OS PROJETOS SAEM DO PAPEL
Sob frio intenso, a equipe
do Engenheiro Gilbert, munida de grossas vestimentas faziam um círculo à volta
da fogueira. Trinta homens ao todo. Haviam concluído o nivelamento do terreno.
Próximo a eles, nas bordas da grande área plana, o barracão de madeira estava
quase pronto, em breve não ficariam mais ao relento. Esta era a situação dos
homens da cidade espacial escolhidos para o trabalho no território dos Nogos.
Em idênticas condições e
altitude, outro grupo, também de trinta homens se postavam em área elevada na
Nação Suma, sob direção do Engenheiro Campelo.
Tanto um quanto outro, tão
logo o sol de Marino amenizasse e derretesse a fina camada de gelo formada
durante a noite, iniciariam a construção das primeiras estradas permitindo o
acesso às Vilas.
Vamos acompanhar uma das
equipes para observar aqueles terrestres que pela primeira vez viviam na
superfície, diretamente em contato com a natureza.
Ambos chefes de turmas eram
jovens e corajosos, aprenderam a língua nativa e haviam estudado detalhadamente
os procedimentos, tudo fizeram para serem enquadrados no projeto. Estavam lá
por vontade própria, se inscreveram e passaram em testes, partindo dispostos a
enfrentarem quaisquer situações.
Entre os dois, Gilbert era o
mais novo, solteiro, não possuindo mais que vinte e três anos. Sua irmã
Virgínia e seus pais chegaram a pedir a Regis, que não o colocasse na missão.
Pela própria irmã, acabou se inteirando da interferência, houve discussão em
família.
Era muito inteligente, não
queria perder a oportunidade que lhe surgira, percebera que aquele mundo também
era dele e de seus filhos, que alguém havia de começar a construí-lo, por que
não ele?
Olhando o fogo que crepitava
e sob o delicioso calor que emanava, seus pensamentos reviam sua vida, desde os
tempos de criança.
Conhecia palmo a palmo a
imutável cidade espacial.
Sempre rodeado de todo
conforto, crescera sadio, mas algo no íntimo o impelia a sair dali. Era comum
atravessar lateralmente o pequeno território para apalpar a grossa armadura que
subia a perder de vista. Era quando percebia que estava enjaulado, preso a um
enorme túnel metálico. Como então não iria aproveitar aquela oportunidade?
Embora a escuridão da noite,
sentia-se livre, em pleno centro daquele País. Dois meses haviam passado, até
se habituara com as novas condições. Em cada amanhecer, via a sua volta a
extrema beleza de um horizonte magnífico, entremeado pelo azul salpicado de
alvas nuvens. Aquilo preenchia todo vazio que amargurara durante toda sua
existência.
Os homens sob seu comando
reclamavam do frio, mas trabalhavam felizes, também pareciam sentirem-se livres
das amarras. Seu auxiliar imediato, Vítor, era mais que isto, era seu amigo.
Enquanto o sono não vinha,
vez ou outras conversavam, assim Gilbert comentou:
— Toda área já está pronta,
logo que amanhecer, desceremos a trilha que lhe mostrei. Deve nos levar a
aldeia Prince.
Levaremos nossas armas,
facões para abrir passagens e calçaremos botas.
— Correto, Corin nos
explicou, até escreveu sobre os cuidados que devemos ter. Disse para ficarmos
atentos, podem existir feras, bandidos e cobras em nosso caminho. E quanto ao
pessoal?
— Eles começarão a abrir a
estrada, já orientei o Tom.
Os instrutores Borato e
Lúcia deverão estar nos esperando, apenas não sabem quando vamos chegar.
Levaremos também algum
material para fazermos o traçado do caminho a ser construído. Temos de
descobrir o lugar onde extraem o barro para tijolos.
— Gilbert, os tijolos deles
não servem.
— Servem sim, é com eles que
vamos construir quase tudo, vamos ensiná-los como queimarem os mesmos.
Agora vamos descansar, vamos
ter muito o que fazer.
Mal o dia clareou, o
coordenador da construção acordou o pessoal. Já estava pronto, tomou café,
separou alguns alimentos e tudo que era necessário. Colocou na mochila
amarrando-a em suas costas. Acompanhado do Vítor que fizera o mesmo, puseram-se
a caminho.
A trilha era estreita, logo
os cipós e folhagens os obrigaram a fazer uso dos pesados facões. Levaram
comunicadores e nos coldres automáticas para qualquer emergência.
Não demorou muito:
— Cuidado Vítor, veja! Fique
quieto, não se mova!
Retirou cuidadosamente a
arma e disparou. A enorme cobra que estava sobre o amigo despencou se
debatendo, o tiro fora certeiro.
— Escapei por pouco! Deve
ter mais de quatro metros.
— Vamos com cuidado, onde
tem uma tem mais.
Assim, continuaram, muitas folhas
cobriam a úmida terra sob seus pés. Viram outras serpentes, mas distantes. Em
certo ponto, o estreito caminha se bifurcava para a lateral e para baixo.
Obviamente tomaram o que continuava descendo.
Já estavam caminhando a
cerca de três horas. Numa pequena clareira pararam para descansar e alimentar.
Caminhar naquela floresta, não deixava de ser o contato com a natureza pura.
Sentiam medo e admiração, não fosse a trilha já existente, com certeza se
perderiam.
— Já andamos tanto, que
realmente não sei onde estamos. Não vejo a hora de sair disto. Comentou Vítor,
enquanto abria uma conserva.
— Tem razão, tudo isto é
muito estranho para nós. Tomara que não tenhamos problemas.
Mal terminara de pronunciar
a frase, uma lança precisa penetra a árvore no momento que acabara de sair do
local.
— Estamos sendo atacados
Vítor! Vamos nos esconder!
Imediatamente procuraram
refúgio atrás dos troncos, entre os arbustos. Outras lanças passaram rentes.
Não havendo escolha, vendo o feroz grupo correr na direção deles, abriram fogo.
Aqueles homens, pegos pela surpresa, caiam feridos ou mortos uns após outros.
Os que sobraram, fugiram espavoridos.
Não refeitos do susto, os
terrestres, ainda trêmulos saíram do local, continuaram descendo por um bom
tempo, mudos, apenas procurando ganhar distância. Assim, chegaram a uma estrada
estreita, e pouco mais adiante encontraram as casas do povoado.
— Deve ser Prince, vamos procurar
Borato, disse Gilbert, ainda muito tenso.
Alguns habitantes que
começaram a encontrar, passavam por eles assustados, a esquisita vestimenta
fazia com que parecessem figuras estranhas. Não deixavam de temê-los. Haviam
descido da montanha, de onde a pouco tempo, ouviram os fortes estrondos. Depois
o ronco de coisas que pareciam monstros.
Não adiantara muito o
esforço de Lúcia e Borato, procurando explicar. O templo do Skan passou a ser
constantemente visitado, principalmente por mulheres. Sentiam medo daquilo. O
jovem sacerdote foi quem na realidade amenizou a situação.
O Guardião Just veio ao
encontro deles, já havia sido esclarecido pelo governador.
Gilbert, vendo aquele homem,
não exageradamente peludo, com vistosa vestimenta, logo percebeu tratar-se do
Chefe da Vila. Apesar de seu estado emocional, sabia um pouco da língua nativa,
cumprimentou e pediu ajuda para encontrar Borato. Sendo imediatamente atendido,
pois estava bem em frente a casa do instrutor.
Nesse meio tempo, Lúcia
abriu a porta e deparou com eles, convidando-os a entrar. Borato também os
recebeu.
Estavam nervosos, intranquilos,
preocupando muito os donos da casa.
— O que aconteceu com vocês,
parecem muito nervosos? Perguntou Borato.
— Matamos muitas pessoas na
montanha, estávamos armados e para nos defender tivemos de atirar. Um bando de
homens furiosos aproximou de nós atacando com lanças.
Nunca fizemos isto, estamos
apavorados. E agora? Falou Vítor.
— É verdade Borato, os
corpos ainda estão lá, se os companheiros que sobreviveram não levaram. Tivemos
que recarregar as armas, não queríamos morrer! Completou Gilbert.
— Acalmem-se, acabaram não
fazendo nada de errado. Certeza que era o bando do Cobra. Facínoras da pior
espécie, se tivessem facilitado, esta hora estariam mortos. Quando Just e a
população souberem, serão transformados em heróis.
O Guardião já perdeu tantos
homens, tentando atacá-los que ninguém mais quer entrar para a guarda. Já
estávamos até preparando para pedir ajuda a Central, só não o fizemos porque
pensamos que o bombardeio para o desmatamento iria afastá-los.
Diante da explicação de
Borato, os jovens se tranquilizaram. Gilbert, então complementou:
— Temos muito assunto a
tratar. Apesar de me sentir aliviado com suas palavras, estamos extenuados,
física e moralmente, se nos permitisse, gostaríamos de descansar um pouco.
Tomem um bom banho, se alimentem e durmam. Amanhã será outro dia.
No dia seguinte, estavam bem
dispostos, Lúcia lhes preparou um bom café. Após, totalmente recuperados,
passaram para a sala, onde Borato e esposa os esperavam.
O engenheiro explicou seu
trabalho, disse que as obras iam ter início e que chegara o momento do auxílio
dos nogolanos. Borato, após ouvi-lo observou:
— Esta Vila é pobre, há
miséria, o ganho é pouco e as desavenças são muitas. Podem crer que será a
melhor notícia que poderiam receber.
— Mas se há falta de
dinheiro, isto vai ter, haverá empregos para todos, atalhou Vítor.
— Bem, vamos para os
detalhes, disse Gilbert, continuando:
Embora o estado em que
estava, percebi que a maioria das casas daqui são feitas de tijolões, preciso
que me leve ao local onde são produzidos.
— São feitos aqui perto, na
maioria das vezes pelos próprios construtores, comentou Lúcia.
— Tem alguém que se dedique
somente a isto?
— Goro, que saiba não faz
outra coisa. Nem sempre tem serviço, é um dos mais pobres da aldeia, completou
Borato.
Antes de mais nada, devo lhes
dizer que Jansen me informou detalhes do que vai ser feito, inclusive sobre
alguns procedimentos. Just, será o contratador oficial, fará todos os
pagamentos. Assim, temos que falar com ele para as providências. Vamos até a
sede da guarda.
Lúcia foi cuidar de outros
afazeres, enquanto Borato e as visitas foram procurar o Guardião. Este os
acolheu com a maior cortesia possível, logo dizendo a esposa para preparar algo
para tomarem.
Sentado em uma tosca
cadeira, aquele homem parecia um velho, não pela pouca pelagem ou pela face
ainda jovem, mas pelo olhar que refletia amargura. A esposa, uma bela moça,
apresentava os mesmos sintomas.
Borato, que era amigo dele,
foi o primeiro a falar:
— Estes são Gilbert e Vítor,
vieram para uma conversa.
— Estou a disposição para o
que puder ser útil.
— Mas, antes de se
entenderem, deixa lhe contar um fato. Fique sabendo que eles deram fim no bando
do Cobra.
Uma radical mudança
transformou aquele rosto, que pareceu renascer. A mulher também ouvira e correu
para perto do marido.
— Por favor, nos conte como
foi, pediu ela.
Gilbert explicou
detalhadamente todos os problemas que encontraram pelo caminho, detalhando o
ataque dos bandidos.
— Ah! Se tivesse uma coisa
dessas! Exclamou o Guardião.
— Bem Just, nós estamos terminantemente
proibidos de usá-las contra um ser humano, mas não tivemos saída.
— Nos fez um enorme favor.
Não eram gente, eram animais na forma de pessoas, matavam sem piedade,
precisavam ser eliminados. Agora estamos livres, vou mandar os guardas removerem
os corpos ou enterrá-los.
Sei que o motivo de virem
até aqui é outro. O Rei me enviou autorização para atendê-los em tudo que
necessitarem, já esperava por vocês.
— Então deve saber que seu
Rei pediu para construirmos um lugar para ensino. Vamos depender de muitas
coisas, uma delas será a de contratar pessoal para nos ajudar na obra. Vamos
precisar de muita gente. Conforme nosso Chefe disse, o Rei pagará bem, portanto
se ainda não recebeu, o dinheiro deve estar a caminho. A medida que
necessitarmos de trabalhadores, vamos lhe informando. De imediato, cinquenta já
podem subir. Para cada grupo de dez, um encarregado. Não precisam levar
ferramentas, apenas uma relação com seus nomes.
Vou também falar com Goro,
sobre tijolos, cujo pagamento também deverá ser feito por você. Inclusive, se
quiser me acompanhar, seria bom, porque vai envolver mais gente.
