domingo, 5 de outubro de 2014

PRINCÍPIOS DE ORGANIZAÇÃO


ÚLTIMOS TEMPOS DA CIDADE ESPACIAL

 
Marino mantinha uma rotação de vinte e cinco horas terrestres para cada dia, completando em trezentos e cinquenta e cinco dias sua órbita em torno de Argenta. O sistema de contagem do tempo era mantido em períodos de dez dias, sob os mais diversos nomes. Uma forma de calendário muito confuso. Assim, em comum acordo com os dois reinos, elaboraram o calendário janseniano, por ter sido feito pelo terráqueo. Mesmo longe, transmitiu pelo comunicador todos os dados. Distribuiu estações, adotando para o planeta vinte e quatro horas, isto é, tempo maior com a mesma distribuição numérica. Um ano passou a ter, dez meses de vinte e nove dias e dois de trinta, com semanas de sete dias. Os nomes dos períodos foram escolhidos pelos monarcas.

A nova contagem do tempo marcou o começo de um novo mundo. Em poucos anos as pessoas se habituaram ao sistema.
As novidades começaram a aparecer. Os terrestres souberam aproveitar seus conhecimentos, aliado aos nativos que haviam estudado na Roda, as técnicas foram surgindo, os minerais foram descobertos e transformados. Com a imprensa, os livros auxiliaram no aumento da cultura.
As aldeias perderam o aspecto antigo, sistemas de saneamento e as primeiras iluminações apareceram. Bancos e moeda em papel já faziam parte da vida. Todas as vilas passaram a ter escolas com ensino moderno. Os dois grandes Colégios já haviam formado as primeiras turmas.
Em Fonte de Luz, Kiria era a diretora do majestoso estabelecimento, resultado de seu talento. O ganho era fácil, os investimentos Reais cada vez maiores. As extrações do ouro foram aceleradas para lastrarem o enorme volume de recursos colocados em circulação.
Thomas tornara-se indispensável na manutenção e controle da economia, sempre auxiliando a nação vizinha. Sistemas de impostos rigorosos tiveram de ser criados, principalmente porque Suni não queria parar o progresso.
De acordo com as necessidades, em ambos os Reinos, novos ministérios foram criados.
Naqueles primeiros vinte anos, o planeta se transformou, a pobreza inexistia, os alimentos e inúmeros bens de consumo estavam em todos os lugares, o comércio e a felicidade reinavam. Assim seria, enquanto houvesse procura de mão de obra e enquanto fosse possível os investimentos.
Em Vila Talma os frutos de Jonas já estavam no mercado, bem como sementes e mudas. As embarcações passaram a levar riquezas e os primeiros ancoradouros surgiram, enquanto o avião de Kleber tornara-se peça de museu.
Os primeiros centros científicos surgiram e estradas já cortavam boa parte das nações.
Jasp acabou se casando com Adila, o futuro Rei já contava com doze anos.
A nova vida na superfície estava em fase final de estruturação. Foram anos de muito trabalho, sem problemas sociais ou guerras.
Os primeiros veículos começavam a circular, até algumas estações de rádio já podiam ser ouvidas.
Escolas de curandeiros foram montadas, preferiram manter o antigo nome. Os produtos alimentícios ficaram variados. As poucas cabeças de gado deixadas no solo, já formavam alguns rebanhos. Os cavalos ainda eram poucos, mas em alguns lugares substituíam os conis. Os pássaros aumentaram.
Até escolas para formação de Skans foram criadas.
As leis foram modificadas, código, advogados e juízes já faziam parte do cotidiano. Os guardiões foram transformados em policiais. Prefeituras foram estabelecidas e vários outros órgãos públicos.

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Nos últimos vinte anos, os velhos habitantes da cidade espacial ficaram mais velhos. A falta de interesse no futuro diminuiu muito o longo período vital. Homens e mulheres que lá permaneceram, começaram a tombar antes dos cem, reduzindo o grupo para pouco mais de duzentas pessoas.
Os membros da Central procuravam incentivar aqueles sobreviventes, mas nada adiantava. Era como se estivessem no purgatório a espera da redenção. Possuíam tudo, mas nada lhes interessava.
Regis estava aborrecido com aquilo, arrependia-se de não ter descido e forçado todos a fazerem o mesmo. A vida daquela forma era uma tragédia. Eram velhos, com o objetivo de esperarem a morte, isto se tornara insustentável. Chamou o tenente e perguntou-lhe:
— Teríamos ainda condições de descer?
— Temos um último transportador na base, o problema é o combustível para freagem. Existe noventa por cento de possibilidade de nos estatelarmos no solo, ou queimarmos na atmosfera. Quando muito poderíamos enviar duas naves de reconhecimento, mas não transportaríamos mais que dez pessoas.
— Quer saber de uma coisa Tenente, o navio ainda tem combustível para acionarmos os grandes propulsores, o suficiente para sairmos deste planeta e podermos ficar em inércia na velocidade máxima. Vamos colocá-lo na direção das estrelas, pelo menos não estaremos parados. Por favor chame Jansen e o Comandante.
Marcos cada dia mais se entregava à nostalgia, lembrando dos velhos tempos de comando. Laura acompanhava o marido, nem pensava mais no filho. Por várias vezes não fora fazer as habituais revisões. Estava num dos dias mais ruins, quando Fusco veio chamá-lo.
Saiu apático para ir conversar com Regis. Quando chegou, Jansen já estava.
— Pedi para chamá-lo Comandante, porque quero propor-lhe a continuação da viagem.
Quando ouviu aquelas palavras, ficou ereto e um largo sorriso tomou conta de seu rosto.
— Verdade Regis, vocês querem continuar.
— Sim Marcos, nada nos resta aqui, nem tampouco no vazio sideral, pelo menos isto mexerá com nossas emoções, mesmo que seja para chocarmos com algum astro ou meteoro.
Antes, porém, vamos nos vestir de gala e convidar todos os passageiros para a partida.
Jansen, faça comunicações a todos que puder, informe que a cidade espacial está partindo rumo ao desconhecido.
Comandante, gostaria que direcionasse nossa cidade para o centro galáctico. Quero ainda ver muitas estrelas brilhando. Por favor, se estiver de acordo, coloque os propulsores no máximo, será importante sentirmos medo. Assim, não ficaremos esperando nosso fim, poderá ocorrer, quando menos esperarmos, ou não, mas ficará o receio disto acontecer, o que nos motivará para a vida.
— Certo Regis, estou de pleno acordo, vamos ver o que existe no grande emaranhado de estrelas. Vou arranjar meu uniforme, voltarei breve.
— Vá também se vestir Jansen, vou fazer o mesmo.
Passado algum tempo, os quatro voltaram impecavelmente vestidos. Regis acionou o alarme e logo todos estavam correndo. Ao invés de usar o sistema televisivo, falou pessoalmente ao desorganizado grupo:
— Voltem para seus alojamentos e vistam a melhor roupa que tiverem e retornem aqui dentro de meia hora.
Sem saber o que estava acontecendo, aqueles velhos atenderam e após algum tempo voltaram muito bem trajados.
— Agora quero todos no salão de festas.
Motivados pela severidade da voz de Regis, todos seguiram para a grande sala.
Marcos pediu o microfone a Regis e se pôs a frente do grupo. Dirigindo-se ao aglomerado bem vestido:
— Não estou vendo nenhum velho aqui.
Ao colocarem suas melhores roupas, não sentiram o tempo voltar?
Pois bem, é hora de renascermos e sairmos desta situação. Não há registro de velhos antes do tempo até na grande travessia, nossa faixa é de cento e cinquenta anos, portanto todos ainda possuem fôlego suficiente para alcançar uma outra estrela. É o que vamos fazer. Quando sairmos daqui, colocaremos o navio frente ao maior aglomeramento delas e partiremos.
Quero portanto, todos ao trabalho e bem vestidos sempre. Há roupas de sobra aqui. Vivamos os muitos anos que ainda temos.
Os aplausos para o comandante não paravam. Enquanto este saia, Regis tomou o lugar e disse:
— Agora vamos dançar ao som de muita música. Esqueçam filhos e parentes. Eles estão muito bem no planeta, tenho certeza de que ficariam felizes de nos verem hoje.
A música foi ligada e os belos acordes encheram o salão, mas logo um a um foram saindo e correram para a sala do grande visor. Queriam ver a retirada do globo da grande tela.
Rapidamente Marino se moveu para a direita e desapareceu, se mostrando no visor lateral. Na frente o pontilhado de estrelas, houve o grande impulso e a nave ganhou distâncias e atingiu o grande vazio.

O navio partiu sob vivas, na velocidade máxima.

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