domingo, 5 de outubro de 2014



O GRANDE DESASTRE SE ANTECIPA

Os dois anos que faltavam passaram depressa. Todos aqueles jovens estavam super preparados para enfrentarem seus destinos na superfície. Corin fora o grande artesão, lapidando-os desde a infância e os transformando-os nos futuros alicerces das duas Nações.
Sob sua orientação, foram formados grupamentos para as mais diversas atividades, principalmente para setores da indústria.
Foram dez anos de convivência dentro da cidade espacial. Ajudado por Silas, conseguira o intento. A partir de então, tudo ia depender daquelas moças e moços que deixariam a Astronave.
Receberam livros e materiais suficientes para continuarem pesquisando. Marino dependeria muito deles e o grande mestre sentia que não seria decepcionado.
Uma grande festa marcou o último dia de permanência na Roda. Os jovens se misturaram, deixariam muitos amigos.
Dias antes, Padre Santos realizou vários casamentos. Muitos começariam mesclando a raça, inclusive Suni e Thomás. Não houve tempo para o transporte dos familiares para as cerimônias e todos fizeram questão de se unirem na Astronave. Por outro lado, o combustível estava sob controle. Regis liberou os comunicadores para falarem com os pais. Da mesma forma como os outros, Suni falou com Sato, que bem a conhecia e não fez objeção.
Choros e risos marcaram a noite da despedida.
Haviam passado a adolescência e parte da juventude naquele lugar, tiveram coisas que nunca haviam sonhado e que os Marinenses sequer pensavam existir.
Regis, com muita satisfação prepara a colação de grau. A grande festa estava animada, quando pediu para desligarem o som e solicitou a presença do comandante, dos membros da Central, de Corin e Silas e dos professores para comporem a mesa, em seguida tomou a palavra:
— É com muito orgulho, que entregarei a cada um o diploma. Peço guardá-lo como recordação de uma época. São quinhentos, portanto não falarei mais, a não ser lendo os nomes que estiverem neles. Não estão em ordem, portanto o primeiro é o de ... Tago Lisk ..., assim procedeu até entregar último.
Propositadamente não citara os filhos dos Reis. Após terminar, Regis os apresentou como candidatos aos tronos de Suma e Nogos. Feito isto, entregou-lhes os respectivos diplomas.
No dia seguinte, os dois conhecidos transportadores os levaram definitivamente.
As naves voltaram vazias, nenhum dos ex-instrutores tomaram o caminho do retorno, tampouco terrestres que já viviam no planeta.

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O tempo continuou o ritmo, os grandes colégios foram concluídos e as duas modernas Vilas passaram a receber professores e alunos. A cidade espacial ficava cada vez mais desfalcada.
Tudo parecia correr como o previsto, não fosse um comunicado de Salésio, que Jansen imediatamente transmitiu a Regis e este ao comandante.
A chamada dos membros foi urgente, o assunto era grave e desta vez foi Marcos quem falou:
— Esta é uma reunião oficial, todos os procedimentos que deveriam ser colocados em prática nos próximos dez ou quinze anos, deverão ser agilizados. Conforme já sabem, Salésio que reside próximo ao mar, informou que este está avançando para a Vila, soube também que habitantes de aldeias vizinhas já as abandonaram.
— Li qualquer coisa sobre marés, interrompeu Sancho, continuando: Parece que em certas épocas as águas aumentam.
Os ouvintes não deixaram de sorrir maliciosamente, ao que Regis entendendo as boas intenções dele explicou:
— Não Sancho, para haver maré teria de existir um satélite natural igual ao que a Terra possuía e chamava-se Lua. Marino é um planeta solitário, portanto isto é impossível. O aumento do volume está sendo provocado pelo derretimento de grossas camadas de gelo.
— Precisamos preparar as áreas mais próximas do litoral.
— Exatamente, concordou Marcos. Desta vez, estarei liderando os “ataques” porque entendi que não devem ser isolados. Emitiremos avisos para abandono imediato das áreas livres, em seguida procederemos da mesma forma que na ocasião da limpeza para construção dos colégios.
Como é um procedimento em grande escala, de alto risco, não poderia ficar ausente.
Jansen, conte-nos como está a situação.
— Sinto-me um pouco intranquilo ao lhes dar a informação. Havia previsto um tempo maior para as enchentes, agora estou surpreso com os levantamentos de minha equipe.
As trincas se alargaram de repente, grandes icebergs avançam vagarosamente, derretendo a medida que se aproximam das áreas quentes. Tempestades serão frequentes a partir de agora, nevadas, ventos. Distúrbios climáticos de toda ordem. Frios intensos e até calor vão assolar a área habitada. Chuvas torrenciais, formação de grandes lagos e rios mudarão a paisagem de muitos lugares. As providências devem ser imediatas.
— Concordo, também analisei tudo, atalhou Regis.
Vamos trabalhar em conjunto.
Temos por base o realizado na implantação das escolas. Aberturas de clareiras, terraplanagem e construções de estradas de acesso. O restante ficará por conta dos próprios aldeões.
Em ambas as Nações teremos de iniciar pela orla marítima, continuando para o interior.
— Não podemos esquecer do combustível, para cada local bombardeado desceremos pessoal e máquinas, depois teremos de removê-los para outras áreas e assim sucessivamente até completarmos. Desceremos com tudo que temos, poderemos montar seis frentes, utilizando praticamente o restante do pessoal que podem manejar equipamentos, detalhou Fusco.
— Se agirmos agora, terão tempo suficiente para construírem as novas vilas. Por sinal já esquematizada pelo filho de Sato. Vou enviar cópias das plantas para os Reis, para serem distribuídas aos guardiães. Por outro lado, existem locais que sequer precisarão de abertura de clareira. Por exemplo, é o caso de Vale Verde, apenas com um ou dois tratores os próprios terrestres que lá residem, poderão nivelar a área. Em Catun, por ser perto, ocorre a mesma coisa. O que lhes parece montanha, é apenas uma elevação natural da altitude. Fiquei sabendo que os Reis já estabeleceram leis de desapropriações. Diante da situação, todos perderam o direito de posse temporariamente, mas serão donos das novas casas e de áreas que serão redistribuídas.
— Bem, parece que tudo está sob controle, comentou Marcos. Devemos nos curvar para Regis.
— Realmente, foi muito precavido quando solicitou o levantamento das áreas livres, se isto não fosse feito. Estaríamos em sérias dificuldades.
A reunião ainda continuou por várias horas, após as quais ficaram definidas as providências.

