PRINCÍPIOS
DE ORGANIZAÇÃO
ÚLTIMOS TEMPOS DA CIDADE ESPACIAL
Marino mantinha uma rotação
de vinte e cinco horas terrestres para cada dia, completando em trezentos e
cinquenta e cinco dias sua órbita em torno de Argenta. O sistema de contagem do
tempo era mantido em períodos de dez dias, sob os mais diversos nomes. Uma
forma de calendário muito confuso. Assim, em comum acordo com os dois reinos,
elaboraram o calendário janseniano, por ter sido feito pelo terráqueo. Mesmo
longe, transmitiu pelo comunicador todos os dados. Distribuiu estações,
adotando para o planeta vinte e quatro horas, isto é, tempo maior com a mesma
distribuição numérica. Um ano passou a ter, dez meses de vinte e nove dias e
dois de trinta, com semanas de sete dias. Os nomes dos períodos foram
escolhidos pelos monarcas.
A nova contagem do tempo
marcou o começo de um novo mundo. Em poucos anos as pessoas se habituaram ao
sistema.
As novidades começaram a
aparecer. Os terrestres souberam aproveitar seus conhecimentos, aliado aos
nativos que haviam estudado na Roda, as técnicas foram surgindo, os minerais
foram descobertos e transformados. Com a imprensa, os livros auxiliaram no
aumento da cultura.
As aldeias perderam o
aspecto antigo, sistemas de saneamento e as primeiras iluminações apareceram.
Bancos e moeda em papel já faziam parte da vida. Todas as vilas passaram a ter
escolas com ensino moderno. Os dois grandes Colégios já haviam formado as
primeiras turmas.
Em Fonte de Luz, Kiria era a
diretora do majestoso estabelecimento, resultado de seu talento. O ganho era
fácil, os investimentos Reais cada vez maiores. As extrações do ouro foram
aceleradas para lastrarem o enorme volume de recursos colocados em circulação.
Thomas tornara-se
indispensável na manutenção e controle da economia, sempre auxiliando a nação
vizinha. Sistemas de impostos rigorosos tiveram de ser criados, principalmente
porque Suni não queria parar o progresso.
De acordo com as
necessidades, em ambos os Reinos, novos ministérios foram criados.
Naqueles primeiros vinte
anos, o planeta se transformou, a pobreza inexistia, os alimentos e inúmeros
bens de consumo estavam em todos os lugares, o comércio e a felicidade
reinavam. Assim seria, enquanto houvesse procura de mão de obra e enquanto
fosse possível os investimentos.
Em Vila Talma os frutos de
Jonas já estavam no mercado, bem como sementes e mudas. As embarcações passaram
a levar riquezas e os primeiros ancoradouros surgiram, enquanto o avião de
Kleber tornara-se peça de museu.
Os primeiros centros
científicos surgiram e estradas já cortavam boa parte das nações.
Jasp acabou se casando com
Adila, o futuro Rei já contava com doze anos.
A nova vida na superfície
estava em fase final de estruturação. Foram anos de muito trabalho, sem
problemas sociais ou guerras.
Os primeiros veículos
começavam a circular, até algumas estações de rádio já podiam ser ouvidas.
Escolas de curandeiros foram
montadas, preferiram manter o antigo nome. Os produtos alimentícios ficaram
variados. As poucas cabeças de gado deixadas no solo, já formavam alguns
rebanhos. Os cavalos ainda eram poucos, mas em alguns lugares substituíam os
conis. Os pássaros aumentaram.
Até escolas para formação de
Skans foram criadas.
As leis foram modificadas,
código, advogados e juízes já faziam parte do cotidiano. Os guardiões foram
transformados em policiais. Prefeituras foram estabelecidas e vários outros
órgãos públicos.
— — —
Nos últimos vinte anos, os
velhos habitantes da cidade espacial ficaram mais velhos. A falta de interesse
no futuro diminuiu muito o longo período vital. Homens e mulheres que lá
permaneceram, começaram a tombar antes dos cem, reduzindo o grupo para pouco
mais de duzentas pessoas.
Os membros da Central
procuravam incentivar aqueles sobreviventes, mas nada adiantava. Era como se
estivessem no purgatório a espera da redenção. Possuíam tudo, mas nada lhes
interessava.
Regis estava aborrecido com
aquilo, arrependia-se de não ter descido e forçado todos a fazerem o mesmo. A
vida daquela forma era uma tragédia. Eram velhos, com o objetivo de esperarem a
morte, isto se tornara insustentável. Chamou o tenente e perguntou-lhe:
— Teríamos ainda condições
de descer?
— Temos um último
transportador na base, o problema é o combustível para freagem. Existe noventa
por cento de possibilidade de nos estatelarmos no solo, ou queimarmos na
atmosfera. Quando muito poderíamos enviar duas naves de reconhecimento, mas não
transportaríamos mais que dez pessoas.
— Quer saber de uma coisa
Tenente, o navio ainda tem combustível para acionarmos os grandes propulsores,
o suficiente para sairmos deste planeta e podermos ficar em inércia na
velocidade máxima. Vamos colocá-lo na direção das estrelas, pelo menos não
estaremos parados. Por favor chame Jansen e o Comandante.
Marcos cada dia mais se
entregava à nostalgia, lembrando dos velhos tempos de comando. Laura
acompanhava o marido, nem pensava mais no filho. Por várias vezes não fora
fazer as habituais revisões. Estava num dos dias mais ruins, quando Fusco veio
chamá-lo.
Saiu apático para ir
conversar com Regis. Quando chegou, Jansen já estava.
— Pedi para chamá-lo
Comandante, porque quero propor-lhe a continuação da viagem.
Quando ouviu aquelas
palavras, ficou ereto e um largo sorriso tomou conta de seu rosto.
— Verdade Regis, vocês
querem continuar.
— Sim Marcos, nada nos resta
aqui, nem tampouco no vazio sideral, pelo menos isto mexerá com nossas emoções,
mesmo que seja para chocarmos com algum astro ou meteoro.
Antes, porém, vamos nos
vestir de gala e convidar todos os passageiros para a partida.
Jansen, faça comunicações a
todos que puder, informe que a cidade espacial está partindo rumo ao
desconhecido.
Comandante, gostaria que
direcionasse nossa cidade para o centro galáctico. Quero ainda ver muitas
estrelas brilhando. Por favor, se estiver de acordo, coloque os propulsores no
máximo, será importante sentirmos medo. Assim, não ficaremos esperando nosso
fim, poderá ocorrer, quando menos esperarmos, ou não, mas ficará o receio disto
acontecer, o que nos motivará para a vida.
— Certo Regis, estou de
pleno acordo, vamos ver o que existe no grande emaranhado de estrelas. Vou
arranjar meu uniforme, voltarei breve.
— Vá também se vestir
Jansen, vou fazer o mesmo.
Passado algum tempo, os
quatro voltaram impecavelmente vestidos. Regis acionou o alarme e logo todos
estavam correndo. Ao invés de usar o sistema televisivo, falou pessoalmente ao
desorganizado grupo:
— Voltem para seus alojamentos
e vistam a melhor roupa que tiverem e retornem aqui dentro de meia hora.
Sem saber o que estava
acontecendo, aqueles velhos atenderam e após algum tempo voltaram muito bem
trajados.
— Agora quero todos no salão
de festas.
Motivados pela severidade da
voz de Regis, todos seguiram para a grande sala.
Marcos pediu o microfone a
Regis e se pôs a frente do grupo. Dirigindo-se ao aglomerado bem vestido:
— Não estou vendo nenhum
velho aqui.
Ao colocarem suas melhores
roupas, não sentiram o tempo voltar?
Pois bem, é hora de
renascermos e sairmos desta situação. Não há registro de velhos antes do tempo
até na grande travessia, nossa faixa é de cento e cinquenta anos, portanto
todos ainda possuem fôlego suficiente para alcançar uma outra estrela. É o que vamos
fazer. Quando sairmos daqui, colocaremos o navio frente ao maior aglomeramento
delas e partiremos.
Quero portanto, todos ao
trabalho e bem vestidos sempre. Há roupas de sobra aqui. Vivamos os muitos anos
que ainda temos.
Os aplausos para o
comandante não paravam. Enquanto este saia, Regis tomou o lugar e disse:
— Agora vamos dançar ao som
de muita música. Esqueçam filhos e parentes. Eles estão muito bem no planeta,
tenho certeza de que ficariam felizes de nos verem hoje.
A música foi ligada e os
belos acordes encheram o salão, mas logo um a um foram saindo e correram para a
sala do grande visor. Queriam ver a retirada do globo da grande tela.
Rapidamente Marino se moveu
para a direita e desapareceu, se mostrando no visor lateral. Na frente o
pontilhado de estrelas, houve o grande impulso e a nave ganhou distâncias e
atingiu o grande vazio.
O navio partiu sob vivas, na velocidade máxima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário