O GRANDE DESASTRE SE ANTECIPA
Os dois anos que faltavam
passaram depressa. Todos aqueles jovens estavam super preparados para
enfrentarem seus destinos na superfície. Corin fora o grande artesão,
lapidando-os desde a infância e os transformando-os nos futuros alicerces das
duas Nações.
Sob sua orientação, foram
formados grupamentos para as mais diversas atividades, principalmente para
setores da indústria.
Foram dez anos de
convivência dentro da cidade espacial. Ajudado por Silas, conseguira o intento.
A partir de então, tudo ia depender daquelas moças e moços que deixariam a
Astronave.
Receberam livros e materiais
suficientes para continuarem pesquisando. Marino dependeria muito deles e o
grande mestre sentia que não seria decepcionado.
Uma grande festa marcou o
último dia de permanência na Roda. Os jovens se misturaram, deixariam muitos
amigos.
Dias antes, Padre Santos realizou
vários casamentos. Muitos começariam mesclando a raça, inclusive Suni e Thomás.
Não houve tempo para o transporte dos familiares para as cerimônias e todos
fizeram questão de se unirem na Astronave. Por outro lado, o combustível estava
sob controle. Regis liberou os comunicadores para falarem com os pais. Da mesma
forma como os outros, Suni falou com Sato, que bem a conhecia e não fez
objeção.
Choros e risos marcaram a
noite da despedida.
Haviam passado a
adolescência e parte da juventude naquele lugar, tiveram coisas que nunca
haviam sonhado e que os Marinenses sequer pensavam existir.
Regis, com muita satisfação
prepara a colação de grau. A grande festa estava animada, quando pediu para
desligarem o som e solicitou a presença do comandante, dos membros da Central,
de Corin e Silas e dos professores para comporem a mesa, em seguida tomou a
palavra:
— É com muito orgulho, que
entregarei a cada um o diploma. Peço guardá-lo como recordação de uma época.
São quinhentos, portanto não falarei mais, a não ser lendo os nomes que
estiverem neles. Não estão em ordem, portanto o primeiro é o de ... Tago Lisk
..., assim procedeu até entregar último.
Propositadamente não citara
os filhos dos Reis. Após terminar, Regis os apresentou como candidatos aos
tronos de Suma e Nogos. Feito isto, entregou-lhes os respectivos diplomas.
No dia seguinte, os dois
conhecidos transportadores os levaram definitivamente.
As naves voltaram vazias,
nenhum dos ex-instrutores tomaram o caminho do retorno, tampouco terrestres que
já viviam no planeta.
— — —
O tempo continuou o ritmo,
os grandes colégios foram concluídos e as duas modernas Vilas passaram a
receber professores e alunos. A cidade espacial ficava cada vez mais
desfalcada.
Tudo parecia correr como o
previsto, não fosse um comunicado de Salésio, que Jansen imediatamente
transmitiu a Regis e este ao comandante.
A chamada dos membros foi
urgente, o assunto era grave e desta vez foi Marcos quem falou:
— Esta é uma reunião
oficial, todos os procedimentos que deveriam ser colocados em prática nos
próximos dez ou quinze anos, deverão ser agilizados. Conforme já sabem, Salésio
que reside próximo ao mar, informou que este está avançando para a Vila, soube
também que habitantes de aldeias vizinhas já as abandonaram.
— Li qualquer coisa sobre
marés, interrompeu Sancho, continuando: Parece que em certas épocas as águas
aumentam.
Os ouvintes não deixaram de
sorrir maliciosamente, ao que Regis entendendo as boas intenções dele explicou:
— Não Sancho, para haver
maré teria de existir um satélite natural igual ao que a Terra possuía e
chamava-se Lua. Marino é um planeta solitário, portanto isto é impossível. O
aumento do volume está sendo provocado pelo derretimento de grossas camadas de
gelo.
— Precisamos preparar as
áreas mais próximas do litoral.
— Exatamente, concordou Marcos.
Desta vez, estarei liderando os “ataques” porque entendi que não devem ser
isolados. Emitiremos avisos para abandono imediato das áreas livres, em seguida
procederemos da mesma forma que na ocasião da limpeza para construção dos
colégios.
Como é um procedimento em
grande escala, de alto risco, não poderia ficar ausente.
Jansen, conte-nos como está
a situação.
— Sinto-me um pouco intranquilo
ao lhes dar a informação. Havia previsto um tempo maior para as enchentes,
agora estou surpreso com os levantamentos de minha equipe.
As trincas se alargaram de
repente, grandes icebergs avançam vagarosamente, derretendo a medida que se
aproximam das áreas quentes. Tempestades serão frequentes a partir de agora,
nevadas, ventos. Distúrbios climáticos de toda ordem. Frios intensos e até
calor vão assolar a área habitada. Chuvas torrenciais, formação de grandes
lagos e rios mudarão a paisagem de muitos lugares. As providências devem ser
imediatas.
— Concordo, também analisei
tudo, atalhou Regis.
Vamos trabalhar em conjunto.
Temos por base o realizado
na implantação das escolas. Aberturas de clareiras, terraplanagem e construções
de estradas de acesso. O restante ficará por conta dos próprios aldeões.
Em ambas as Nações teremos
de iniciar pela orla marítima, continuando para o interior.
— Não podemos esquecer do
combustível, para cada local bombardeado desceremos pessoal e máquinas, depois
teremos de removê-los para outras áreas e assim sucessivamente até
completarmos. Desceremos com tudo que temos, poderemos montar seis frentes,
utilizando praticamente o restante do pessoal que podem manejar equipamentos,
detalhou Fusco.
— Se agirmos agora, terão
tempo suficiente para construírem as novas vilas. Por sinal já esquematizada
pelo filho de Sato. Vou enviar cópias das plantas para os Reis, para serem
distribuídas aos guardiães. Por outro lado, existem locais que sequer
precisarão de abertura de clareira. Por exemplo, é o caso de Vale Verde, apenas
com um ou dois tratores os próprios terrestres que lá residem, poderão nivelar
a área. Em Catun, por ser perto, ocorre a mesma coisa. O que lhes parece
montanha, é apenas uma elevação natural da altitude. Fiquei sabendo que os Reis
já estabeleceram leis de desapropriações. Diante da situação, todos perderam o
direito de posse temporariamente, mas serão donos das novas casas e de áreas
que serão redistribuídas.
— Bem, parece que tudo está
sob controle, comentou Marcos. Devemos nos curvar para Regis.
— Realmente, foi muito
precavido quando solicitou o levantamento das áreas livres, se isto não fosse
feito. Estaríamos em sérias dificuldades.
A reunião ainda continuou
por várias horas, após as quais ficaram definidas as providências.
— — —
Há vários anos Salésio vivia
tranquilo em Vila Talma, quase um chefe na localidade. O curandeiro nunca
errara nos medicamentos para seu filho, que trazia seus traços, mas com os
pelinhos a se espalharem pelo corpinho. Adorava o garoto e tratava o curandeiro
como médico, dizendo:
— Você não fica a dever a
qualquer doutor que conheci. Uma sólida amizade nascera entre eles.
Oda sentia-se a mulher mais
feliz da Vila. Sua filha, não por desavença, voltara para a própria casa, onde
também mantinha confecção com o marido. Os netos haviam crescido,
constantemente estavam junto da avó, brincando com o tio que começava a
descobrir o mundo.
Gat continuava como Guardião,
levando uma pacata vida, sempre marcando ponto em sua taberna. Licos progredira
tanto quanto Chato, este lhe conseguira mais ferramentas e ele fazia coisas que
davam inveja aos colegas do ramo.
As luzes continuavam a
iluminar as noites sem estrelas. Marino ao executar seu movimento de translação
ficara numa posição que quase sempre mostrava o céu negro.
Tornara-se hábito para Oda e
Salésio, passearem na pequena praça sob a claridade artificial, sempre com o
filho.
Pena que tudo iria terminar,
as águas a cada dia que passava, ameaçavam. Logo teria de retirar a turbina e o
material, senão perderia tudo. O local onde as mulheres lavavam roupas já não
existia, estava alagado.
Diariamente seguia até a
praia, colocando marcações, até perceber que em pouco tempo a Vila seria
invadida. Foi então que se comunicou com Jansen.
Os dias passaram, violenta
tempestade assolou a Vila, ninguém morrera, mas casas ficaram destruídas e a
lama tomou conta. Trabalhadores perderam plantações, as luzes de Salésio
apagaram, a forte canalização para a turbina rompera.
Percebendo que era o fim,
com a ajuda de amigos retirou a grande peça e a transportou para lugar mais
seguro. Auxiliou moradores a consertar as casas, mas sabia que de nada valeria.
O barulho do mar já estava
mais próximo. Os aldeões, assustados foram falar com o terrestre, que os tranquilizou
dizendo que logo receberiam ajuda.
Há dias que se comunicara,
começava a ficar preocupado. Já temia pela sorte deles, quando Gat chegou
espavorido.
— Veja Chato, olhe isto daqui,
entregando algumas folhas de papel a ele.
— É a planta de uma cidade,
o pedido de evacuação da área onde fica a mata dos “lutis” e uma ordem real de
desapropriação de todos os bens. Aqui também está uma orientação completa dos
procedimentos que deve tomar, inclusive diz para que sejam construídas duas
casas a mais que o necessário. Serão para terrestres que um dia virão para cá.