— — —

Há vários anos Salésio vivia tranquilo em Vila Talma, quase um chefe na localidade. O curandeiro nunca errara nos medicamentos para seu filho, que trazia seus traços, mas com os pelinhos a se espalharem pelo corpinho. Adorava o garoto e tratava o curandeiro como médico, dizendo:
— Você não fica a dever a qualquer doutor que conheci. Uma sólida amizade nascera entre eles.
Oda sentia-se a mulher mais feliz da Vila. Sua filha, não por desavença, voltara para a própria casa, onde também mantinha confecção com o marido. Os netos haviam crescido, constantemente estavam junto da avó, brincando com o tio que começava a descobrir o mundo.
Gat continuava como Guardião, levando uma pacata vida, sempre marcando ponto em sua taberna. Licos progredira tanto quanto Chato, este lhe conseguira mais ferramentas e ele fazia coisas que davam inveja aos colegas do ramo.
As luzes continuavam a iluminar as noites sem estrelas. Marino ao executar seu movimento de translação ficara numa posição que quase sempre mostrava o céu negro.
Tornara-se hábito para Oda e Salésio, passearem na pequena praça sob a claridade artificial, sempre com o filho.
Pena que tudo iria terminar, as águas a cada dia que passava, ameaçavam. Logo teria de retirar a turbina e o material, senão perderia tudo. O local onde as mulheres lavavam roupas já não existia, estava alagado.
Diariamente seguia até a praia, colocando marcações, até perceber que em pouco tempo a Vila seria invadida. Foi então que se comunicou com Jansen.

Os dias passaram, violenta tempestade assolou a Vila, ninguém morrera, mas casas ficaram destruídas e a lama tomou conta. Trabalhadores perderam plantações, as luzes de Salésio apagaram, a forte canalização para a turbina rompera.
Percebendo que era o fim, com a ajuda de amigos retirou a grande peça e a transportou para lugar mais seguro. Auxiliou moradores a consertar as casas, mas sabia que de nada valeria.
O barulho do mar já estava mais próximo. Os aldeões, assustados foram falar com o terrestre, que os tranquilizou dizendo que logo receberiam ajuda.
Há dias que se comunicara, começava a ficar preocupado. Já temia pela sorte deles, quando Gat chegou espavorido.
— Veja Chato, olhe isto daqui, entregando algumas folhas de papel a ele.
— É a planta de uma cidade, o pedido de evacuação da área onde fica a mata dos “lutis” e uma ordem real de desapropriação de todos os bens. Aqui também está uma orientação completa dos procedimentos que deve tomar, inclusive diz para que sejam construídas duas casas a mais que o necessário. Serão para terrestres que um dia virão para cá.
— Tenho cinco dias para evacuar as pessoas que possam residir na montanha, mas que saiba só o Licos, sua família e mais uns poucos lenhadores moram lá. Amanhã vou conversar com eles.
— Posso ir também Gat, todo meu serviço está parado.`
  
No dia seguinte foram procurar Licos, encontrando-o junto com seus homens, separando madeira.
— Olá amigos, vamos chegar, gritou o carpinteiro.
— Como vai Licos, cumprimentou Gat, depois Salésio.

Gat não fez rodeios, foi direto ao assunto, mostrando a documentação a ele. Ficou transtornado, ali era o local ideal para seu trabalho.
— Que adianta você ficar Licos? Para você entender que a situação é realmente séria, basta dizer que até retirei toda iluminação da Vila, inclusive a turbina. Em breve, tudo aqui ficará inundado, inclusive sua serraria. A saída agora não será por motivo das inundações, é para livrar você, sua família e seus homens de perigo. Certeza que vão bombardear as matas lá de cima.
— Bombardear, o que é isto?
— Como posso lhe explicar? Máquinas áreas destruirão as matas, haverá muito barulho, pedras poderão cair sobre vocês se ficarem aqui.
Depois outras máquinas para solo, acertarão o terreno para podermos construir nossas novas casas e ficarmos a salvos.
— Então o momento chegou, disseram que levaria mais tempo.
— Avisei a eles, já viu o mar?
— Tem razão, não é hora para discutir. Cede-nos um lugar para ficar Gat.
— Claro Licos, leve todos e avise outras pessoas que possam morar aqui perto.

Em casa, Salésio conversando com Oda, pediu para ajudá-lo a avisar os moradores que a qualquer momento ouviriam estrondos, para não se preocuparem.
O sol brilhava, enxugara a terra que ultimamente parecia uma massa mole, fazendo as pessoas afundarem os pés até os tornozelos.
A vila estava movimentada, os homens ainda não haviam voltado ao trabalho. As terras de cultivo estavam inundadas, ou haviam perdido a semeadura e teriam de esperar outra oportunidade.
A desolação estava nos olhares.
De repente, diante de um céu limpíssimo “trovões” abalaram a Vila. A população, já avisada, parou para olhar. Grossas nuvens de fumaça subiam do alto da serra, novas explosões aconteceram durante quase todo o dia, o cheiro do mato queimado chegava até eles.
Depois foi o roncar das máquinas, dia e noite, assustando homens e crianças.
Enquanto a terraplanagem era realizada, uma estrada descia a montanha em ziguezague. Para os Marinenses aquilo era incrível, alguns foram ver de perto e ficaram assombrados ao verem enormes árvores serem tombadas como se fossem pequenos arbustos.
Enquanto isto, Gat reuniu todos os habitantes na pracinha e explicou:
— Chegou o momento minha gente, tão logo terminem a estrada, vamos levar o que puder para cima. Reconstruiremos nossa aldeia.
Agora escutem! Cada família terá sua casa, poderão até desmanchar a de vocês e levarem parte do material, mas de preferência usaremos madeiras novas daqui de baixo. Serão todas iguais e de acordo com o desenho que recebi.
Construiremos as habitações em conjunto, todos ajudarão a construir a casa de todos, nos locais que indicar. Quando chegarmos lá em cima, entenderão.
Além das casas e do templo, duas outras serão edificadas por ordem do Rei. Nos repartiremos em dois grupos, um cuidará das plantações e dos alimentos e o outro das construções.
Um grupo de mulheres cozinhará e cuidará das crianças em cada turma, as que não forem necessárias ajudarão os homens.
Isto será uma guerra, com leis severas, embora para uma luta diferente, para a sobrevivência. Todos devem estar lembrados das aulas do treinamento, agora chegou o momento que tanto falaram.
Façam fila! Um por um chegue até a esta mesa, vou anotar os nomes e determinar o trabalho. Cada homem e cada mulher terá uma obrigação a cumprir. Não vai ser nem preciso perguntar se serão pagos, o que seria até um absurdo. É uma convocação para podermos nos salvar das inundações.
A partir de agora os direitos serão iguais, o que um comer todos comerão. Os alimentos serão requisitados e parte deles ficarão em minha casa, onde um grupo de mulheres cozinhará para o pessoal que irá plantar aqui em baixo. Outra parte será levada para o alto da serra, onde outras mulheres farão o mesmo para os construtores. Todas as casas serão vasculhadas e todo e qualquer alimento será retirado, para serem guardados num só local, que ficará sob vigia. Conforme fui informado, o racionamento será necessário.
Por ordem Real, qualquer transgressão deverá ser punida com a morte. Espero que em momento algum tenha de tomar tal atitude. Também, a partir de hoje, ninguém é mais dono de qualquer casa ou terras, até serem redistribuídas.
Depois dessas duras palavras, Gat sentou-se e separou folhas de papel, iniciando a seleção. Entre seus auxiliares incluiu o curandeiro e Salésio.
Organizado o pessoal, o guardião não esperou para o dia seguinte, imediatamente chamou os auxiliares, inclusive os novos, para a busca nas residências e retirada dos alimentos.
Encontraram alguns que se opunham, mas advertidos logo se calaram, sabiam que não podiam brincar. Por fim, um grande cômodo da forte casa ficou lotado.

Mais alguns dias depois, o crepitar de árvores tombando, próximo a Vila, chamou a atenção dos aldeões.
As duas gigantescas máquinas haviam concluído o caminho. Paradas, serviram de espetáculo para os incrédulos observadores, cujas mentalidades ainda não os permitiam entender como coisas como aquelas poderiam existir.
Campos, um dos maquinistas, desceu e veio ter com Gat e Salésio, dizendo-lhes:
— A estrada não é perfeita, mas já podem usá-la. O terreno está pronto, podem mudar a partir de agora se quiserem.
Temos que voltar, nos levarão para outro local.
Gat repetiu para todos que ali estavam, as palavras do terrestre, provocando aplausos e vivas.

Tudo organizado, a grande mudança teve início. No primeiro dia a população inteira da Vila subiu a montanha, muitos aproveitaram e levaram até algumas peças de madeira.
Dobraram o ponto mais alto e continuaram, até que se descortinou para eles um vasto e amplo campo, no qual a terra sobressaia como a dar um toque avermelhado no verde que se descortinava.
Estacas delineavam os lugares das futuras residências, do templo e da praça. Não precisariam fazer mais nada, só iniciarem a parte deles.
— — —

Sempre com a planta na mão, Gat tornara-se incansável, um forte a dirigir tudo. Salésio era seu braço direito nas decisões.
Licos montara sua serraria nas proximidades da nova vila que aos poucos se erguia naquele planalto.
Procurando água, encontraram um riacho, que dentro da mata, se direcionava para as encostas.
Salésio entregou os serras que guardara e todas as ferramentas úteis para o trabalho. O Carpinteiro preparava os materiais ou instruía o que fazer. Novas casas nasciam enquanto a primeira safra era colhida e estocada.
Não era fácil, mudanças climáticas repentinas agitavam a natureza. Ventanias que pareciam querer arrancar o que já estava feito, violentas tempestades, chuvas torrenciais, nevadas fora de tempo, tudo parecia querer dar fim naqueles seres que lutavam para se salvarem. E o mar cada vez mais ameaçador.
Vendo a situação, o Guardião instigava os aldeões para o trabalho incessante, mesmo diante das intempéries. O curandeiro tornara-se indispensável. Ajudado por Salésio, montou um “hospital” provisório no alto, para onde os doentes eram removidos.
Alguns perderam a vida na crucial luta, mas a nova Vila ficou pronta, tal qual a orientação de Kalil. Um dia de festa marcou a chegada do último habitante de baixo.
As águas revoltas atingiram as antigas habitações. Do alto muitos observavam o fim do lugar onde nasceram, enquanto as lágrimas desciam pelas faces cansadas.
A lei de unidade iria continuar por algum tempo, enquanto durasse as mudanças geológicas. Assim, devastaram a mata de uma boa área das terras seguras. Todos se revezavam nos tratos agrícolas.
De todas as construções a do templo merecia atenção especial. A orientação era para que fosse levantado com estrutura fortíssima. Que no interior houvesse muito espaço, o suficiente para conter a população. A finalidade era de servir principalmente de abrigo. Em cada nova localidade foi o último a ser terminado.

Em todo planeta os procedimentos foram semelhantes, aos poucos os homens saíram dos lugares de perigo e as novas Vilas se formaram, tanto em Suma quanto em Nogos. Veio a fúria dos elementos, mas as perdas foram pequenas. Assim, cumpria-se o prometido, os terrestres estavam salvando aqueles povos.

Nesta fantástica mudança, um princípio de modernismo dera início perto das duas grandes escolas. Em muitas construções foram utilizados os novos materiais.

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