domingo, 5 de outubro de 2014

OS HUMANOS COMEÇAM A ENSINAR OS MARINENSES


Para a Central, a primeira parte do plano estava completa, passariam então para a descida dos professores e remoção das crianças. Utilizariam os grandes transportadores até então nunca retirados das bases. O gasto de combustível seria considerável, mas as reservas já haviam sido estimadas.
Aguardariam apenas o comunicado de Tropo para levarem os instrutores.
Enquanto isto, nas aldeias, as acomodações eram preparadas.
Os aprestos eram em ambas as partes. Na astronave, Regis, redistribuiu funções. Cada cinco componentes do grupo ficaram responsáveis por um setor. Assim, a equipe de Jansen, pelo mapeamento, comunicação e sensoriamento; a do Padre Santos, auxiliado por Corin, pela seleção e instrução dos professores de superfície; a de Sancho, auxiliado por Joseli, pelas acomodações das crianças e adolescentes; a do Tenente pelo uso das naves e transporte.
Toda Roda foi envolvida no processo, iniciou com mensagens na TV, convidando jovens casais, sem filhos, para viverem temporariamente em Marino:
— Sejam professores em Marino, se aceitarem, estarão construindo nosso futuro. Não digam não neste momento importante, se apresentem ao Padre Santos.  
A chamada teve muito efeito.
Os casais se enfileiraram em maior número do que o necessário, havendo sido possível a retirada dos mais idosos.
Numa primeira seleção, duzentos e cinquenta homens e mulheres, estavam definidos para o treinamento. Porém, Corin, a peça mais importante na orientação, conhecedor dos hábitos de seu povo, optou por nova triagem.
Para cada casal, expôs os aspectos negativos de viver na superfície, fazendo questão de exagerar, principalmente quanto ao frio. Falou das noites escuras, sem luz, sem televisão e sem qualquer conforto que desfrutavam. Desta forma, acabou tendo de eliminar alguns pares, mas entrevistando os que haviam sido dispensados, conseguiu completar o quadro.

Em Marino, Sato tomara atitudes iguais as de Tropo, convocando seus governadores. Também, diante da incredulidade, teve que mostrar objetos terrestres. Por estar atrasado em relação ao Rei vizinho, exigiu rapidez nos procedimentos.
Ambos Chefes das Nações, se uniram nas providências, entre as quais, as ordens assinadas. Assim, em ambos países, os guardiões das vilas escolhidas, receberam o mesmo comunicado oficial:
Um homem e uma mulher, sem pelos, de um lugar distante, chegarão em sua vila para ensinar. Deverão ser tratados com muito respeito. Uma casa deverá ser cedida ou construída, para se acomodarem durante o tempo que ficarem. Não deverão ter medo, não lhes farão mal. O Chefe de aldeia ficará responsável pelas suas vidas, perdendo a própria se forem agredidos ou mortos.

A notícia se espalhou, quase formando pânico. Os comentários diziam serem homens do céu, o que apavorava aquela gente. Mais ainda, teriam de aceitá-los, por ordem do Rei.

Na Roda, Corin tornara-se figura central em tudo que se referia ao seu povo. Seu tempo e o da esposa estavam tomados. Silas auxiliava o marido no centro gráfico, enquanto o filho era cuidado por um grupo de moças. Milhares de volumes estavam sendo preparados na linguagem dos aldeões. Cartilhas, livros com ensino das duas línguas e outros de conhecimentos gerais. Material indispensável para iniciar os novos alunos.
Para facilitar ainda mais, se adaptara ao sistema de processamento conseguindo reativar o processo poli linguístico, introduzindo o idioma dos peludos com os caracteres próprios, o que permitiu traduções e versões com rapidez.
Como se não bastasse seu trabalho e o de Silas na preparação didática, suas palestras eram indispensáveis no treinamento do pessoal que seguiria para a superfície.
Não exigiam pagamento pelo que faziam, mas a Central os gratificava generosamente.

Os casais estavam prontos, apenas aguardavam o início das orientações. Vinte soldados também participariam. Permaneceriam em dois postos, um em cada nação, para apoio aos professores.
O marinense não achava oportuno a descida de militares, poderia trazer aborrecimentos, principalmente se viessem a ferir algum nativo. Falou com Regis, uma reunião foi realizada, mas uma votação anulou seu propósito. O Tenente Fusco, acabou convencendo os participantes.
Resolvido o problema, os voluntários foram chamados para o treinamento.
Com a sala repleta, Corin apresentou-se ao lado de Silas, cumprimentou a todos e iniciou:
— Da mesma forma que estão nos vendo, vocês deverão proceder. Somos de lá, conhecemos nosso povo, portanto é importantíssimo que leiam e releiam o manual que preparei para vocês. De cada palavra, de cada vírgula vai depender o sucesso de cada um. Devem decorá-lo e entender com exatidão. Verão que não vai ser difícil, mas no dia a dia não modifiquem, até se integrarem ao meio.
Tenho certeza de que quando chegarem ao local definido, uma casa lhes será entregue, será a primeira coisa que farão. Não dirão nada e vocês também nada devem comentar. No dia seguinte estarão esperando na maior construção local, não faltará ninguém, até crianças e velhos serão levados, isto porque estarão cumprindo ordem Real.
Onde vão morar, lógico que o conforto é mínimo, comparado ao que possuem aqui.
Os tipos de construções: de pedra, de madeiras ou de tijolões. As paredes são grossas para proteção do frio no inverno. Vão encontrar fogão e lenha para aquecer o ambiente e fazer as refeições, bem como um grande botijão para água. O teto é vedado com telhões de cerâmica, pedra ou madeira. A cama é rústica, panos grossos costurados a mão na forma de grandes sacos, com enchimento de fibras macias ou folhas, servem de colchões. Num cômodo a par com o quarto, vão encontrar uma grande vasilha de madeira para os banhos e o “sanitário”, um recipiente com tampa para as necessidades. Possui uma alça para ser carregado para o fossão. Este trabalho geralmente é feito pelo dono da casa, mas alguns pagam e uma vez por dia um membro do serviço do guardião faz a tarefa e devolve a “bacia”.
Enquanto falava, Silas ia mostrando em slides as fotos ou desenho do que ia sendo dito. Depois de mostrar em detalhes a realidade para os participantes, Corin observou:
— Diante dos fatos, o casal que desejar desistir, deverá fazê-lo agora, ainda temos interessados que poderão substituí-los.
Serão pioneiros, terão seus nomes registrados como os primeiros a viverem no solo de Marino, mas entendam, não poderão voltar antes de um ano. O gasto de combustível é grande, dele, no futuro, vão depender as duas raças.
Os casais, por sua vez, não estavam alheios ao que iam enfrentar. Podiam não conhecer com profundidade, mas sabiam que os marinenses eram primitivos e que nenhum conforto os esperavam. Ninguém se manifestou e a palestra teve sequência.
— O essencial foi dito, vamos agora comentar sobre os outros seres do planeta.
Um murmúrio encheu a sala, logo abafado pela voz do palestrante:
— Esperem, falo dos animais, dos bichos de maneira geral. Neste tempo que convivo com vocês, tive a oportunidade de conhecer a fauna terrestre, através de filmes. Também vi que uma infinidade de insetos proliferavam na Terra.
Encontrarão poucos animais em Marino, temos o Trelo, quase igual ao carneiro de vocês, muito peludo, são usados para fornecer leite, tecidos e carne. Depois vem o Coni, nosso cavalo, existem vários tipos, mas recebem o mesmo nome; servem para puxar carros e toras, para montaria, é indispensável aos aldeões. Aurun é o nosso cachorro. Não temos gatos nem ratos. O Quali, parece com a anta, criamos para nossas reservas de carne e gorduras. Squips são os peixes em geral, muito utilizado na alimentação. Pássaros grandes, geralmente caros, são vendidos por caçadores.
Continuou por algum tempo descrevendo animais domésticos e depois os ferozes. Quanto aos insetos, observou que não eram muitos, devido ao frio, mas não deixavam de existir nas grandes fossas.
Falou sobre a vegetação, sobre os cereais e capacidade produtiva, sobre o tipo de comércio, sobre a produção de ferro, utilizado na fabricação de armas, utensílios domésticos e agrícolas.
Observou também que a diferença com a Terra era a de não terem passado pela idade do cobre e bronze, mas conheciam o vidro e a cerâmica.
Depois de uma amostragem completa, Corin, após um descanso passou a palavra a Silas, encarregada de orientar sobre os aspectos sociais.

— Quando nos estabelecemos aqui, sentíamos muito calor, principalmente devido aos pelos que cobriam nossos corpos. Como podem ver, estando sem eles, somos iguais a vocês.
Como já sabem, Marino está em processo final de glaciação. Nossos ancestrais sobreviveram no gelo, com o auxílio da natureza.
Na região onde vivemos não seria tão necessária a cobertura que temos. Existem até pessoas desprovidas de pelos ou com pelagem rala, mas são raras. De qualquer forma, esta herança ainda nos seguirá por muitas gerações.
Quero dizer com isto, que na superfície vocês vão lidar com seres tão humanos quanto vocês, com as mesmas necessidades, sonhos, desejos e medos. Ressalvado os graus culturais, a população não é tão primitiva quanto parece.
O grande erro, cometido no passado e que perdurou até bem pouco, foi o constante estado de guerra. Todos já estavam cansados e precisavam de um motivo para parar.
Temos leis e um sistema escolar, em cada aldeia existem professores que ensinam em suas próprias casas, portanto a maioria sabe ler e escrever. Temos direitos e deveres, e sobre eles a ordem Real, que não é discutida mas simplesmente cumprida. Por este motivo, não encontrarão problemas, mas não se esqueçam que os guardiões serão vigilantes e informantes.
O sistema familiar está lastreado na monogamia, o homem geralmente trabalha na agricultura e a mulher cuida dos filhos, da casa e da tecelagem. A medicina é praticada por curandeiros, que ministram drogas e raízes, geralmente alcançando bom resultado. São orgulhosos do que fazem, evitem interferir, sempre será preferível o oferecimento de préstimos diretamente a eles.
Em nossa linguagem, Skan é o nome dado ao representante religioso de cada vila, realiza casamentos e acompanha aflições familiares por doenças ou falecimentos. Ajuda enfermos e simboliza a proteção contra as forças do mal, ensina orações e fala do grande criador de tudo. Neste aspecto, por coincidência ou não, a vinda de um povo do céu para salvar nosso povo, consta em profecias da antiguidade. Nos cultos, isto é mencionado.
Neste ponto da palestra, Jales que estava numa das carteiras da frente, interpelou:
— Então poderão pensar que somos anjos?
— Certamente, respondeu Silas, continuando:
Não terão no início capacidade mental para discernir a realidade. A única maneira de entenderem será através da associação com os ensinamentos da religião. Isto os auxiliará e os manterá em união com os Skans, o que em nenhum momento devem desprezar. Lembrem-se que para o povo, estão acima dos chefes de vilarejo.
O primeiro ato, quando chegarem a aldeia, será a entrega de uma carta a ele, nela constará todos os tipos de explicações. Convidará os aldeões e partilhará do processo educativo.
Também deve ser lembrado, que a vinda dos humanos prendeu-se a fatos inexplicáveis, o que dá a entender que são instrumentos de uma magna força cósmica.
Silas detalhou o comportamento social, os tipos de pensamentos, as manias, as superstições, enfim a forma de viver de seu povo. Respondeu inúmeras perguntas. Jales e a esposa Júlia foram os mais interessados e os que mais participaram, embora todos estivessem prontos a assumir a responsabilidade. Por mais de um mês o casal de Marino esteve atuante ao máximo, sem descanso, foram o alicerce do programa.

Tropo e Sato se uniram na tarefa de prepararem o local de embarque. Escolheram uma área plana na fronteira, próxima de Vale Verde. Construíram abrigos para a garotada e pais.
Da mesma forma que os Reis, os Governadores optaram pelo envio dos filhos, por sua vez imitados por muitos guardiões.
Tudo preparado, Regis recebeu o comunicado e o Tenente acionou seu grupo.
Duas grandes naves desceram e não fosse a preparação instruída por Regis, o pavor tomaria conta dos homens e crianças que aguardavam no descampado. Mas tudo correu bem, os casais foram deixados no solo e o grupamento infanto-juvenil tomou o lugar deles.
Antes dos professores partirem, Jansen em contato com os Reis, obtivera os nomes das vilas para onde seguiriam os instrutores, assim quando desceram levavam plaquetas de identificação dos locais, facilitando os contatos com os guardiões.
Enquanto os instrutores tomavam rumos diversos, as naves ganhavam distância.
O embarque das crianças não fora tão simples. Estavam com muito medo, apavoradas. Kiria ao entrar, se agarrara ao irmão. Com muito custo, afivelados, a garotada olhava assustada aquele ambiente esquisito, alguns menores choravam. Os filhos de Sato seguiram na outra nave, mas em ambas as fisionomias eram as mesmas. A maioria dos pais nada soubera explicar, apenas que precisavam ir, que era ordem do Rei.
Ficaram ainda mais assustados quando a nave decolou. A pressão inicial, embora controlada, depois a falta de gravidade, desnortearam os pequenos passageiros.
Aparvalhados permaneceram até chegarem a base.
Um grupo preparado e sob o comando de Corin, foram removendo um a um os menores traumatizados pela viagem. Não ofereceram resistência para se desnudarem ao entrarem nas salas de descontaminação.
Regis sabia que teria de enfrentar aquela situação. Assim, o setor hospitalar estava preparado com toda equipe de médicos, enfermeiros e ajudantes. Tão logo entraram na cidade, foram removidos para tratamento. Não houve nenhum caso grave, nada que o sono não resolvesse.
O grupo que atendia aquelas crianças dominavam parcialmente o linguajar deles. A medida que se recuperavam eram levados para o refeitório e orientados para uso dos sanitários. Sem pressa, após alimentação, foram encaminhados para os quartos definitivos.
Três setores residenciais foram destinados a eles, os meninos ficaram em dois por quartos em um conjunto para idades de 11 a 15 anos. O mesmo para as meninas, em outro setor. Para as crianças de 7 a 10 foi criado um Centro Infantil, onde receberiam cuidados especiais.

Na primeira semana, nenhum ensino, apenas familiarização e entretenimentos, com participação das crianças locais. Chegou a haver até briguinhas, mas no final a descontração se generalizou.
Um mês depois, diante do mundo maravilhoso que estavam, já não sentiam muito a ausência familiar. Estavam prontos para o início do processo pedagógico.
Kiria fizera amizade com Suni e Jasp com Kalil, mas não foram separados dos demais, ficara decidido que somente quando estivessem prontos é que seriam orientados para chefia.
Guloseimas que nunca viram, brinquedos, filmes e uma infinidade de passatempos prendiam a criançada ao local.
Corin e Silas compunham a diretoria escolar e continuavam a ter pouco tempo para o filho.

Na superfície, homens e mulheres enfrentavam pela primeira vez a vida num planeta. Em pequenos carros puxados por estranhos animais ou no lombo deles, cada casal seguia trilhas ou estradas esburacadas na busca do novo lar.
O mais longo caminho ficara para Jales e Júlia, que usando três Conis, dois para eles e um para a bagagem, encapuzados, acompanhavam os peludos guias por dias e noites, acampando aqui e ali, numa peregrinação que parecia não ter fim. Já haviam passado por vários vilarejos, mas o fim da viagem não chegava.
Jales era jovem, vinte e cinco anos, olhos castanhos, cabelos escuros, feições bem feitas, altivo e corpo atlético. Em pleno vigor da idade, não se arrependia, no fundo um espírito de aventura o dominava. Vez ou outra pensava:
— Bem que poderiam nos ter equipado com um veículo, sei que existem vários tipos para uso individual.
Júlia, nos seus vinte anos, jovem, bonita e sonhadora. Cabelos longos, pretos e olhos verdes, davam-lhe toque de mulher especial. Estava cansada, esgotada mesma, sentia-se incômoda pelas dificuldades da viagem, mas era forte e não reclamava.
Quatro homens, se confundiam devido a pelagem, exceto pelas vestimentas. O que trajava roupa avermelhada com muitos enfeites, era o guardião da vila onde ficariam, chamava-se Gat, os demais seus auxiliares. Depois de um mês, estavam se aproximando da última aldeia de Suma, situada na Província das Grandes Águas.
Além do mar, muitos lagos compunham o panorama da região. Florestas, rios, pântanos e muita umidade nos vales, dificultava o acesso a vila, tornando-a isolada. Cobras e bichos nocivos ocupavam o tempo dos nativos, acostumados com aquilo.
Embora a dificuldade de se comunicarem, dividiram alimentos e uma certa familiaridade surgiu entre eles, um gigante passo na aproximação. Durante a viagem, Jales conseguiu se entender com Gat e os outros, até salvou um peludo do ataque de uma fera, utilizando a arma que portava. Ficaram mais assustados com o estampido do que com o bicho que se estendera quando pulava sobre o homem que ia a frente.
O terrestre não fez mistério, retirou a carga e entregou o revolver a eles para conhecerem.
As casas da aldeia eram de madeira e cobertas com fibras, ficavam depois da descida para a orla marítima e chegavam bem próximas das praias. Ruas mal definidas se cruzavam, homens e mulheres transitavam em suas lidas. Uma construção maior era destinada ao culto religioso.
Quando o grupo chegou, levaram o casal para a casa que já estava pronta para recebê-los. Poucos foram ao encontro deles, temerosos ficaram a espreitar pelos vãos das portas e janelas.

Júlia nem observou em que tipo de cama deitara, mal colocara o corpo sobre aquele lugar macio, seus olhos fecharam e entrou em profundo sono. Jales acabou imitando-a, somente muitas horas depois é que acordaram.
— Estou com o corpo dolorido, parece até que levei uma surra, disse Jales esticando os braços e pernas, na intenção de melhorar as condições físicas.
— Eu também, minhas pernas estão feridas, não podia dizer na frente daqueles homens.
— Mas eles entenderiam!
— Mesmo assim, procurei não queixar, mas mal posso andar.
— Começamos bem Júlia, estamos estropiados.
Dei uma olhada na casa, é tudo igual ao que Corin falou, vamos ter de encarar a radical mudança de nossas vidas. Por falar nisto, esquecemos a porta aberta e enquanto dormíamos, colocaram alimentos na mesinha da saleta. Bom sinal, pelo menos estão demonstrando que nos aceitam.
— Vai ser difícil nos acostumarmos com o sistema sanitário. Mas, Jales, providencie a iluminação.
Presas às toras que formavam a parede, hastes de ferro se estendiam, uma em cada cômodo, com um bulbo oco na frente, dentro material comburente e pavios. O jovem encontrando o isqueiro, acendeu as pequenas tochas, logo um cheiro não muito agradável invadiu o ambiente.
Os móveis eram poucos, mas o suficiente. Diante do frio que passaram na viagem, a casa era acolhedora. Usaram o vasilhame do quartinho para a limpeza corporal e trocaram as roupas encardidas.
Estavam famintos e resolveram experimentar os alimentos da vila, que acharam deliciosos. Arroz e feijão faziam parte da mesa junto com variedades da terra.
Completavam o primeiro dia na Vila Talma, como a chamavam, quando toques na porta alertaram os jovens da presença de algum morador.
Um velho, com cabelos e vasta barba cor de neve, vestido com uma túnica branca se apresentou na linguagem deles.
— Sou o Skan daqui, venho desejar-lhes boas vindas.
O casal, através de gesto e sorridente, pediu para que entrasse e se acomodasse, indicando-lhe a cadeira.
Após trocarem algumas palavras, Jales se ausentou por alguns instantes, enquanto Júlia procurava conversar algumas coisas no dialeto local. Logo que o moço voltou, trazia um grosso envelope que entregou ao ancião.
Aquele homem de olhar bondoso, pareceu não se surpreender com os estranhos, pelo contrário, foram estes que ficaram mais apreensivos. Escutava os dois como se entendesse tudo que diziam. Não abriu a correspondência, levou-a consigo quando se despediu.

Burin desceu o degrau com apoio de uma bengala, lento pelo peso da idade, caminhou em direção ao grande barracão, local das pregações religiosas. Alguns archotes presos a postes diminuíam a escuridão da noite. Vez ou outra, aves noturnas quebravam o silêncio com seus guinchos, acompanhados de uivos de auruns, ou então choros de crianças.
O Skan, estava ansioso, colocou os papéis sobre uma mesa perto da claridade e com uma lente começou a verificar o conteúdo. Passou tempo lendo a grande mensagem que Corin havia preparado.
Em palavreado simples, os documentos revelavam o trabalho dos enviados e como ele poderia auxiliá-los. Uma espécie de cronograma, onde organizaria o pessoal e o horário dos encontros.

Tat, sentia falta dos filhos, enquanto Sato se conformara, apesar de ser o mais ligado a eles. Pediu ao marido para passar alguns dias com Vina, que ficou muito feliz com a presença da amiga.
— Precisava vir, estava me sentindo muito só, preocupada com minhas crianças. Nós duas estivemos lá, Sato não me entende, queria ir ficar com elas.
— Também sinto saudades dos meus, quando acordo e não os vejo, uma agonia me invade. Tropo que não parava, está se ausentando pouco, talvez por me ver nesta solidão. Foi bom ter vindo, precisava conversar com você.
Acho que se pedirmos, eles vem nos buscar, mas na minha opinião isto não convém. Serão os futuros soberanos de nossas Nações, surgiriam comentários, principalmente dos que querem mudar o regime. As outras mães deverão estar muito mais preocupadas do que nós, que conhecemos onde estão.
— Por isto queria falar com você, cheguei até a pensar em ligar aquele aparelho que deram para nos comunicar. Me falta conhecimento, preciso aprender mais. Você parece tudo entender.
— Tat, quando voltaram eles não lhes deram muitos livros?
— Pilhas deles, mas estão lá jogados. Sato nem toma conhecimento, vive a volta com seus desenhos, diz que está esquematizando as futuras saídas do povo. Separou os mapas que ganhou e passa os dias fazendo isto. Pelo menos não anda mais irritado, mas perdido em seus pensamentos.
— Pode crer, ele está usando os conhecimentos que adquiriu, apenas ainda não teve tempo de ver outras coisas. Pois bem, vou lhe mostrar. Venha comigo.
Vina levou a amiga para o salão, onde estavam os mesmos livros que ela também ganhara. Tomando um volume nas mãos disse:
— Este é um dicionário, feito especialmente para nós. Reconhece? Você também deve ter.
— Sim, vi um igual junto com os outros.
— Veja como é fácil descobrir os escritos do povo do céu, e mostrou-lhe o procedimento, tomando uma revista e traduzindo.
— Nossa! Tanto tempo lá e eu não sabia para que servia. Também Sato nada me disse! Bem que o vi várias vezes com ele na mão.
— Ocupo o tempo desvendando conhecimentos. Fico de um lado e Tropo do outro, vamos trocando ideias, já aprendi muito. Quando meus filhos voltarem, já não serão os mesmos, nem os seus.
— Como assim Vina?
— Saberão de muitas coisas, não quero parecer ignorante para eles. Você deverá fazer o mesmo.
Aqueles dias para Tat foram definitivos para uma mudança em sua vida. Voltara pronta para se entregar aos estudos.

Na Roda, os novos habitantes sentiam-se a vontade, brincavam e viviam bisbilhotando tudo, transitavam pela cidade e acabaram se entendendo com as crianças locais.
Suni e Kiria ficaram juntas no alojamento dos menores, ganharam lindas bonecas, entre outros presentes.
Jasp e Kalil se esbaldavam com os estranhos brinquedos, que começavam a compreender.
As crianças possuíam a disposição muitos jogos eletrônicos e já aprendiam a manipular os controles.
Para eles tudo alquilo era um mundo de fantasias sem limites.
Cinco salas para aulas, cem alunos em cada e algazarra normal. A professora entra, impõe silêncio e começa na língua deles:
— Vejam no quadro, uma casa de vocês, com o nome que conhecem.
Agora a mesma casa com o nome terrestre. Escrevam nos seus cadernos os dois nomes ...
E assim, aos poucos os alunos começavam a serem instruídos.

No planeta, todos os professores já estavam iniciando os trabalhos. Os comunicados chegavam dos mais diversos pontos das duas nações. As informações foram consideradas normais, de maneira geral comentaram sobre as dificuldades da viagem, por estradas de terra, trilhas ou caminhos tortuosos.
Jales fora o último a informar, também, tivera que atravessar o país. Os soldados ficaram em pontos estratégicos, mas desde o início perceberam que pouco iriam poder ajudar.
Regis e todo o grupo, estavam em plena ação, nada poderia dar errado. Do perfeito ensino na astronave e da preparação na superfície dependeria o êxito final.
As atividades na cidade espacial passaram a ocupar o tempo de seus habitantes.

Marcos estava certo, precisava dividir as responsabilidades, os problemas internos aumentaram e mal dava conta de resolvê-los. A manutenção de inúmeros setores era tão essencial quanto o trabalho executado pela Central.

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