domingo, 5 de outubro de 2014


CHATO COMEÇA A CONSTRUIR

Sancho falando com Joseli sobre a colocação de animais na superfície:
— Você já foi a Marino?
— Não, nem sei como é na realidade um Planeta.
— Bem, eu também não, mas vamos ter que dar conta da parte que fomos incumbidos.
— Como vamos começar?
— Pelo mais fácil, pássaros e galinhas. Cabem numa nave de reconhecimento. Na posição que estamos, a viagem será rápida. Quem explica ao Rei?
— Você Sancho, está mais acostumado com essas coisas.
— Bem, vou me comunicar com Tropo, já conversei com ele quando esteve aqui. Nós mesmos vamos para lá.
Sei que os nativos não possuem aves domésticas. Visitaremos algumas aldeias, levaremos explicações por escrito, de como cuidar e para que servem. Levaremos ração, caixas de pintainhos e frangos criados. Soltaremos alguns pássaros.
Sancho era pessoa decidida, não deixava nada para depois. Logo após a conversa com o amigo, se comunicou com o Rei, do qual obteve plena aceitação e autorização, pedindo inclusive que deixasse alguns no Forte.
Assim, ambos, auxiliados por Fusco foram para a sede do reino.
Como primeiro passo, contataram o Rei, que os acolheu muito bem, fornecendo-lhes algum dinheiro para poderem se locomover pelas vilas.
Foram apresentados a Jasun, que se identificou com eles. Por sua vez fora indicado por Tropo para cuidar das aves.
O servidor bem que gostou, teria algo para fazer.

Vale Verde fora a Vila que escolheram para iniciar o trabalho.
Embora já houvessem feito o primeiro e principal contato, não se sentiam integrados ao ambiente. Haviam guardado os engradados com as galinhas no quintal da casa dos instrutores. Charles os auxiliara, inclusive no transporte das aves, cujo volume era razoável.
Miriam não gostou, dizendo que estavam transformando sua casa num “zoológico”. Que não queria, que dessem um jeito naquilo.
Acontece que diariamente recebia a Rainha para as lições e aprendera a conhecer Vina, que gostava de limpeza e de manter a postura.
Que situação difícil aqueles dois a colocara. Não queria magoá-los mas estava irritada. Onde já se viu trazerem galinhas para sua casa. Ali não era lugar, depois, eram muitos engradados e o mau cheiro começava a exalar.
Por várias vezes fora ao Forte, percebendo que lá o ambiente era fino, muito limpo. Chamou Charles e disse:
— Como vai ficar isto? Até entendo, mas não vão ter condições de levar as aves de vila em vila, como pensam. Ainda se fossem só pintainhos! Não sei porque foram trazer galinhas também! Para mim uma idiotice. Falou a mulher com certa raiva.
Ligue o comunicador e fale com Regis!
— Acalme-se Miriam, o mundo não vai acabar por causa disto. Deixe-me raciocinar. Vou falar com eles.
Sancho e Joseli teriam escutado a conversa se tivessem chegado um pouco antes. Estavam cansados, não eram velhos, mas beiravam os quarenta. O primeiro possuía uma fisionomia atarracada, sem nada de beleza, mas simpático. Deixara a esposa e duas filhas, dizendo que ia passar um bom tempo na superfície. O outro, solteiro, as vezes um pouco desligado, se perdia em pensamentos. De feição alegre, sempre sorridente, alto e magro, o contrário do seu companheiro.
Enquanto esperavam os donos da casa, Joseli perguntou ao amigo:
— Você tratou das aves?
— Não tem como, estão nos engradados, joguei ração por cima. Nem água dei, não sei como fazer, vão acabar morrendo.
Nisto Charles entra com a fisionomia fechada, não percebendo, Sancho comenta:
— Não queria perturbá-lo, mas as galinhas estão com sede e fome, para tratá-las vou ter de soltá-las.
— Nem pense nisto, minha mulher teria uma crise! Ela já está apavorada por terem trazido os bichos para cá.
Vou tentar uma solução. Vamos falar com o Guardião Lutra, acredito que possa arranjar um local, mas vão ter de pagar.
— O Rei nos deu dinheiro, não sei se é muito, veja. E mostrou as moedas.
— É o suficiente para uns três meses, se encontrarmos lugar.

O dia estava pela metade, não fazia frio. Os três foram procurar o encarregado da Vila, por sorte logo o encontraram.
Charles explicou a situação, muito pronto, engrossou o grupo e saíram procurando casa com quintal fechado. Passaram muito tempo vasculhando a aldeia, até que a tardinha, um pouco afastada, encontraram o que queriam. Negociaram o pagamento com o dono. O instrutor ficou contente, ficara livre deles.
Lutra chamou alguns ajudantes e auxiliaram no transporte das aves e rações. Em agradecimento, Sancho deu ao homem galinhas, pintainhos e o papel com as instruções, o qual se viu muito bem compensado.
Resolvido o problema, o instrutor voltou para casa, enquanto os dois foram cuidar das aves. Viram então o grande número de pássaros num gaiolão. Em comum acordo, os soltaram.
Depois de um dia de andanças, estavam com fome. Foram então conhecer as dependências da casa que alugaram. Faltava limpeza, parecendo que permanecera fechada por um bom tempo.
— O que vamos comer? Perguntou Joseli.
— Galinha! Ração!
Esquecemos de trazer alimentos. Não posso nem xingar!
Vamos para a casa de Charles, fazer o que!
— Tudo está saindo errado. Faltou planejamento nosso.
Agora é tarde, “o que está feito, feito está”.
Será que a Miriam nos arranja um lugar para esta noite?
— E alguma coisa para comer, completou Sancho.
Foram para a casa de Charles, a escuridão já tomava conta da Vila, exceto por archotes espalhados em boas distâncias.
Bateram na porta, ninguém atendeu, estavam na reunião de treinamento.
Os dois, cansados, com fome e frio, tiveram de esperar por bom tempo, até que ouviram suas vozes. Estavam chegando, traziam lanternas e logo identificaram as visitas.
— O que aconteceu?
— Por favor Charles, estamos muito cansados e com fome. A casa que alugamos vai precisar de uma limpeza, não tivemos condições de ficar lá.
— Então entrem, vamos ver o que podemos fazer, temos mais um quarto e uma cama. Primeiro vou preparar alguma coisa para vocês, disse Miriam.
Estavam com muito frio, nem agasalhos adequados para a superfície haviam trazido. Entraram tiritando dentro da acolhedora casa.
Charles, vendo que a situação deles era bastante crítica, quis saber até onde havia chegado a ignorância:
— Vocês se preparam para vir para cá? Falaram com Corin?
— Não, respondeu Sancho.
— Pelo que percebi, não trouxeram alimentos, agasalhos, ... nada? Só as aves?
— É, até me envergonho de dizer. Mas é a pura verdade, respondeu Joseli se encabulando.
— E vieram para ficar algum tempo. Nunca participaram de treinamento, nem teoricamente entendem o modo de viver dos Sumanos. Nunca saíram da Roda e agora se vêem neste lugar que para vocês deve ser muito estranho.
Cabisbaixos, ouviram Charles, enquanto na cozinha Miriam preparava a refeição. Mas o instrutor não parou, sentiu necessidade de auxiliá-los:
— Bem, vou tentar organizá-los. Entendi o projeto de Regis, mas deveriam ter pensado um pouco mais antes de virem.
Vou lhes arranjar mantimentos e roupas, mas preciso da reposição. Vou escrever uma lista do que deverão pedir.
— Mas e a economia de combustível? Fusco disse que as viagens deveriam ser muito espaçadas, atalhou Sancho.
— Não há outra solução. Mas acho que tenho uma ideia. Um dos dois volta para a Roda, o outro fica cuidando das entregas aqui.
— Neste caso será melhor Sancho voltar, que é casado. Mas como vou fazer para viajar de Vila em Vila entregando as aves?
— Mas vocês iam fazer isto? Me perdoem, mas seria o maior dos erros. Não estão preparados e se perderiam em matas fechadas, que só os daqui conhecem.
— Mas, pensamos em arranjar guias.
— Tudo custa dinheiro, como iriam pagar?
— O que nos sugere então?, perguntou Sancho.
— Peça ajuda ao Guardião, ele fará o resto. Diga a ele que falaram com Tropo e que desejam distribuir parte das aves para outras aldeias. Não vai nem ser preciso saírem de casa. Chegarão um a um, breve se livrarão da tarefa.
Aquela conversa aliviou a tensão das visitas, que descontraídas foram se alimentar. Depois, conheceram o sanitário e foram se acomodar, não antes de agradecerem Miriam, que mudara a fisionomia, estava até arrependida da atitude que havia tomado.
       
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Enquanto os novos inquilinos do planeta pagavam tributos pela ignorância, Salésio na sua distante Vila, procurava colocar em prática seu audacioso plano. Jales e Júlia só viam ele nas refeições, assim mesmo, silencioso, perdido em seu mundo.
Naquele terceiro dia da volta do casal, novamente Chato levantara-se muito cedo e fora para a oficina, como passou a chamá-la. Sempre auxiliado por Gat, começou a montagem das engrenagens.
Estava em plena atividade, quando chegou Licos e um grupo de empregados. Entregou a ele algumas folhas com os desenhos das instalações a serem feitas, indo até o rio para mostrar detalhes. Acertado o início do assentamento dos suportes, voltou para sua tarefa.
Nem bem começara a juntar as armaduras metálicas, um rapaz estranho parou perto dele.
— Sou Clifo, genro da Oda, ela me pediu para ajudá-lo a levar uma máquina.
— Muito prazer Clifo, estendendo a mão ao moço, que não entendia muito bem aquele tipo de cumprimento, mas segurou a de Chato.
— Venha, ela está aqui. é um pouco pesada, mas acho que descansando pelo caminho, conseguiremos levá-la.
— Não vai ser preciso, trouxe um carro de mão, temos apenas que colocá-la dentro.
— Ótimo, então vamos.
Os dois, carregando aquela coisa estranha para os moradores, ficaram alvo de olhares curiosos. Um grupo de crianças acompanhou e tentava ajudá-los. Depois de atravessarem as estreitas ruas, se direcionaram para o lado do rio, onde a mulher morava.
— Oda, aqui está o que lhe prometi, abrindo o estranho objeto.
Depois do almoço, vou trazer linha e ensiná-la como fazer.
Oda e a filha olhavam a geringonça de ferro, sem nada entenderem, enquanto os netos pulavam em volta.
Salésio ficou conhecendo Pima, muito parecida com a mãe, apenas diferenciando-se pela juventude. Tanto ela quanto o rapaz o trataram bem.
O terrestre voltou várias vezes para ensinar Oda, que pouco a pouco foi entendendo o manejo daquilo. Em pouco tempo estava costurando, achando uma maravilha o desempenho. O que levava uma semana para executar, passou a fazer em poucas horas.
Salésio por sua vez, após as aulas de costura, passava o restante do tempo acompanhando e instruindo as obras que Licos e seu pessoal iam elaborando. Usando as ferramentas doadas, tudo era feito com rapidez. As toras foram transformadas em tábuas perfeitas e já cobriam a plataforma onde seria colocada a pequena central.
Teve de mudar sua ideia original, a roda d’água não se enquadrava no material recebido, partiu para a canalização em madeira grossa, que se afunilava para entrada na turbina, tipo caramujo, bem avantajada.
Tudo ia tomando forma, ficando somente a montagem do canal inicial de acolhimento na cachoeira.

O tempo foi passando e a obra estava prestes a ser concluída, a “casa das máquinas” ficou como queria. Por fim, o carpinteiro completou o trabalho, o canal descia da cachoeira e ia até a casa de madeira, certinho, conforme Salésio desenhara. A caída era muito boa, quando a água viesse atingiria o centro rotativo com muita força.
— Licos, o serviço ficou ótimo. Sinceramente não esperava que conseguisse uma junção tão perfeita. Está de parabéns. Por ora, seu trabalho terminou, quando for ligar a água lhe chamo.
— Fico aguardando.

Naquele período da construção, por vários dias Salésio não visitou Oda.
Ela já não ia ao rio, dispensara aquele serviço e até as próprias roupas estava pagando a uma amiga para lavar. Não vencia as encomendas de roupas, com sua máquina o resultado era outro. Estava orgulhosa de possuir aquilo. Passava o dia pedalando e vendo a grossa agulha fazer tudo. Foi num desses momentos que parou e olhou o fugidio homem.
— Até que enfim aparece. Prefere mais mexer naquelas coisas que vir conversar um pouco comigo.
— Oda, enquanto não ver as luzes brilhando neste lugar, não terei sossego. Mas hoje vim disposto, só espero que não se aborreça com o que vou propor.
— Fale homem! Não me deixe aflita.
— Quer se casar comigo?
— Mas já sou velha, tenho até netos.
— E sou por acaso moço?
— Faz tão pouco tempo que nos conhecemos. Sei lá de onde você é, nem é peludo.
— Mas o que diz seu coração?
— Diz para segurar você. Sonho quase todos os dias com você me falando isto. Eu quero sim, mas primeiro preciso falar com minha filha.
Pela primeira vez os dois se abraçaram como homem e mulher, um beijo selou aquele compromisso.
Salésio saiu tão contente, que quebrando seu hábito foi para a taberna comemorar. Lá encontrou Gat, que era um assíduo frequentador. Conversando com ele perguntou:
— Como se faz para se casar aqui?
— Que pergunta Chato, vai me dizer que está querendo alguma mulher daqui.
— Você já sabe, é Oda, hoje a pedi em casamento. Só que não sei como é o costume sumano.
— Bem, primeiro você tem que falar com o Skan, ele chamará os dois para uma longa conversa. Se concluir que poderão se unir, nova conversa marcará para dois meses depois, quando aprovará ou não. Agora, tem uma coisa, depois de falarem com Burin, não poderão se encontrar até quando voltarem à presença dele, se um ou outro contrariar não haverá cerimônia.
— Já aconteceu de alguém não respeitar?
Que saiba, ninguém. É uma regra que todos levam muito a sério.
— Bem, vou ter de ficar dois meses longe dela. Falou em tom preocupado o terrestre, quase sem pensar.
De qualquer forma, saiu de lá muito feliz, afinal, aproveitaria o tempo para assentar os postes e estender a fiação.
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Na sede do Reino de Suma, Sancho e Joseli continuavam a amargar seus erros, cometendo gafes, uma atrás da outra. Estavam aprendendo a viver no planeta da maneira mais difícil, mesmo com a ajuda de Charles.
Depois daquela primeira noite, voltaram para a casa que alugaram. Até como lidar com os archotes se embananaram.
No cômodo onde estava o vaso sanitário, o mal cheiro era insuportável, o vasilhame estava a transbordar. As comidas que faziam eram intragáveis, também pudera, nunca haviam entrado numa cozinha para fazerem qualquer alimento, isto na espaçonave; agora, terem de utilizar um fogão a lenha, estava além da inteligência deles.
— Como vamos fazer Sancho? Não aguento nem entrar lá, apontando para o cômodo fétido.
— Temos de despejar aquilo em algum lugar. Onde?
— No rio. Mas fica bem longe daqui.
Tive uma ideia, podemos fazer um buraco no quintal, jogar dentro e depois tampar. Temos as pás de limpar aviários.
— É isto mesmo, e foram procurar um lugar perto da cerca.
A terra não era dura, estava bem úmida, havia chovido.
Cavaram um buraco fundo, mais que o suficiente, enquanto a galinhada fazia estardalhaço. Em seguida voltaram para levar a redonda peça de madeira, bastante pesada pelo conteúdo.
 — Pegue deste lado, eu pego do outro, disse Joseli.
 Assim, andando de costas, Sancho empunha uma beirada e o amigo a outra. Atravessam a cozinha, descem a porta, enquanto o odor lhes penetra as narinas. Cerca de quarenta metros distava o buraco que fizeram. O gordinho continuava a dar os passos para traz, já haviam atingido mais da metade do caminho, quando:
— Cuidado Sancho! Segureee!!!
— Plaft!!! Plaft!! Poof!!
As galinhas nem esperam o pobre homem se levantar. Sancho chorava que nem criança, maldizendo a vinda para o planeta. Joseli foi buscar um pote com água e jogou nele, procurando aliviá-lo de parte da imundice.
— Tire a roupa e deixe ai mesmo, não toque em nada, espere no banheiro que vou te ajudar. Primeiro vou procurar colocar tudo isto no buraco. Veja se tem algum dinheiro nos bolsos e o que quiser salvar, tire e coloque de lado. Vamos! Antes que alguém venha para cá!
Joseli ainda teve presença de espírito, raspou o que podia junto com a roupa, jogou tudo na pequena vala, cobrindo-a depois. Em seguida foi ajudar o amigo, gastando todo precioso líquido que encontrou, mesmo assim o homem ainda ficou “cheiroso”.
Dois dias depois, Charles foi até a casa deles e tomou conhecimento dos problemas que estavam enfrentando.
— Preciso que me desculpem, esqueci de orientá-los sobre a latrina móvel. Neste aspecto, a população é cuidadosa, diariamente são trocadas pelos membros da limpeza. Retiram uma e colocam outra, isto para quem paga. Para quem não quer gastar, tem de levar ao fossão, onde faz a entrega e traz a limpa. O Guardião não pode saber que enterraram no quintal, no sistema de higiene deles não é permitido. Por sorte vocês moram afastados e ninguém percebeu.
Outra coisa que devem saber. Apesar de não parecer uma cidade, como conhecemos, há exigências de limpeza das casas e quintais. Utilizam o lixo ou parte dele para cultivo.
— Como devemos fazer? Será que também é dentro de sacos apropriados?, disse Joseli com ironia.
— Não, mas devem amontoá-lo na frente da casa, alguém com uma carroça de mão passará para retirá-lo.
— Vejo que estão muito abatidos, parece que não estão se alimentando direito. Hoje na reunião, vou ver se consigo que alguma mulher venha cuidar da casa e da comida para vocês.
Mudando de assunto, já falaram com o Guardião sobre a distribuição das aves?
— Já, mas até agora não veio ninguém.
— Não se preocupem, eles virão buscá-las. Outra coisa, já se comunicaram com a astronave?
— Não, também esquecemos de trazer o comunicador.
— Então coloquem mais isto na lista e utilizem o meu. Esperem, pensou um pouco e disse: Vamos para minha casa, faremos a lista em conjunto, três pensam melhor que dois.
Já deram ração às aves?
— Já, responderam.
— Então, fechem a casa e vamos.
Chegando na residência de Charles, este os fez sentarem junto a uma mesa e lhes entregou folhas de papéis e canetas.
— Façam uma relação de alimentos que desejam, roupas e de tudo que acharem necessário. Enquanto isto, vou fazer a minha, de coisas indispensáveis.
Terminadas as listas, o instrutor analisou os pedidos, acrescentando, retirando ou alterando, principalmente as quantidades. Depois leu a lista dele, explicando os motivos para cada item, tais como comunicador, barraca de campanha, lanternas e vários outros objetos. Passando tudo para uma única relação, disse:
— Agora Sancho, ligue o comunicador e fale com Jansen. Explique que tem necessidade de voltar, que aqui já está organizado e que o Joseli vai tomar conta do trabalho na superfície, que você fará o controle dos animais lá. Peça mandarem a nave dentro de quatro dias e que coloquem nela as mercadorias desta lista.
Sancho entrou em contato com Jansen e fez tudo conforme fora instruído.
— Bem, amigos, agora está quase tudo resolvido. Como já disse, na reunião vou falar com Tana, é uma mulher forte, me parece que está a procura de emprego. Acredito que amanhã cedo ela já estará lá. Seria bom que dessem uma arranjada nas coisas, retirem os pintainhos da sala e coloquem em outro cômodo, limpem as sujeiras, para causar boa impressão. As pessoas daqui gostam de limpeza.
— Agora estou entendendo porque colocou material para montagem de barraca, será para mudarmos os aviários que estão na casa para o quintal.
— Justamente. Procurem deixar bem limpa a casa hoje, de amanhã em diante, acredito que ela esteja lá e passará então a fazer o serviço. Não se esqueçam, o trabalho dela não será gratuito. O tempo aqui não é contado por meses, cada dez dias é um período.

Sancho e Joseli finalmente estavam calmos. Charles conversou com algumas pessoas do lugar e conseguiu bastante água. O dia estava pela metade quando iniciaram a árdua tarefa. Coisa que também nunca haviam feito.
Bem ou mal, ao escurecer, tudo estava no lugar e limpo. Estavam com fome, Joseli se prontificou para cozinheiro e foi cuidar do fogão. Com muito custo acendeu a lenha e colocou na panela de ferro um pouco de cada coisa que ganharam, por último o sal e bastante água.
Com archotes acesos, colocaram a “gororoba” na mesa e comeram aquilo.
Naquela noite, mal deitaram e o pesado sono os dominou, só acordaram com as batidas na porta. Era Tana que viera para iniciar o serviço. Cumprimentaram a mulher e ela respondeu, sem nada entenderem. Entrou e de imediato foi arrumando as camas e dando ordem nas coisas.
Logo em seguida chegou o homem do sanitário, fazendo o seu habitual trabalho. Charles também providenciara.
Pela primeira vez, sentiram que as coisas iam funcionar.
Durante a parte da manhã, cuidaram das aves, que até então estavam entregues a própria sorte. A única coisa que faziam era a colocação de ração em vários pontos. Os pintainhos estavam maiores, se não viessem buscá-los, onde colocariam tantos frangos? Em breve teriam de ser soltos dos aviários.
Consertaram alguns vãos da cerca. Ração havia bastante. Aproximadamente no horário do almoço, deram por terminada a tarefa. Vários ovos estavam espalhados, Sancho os recolheu em um saco, lembrando-se de falar ao amigo:
— Leve eles para dentro e entregue alguns para Tana fazer para o almoço.
Joseli atendeu e fez o que lhe fora pedido.
Tana pegou os ovos, olhou e os colocou de lado. O terrestre não esqueceu de mostrar por gestos que eram para comer.
Ambos tomaram banho, trocaram de roupa e ficaram aguardando a hora da refeição. O cheiro que vinha da cozinha os inebriava. Por fim, ela veio e lhes indicou a mesa.
Felizes, sentaram e se preparam para saborear a deliciosa sopa, o branquíssimo arroz e as demais misturas. Optaram por iniciar com o caldo, muito atraente. Encheram suas tigelas e com as colheres que ganharam de Miriam, tomaram a primeira e:
— Urruofff! Crec, Crac! Tuff!! Por sorte a cozinheira não estava por perto, havia saído um pouco.
— Você não mostrou a ela como devia fazer com os ovos?
Ela os colocou inteiros na sopa e os macetou!
— Só fiz entender que era para o almoço. Pensei que soubesse o que fazer. Vou reclamar.
— Não vai não. Como ia saber se nunca fez um ovo?
Vamos fazer de conta que tudo está muito bom. Pegue as tigelas e despeje para as galinhas.
Feito isto, deglutiram quase todo o restante da comida.
Quando Tana voltou, sorridentes, demonstraram satisfação.

— — —

Aqueles pioneiros, nem por sonho pensavam em serem famosos, estavam lá por força do destino. Davam os primeiros passos de humanos naquele mundo.
O principal responsável por aquelas conquistas iniciais era obviamente Regis, coordenava com muita propriedade o relacionamento com o povo de Marino. Sabia claramente que os professores formavam o elo de pesquisas que necessitava. No entanto, ainda eram estagiários e não efetivos na superfície, como queria. Sua primeira vitória estava em Salésio, mas intuitivamente esperava que os distribuidores de aves também optassem pela vida no solo.
Estava ele em suas conjecturas, quando deparou com o grosso envelope que Corin lhe entregara e que fora trazido por Suni. Percebendo que eram mapas, não dera muita atenção, só depois que terminou as habituais análises, resolveu verificar.
Retirou todos os demais documentos de sua mesa e começou a abrir as grandes folhas. A medida que ia se inteirando das anotações nos mapas, foi se interessando. Olhou rapidamente e chamou Jansen.
— Mandei chamá-lo porque recebi alguns mapas de Sato e quero que veja.
O perito em sensoriamento examinou uma a uma as folhas, depois observou:
— Como ele conseguiu tudo isto? É incrível!
— Pois é, Jansen, cada vez me convenço mais que estamos lidando com pessoas inteligentes. E o caminho será realmente nos misturarmos com eles. Veja que os cálculos estão perfeitos, levantou muitas áreas fora de risco.
Sabe por que ele fez isto?
— Para nos ajudar no trabalho?
— Não, para confirmar nossas intenções. Astutamente deixou isto claro na carta que me enviou. É um homem franco e muito honesto, depois de descobrir a sinceridade daquilo que estamos fazendo, se entregou totalmente, nos oferecendo todo apoio que estiver ao alcance dele. Mais ainda, conta que esteve com Tropo, incentivando-o a aceitar nossa ajuda.
É um Rei que está na função errada, na realidade é um geólogo e topógrafo dos melhores. Fez tudo o que está vendo, sem qualquer instrumento, enfrentando o frio de regiões que nunca haviam sido visitadas.
— Pensando bem, porque será que ainda não se desenvolveram?
Estou perguntando, mas acho que tenho a resposta. Levantei as jazidas minerais do Planeta, quase todas estão cobertas de gelo, na faixa habitada possuem apenas minérios de ferro e um pouco de ouro.
— Vou mandar-lhe um presente. Mande fazer uma verificação de todo material que possa ser utilizado por ele. Também vou lhe enviar convite para vir fazer um período de pesquisas aqui, nos avisando quando desejar. Aproveite a nave que vai levar alimentos para Joseli.
Ainda sobre Sato, o material que nos enviou parece poder ser aproveitado.
Jansen concordou e completou:
— O mapeamento é excelente, envolve aspectos vitais que estavam sendo desconsiderados. São coisas que nem as máquinas do Tenente poderiam fornecer.
Mudando de assunto, o que me diz sobre o Sancho voltar?
— Apesar da confusão que devem ter aprontado, confio neles e acredito que logo se organizarão. Vamos dar tempo ao tempo.

— — —

Em Vila Talma, Salésio completara a pequena usina. Licos ligando a última peça de canalização, fez a água jorrar pela forte armação de madeira. Era só abrir a comporta para o teste inicial.
Chato convidou os amigos, que não eram poucos. Instalou lâmpadas na casa das máquinas e, na presença deles puxou a alavanca que dava entrada do líquido para a turbina. Em segundos, as luzes brilharam, para alegria de todos.
Aquele fora o dia mais alegre de sua vida, no seu entusiasmo abraçou Oda e recebeu cumprimentos.
Faltava a última parte, colocação dos postes e extensão das linhas para a iluminação que pretendia. Mas este trabalho não estava enquadrado na prestação de serviço do carpinteiro.
Jales, a esposa e Salésio, depois da comemoração, voltaram para casa. Chegando, o professor disse:
— Precisamos falar com você, olhando para Chato.
— Fiz alguma coisa de errado?
— Não, que é isto! Estamos muito contentes de tê-lo junto de nós.
Há um porém, que você precisa saber. Dentro de três meses vamos ter de mudar.
— Mudar? Perguntou instintivamente.
— Vamos para a próxima Vila, me parece que o nome é Orin, também a beira mar, fica a sessenta quilômetros daqui. Não vai ser difícil nos visitar. Hoje na reunião, vou começar a preparar os aldeões.
Você sabe que a casa que nos cederam é mantida por Gat, com dinheiro que o Rei lhe entrega. Logo que sairmos, a propriedade volta para os donos. Neste aspecto são iguaizinhos aos terrestres. Como você decidiu ficar definitivamente aqui, o que vai fazer?
— Me casar com Oda. Já pensei em tudo, vou auxiliá-la na confecção de roupas. Poderemos ganhar bom dinheiro.
— Por esta não esperava! Exclamou Júlia, surpresa.
— Verdade Júlia, encontrei aqui uma pessoa que entende e me completa, apesar da minha idade. Amanhã vamos falar com Burin, fiquei sabendo que depois desta conversa não poderemos nos encontrar por sessenta dias.
— Minha vizinha me contou como é, somente depois desse tempo que é marcada a data.
— Justamente, e aí é que entram vocês.
Gostaria que fossem meus padrinhos.
— Com muita honra, respondeu Jales. Mas você não fica preocupado de viver sozinho em meio a este povo bastante diferente de nós?
— Você mesmo viu, me tratam como se fosse igual a eles. Sinto-me mais em casa aqui do que na astronave. Para ser sincero, estou muito feliz.

Gat já estava habituado a ser acordado pelo amigo. Todos os dias, mal o sol nascia lá estava ele na “oficina”. Naquele dia, no entanto, não fora para trabalhar. Sentando numa das caixas ainda fechada, ficou esperando o Guardião, que não demorou.
— Hoje não vim para mexer no material, preciso lhe falar.
— Do que se trata Chato?
— Do assentamento dos postes para colocação dos fios, até chegarem ao centro da Vila.
— Em que posso ajudar?
— Em tudo Gat. Meu trato com Licos terminou, não tenho dinheiro para pagá-lo e não posso distribuir o resto das ferramentas, porque posso precisar delas.
— Não se preocupe, tenho uma reserva que o Rei me deixou, o resto consigo com amigos. É só mostrar como serão esses postes, quantos deles e hoje mesmo vou conversar com o carpinteiro.
Salésio já estava com tudo em mãos, passou os papéis para o guardião e agradeceu. Não podia acompanhá-lo, estava até melhor vestido para falar com a noiva.

Oda já o esperava, colocara a melhor roupa. A filha e o genro sorridentes também aguardavam o homem do céu, como diziam. Assim, sem qualquer imprevisto, os dois foram para o templo do Skan. Burin, que já havia sido avisado, também os esperava. Mandou sentarem em duas cadeiras ao lado dele e começou:
— Será a primeira união neste mundo de uma mulher nascida aqui, com um homem vindo de outra estrela. Vocês pensaram bem nisto? Por outro lado, vendo e ouvindo as explicações diárias, entendi que não possuem diferenças físicas, que apenas temos pelos devido ao frio de eras passadas. Portando vou considerá-los iguais.
Em seguida começou uma série de perguntas habituais do sistema religioso, depois passou para um enorme conjunto de recomendações, sendo a última:
— Agora estão dispensados, você deve levar sua futura mulher para a casa dela, não poderá visitá-la por sessenta dias. Terminado o prazo, irá buscá-la para novamente virem a mim.
Terminada aquela espécie de cerimônia, Salésio cumpriu a ordem do Skan e voltou para casa, onde passou o resto do dia.

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Em Vale Verde Joseli e Sancho estavam a volta com as galinhas, quando Tana fez sinal para eles. Um estranho os estava esperando. Viera buscar algumas aves. Era o primeiro a chegar, sobre um coni, portava rústicas gaiolas.
Por sorte tudo estava escrito na língua dos nativos. Assim, passaram o papel para ele, que entendeu claramente, fazendo sinal afirmativo com a cabeça. Ajeitaram galinhas e pintainhos nas improvisadas embalagens. Com muito custo conseguiram fazê-lo entender que devia informar o nome da aldeia. Depois disto, agradeceu por gestos e partiu.
Sancho abriu o caderno e anotou a primeira entrega.
Ainda, naquele mesmo dia, outro nativo chegou e levou alguns exemplares. Começava a funcionar o processo de distribuição.
Contentes continuaram a lida com as aves. Os ovos dia a dia se acumulavam.
Resolveram comer alguns, só que desta vez explicaram a Tana como faze-los, quebrando um num prato e atirando a casca no lixo.
A cozinheira entendeu e fritou alguns, por insistência deles, também experimentou e gostou muito.
No dia seguinte, Sancho, Joseli e um nativo numa carroça com dois conis foram para o local que se tornara espaço-porto. Esperaram algum tempo, até a nave descer.
Após todas as mercadorias serem colocadas no veículo de madeira, o piloto entregou a Joseli uma caixa especial endereçada a Sato. Sancho, despedindo-se do amigo entrou e se acomodou.
Joseli iria iniciar dali em diante uma nova existência.

Os dias passaram, a empregada vendo as dificuldades que o esquisito homem enfrentava, passou a ajudá-lo, ensinando-lhe algumas palavras do idioma. Aos poucos, aquela mulher bastante vivida, dedicada ao trabalho, foi se familiarizando com o terrestre. Vendo a quantidade de ovos que se acumulava, partiu dela a ideia de vendê-los.
Tana era um tanto obesa, mas muito ágil. Todos os dias, segurando duas cestas com ovos, saia e voltava com elas vazias, entregando o resultado da venda para Joseli, que imediatamente lhe dava vinte por cento.
Resolvido como se sustentar, o terrestre se tranquilizou, não que lhe faltasse alimentos, mas lhe era importante ter um ganho.
Certo dia, conseguiu perguntar a Tana se comiam aves. Respondeu que somente aqueles que tinham muito dinheiro, podiam gastar pagando caçadores. Que já havia feito um pássaro para o Guardião, foi então que escolheu um bom frango para almoçarem.
Joseli agira propositadamente, percebera que Tana gostava de um bate-papo com as amigas. Naturalmente iria contar sobre o sabor da carne, como de fato ocorreu. Fez então uma separação nas galinhas, metade para doação e o restante para criar ali mesmo. Devido ao frio de Marino, fez coberturas para abrigo noturno delas.
Os meses passaram, Sancho periodicamente entrava em contato com ele, apoiando o que estava fazendo. Num dos contatos Joseli observou:
— Sancho, o sistema funcionou muito mais do que possa imaginar, sou um comerciante e não um encarregado de distribuição. Estou ficando muito conhecido, tive que alugar um terreno próximo e fechá-lo. Fiz galpões de criação, com as próprias galinhas chocando. Conservo as fêmeas e vendo os frangos. As doações diminuíram, raro é a vinda de um representante de Vila. Tana tornou-se responsável direta pelas vendas, hoje só cuida disso.
— Estamos muito satisfeitos com o que vem fazendo, mas Regis disse que está na hora dos porcos.
— Fale para ele, que na minha opinião, cada produto animal deverá ter um encarregado, ou mais. O comércio das galinhas é um exemplo. Diga também que pelos cálculos que fiz, estou reservando-lhe quarenta por cento do que arrecadei até agora.
Estou comprando um tipo de cereal comum aqui para servir de ração, até me mandarem o concentrado.

Quanto aos porcos, seria oportuno enviarem para Catun. Já entendo um pouco a língua, resumindo, estão enciumados por termos escolhido o território de Suma.

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