O NOVO MUNDO
Na colina, o exército
inimigo empunhando lanças e toscas máquinas de guerra, caminhava sobre a relva
fria e molhada pelo gelo que derretera. O barro e a lama encravavam nas
sandálias dos soldados, mas a fúria estava solta e nada os livraria da contenda
que se aproximava.
Mais a baixo, frente a um
riacho, camuflados, dois mil homens se postavam para receber a turba
sanguinária. Nada impediria o grande massacre.
De repente, o estrondo
violentíssimo de um petardo rasgou a terra entre os dois exércitos, assustando
os contendores.
Medrosos, encolhidos, ambos
os lados abandonaram os postos e partiram em sentidos contrários. Não sabiam o
que significava aquilo. O céu estava limpo, como então um raio tão forte fora
cair?
Tropo, chefe da nação Suma,
que aguardava antes do rio a descida dos Nogos, ficou estupefato. Vira o objeto
cair de cima e impedir o combate. Pensou:
— Quem era ele para
contrariar tamanha força?
A primeira ação dos
terrestres para se anunciarem fora a de impedir aquela luta.
Ao contrário do que se
esperava, o Tenente Fusco, chefe da milícia, aderira ao plano e passara a
auxiliar Regis que ficara responsável pelas ações. O Padre Santos, Jansen e
outros também compunham a Central de Apoio às Atividades em Solo.
Jansen, na sala de comando,
montou uma equipe de observadores para detectar atividades em terra,
conseguiram captar movimentação de tropas, o resto fora fácil. Informaram a
Central e a decisão foi tomada.
Os habitantes da 355 haviam
sido imunizados, poderiam descer no planeta. O passo seguinte envolveria a
presença de humanos, pelo menos uma base avançada seria construída.
Tropo, autêntico representante
da raça, montado em seu coni com arreios vistosos, era o Rei que voltava de uma
batalha que não houvera. Cavalgava lentamente, tendo ao lado alguns soldados,
companheiros de luta. A tropa fora dispensada e ele seguia para seu Forte.
Não conseguia esquecer o
ocorrido, nunca vira algo semelhante. Em dado momento, comentou com o fiel
servidor, à sua direita:
— Jasun, aquilo que
aconteceu foi um aviso. Vivemos nos matando. Eles chegaram. Temos de mudar
nosso modo de vida. Preciso falar com Sato. Quero que providencie um
mensageiro, logo que chegar vou escrever a carta.
— Mas ele é nosso inimigo!
— Era a última coisa que
faria, mas algo me diz que este é o caminho, acredito que haja alguma coisa no
alto muito mais forte do que tudo que existe. Vi quando aquilo riscou o céu e
não era um meteoro.
— Vou falar com Corin, hoje
mesmo ele segue para os domínios dos Nogos e entregará o documento a Sato.
Cônscio de que sua decisão
era certa, Tropo pareceu liberto da pressão, chegou a sorrir e comentou que
muita coisa iria mudar.
Não era uma pessoa sem
cultura, pelo contrário, gostava de ler, possuía um cômodo repleto de livros
antigos. Alguns deles falavam de épocas muito diferentes, que não entendiam,
outros ensinavam coisas que não eram praticadas.
Era noite quando os portões
foram abertos e o grupamento adentrou. Tropo subiu as escadarias da forte
construção e chamou Jasun, que o acompanhou. Abraçou a mulher, que aflita viera
a seu encontro, dizendo:
— Que bom! Você voltou!
— Quanta preocupação Vina!
Não é a primeira vez.
Em seguida, sentando-se,
abriu a gaveta de uma mesa e retirou uma folha parecida com papel grosso,
redigiu algumas palavras, dobrou-a e lacrou, usando um carimbo imprimiu sua
identificação.
— Aqui está Jasun,
entregue-a ao Corin urgente.
Vina, como todas as mulheres
de Marino, era peluda, exceto no rosto, onde as feições de uma bela jovem se
evidenciavam. Muito meiga, se aproximou do esposo:
— Você está muito distante.
Parece abatido, tire a couraça, tome um banho e vá se alimentar. Depois me
conta o que aconteceu.
Como se faltassem aquelas
palavras para ele sair da cadeira, Tropo ergueu-se e foi fazer o que a mulher
lhe havia dito. A criadagem logo o acompanhou para ajudá-lo.
Os archotes exalavam o
cheiro que gostava, sentia neles o sabor de estar em casa junto da esposa e dos
filhos que naquela hora dormiam.
Tropo não conseguia
conciliar o sono, a esposa se inquietara e também não conseguia dormir, vendo o
marido tenso, se remexendo a todo momento, perguntou-lhe:
— O que houve? Até agora
nada me disse. Falando você se alivia.
— Foi um sinal do céu. Eu
sei, um grande raio impediu o combate.
Algo me diz que tenho de
acabar com esta guerra. Já mandei uma carta para Sato. Precisamos nos unir.
Vina ao invés de se torturar
com a resposta, ouvira o que tanto queria, afinal se viesse a ser realidade,
bendito seria aquele raio. Na intenção de acalmá-lo disse:
— Pode crer Tropo, me
orgulho de você. Se o que está me dizendo se concretizar, poderemos ter paz e
criar nossos filhos com tranquilidade. Esqueça o passado e faça um acordo. Para
mim, ser forte não é saber matar. Durma tranquilo, foi a melhor atitude que
tomou em toda sua vida.
O chefe da Nação Suma se
aquietou com as sábias palavras da esposa, fora um bálsamo em suas
preocupações. Dera-lhe razão, não havia sentido aquela interminável luta. Era
coisa dos tempos dos pais e avós, tudo por causa das minas.
Mutilados por toda parte, a
miséria e a fome estavam em todos os lugares. As aldeias caiam aos pedaços, mal
tinham condição de plantar. De qualquer forma estava na hora de pararem,
primeiro pelo caos, segundo, porque o que acontecera não deixava de ser uma
ameaça.
A estrela de Marino já
brilhava, uma brisa fria soprava, os aldeões peludos, agasalhados, estavam
atarefados na limpeza do gelo que se acumulara durante a noite, outros
carregavam lenha. Estavam no fim do inverno, logo chegaria a época do plantio.
A notícia do fim da guerra
alvoroçara a população, todos ficaram sabendo da carta que fora enviada ao
inimigo. As mulheres rezavam. Por causa dos malditos combates do ano anterior a
desgraça assolara as famílias, muitas crianças morriam desnutridas.
O trotar do também peludo
animal, misto de zebra e cavalo, chamou a atenção de todos, era Corin que
voltava de sua missão. Não parou, dirigiu-se com rapidez para os portões do
“castelo”, que logo foram abertos.
Tropo recebia a resposta,
Sato concordava com o encontro. Também desejava falar. Marcara a conversa para
o dia seguinte, na linha de fronteira, apenas dez soldados deveriam acompanhar
cada um.
— Cuidado Tropo, pode ser
uma cilada. Disse Jasun, preocupado com seu senhor.
— Não acredito, penso que
ele também tenha refletido.
Amanhã estarei lá.
No dia seguinte, Tropo e dez
guardas seguiram pela trilha, na metade do dia encontraram o local. Sato ainda
não havia chegado. Desmontaram e organizaram um pequeno acampamento, colocando
uma mesinha que haviam trazido e duas cadeiras. Estavam terminando os arranjos,
quando a facção contrária chegou.
Os dois Reis se postaram
frente a frente, quietos, sisudos, atitudes típicas da situação que
enfrentavam. Tropo foi o primeiro a falar:
— Meu povo está faminto, as
famílias destroçadas. Esta guerra vem ceifando vidas dos dois lados. Há mais de
cem anos que estamos em briga, honestamente nem sei porque nos odiamos tanto. Chegou
o momento de pararmos com isto, que só o mal tem trazido para ambos os lados.
As minas de ouro estão na fronteira, podemos fazer um trabalho conjunto e
dividirmos a produção. Precisamos também saber sobre aquilo que aconteceu,
parece estar ligado às profecias.
Enquanto o chefe dos Suma
falava, Sato foi mudando o semblante, de sisudo e áspero foi passando para
pensativo. Não queria, mas não deixava de concordar, palavra por palavra com
seu oponente. Lembrou que também seu povo vivia horrores, que ele mesmo não
respirava tranquilo, sempre com medo de não voltar das lutas. Não custava
concordar, não fora ele que propora o acordo, assim, depois de ouvir calado por
bastante tempo, respondeu:
— Sou obrigado a admitir que
você tem razão, chegou a hora de fazermos a paz e que ela seja duradoura.
Precisamos reconstruir nossas nações.
Um aperto de mão selou o fim
da guerra entre os dois povos. Ali mesmo, os soldados que os acompanhavam
comemoraram.
As duas nações festejaram o
fim das hostilidades, os soldados voltaram para as famílias, um novo tempo
começava.
Nenhum comentário:
Postar um comentário