— Tenho cinco dias para
evacuar as pessoas que possam residir na montanha, mas que saiba só o Licos,
sua família e mais uns poucos lenhadores moram lá. Amanhã vou conversar com
eles.
— Posso ir também Gat, todo
meu serviço está parado.`
No dia seguinte foram
procurar Licos, encontrando-o junto com seus homens, separando madeira.
— Olá amigos, vamos chegar,
gritou o carpinteiro.
— Como vai Licos,
cumprimentou Gat, depois Salésio.
Gat não fez rodeios, foi
direto ao assunto, mostrando a documentação a ele. Ficou transtornado, ali era
o local ideal para seu trabalho.
— Que adianta você ficar
Licos? Para você entender que a situação é realmente séria, basta dizer que até
retirei toda iluminação da Vila, inclusive a turbina. Em breve, tudo aqui
ficará inundado, inclusive sua serraria. A saída agora não será por motivo das
inundações, é para livrar você, sua família e seus homens de perigo. Certeza
que vão bombardear as matas lá de cima.
— Bombardear, o que é isto?
— Como posso lhe explicar?
Máquinas áreas destruirão as matas, haverá muito barulho, pedras poderão cair
sobre vocês se ficarem aqui.
Depois outras máquinas para
solo, acertarão o terreno para podermos construir nossas novas casas e ficarmos
a salvos.
— Então o momento chegou,
disseram que levaria mais tempo.
— Avisei a eles, já viu o
mar?
— Tem razão, não é hora para
discutir. Cede-nos um lugar para ficar Gat.
— Claro Licos, leve todos e
avise outras pessoas que possam morar aqui perto.
Em casa, Salésio conversando
com Oda, pediu para ajudá-lo a avisar os moradores que a qualquer momento
ouviriam estrondos, para não se preocuparem.
O sol brilhava, enxugara a
terra que ultimamente parecia uma massa mole, fazendo as pessoas afundarem os
pés até os tornozelos.
A vila estava movimentada,
os homens ainda não haviam voltado ao trabalho. As terras de cultivo estavam inundadas,
ou haviam perdido a semeadura e teriam de esperar outra oportunidade.
A desolação estava nos
olhares.
De repente, diante de um céu
limpíssimo “trovões” abalaram a Vila. A população, já avisada, parou para
olhar. Grossas nuvens de fumaça subiam do alto da serra, novas explosões
aconteceram durante quase todo o dia, o cheiro do mato queimado chegava até
eles.
Depois foi o roncar das
máquinas, dia e noite, assustando homens e crianças.
Enquanto a terraplanagem era
realizada, uma estrada descia a montanha em ziguezague. Para os Marinenses
aquilo era incrível, alguns foram ver de perto e ficaram assombrados ao verem
enormes árvores serem tombadas como se fossem pequenos arbustos.
Enquanto isto, Gat reuniu
todos os habitantes na pracinha e explicou:
— Chegou o momento minha
gente, tão logo terminem a estrada, vamos levar o que puder para cima.
Reconstruiremos nossa aldeia.
Agora escutem! Cada família
terá sua casa, poderão até desmanchar a de vocês e levarem parte do material,
mas de preferência usaremos madeiras novas daqui de baixo. Serão todas iguais e
de acordo com o desenho que recebi.
Construiremos as habitações
em conjunto, todos ajudarão a construir a casa de todos, nos locais que
indicar. Quando chegarmos lá em cima, entenderão.
Além das casas e do templo,
duas outras serão edificadas por ordem do Rei. Nos repartiremos em dois grupos,
um cuidará das plantações e dos alimentos e o outro das construções.
Um grupo de mulheres
cozinhará e cuidará das crianças em cada turma, as que não forem necessárias
ajudarão os homens.
Isto será uma guerra, com
leis severas, embora para uma luta diferente, para a sobrevivência. Todos devem
estar lembrados das aulas do treinamento, agora chegou o momento que tanto
falaram.
Façam fila! Um por um chegue
até a esta mesa, vou anotar os nomes e determinar o trabalho. Cada homem e cada
mulher terá uma obrigação a cumprir. Não vai ser nem preciso perguntar se serão
pagos, o que seria até um absurdo. É uma convocação para podermos nos salvar
das inundações.
A partir de agora os
direitos serão iguais, o que um comer todos comerão. Os alimentos serão
requisitados e parte deles ficarão em minha casa, onde um grupo de mulheres
cozinhará para o pessoal que irá plantar aqui em baixo. Outra parte será levada
para o alto da serra, onde outras mulheres farão o mesmo para os construtores.
Todas as casas serão vasculhadas e todo e qualquer alimento será retirado, para
serem guardados num só local, que ficará sob vigia. Conforme fui informado, o
racionamento será necessário.
Por ordem Real, qualquer
transgressão deverá ser punida com a morte. Espero que em momento algum tenha
de tomar tal atitude. Também, a partir de hoje, ninguém é mais dono de qualquer
casa ou terras, até serem redistribuídas.
Depois dessas duras
palavras, Gat sentou-se e separou folhas de papel, iniciando a seleção. Entre
seus auxiliares incluiu o curandeiro e Salésio.
Organizado o pessoal, o
guardião não esperou para o dia seguinte, imediatamente chamou os auxiliares,
inclusive os novos, para a busca nas residências e retirada dos alimentos.
Encontraram alguns que se
opunham, mas advertidos logo se calaram, sabiam que não podiam brincar. Por
fim, um grande cômodo da forte casa ficou lotado.
Mais alguns dias depois, o
crepitar de árvores tombando, próximo a Vila, chamou a atenção dos aldeões.
As duas gigantescas máquinas
haviam concluído o caminho. Paradas, serviram de espetáculo para os incrédulos
observadores, cujas mentalidades ainda não os permitiam entender como coisas
como aquelas poderiam existir.
Campos, um dos maquinistas,
desceu e veio ter com Gat e Salésio, dizendo-lhes:
— A estrada não é perfeita,
mas já podem usá-la. O terreno está pronto, podem mudar a partir de agora se
quiserem.
Temos que voltar, nos
levarão para outro local.
Gat repetiu para todos que
ali estavam, as palavras do terrestre, provocando aplausos e vivas.
Tudo organizado, a grande
mudança teve início. No primeiro dia a população inteira da Vila subiu a
montanha, muitos aproveitaram e levaram até algumas peças de madeira.
Dobraram o ponto mais alto e
continuaram, até que se descortinou para eles um vasto e amplo campo, no qual a
terra sobressaia como a dar um toque avermelhado no verde que se descortinava.
Estacas delineavam os
lugares das futuras residências, do templo e da praça. Não precisariam fazer
mais nada, só iniciarem a parte deles.
— — —
Sempre com a planta na mão,
Gat tornara-se incansável, um forte a dirigir tudo. Salésio era seu braço
direito nas decisões.
Licos montara sua serraria
nas proximidades da nova vila que aos poucos se erguia naquele planalto.
Procurando água, encontraram
um riacho, que dentro da mata, se direcionava para as encostas.
Salésio entregou os serras
que guardara e todas as ferramentas úteis para o trabalho. O Carpinteiro
preparava os materiais ou instruía o que fazer. Novas casas nasciam enquanto a
primeira safra era colhida e estocada.
Não era fácil, mudanças
climáticas repentinas agitavam a natureza. Ventanias que pareciam querer
arrancar o que já estava feito, violentas tempestades, chuvas torrenciais,
nevadas fora de tempo, tudo parecia querer dar fim naqueles seres que lutavam
para se salvarem. E o mar cada vez mais ameaçador.
Vendo a situação, o Guardião
instigava os aldeões para o trabalho incessante, mesmo diante das intempéries.
O curandeiro tornara-se indispensável. Ajudado por Salésio, montou um
“hospital” provisório no alto, para onde os doentes eram removidos.
Alguns perderam a vida na
crucial luta, mas a nova Vila ficou pronta, tal qual a orientação de Kalil. Um
dia de festa marcou a chegada do último habitante de baixo.
As águas revoltas atingiram
as antigas habitações. Do alto muitos observavam o fim do lugar onde nasceram,
enquanto as lágrimas desciam pelas faces cansadas.
A lei de unidade iria
continuar por algum tempo, enquanto durasse as mudanças geológicas. Assim,
devastaram a mata de uma boa área das terras seguras. Todos se revezavam nos
tratos agrícolas.
De todas as construções a do templo merecia atenção
especial. A orientação era para que fosse levantado com estrutura fortíssima.
Que no interior houvesse muito espaço, o suficiente para conter a população. A
finalidade era de servir principalmente de abrigo. Em cada nova localidade foi
o último a ser terminado.
Em todo planeta os
procedimentos foram semelhantes, aos poucos os homens saíram dos lugares de
perigo e as novas Vilas se formaram, tanto em Suma quanto em Nogos. Veio a
fúria dos elementos, mas as perdas foram pequenas. Assim, cumpria-se o
prometido, os terrestres estavam salvando aqueles povos.
Nesta fantástica mudança, um
princípio de modernismo dera início perto das duas grandes escolas. Em muitas
construções foram utilizados os novos materiais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário