópias, com as fronteiras
delineadas. Pediu para entregá-los, metade para cada Rei.
Depois do degelo, os
territórios ficaram imensos. Quer ver?
— Quero filho.
Kleber que acabara de
receber o material, abriu com cuidado a caixa e retirou uma das folhas,
colocando-a sobre a mesa, se pôs a mostrá-la ao pai. Sua mãe também se
interessou.
Depois de fazer observações
sobre o planeta, o moço comentou:
— Fui o primeiro a pisar o
solo de Marino, estive em quase todas a viagens para lá. Conheci algumas das
antigas aldeias e já andei em ruas das novas. Portanto posso explicar como é a
vida lá.
É totalmente diferente do
ritmo daqui. É primitiva, nunca mais verão televisão ou terão o conforto que
desfrutamos. Levará ainda algum tempo para que apareçam os benefícios de uma
civilização mais desenvolvida. Terão de se habituar para sobreviverem. Nossas
próprias roupas terão de serem lavadas com as mãos e a comida teremos de fazer
com a queima de pedaços de madeira.
— Não vou aguentar!!,
interrompeu Cássia.
— Mas, em tudo tem dois
lados, o outro é a amplidão, o horizonte, o brilho da grande estrela fornecendo
calor. As flores e o verde de uma vegetação sem par. Para alegrar, o canto dos
pássaros e crianças despreocupadas que correm e brincam.
Quando chegarmos, vou
deixá-los algum tempo com Joseli, o maior criador de galinhas de Marino.
Primeiro vou ajudar na acomodação do pessoal, levará alguns dias. Após, vou
buscá-los para irmos para casa. Se vocês concordarem, moraremos em Suma,
conheço o atual Rei, é o Jasp que estudou aqui e tem o Corin, que irá conosco e
vai ser Ministro dele.
Virando-se para a mãe, disse:
Sei de uma pessoa que está
sofrendo muito mais que a senhora.
— Quem filho?
— Conhece a esposa do
comandante Marcos?
— Conheço muito a Laura,
somos amigas.
— Thomás, o filho dela, por
sinal meu amigo, casou-se com Suni, que será Rainha dos Nogos. O pai,
Comandante Marcos, moralmente não pode deixar a Astronave, a menos que ninguém
ficasse, o que não vai ser o caso. Ela vai ficar com o marido, mas já teve de
ser hospitalizada.
— Entendi o que quis me
dizer. Pelo menos tenho o direito de opção.
Jonas que até então apenas
escutava, interveio:
— Estamos vivendo um grande
momento histórico, salvamos os habitantes de lá. Tudo isto, naturalmente será
registrado se já não o foi. Marcos é um dos homens mais importantes da missão,
se deixasse a nave, seu nome seria mal lembrado.
— É isto mesmo pai.
— Mas no caso deles, deveria
deixar essas coisas de lado, comentou Cássia.
— Pense bem, minha mãe, se a
senhora ficasse, gostaria de ver o único que poderia cuidar da Astronave,
também sair?
— Acho que é melhor ficar
calada, disse ela esboçando um sorriso, depois de horas a se torturar.
Completou:
Vamos esquecer dos
problemas, amanhã entramos no transportador, e pronto, seja o que Deus quiser.
Vou preparar o que tivermos de melhor para uma ceia de despedida. Vai preparando
as bebidas Jonas!
— É assim que se fala mãe,
agora estou feliz!
— — —
Kiria vinha amargando a
ausência de Kalil, mas o que estava decidido em sua mente, isto ele não iria
mudar. Não iria mesmo, pensava ela.
Há três semanas que não a
visitava. Soubera pelo irmão que estava viajando, mas por que não a avisara?
Perguntava a si própria. Estava amargurada, pensando mil e uma hipóteses
negativas, quando Kalil finalmente transpôs os portões da oponente Casa Real.
— Kiria, meu amor!, disse o
rapaz abraçando e beijando a moça.
— Esperei muito, não havia
me dito que ia viajar. Por que não me avisou?
— Resolvi de repente, meu
pai me convidou na hora de sair. Não deu tempo de vir até aqui.
— Não vem com conversa!
— Olha Kiria, não vim para
brigarmos. Na verdade queria pensar um pouco sobre nós. Assim, resolvi aderir a
sua vontade, construiremos uma boa casa perto do Colégio e vamos viver lá. Se
quiser lecionar, garanto que será a melhor professora deste mundo.
— Que bom Kalil, como gosto
de você! Finalmente entendeu!
— Vamos nos casar então!
— Só depois de construir a
casa que me falou.
— De novo não Kiria!
— Então faça uma pequena e
rápida, de madeira mesmo, depois você fará a grande.
— Amanhã mesmo viajo, logo
após falarmos com o Skan.
Não estou brincando, vá se
preparando, vamos ter mesmo de ficar dois meses sem nos encontrarmos. Neste
tempo, deixo pronta nossa casinha.
Kiria não conteve a alegria
e abraçada ao rapaz, foi dar a notícia aos pais.
Tropo passara a admirar o
jovem, seu talento já era conhecido nos dois reinos. Gostava do rapaz, o
suficiente para esquecer antigas querelas. Quando a filha falou sobre a união,
abraçou a ambos. Vina partilhou e a alegria se completou.
Jasp estava onde queria,
solteiro, mantinha seu coração livre. Dizia que quando chegasse o momento ele
saberia. Quando estudante, muitas moças o disputavam, inclusive várias
terrestres. Por algum tempo cortejou Adila, filha de Lutra o Guardião de Vale
Verde. Ela acabou se afastando, um pouco pela arrogância do moço e outra pela
distância que o colocava, afinal era filho do Rei.
Sabia que depois que
voltaram, a moça não seguira para outras regiões, continuara ali mesmo
auxiliando no sistema educativo. Em seu íntimo, guardava sua imagem e por
várias vezes procurou passar perto dos lugares onde estava. Mas não se abria,
nunca deixava perceber suas intenções amorosas.
Vina, por várias vezes
tentou descobrir se havia alguma mulher na vida dele. Mesmo usando as
artimanhas femininas, as respostas do novo Rei eram repletas de evasivas.
Passava a maior parte do
tempo elaborando planos de governo. Estava montando a administração dentro da
filosofia dos humanos.
Seguindo as recomendações de
Regis, já havia recebido nove futuros ministros, faltava apenas Corin, para que
formasse seu quadro de trabalho.
Tão astuto quanto o pai, só
que direcionado para o progresso, o poderoso moço teria de tomar cuidado para
não perder para Suni. Uma verdadeira guerra ia ser travada, mas dentro das
fronteiras. Duas grandes e demoradas batalhas para a evolução. Não poderia
haver erro, leis, ensino, meios de comunicação, economia, saúde, segurança,
produção, penetração em novas áreas e muito mais. Sua cabeça fervilhava de ideias.
Depois de muito tempo
fazendo anotações, parou para o descanso. Saiu da grande sala e dirigiu-se para
o interior da ala residencial, foi então que encontrou Kalil e ficou sabendo
das novidades. Cumprimentou o amigo e, brincando com ele disse:
— Agora você vai ficar aqui.
Vou precisar muito de você para mapear umas cidades.
Kiria falou pelo noivo,
simulando raiva:
— Não vai mesmo! Vai comigo
morar em Prince.
— Está bem! Não precisa se
zangar, pode deixar que vou visitá-los.
— — —
Na cidade espacial, a quase
intimação para a descida dos terrestres, surpreendera os habitantes. Não
esperavam decisão tão rápida.
Jonas vinha de família de
agricultores, gostava de cuidar do pequeno espaço que possuía, principalmente
nos dois metros quadrados para uso próprio, mas era tão pequeno que suas
plantas pouco cresciam.
Após a ceia, sentou-se na
habitual poltrona e seus pensamentos se dirigiram para a pequena lavoura.
— Quem irá cuidar? Será que
deixarão perecer? Como vou viver sem isto?
Estava começando a
entristecer-se, quando num sobressalto perguntou ao filho:
— Kleber, será que podemos
ter terras lá?
— Sim, meu pai, quando
chegarmos ao local onde vamos ficar, falaremos com o guardião, ele
provavelmente doará ou indicará um terreno.
— E as sementes?
— Lá eles já plantam as
mesmas sementes que usamos.
— Filho, quero levar umas
plantas, e você vai dar um jeito para isto, não quero ouvir não.
— Está bem pai, se não forem
grandes.
— A que horas vamos sair?
— Ao anoitecer. Falando
nisto, é preciso que descansem bem durante o dia, pois quando chegarmos será de
manhã.
— Não se preocupe, então vou
ter tempo para fazer o que quero.
A fisionomia de Jonas mudou
totalmente, pensou:
— Há muito que já devia ter
ido. Acho que estou velho, por que não pensei nisto? Poder ter espaço para ver
minhas plantas crescerem e darem frutos. Nunca consegui aqui, só me autorizavam
cereais. Amanhã vou na Distribuição pedir todos os tipos de sementes que
possuem e depois arrancarei minhas plantinhas.
— Jonas! ... Ô Jonas! O que vai levar de roupas e lembranças?
— O que? Quem?
— Acorde homem! Estou
perguntando o que quer levar?
— As plantas, ora mulher. As
plantas.
— Ih! Está birutando?
— É isto mesmo, minhas
plantinhas e muitas sementes.
— Bem, e de roupas?
— Escolha você mesma.
Tranquilo e feliz Jonas foi
dormir, um novo e maravilhoso sentido de viver lhe aflorou a mente.
No dia seguinte, os
ponteiros acusavam seis horas e ele já estava preparando as caixas para os
arbustos.
Foi o primeiro a chegar na
Distribuição, conversou com os encarregados e ficou tempo aguardando as
sementes. Por fim conseguira o que queria. Com elas, quem sabe, obteria frutos
de todos os tipos, hortaliças, flores, árvores comuns e cereais diversos.
Quando saiu carregava uma grande caixa, dentro estava parte da flora terrestre.
— Pai, não vai dar para
levar tudo isto.
— Sei que estão levando tudo
para baixo, por que uma simples caixa não pode ir?, disse um pouco irado para
Kleber.
— Estava pensando que queria
levar junto.
Separado, em outro
transportador, não tem problema.
— Então faça isto para mim,
coloque meu nome. Vou buscar as plantas.
Devia ter pensado antes, já
poderia até estar colhendo frutos na superfície.
Kleber, também alimentava
esperanças. Por autorização da Central, já colocara muitos galões de
combustível para seu uso. Ganhara o veículo aéreo que iria servir para
distribuição das famílias. Assim, quando se estabelecesse, procuraria levantar
recursos prestando serviços.
De feição clara e serena,
alto, forte, beirando os trinta. Gostava de praticar esportes, muito ágil no
basquete, pensava em formar uma equipe, nem que fosse para ensinar os peludos.
Se apaixonara por Ester, uma
bela moça. Mas não dera certo. Daí em diante, nenhuma outra mexera com seu
coração. Quanto a ela, estava casada e fora uma das instrutoras e há vários
anos já residia em Marino. Sequer sabia de seu paradeiro.
Sua mãe nem tocava em
assunto de namoro, o queria sempre perto. Quanto mais pudesse prolongar aquela
situação, o faria. Também, nunca procurou influenciar ou atrapalhar os passos
do moço.
Seu pai, no entanto, ao
contrário, queria que formasse uma família e por várias vezes, em tom de
brincadeira, procurava alertá-lo.
Por mais de uma vez, Jonas
perguntou ao filho se havia colocado as plantas e sementes num bom lugar.
As horas passaram, a pequena
multidão, em fila recebeu as instruções para embarque. Alguns ficavam parados,
olhando a avenida, lágrimas desciam de muitos olhares perdidos.
Muitos casais, até jovens,
pensavam que poderiam optar pela Astronave, não haviam raciocinado no futuro
dos filhos.
Nos últimos instantes, os
membros da Central estavam presentes, fazendo as chamadas.
Quando um dos passageiros
não respondia e não se mostrava, a procura era imediata. Localizados, foram
praticamente colocados a força nas naves.
Somente velhos ficariam, desfrutariam
alguns anos da cidade, depois apenas fantasmas de gerações perambulariam pela
grande avenida circular, até que um dia, a Roda que fora barulhenta, afastada
do planeta se chocaria com algum astro ou meteoro gigante, ou se perderia na
imensidão do Universo.
Por outro lado, enquanto
pudessem, continuariam prestando serviços de comunicações aos habitantes de
baixo.
O Comandante Marcos e Laura
estavam tristes por não partirem, ela chorava. Regis e a esposa, não tinham
filhos, mas ele considerava todos como se fossem sua família.
Todos estavam emocionados,
ficaram ainda mais, quando Corin se despediu.
Quatro grandes
transportadores estavam lotados, alem de outros carregados de bens.
Para os que ficaram, as
reservas de mercadorias ainda eram mais que suficientes para a subsistência.
Jasp e Suni, esta
representando Sato, providenciaram uma área também na fronteira para a última
descida.
Os Transportadores não
retornariam, ficariam como peças de museu, bem como as demais naves.
Kleber, acionou os propulsores
e se intercalou na frota, acompanhando o grupo.
Horas depois, as naves
pontilhavam os céus de Vale Verde e Catun.
Cerca de setecentos humanos
pisaram o solo de Marino. A grande maioria pela primeira vez. Atônitos,
respirando o mesmo tipo de ar que conheciam, ficaram parados na grande pista.
Muitos parentes e amigos os esperavam, o que ajudou a acalmar os ânimos. Mesmo
assim, o piloto, orientando seu grupo, disse:
— Ninguém precisa se
preocupar, por ora fiquem aqui mesmo, se saírem não deverão se ausentar por
muito tempo. Logo que receber a relação de casas, vou transferi-los, mas não
posso fazer isto de uma vez. Assim, diariamente, aos poucos irei levá-los aos
seus futuros lares. Vão ser distribuídos em Suma e Nogos, em várias vilas. Cada
lugar receberá duas famílias.
— Um dos passageiros,
interrompeu e comentou:
— Pensava que ficaríamos
numa colônia, não dessa forma.
— As ordens são estas. As
residências foram construídas com muito zelo em centenas de lugarejos.
Garanto-lhes que as pessoas daqui vão recebê-los de braços abertos.
Estarão separados não para
evitar a formação de nova nação, mas porque não tiveram condições de construir
as casas de outra forma.
Tive a oportunidade de ver
umas delas, fizeram-nas melhores que as próprias. Depois que forem assentados e
conhecerem os hábitos do povo, poderão se locomover para onde quiserem. Por ora
terei de levá-los para onde forem direcionados.
Ninguém mais fez qualquer
comentário. Mas seu pai ficou nervoso e irritado.
Quando Kleber depois de
tecer mais algumas instruções, veio para junto dele, viu que estava exaltado.
— O que aconteceu pai?
Parece com raiva.
— Você está dizendo que vai
levar todo este povo para suas casas. E minhas plantas, minhas sementes? Vão se
estragar!
— Espere, esqueceu do que
lhe disse?
Não vou deixá-lo aqui, vamos
à casa de Joseli, vou pedir para acomodá-los lá, as plantas e sementes também.
Só vai ter de cuidar para que as galinhas não comam suas árvores.
— Tem razão, me havia dito,
acho que é esclerose.
— Todo mundo esquece pai. Só
vou deixar alguns encarregados para atender o pessoal e já vamos.
O vermelho da face de Jonas
desapareceu, no lugar voltou a alegria.
Cássia estava pensativa,
ainda não havia visto os peludos, não que se incomodasse. Era amiga de Silas e
isto a tranquilizava. Por outro lado, sempre via os rapazes e moças de Marino
quando estudavam e até os achava bonitos.
O filho deu algumas ordens e
chegando perto dos pais, disse:
— Vamos então, não mora
longe daqui.
— E as minhas plantas?
— Acalme-se pai, primeiro
vamos falar com Joseli, depois venho buscar tudo que for de vocês. Não se
preocupe.
Cássia, na sua sensibilidade
feminina, começou a ver flores, o horizonte, a sentir o agradável calor da
grande estrela e as primeiras pessoas de Vale Verde. A medida que caminhava,
uma sensação de liberdade passou a dominá-la.
A casa de Joseli continuava
afastada da cidade. O motivo era óbvio, logo que estavam chegando, Cássia
comentou:
— Que mau cheiro!
— São das galinhas deste
cercado. Onde reside é mais distante.
Joseli os recebeu com muita
alegria. Apesar de ter alguns trabalhadores terrestres, gostava de encontrar
com pessoas da cidade espacial.
Nem bem se acomodaram, o
comerciante começou uma saraivada de perguntas, queria saber tudo sobre todos.
Ficou aborrecido quando disseram que Sancho preferira ficar.
— Já havia até preparado
lugar para ele e a família.
Kleber, mudando de assunto,
solicitou:
— Preciso de um favor seu
Joseli. Gostaria que acomodasse meus pais por alguns dias.
— Com muito prazer, a casa
será deles.
— Meu pai trouxe umas
plantas e sementes, tem algum lugar onde possa colocar?
— Construí mais um galpão
que ainda não utilizo.
— Então vou buscar os
pertences deles.
Nisto entrou a gorda e
peluda mulher.
— Tana, são meus amigos
Jonas, Cássia e Kleber.
— Se são seus amigos, são
meus também.
Cumprimentou eles e para
surpresa dos velhos, falava perfeitamente a língua dos terráqueos.
Kleber pediu licença e saiu.
Joseli explicou:
— Tana é minha sócia e
melhor amiga aqui. Devo muito a ela. Mas vocês devem estar cansados, venha, vou
mostrar-lhes o quarto. Aqui é bem diferente de lá, no princípio vão estranhar,
mas logo se acostumarão.
Quando Joseli voltou, Tana
perguntou:
— Quer que mande as cozinheiras
prepararem uma refeição?
— Por favor faça isto,
escolha um bom frango.
Enquanto os pais
descansavam, Kleber voltou e não quis acordá-los. Junto com o criador de
galinhas, guardou as plantas e as sementes. Deixou também os pertences de ambos
e pediu a Joseli dizer-lhes que precisou voltar, mas que retornaria em poucos dias
para buscá-los.
— — —
Na Casa Real, Jasp recebera
Corin, completando seu grupo de ministros. Conversou muito com ele, enquanto
numa sala ao lado, os demais aguardavam a primeira reunião.
O grande mestre acompanhou o
Rei e tomou assento no seu lugar na mesa, cumprimentando os presentes.
O novo Rei não se fez
esperar, depois de ser reverenciado, iniciou:
— Vejo reunida as dez
principais peças de minha máquina para governar, a palavra de cada um terá
tanta força quanto a minha, desde que estejamos de acordo.
Começarei pelo nosso amigo
Corin, ao qual deixarei a incumbência de organizar o ensino em Suma. Quero que
saiba que apesar das falhas do sistema ainda utilizado, poucos poderiam ser
chamados de analfabetos. O ensino nas aldeias é um hábito de gerações. Você já
teria uma ideia do que vai fazer?
— Sim Majestade. Pretendo
não deixar nenhuma Vila sem escola oficial. Trouxe um grande volume de material
que me cederam para ser repartido com Nogos. Sob controle, nossa parte será
distribuída para todas as aldeias.
Quanto ao ensino, embora a
maioria saiba ler, escrever e fazer algumas contas, não possuem nenhuma
profundidade nos conhecimentos de outras ciências. Isto provoca um raciocínio
limitado em massa. Prepararei grupos para reciclagem dos atuais professores,
até que sejam formados os elementos realmente capazes de fornecer a correta
instrução.
— Confio que fará o melhor,
vou deixá-lo livre para seu trabalho. Sei que também posso contar com Silas.
— Você Gimenes, já se
adaptou ao solo?
— Sim Majestade, nada como
viver livre, em contato com a natureza.
Quando lhe prometi
participar de meu governo, pedi para se inteirar das leis terrestres, porque
soube de sua aptidão para isto. Deixo a você a grande tarefa de nos criar o
código. Procure o guardião Chefe, ele possui todas as regras do Reino que até
hoje manteve a Nação. Observe que estamos ainda num processo primitivo, ainda
vai demorar a introdução de advogados e juízes.
— Já pensei nisto, pretendo
por ora melhorar e dar uma única regulamentação, que no momento não existe. Uma
coisa vai precisar ser feita, os guardiões não poderão exercer tantas funções
como agora, seria oportuno a criação de um cargo de prefeito em cada lugar.
— Providencie, separe as
funções equilibrando-as e organize as leis, tenho certeza de que alcançará bons
resultados.
Getson, deverá organizar o
sistema financeiro, sei de sua capacidade, portanto faça o que for necessário.
No seu caso, especificamente, quero que contate Thomás, marido da futura Rainha
Suni, ele já está bem adiantado no processo. Vamos precisar de um controle para
comércio entre as duas Nações. Criação de bancos e outras atividades ligadas ao
dinheiro.
Da mesma forma, os demais
também mostraram os caminhos que seguiriam. Assim, organizou e expediu as
primeiras ordens que mudariam a nação dos sumanos.
— — —
Em Catun, tudo estava pronto
para a coroação de Suni.
Manifestações contrárias
começaram a surgir. Grupos radicais machistas, por várias vezes se aglomeraram
gritando:
— Não queremos Rainha!! Não
queremos mulher no poder!
O mesmo se repetia no
interior.
Sato teve de organizar as
tropas e calar a força os que se rebelavam.
Suni via o que estava
acontecendo, mas não se intimidava. Sabia que não seria fácil.
Era uma guerreira por
natureza, mas chorou quando soube que até mortes haviam ocorrido nas
manifestações.
Há muito que Tat havia
tomado o partido da filha. Aplicando uma técnica simples, mas eficiente,
conseguira formar uma corrente feminina a favor de Suni que alcançou toda
Nação.
Sato tornara-se um
observador das atitudes da jovem. Vendo a altivez naqueles momentos, percebeu
que ninguém mais poderia ocupar o trono. Assim, adotou leis severas para evitar
transtornos no dia da coroação.
O grande momento chegara. Thomas
se preocupava, dando-lhe apoio a cada instante, se postava como verdadeiro
guarda-costas, procurando cobri-la de eventuais setas que pudessem ser
desferidas.
Não queria que fosse daquela
forma, começar a governar com o povo contra, era uma temeridade. Não titubeou,
entrou no templo. Estava repleto de convidados.
Foram horas de cerimônia.
Quando terminou, saiu sozinha pela porta principal, fazia parte do ato. Era o
momento mais perigoso. Ela com belíssima vestimenta coberta de joias, caminhava
para saldar o povo, quando encontrou a grande multidão. E as vozes em coro
gritavam:
— Viva a Rainha!! Viva a
Rainha!
Eram na maioria mulheres, de
todas as partes, que se uniram e vieram aclamá-la. Havia grande número de
homens, mas elas superavam.
A festa foi grandiosa, todos
os membros da família real de Suma estavam lá. Thomas, que entendera seu papel,
vibrava pela vitória da esposa.
Alguns dias depois, Suni
expedia sua primeira ordem. Libertação de todos os manifestantes presos, sob a
condição de aceitá-la como Rainha, caso contrário deveriam permanecer nas celas
até o dia que se retratassem.
Há muito que já havia
organizado seu quadro de ministros. Logo que assumiu, tomou a mesma atitude de
Jasp. Por sinal, fez um acordo com ele, partilharia o conhecimento de Thomás,
em contrapartida queria para seu Ministro do Ensino a mesma coisa, isto é, a
orientação de Corin.
Assim, os dois Reinos
começaram os primeiros passos para o desenvolvimento.
Na base de aterrissagem,
Kleber e os demais pilotos começaram o transporte das famílias para as diversas
localidades.
O filho de Jonas, como
primeiro trabalho foi entregar aos jovens Reis os mapas, iniciando depois o
assentamento das pessoas. Passando a fazer uso do veículo aéreo que trouxera,
capaz de pousar em qualquer local. Levava duas famílias por vez, os pertences e
os mantimentos para bom tempo.
De posse dos manuais sobre a
vida em Marino, os imigrantes tomavam lugar no aparelho e seguiam para o
destino.
Foram dias de viagens
ininterruptas para os mais diversos pontos dos Países.
Na casa de Joseli, Jonas e
Cássia já estavam se habituando com o ritmo. O homem das aves, esqueceu um
pouco seu trabalho e diariamente saia com os dois, mostrando a cidade e os
progressos que já haviam alcançado. Contou-lhes sobre as dificuldades que
passara, observando que as novas vilas já possuíam um sistema de água e esgotos
e que tudo caminhava para melhorar.
— Nunca pensou em voltar
Joseli? Perguntou Jonas.
— No começo, muitas vezes.
Por burrice, minha e de
Sancho, não estávamos preparados para descer no planeta.
— Então, iguais a nós?
— Acredito que não.
Já fazem anos que estou
aqui. Sei que transmitiam constantes informações pela televisão, orientando em
tudo. Também por muito tempo, me comuniquei com Sancho e ele me contava sobre
os procedimentos na cidade espacial. Assim, já vieram com algumas informações.
Não se preocupem, acabarão
por gostar, depois outra, tudo é muito amplo.
— Está na hora de nosso
filho voltar, há quase duas semanas que estamos esperando. Disse Cássia.
— Por mim, poderiam ficar a
vida toda em minha casa.
— Obrigado Joseli, tem sido
um ótimo e tolerante amigo, mas espero recomeçar nossa existência em um
pedacinho nosso, comentou Jonas.
— Sua casa tem sido uma
escola para mim. Nestes dias tomei a liberdade de auxiliar as cozinheiras para
aprender como fazem, anotei tudo, inclusive os problemas. Só não gostei de
lavar roupa.
— É a vida primitiva, mas
tem suas compensações.
E assim, continuaram
conversando e passeando pelas ruas de Vale Verde por algum tempo. Quando
voltaram, encontraram Kleber, que abraçou os pais, dizendo:
— Vim buscá-los para irmos
para nossa casa.
— Onde é Kleber? Perguntou o
pai.
— É a mais distante daqui,
chama-se Vila Talma.
— Já ouvi falar, não é lá
que mora o Chato?, perguntou Joseli.
— Exatamente, respondeu o
moço.
— Mas, justo o Chato? Uma
vez quase bati nele. Não havia outro lugar filho?
— Não pai, sei o que está
pensando. Saiba no entanto, que a fama dele corre por este mundo todo.
— Não poderia ser diferente.
Conhecendo-o como eu, posso até imaginar as coisas que deverá ter feito.
Provavelmente deve ter falado mal do Rei, do povo, deve ter aprontado uma
confusão daquelas.
— Mas você não sabe?
Interpelou Joseli.
Nunca falaram sobre ele no
sistema televisivo? Não ouviu comentários?
Mudou totalmente, é uma das
pessoas mais bem faladas do planeta. Fabrica roupas que chegam até aqui. Está
rico, casou-se com uma nativa, colocou até iluminação na aldeia que foi
inundada.
— Como não sei disso?
— Também, dificilmente
assistia televisão. Foi comentado sim, só que na época não me importei em lhe
falar, respondeu Cássia.
— Bem, assim é melhor. Fica
o “dito por não dito”. Vou precisar dele no que pretendo. Quem diria!
— Mas vocês ficam por mais
tempo, daqui a alguns dias vão para lá.
— Estou um pouco cansado, se
me arranjar um lugar, agradeço, amanhã partiremos. Precisamos descansar, a
viagem é longa.
— Mas onde fica isto? ,
perguntou Cássia.
— Para dizer a verdade, é a
última Vila a leste do continente, é beira mar.
— Por que escolheu lugar tão
longe Kleber? Parece fim de mundo, continuou a mãe.
— É mesmo, é o fim das terras,
como não usam transportes marítimos, exceto nas proximidades da aldeia, lá o
homem para.
Na distribuição, escolhi o
local porque estavam sobrando duas casas. Numa delas pretendo montar minha
agência. Ganhei o aparelho, pretendo começar um pequeno turismo, levando
pessoas para conhecer o mar. Com o tempo, minha ideia é montar um pequeno
hotel, li muito sobre isto nas revistas da Terra.
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