domingo, 5 de outubro de 2014


N Ô M A D E S   D O   E S P A Ç O


PRIMEIRA   PARTE

TERRA — 2930


  A população terrestre havia atingido o auge da evolução cultural e técnica. As guerras há muito não mais existiam, embora os exércitos continuassem. As nações se entendiam. Miséria, pobreza e descontentamentos inexistiam. O homem vivia no mundo perfeito, num paraíso. A própria ciência que tanto maltratara o planeta o recuperara. Por séculos que o total de habitantes mantinha-se em cinco bilhões, resultado do próprio controle individual.
Assim era o mundo dos humanos naqueles idos. O retrato da harmonia, que a fatalidade ou destino haveria de rasgar.
Tudo começou quando os astrônomos perceberam alterações orbitais de Sírios B, estrela anã que acompanhava Sírios A. Em cada cinquenta anos a pequena mas pesadíssima irmã da estrela maior se aproximava mais, sendo iminente o choque das duas.
Contrariando os conceitos científicos, foi justamente o que ocorreu. O grande impacto foi acompanhado. Sondas enviadas ficaram próximas ao fenômeno e forneceram as imagens. Foi então que se viu a implodida estrela se chocar e expandir dentro de Sírius A, tal como um artefato bélico que caísse numa grande fornalha.
Estilhaços chamejantes venceram a força gravitacional da estrela maior e passaram a orbitá-la. Um pedaço de Sírius B não seguiu a regra, como se houvesse ricocheteado, adquiriu incrível velocidade e ganhou o espaço livre, como a recusar aquela união.
O registro do desastre cósmico teria ficado como mais um dos acontecimentos da astronomia, não fosse a consequência.
Continuando a acompanhar o bloco desgarrado, a ciência traçou a trajetória.
Como uma seta atirada para um alvo, a pesadíssima matéria estelar, l.000 quilos para cada dois centímetros cúbicos, possuía uma direção. Depois de viajar pelo vazio sideral alcançaria o sistema solar, atravessaria as órbitas planetárias e atingiria o centro do astro rei. Na passagem colheria a Terra em 2 de julho de 3.210.
Nada impediria o intruso de cumprir o destino, nada poderia detê-lo, o fim da humanidade estava marcado. Aquele pedaço de estrela era muitas vezes maior que o próprio mundo dos terrestres.
A notícia alarmou as nações, mas os comentários sensacionalistas aos poucos se aquietaram, afinal o fim não seria no dia seguinte.
Aquele fato cósmico surpreendera o homem, mas o homem evoluído, capaz de pensar em soluções mesmo diante do irremediável. Por sorte, se é que pudesse ser dito, o inevitável desfecho da civilização não fora no início do terceiro milênio, época das “guerras”. O pânico seria incontrolável, levantar-se-iam legiões de fanáticos religiosos. Abusos de toda ordem aconteceriam, os alimentos seriam difíceis, a fome se alastraria. Conflitos, saques e vandalismos estabeleceriam caos social. Mas, o tempo era outro.

Confirmada a situação, os governos das Nações se reuniram no Centro Mundial de Solidariedade, em Paris. Os melhores cientistas do planeta estavam presentes.
Presidentes e homens da ciência, durante um mês, em ambientes separados, esmiuçaram o assunto e encontraram as respostas. A definição científica acabou sendo a base de todo trabalho que viria a ser executado. Frank Stanis, um dos mais conceituados membros do grupo de estudos, foi o porta-voz que apresentou os motivos e o projeto de salvação da raça humana. Sua oratória, desprovida dos chavões de reverência ficou registrada:
— Senhores,
Estudamos detalhadamente o assunto. Analisamos todos os ângulos e encontramos a forma de evitar a extinção de nossa raça.
A única opção será a retirada de nossos descendentes. Para isto cerca de trezentos grandes navios deverão ser construídos em órbita estacionária. Elaboramos o projeto, serão pequenas Terras, com ambientes semelhantes ao de um município, onde as pessoas poderão viver e procriar até chegarem ao Sistema Alpha Centauro. Lá existem dois planetas com possibilidades para a vida, conforme os arquivos.
Antes, porém, é importante tecermos algumas considerações sobre nossa posição técnica.
Como é do conhecimento de todos, ainda não nos aventuramos em viagens estelares. Nossas naves tripuladas dominam o sistema solar, explorando o turismo ou transportando minérios. Não estão preparadas para permanências no vazio interestelar, essas incursões são reservadas apenas para sondas equipadas com robôs.
A estabilidade de nosso mundo vem influindo no atraso da conquista de outras estrelas, razão de não estarmos preparados para uma saída imediata. Por outro lado, 280 anos nos separam da colisão. Tempo mais que suficiente para a execução do projeto.
Os passageiros dessas naves viverão numa estrutura tubular com diâmetro interno de dois quilômetros, seguindo-se por uma extensão circular de vinte e cinco quilômetros.
Sobre o fundo interno das Rodas, residências, áreas de administração, de comando, de laser, de plantios, de escolas, de comércio, de controle da saúde, tudo que for necessário para o bem estar, serão edificados.
Cada astronave poderá comportar um mínimo de 4.000 vidas, mas no embarque o máximo deverá ser 2.5OO. Haverá uma simulação terrestre perfeita, com dias e noites artificiais, até chuvas. Para que os aparelhos atinjam a perfeição, calculamos 150 anos para o término das obras, que inclui as grandes bases.
Por sua vez, as bases estarão presas às rodas através de eixos especiais. Neles, um sistema móvel de elevadores se encaixará para acesso a elas, ou delas para os aros de interligação. Como podem ver no desenho: materiais, bens de consumo, estarão sob processo de conservação permanente. Lugar para veículos e naves auxiliares, militares ou não. São quilômetros para depósito de tudo aquilo que possuímos. Somente não poderá ser ocupado o local dos propulsores principais.
Bem, vamos limitar os detalhes, basta dizer-lhes que interna e externamente serão adaptados tudo o que for necessário, já criado ou a ser criado pela ciência. Metais especiais, duríssimos, constituirão as carcaças e os invólucros protetores dos navios, o suficiente para que possam permanecer mais de mil anos no espaço.
Cronologicamente, distribuímos o trabalho por etapas, que deverão ser cumpridas com rigor, assim:
1 — até 2.935, um ou dois parques fabris de enorme envergadura deverão ficar prontos em cada continente. A área para este fim deverá ser grande o suficiente para comportar a criação de vários centros de treinamento, de escolas e acomodações para os futuros tripulantes.
Paralelo aos empreendimentos, deverá ser criado um processo educativo mundial, para controle da natalidade. Apenas 7.500.000 poderão ser embarcados, entre jovens, cientistas e instrutores, o restante que permanecer no planeta não poderá continuar a procriar, também não poderá ter idade suficiente para alcançar o final.
Nosso plano visa a extinção do homem na Terra alguns anos antes da catástrofe.
2 — Até 3.O35, após a implantação dos polos de produção das peças, o trabalho será executado em terra e no espaço, para a construção das espaçonaves. O tempo se justifica diante da técnica a ser aplicada em cada detalhe dos componentes metálicos.
Durante o mesmo período a produção agrícola e de bens de consumo será de máxima importância. Os excedentes deverão ser levados para grandes câmaras de suspensão degenerativa. Servirão para suprirem as naves e para os que ficarem.
3 — A última etapa, partindo de 3.035 vai até 3.080, ano em que a Terra enviará seus filhos para a grande viagem.
Neste espaço de tempo, todos os jovens e crianças do mundo, com idade máxima de vinte anos, deverão ser encaminhados para os centros de treinamento. Somente eles irão gerar, sob controle, os representantes humanos que conhecerão o vazio sideral.

 Completando a explicação, o cientista observou que logo após a partida das naves, os últimos habitantes da Terra ainda teriam 130 anos para usufruírem do planeta. Como os mais novos não iriam ter menos de trinta, mesmo com a média etária de 150, nenhum deles veria o dia do apocalipse, desde que cumprissem com determinação um rígido controle de natalidade.
 Sobre a viagem: alcançariam Alpha Centauro em 500 anos aproximadamente, uma vez que a velocidade média do comboio seria de 3.000 quilômetros por segundo.
Terminada a exposição, o projeto foi colocado em votação. Nenhum chefe de Nação optou contra, a aprovação foi unânime.
Ainda, naquela assembleia, foram decididos pontos fundamentais, como liberalidade de fronteiras, estabelecimentos das áreas para os futuros parques, padronização do trabalho, das peças e linguagem única.
 O controle de natalidade foi um dos fatores mais debatido, no entanto, diante do equilíbrio que os próprios habitantes mantinham, ficou resolvido apenas partirem para um sistema universal de orientação e acompanhamento. Se necessário, outras medidas seriam tomadas.
Terminada as negociações, em menos de trinta dias foram iniciadas as grandes construções em terra. Assim, no Planalto Central, começaram as implantações da grande Base que serviria a América do Sul. O mesmo nos Estados Unidos, China, França, Austrália, África do Sul e Índia.

Após cinco anos, os grandes complexos estavam prontos. Iniciava-se a produção das grandes peças.
Os anos passaram, naves com minérios especiais da região dos asteroides e das luas de Júpiter desciam e voltavam, permitindo obtenção de ligas duríssimas.
Enormes vigas não paravam nas plataformas, uma a uma iam sendo enviadas para engates. As carcaças dos grandes navios, gradativamente tomavam forma.
Os trabalhadores em órbita viviam nas diversas estações requisitadas. Androides manipulados se misturavam com os humanos na grande tarefa.
Em terra, cumpriam-se fielmente as instruções governamentais, os excedentes de produção iam abarrotando os armazéns.
De tempos em tempos, os astrônomos conferiam a trajetória do grande meteoro, o resultado era sempre o mesmo.

Grandes metrópoles se ergueram a volta dos parques. O jovem trabalhador do início das obras estava centenário, alguns já haviam partido.
Os “colossos”, externamente, ficaram prontos, trezentos e sessenta no total, muito mais do que determinava o projeto. As “rodas” giravam, estavam criadas as forças gravitacionais para a sobrevivência humana. Nelas tudo funcionava com perfeição, inclusive o oxigênio ambiental. Iniciava-se o trabalho interno, o acabamento, a formação das condições terrestres.


PREPARATIVOS PARA A VIAGEM


O grande momento se aproximava, cem anos haviam passado. Os navios estavam em fase de acabamento, iniciava-se a colocação da terra e as construções internas. Era a última etapa, chegara a hora da preparação humana.
Um levantamento mundial mostrou o quadro que se esperava. Em todo planeta as maternidades raramente recebiam pacientes. O controle de natalidade fora cumprido com rigor.
A tristeza de um mundo desprovido do sorriso das crianças se abatia sobre os povos, principalmente quando as poucas existentes foram levadas para os centros de treinamento. Para amargar ainda mais, adolescentes e jovens também foram banidos dos lares.

No mundo em agonia, os velhos desapareciam, tal qual sempre fora. Casas esvaziavam-se e cidades morriam.
Exceto nos campos de preparação, as crianças deixavam de existir. Os jovens e adolescentes também não eram vistos em outro lugar. Para amenizar, a cibernética criou androides com aparências infanto-juvenis. Foram espalhados no planeta, mas não eram reais e a ilusão não supria o grande vazio.
Nas cidades da juventude, como passaram a ser chamadas, exércitos de professores, psicólogos, médicos e especialistas cuidavam dos futuros germinadores das sementes que lotariam as naves.
Após cinco anos, as uniões controladas se iniciaram e os meninos e meninas que embarcariam na grande viagem começaram a nascer.      
Enquanto isto, os pequenos mundos artificiais eram preparados nos mínimos detalhes.
As primeiras crianças cresceram e também já eram pais, quando a grandiosa obra ficou pronta.
Em setembro de 3.080, a enorme massa ainda jovem era colocada em suas acomodações. Independente da idade, cientistas, instrutores e pessoas indispensáveis também embarcaram. Nada fora esquecido, inclusive animais foram levados para setores reservados.
Passariam a vida no cosmos, gerações nasceriam naquelas Rodas. As bases estavam lotadas com tudo que a Terra possuía, só faltavam as fábricas. Os suprimentos eram para muitos séculos.
Trezentas e sessenta gigantes se reuniram em órbita estacionária sobre o Planalto Central. Por dias o facho luminoso se fez presente nas noites de Brasília.
O último adeus foi acenado. Os que ficaram não veriam o final.

O comboio singrou o sistema solar e ganhou o vazio sideral. Formava três colunas comandadas pela nave 001 que ia a frente. Distantes cinquenta quilômetros uma da outra, se dispunham nas filas em ordem numérica crescente.
As comunidades com média de 2.5OO pessoas cada, eram cidades flutuantes que esperavam alcançar num futuro distante, algum mundo em Alpha Centauro.
A maioria dos viajantes nunca haviam usufruído de tanto conforto, nem da liberdade que encontraram. Confinados desde o nascimento até iniciarem a jornada, estavam habituados a um mundo fechado, com pouco contato com a natureza. Todos falavam a mesma língua, um tipo de “esperanto”. 


FIM DA TERRA

 A VISITA DOS IONIS


O plano humano funcionou, as cidades embutidas nos círculos metálicos levavam pedaços de um mundo prestes a sucumbir.
As primeiras gerações já estavam substituindo os velhos habitantes.
O conjunto dos navios formava o “território” de uma grande nação, com alegrias, tristezas, trabalhos e entretenimentos. Um pedaço de nova história já existia.
O ano já era 3.210, aproximava-se a data sinistra. As imagens da Terra chegavam muito ruins. Há vários anos que haviam cessado os contatos verbais. De vivo, apenas alguns animais nas fantasmagóricas cenas recebidas.
Como haviam cumprido um quarto da travessia, somente no ano seguinte é que veriam os últimos momentos da Mãe-Terra. Foi o que aconteceu.
Em 8 de novembro de 3.2ll, captava-se o fim, a revolta da natureza, tudo se incendiando e tornando-se massa informe,  última imagem recebida.
Os velhos choraram, eram os únicos que entendiam aquele final e o enorme trabalho realizado.
Dois meses após era reiniciada a contagem do tempo, o ano UM começou em Janeiro de 3.212.

Nem tudo era perfeição, descontentamentos, focos de desentendimentos e até acidentes graves faziam parte do dia a dia. Nessa primeira fase da viagem, a mais grave ocorrência fora com o navio 096, onde a Roda parou, mais de oitenta habitantes da comunidade perderam a vida.
Viagens entre as Cidades Espaciais tornaram-se comuns. Dos ônibus, os passageiros podiam ver o exterior, o negrume do cosmos pontilhado de estrelas e as luzes dos navios. O grupamento aparentemente imóvel, ganhava distância.
Entre os fatos mais interessantes registrados, foi o do contato com alienígenas, no décimo ano da nova contagem.
Originários de um planeta do sistema Tau-Ceti, abordaram o comboio, numa nave menor que qualquer das cidades espaciais. Comunicaram-se na língua dos humanos e por alguns dias visitaram o mundo dos terráqueos. Pequenos, de cabeças avantajadas, olhos oblíquos, se mostraram amáveis e logo ganharam a confiança. Nas entrevistas, disseram ter visto a Terra, após a catástrofe. Eram cientistas, de há muito conheciam tudo sobre o mundo dos homens, mas nunca haviam optado pelo contato. Foram eles que informaram sobre a total impossibilidade da vida no sistema solar após a colisão. Disseram vir de um planeta chamado Ion, onde a evolução técnica havia superado todas as barreiras.
A visita dos Ionis foi a única de extraterrestres, durante toda travessia, as futuras gerações não mais iriam ter aquela oportunidade. Vieram num momento muito oportuno, abafando movimento de grupos radicais que perturbavam a ordem, exigindo a volta das astronaves. Esses grupos diziam que não passavam de cobaias, que tudo fora preparado para pensarem que a vida no planeta deixara de existir.
Uma insensatez, mas aconteceu, tudo começara há vários anos antes, na nave 007 numa aula de história, quando o aluno Pasteli expôs sua ideia e logo ganhou a adesão de muitos colegas. Aquilo que não teria passado de “bate papo” entre aluno e professor acabou transformando-o em líder. Gostou da ideia e passou a pressionar as autoridades. Formou uma associação que acabou estendendo por todas as comunidades.
Pasteli reconheceu o erro quando os Ionis lhe mostraram a verdade. Apresentou-se no sistema televisivo, se desculpou com a sociedade e a organização foi extinta.

FATOS MARCANTES


Duzentos e cinquenta anos após a partida da Terra, a frota se encontrava em pleno vazio sideral. Nada no exterior perturbava o caminhar dos humanos. A geração era outra, ideias novas surgiram. Mudanças nas regras, com liberalidades prejudicavam a estabilidade.
Tudo que fora implantando, parecia desmoronar. Uma regressão moral levava os jovens ao vandalismo e a abusos de toda ordem. Roubos e assassinatos se registravam. Cidades ameaçavam outras. Nada ia bem.
O sentido da viagem perdia-se. A nave militar 002 destinada à formação de reservistas, tornara-se um grande presídio.
Uma radical mudança era necessária. Foi o que aconteceu. O Presidente Tobias, principal responsável pela situação, pressionado pelos conservadores acabou se demitindo.
Jonas Tetri assumiu, formou novo conselho, mudou a maior parte dos comandantes de naves e reestruturou a segurança, baniu as novas leis, retornando ao sistema anterior. Utilizando forças militares prendeu os transgressores. Com a Nave 002 superlotada, ameaçou deixá-la a deriva, com o sistema de direção danificado. Não o fez, o susto fora suficiente para conseguir novamente a ordem.
Tudo voltou a antiga rotina, no comércio, nas festas, nas aulas, nos esportes, nos cultos e em todas as atividades. As excursões passaram a ser novamente bem recebidas e a alegria retornou.

Desde o acidente da 096, a manutenção passou a ser permanente, aquilo dificilmente voltaria a ocorrer. No entanto, o ser humano é falho e pode criar o acidente. Foi o caso do Comandante Brenus da 120.
Estava ele, sentado, frente ao painel de sua responsabilidade, quando o sono lhe veio e não percebeu a ordem do Comando Geral. Uma avalanche de meteoros se aproximava, a ação de desvio deveria ser imediata.
Não fossem os auxiliares tomarem conhecimento e acordá-lo, aquele Navio seria despedaçado.
Tão logo abriu os olhos, mandou que se retirassem, acionassem os alarmes e levassem os habitantes para a base. Enquanto isto, procurava trabalhar contra o tempo, acionando os propulsores para se colocar junto com os demais navios.
Antes mesmo dos últimos moradores seguirem para o abrigo, o ribombar das pedras soavam como uma grande tempestade.
Quando a Astronave se nivelou, um grupo de inspeção com trajes protetores entrou na Roda. Tudo estava em ordem, menos o ar que se extinguira.
Brenus, ainda com a mão nos comandos, estava imóvel. Fora negligente e herói, mesmo vendo a vida se esvair, manuseou os controles até o último instante.
Depois deste acontecimento tudo novamente retornou a normalidade.

A jornada interminável seguia o destino. Corria o ano 130, o sistema Alpha já tomava conta dos telões. Foi quando um ponto luminoso começou a aparecer, para no espaço de alguns meses se tornar uma brilhante estrela.
Um sentimento de que talvez estivesse chegando o momento de encontrar novo lar, não deixou de oferecer uma sensação de ansiedade coletiva. Mas logo os comunicados dos centros de estudo desfizeram falsos comentários, era apenas um micro sistema planetário, sem registro científico.
Passaram perto do conjunto, dois planetoides iluminados por um pequeno sol.
O comboio cumulava os fatos. Em cada cidade a vida dos habitantes e todas as ocorrências eram processadas. Uma infinidade de informações, se compiladas formariam volumes sem conta sobre os terrestres.
  
No espaço entre um sistema estelar e outro, nada realmente existe. Um objeto parado ou em alta velocidade, visualmente se torna inerte. O vácuo, a falta de atrito, permitiram aos humanos colocar os pequenos mundos na direção dos sóis mais próximos. Aos poucos ganhavam distância, quase sem acidentes externos.
Famílias se sucederam dentro de um rígido controle de natalidade. Cada roda mantinha em média 4.500 pessoas em todas as faixas etárias. No cotidiano, os acontecimentos locais e das cidades vizinhas davam sustentação emocional aos moradores.
No correr dos anos, sempre alguma coisa alegrava ou chocava a nação.
Um curioso episódio dessa “odisseia”, foi o encontro de uma nave alienígena perdida, pouco antes de entrarem nos domínios de Alpha Centauro.
Detectada com surpresa pelo comando geral e percebida a não resposta dos diversos sinais emitidos, foi dada ordem de abordagem.
Tomada as precauções necessárias, cientistas e técnicos forçaram a escotilha e invadiram o enorme objeto. Atmosfera e gravidade artificial igual a dos humanos compunham o ambiente vital do aparelho. Esqueletos dos últimos sobreviventes se espalhavam no centro de controle.
O aparelho não estava danificado. Descobriram como operá-lo e o mesmo passou a fazer parte da frota, tornando-se temporariamente um tipo de “museu”.

O mistério da morte dos tripulantes foi desvendado. Simplesmente as reservas alimentícias se esgotaram. Surpreendente atraso diante da técnica encontrada.
Conforme as gravações de bordo, originavam-se de um planeta estável, 30 anos luz da área onde a astronave fora encontrada. Faziam regulares incursões estelares e podiam atingir até 60.000 km s/s. Portanto, a capacidade de mobilidade do objeto era incomparável com a máxima dos navios terrestres.
O ocorrido marcou um período de agitação nas comunidades, a existência de seres semelhantes na periferia da galáxia não surpreendia, mas colocava dúvida sobre a origem evolutiva animal. Reforçando a teoria, de que o homem há muito plantava sementes nas estrelas.
Naquela fase da viagem, a juventude se mostrava muito inquieta, adquiria índices culturais altíssimos, mas não conseguia aplicar os conhecimentos. Rapazes e moças entravam na vida adulta praticando as mesmas rotinas dos antepassados. Trabalhos quase artesanais, comércio e raras oportunidades de pertencerem aos quadros de comandos dos navios.
A capturação da astronave motivou um grupo liderado por Guilherme Telles. Suas ideias tomaram forma e ultrapassaram o círculo metálico da 210. Persistente e atuante, acabou por conseguir o uso da nave alienígena.
Reuniu uma tripulação de quinhentos homens e mulheres na faixa de 25 a 30 anos, após rigorosa seleção.
Por bom tempo trabalharam no aparelho, adaptando-o para as condições terrestres, não deixando de incluírem um sistema de conservação alimentar permanente.
Concluída a reforma, algumas incursões foram realizadas, todas de curta duração, o suficiente para perceberem que no vazio nada existia.
Frustrada as expectativas, o projeto inicial perdera sentido. Guilherme não se entregou, convenceu o comando geral e obteve permissão para seguir à frente do comboio, buscando o objetivo da missão. Assim, no ano 190 o navio partiu deixando a frota. Nascia uma esperança, se chegassem ao destino, um elo poderia ser vital.

Alpha C tomava conta dos visores, os planetas podiam ser detectados, doze ao todo, gélidos, de vários tamanhos. Acompanhavam o grande astro em agonia. Seu brilho era visto porque a frota penetrava seus domínios.
Os antigos e fiéis instrumentos de bordo indicavam justamente a primeira estrela do sistema. Também a ordem de desaceleração do comboio, passando-o para a velocidade mínima, o caminho dali para frente seria de risco. Assim, mais lentas ainda seguiam as naves, de 3.000 para 300 Kms./s. Asteroides, meteoros, cometas poderiam infestar a área astral, principalmente considerando que até planetas se escondessem no escuro éter. Corria então o ano 300.
A frota atravessou o primeiro sistema sem maiores problemas, enviando mísseis de reconhecimento, foi possível uma visão frontal do caminho e uma reaceleração controlada.


O COMETA GIGANTE


A CHEGADA EM ATLAN

Em 320, completava-se 450 anos terrestres da grande travessia. O conjunto estelar Alpha A e B estavam próximos, o fim da viagem estava chegando.
Foi nessa região espacial que um fato nunca esperado aconteceu. Um cometa gigantesco se aproximava. Parecia não haver saída para a raça humana. Aquilo era tão grande que poderia colher todo comboio. Não passavam de pontinhos negros diante do núcleo esbranquiçado chegando.
O Presidente na época, Salinas, não encontrou alternativa, expediu imediata ordem de aceleração total. Foi o maior desastre ocorrido, o astro passou e dez navios desapareceram, os últimos das fileiras. Outras naves também próximas ficaram descontroladas e com muitas avarias. Milhares de vidas se perderam, não contando as das espaçonaves perdidas. O lamentável acidente fez toda nação chorar.
Salvos os navios vitimados e recuperadas as cidades, a frota se alinhou novamente e seguiu o destino.

Vinte anos após, a população já havia esquecido a tragédia, nenhum outro problema ocorrera. Faltava muito pouco para entrarem em Alpha A/B, quando a ponte de comando da nave 001 ordenou o envio de sondas para os diversos planetas dos sistemas, concentrando-as nos centrais de ambas estrelas, onde os antigos davam como certa a possibilidade de vida. Observaram então a incrível máquina celeste, dois sóis, um de intensidade luminosa maior do que o outro, se orbitando, levando nessa dança suas famílias. Nesse jogo, a equidistância com os dois centros de energia permitia dois mundos se beneficiarem das condições para a vida. Confirmação logo obtida através das imagens que começavam a chegar.
Os centros de estudos estavam em intenso trabalho, quando débeis sinais radiofônicos começaram a chegar. A princípio pensaram ser de alguma das naves perdidas, mas melhorando os controles de captação, ficaram atônitos quando entenderam tratar-se do filho de Guilherme Telles, que já vivia no mundo que procuravam. As mensagens demoravam a chegar e era difícil o entendimento.
O então Presidente Alves respondeu, pedindo para que melhorasse a transmissão.
Passado algum tempo, Argos voltou, desta vez a voz era clara. Contou sobre a viagem, nascera dentro da espaçonave e vivera nela até os vinte anos, aprendera tudo sobre navegação.
Conforme o filho de Telles, ao entrarem no sistema a nave quase foi destruída por Asteroides pequenos, por isto não possuíam condições de comunicação eficiente. Ao descerem no planeta encontraram alguns nativos de estaturas médias e olhos grandes, mas simpáticos. O maior problema foi o das doenças. Não estavam imunizados, mais da metade dos tripulantes não suportaram e faleceram; inclusive o próprio pai.
Quanto às condições do ambiente, eram as melhores, pouquíssimas as divergências com os padrões terrestres. Períodos noturnos e diurnos variavam de acordo com as posições solares e os satélites naturais, nunca se formando escuridão. Estações mais secas, mais frias e de chuvas se revezavam.
A ajuda de Argos eliminava todas as dificuldades que poderiam ter para chegar ao azulado mundo de Atlan, nome dado pelos pioneiros, 5o. planeta da Alpha A, com três luas e dois sóis. Assim, após ultrapassarem a barreira de Asteroides, iniciaram intensos preparativos, criaram vacinas ativadoras de anticorpos e receberam treinamentos intensivos de como viver na superfície. Sempre auxiliados por aquele homem do solo; o grande conjunto das trezentas e cinquentas astronaves orbitaram a futura morada.
Desceram tudo que podiam, pessoas, animais, máquinas, equipamentos de todo tipo, inclusive algumas bases. A grandiosa tarefa terminou com o envio das cidades vazias, junto com a maioria dos lastros para os dois sóis.
Na superfície do belo planeta, os campos verdejantes estavam prontos para receber os humanos. Os nativos eram pouquíssimos, não passavam de três mil em todo globo. Mares, oceanos, rios, lagos, montanhas, pássaros, animais desconhecidos e ruínas de uma civilização extinta compunham a paisagem do novo paraíso.
Quinze milhões de terrestres invadiram territórios sem dono e iniciaram a colonização. Eram passageiros, sementes, que encontraram o solo; o porto de chegada.

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