Just, por sua vez, explicou:
— Quando recebi a ordem para
evacuar a área, fui também informado para aguardar outras, mas nada foi dito
sobre a contratação ou dinheiro.
— Provavelmente para ser
evitado assalto, mas é verdade, deve chegar a qualquer momento. Informou
Gilbert, que também aproveitou o momento para entregar ao Guardião, um pequeno
rádio comunicador, dizendo:
Vai precisar disto, para nos
mantermos em contato. Depois Vítor lhe explica como funciona.
Just pegou o objeto,
automaticamente colocou no bolso e acompanhou os terrestres na visita a Goro.
Atravessaram a aldeia,
caminharam por algum tempo para chegarem até a humilde casa do oleiro.
Encontraram-no amassando barro e colocando em formas.
— Olá Goro, disse Borato ao
avistá-lo.
— Como vai, parando no meio
da frase, ao ver o grupo de pessoas, surpreendendo-se com os dois estranhos.
— Goro, estes homens são da
construção lá do alto, vão precisar de tijolos. Querem falar com você, disse
Just.
— O homem, de repente,
esqueceu a timidez, como movido por mola, levantou-se e os convidou a entrar na
pequena casa.
Sua mulher, quando viu
aquele grupo, correu com os filhos para um quarto.
— Bem Goro, vamos precisar de
muitos tijolos, muitos mesmo. Mas tem uma coisa, vai necessitar queimá-los.
— Queimar? Como?
Gilbert, retirando do bolso
um papel com desenhos, o abriu e mostrou:
— Veja, primeiro tem que
construir esta armação com blocos secos. Pode arranjar quantos ajudantes
quiser, para não demorar. Enquanto uma turma vai construindo o forno, outra
deverá continuar a fabricar tijolões. Para nos atender vai precisar de quatro
queimadores. Também haverá necessidade de pessoal para cortar lenha. Just
pagará todas as despesas. Você entendeu?
— Entendi. Desse jeito vou
ficar rico!
— Se trabalhar bem, vai, receberá
a quarta parte do preço que vende cada um agora.
O oleiro, ficou pensativo,
como ia poder fazer por aquele preço? Estava satisfeito, mas aquilo o
encabulou, perguntou:
— Mas só isto, por que?
— Simples Goro, irá somente
administrar e acompanhar o trabalho, enquanto normalmente você faria um tijolo
hoje, seus trabalhadores poderão fazer cinquenta ou mais e para cada um deles
terá a participação que lhe falei. Ainda vai ganhar os fornos e depois que
terminarmos a escola, os trabalhadores serão por sua conta, se quiser continuar
a produção, não teria de pagá-los com o lucro?
— Compreendi, é que não
estou acostumado a fazer contas, nem esperava uma oferta assim. Está ótimo!
Quando posso começar?
— Aguarde um pouco, venho
lhe avisar, observou Just.
Antes de saírem, Vítor
resolveu perguntar ao fabricante de tijolos:
— Você tem matéria prima
necessária? Vendo que o homem não entendera, repetiu: Você tem barro necessário
para mais de um milhão de tijolões?
— Um milhão? Vamos ao lugar
onde tiro o barro.
Ficava perto, foram até lá,
Vítor verificou e voltou satisfeito.
— Tem material para muito
tempo, tranquilo.
— Não pensaram numa coisa.
Precisarão de muitos conis e carros para o transporte.
— Não se preocupe Just,
viremos buscá-los com máquinas. Começamos uma estrada que chegará até aqui. De
qualquer forma não vamos dispensar o transporte pelos meios que possuem.
Goro, por sua vez
interpelou:
— Como vou saber quando
retirar os tijolos do forno. Entendi tudo, apenas isto está me preocupando.
— Quando colocar a primeira
remessa para queimar, Borato virá orientá-lo.
— Eu?
— Está aqui perto, peça
informação para Jansen, ele verá no sistema. Este dado não foi anotado.
Enquanto o grupo se
distanciava, o pobre nativo extravasou sua alegria, chamou a mulher e dançou
com ela, que nada entendera.
— — —
Na Astronave, Kalil não se
entusiasmara com a proposta de Regis. Deixar a namorada e ficar na superfície,
não estava nos seus planos. Sentia-se numa situação incômoda, teria preferido
que o professor não tivesse feito a pergunta.
Encontrando Kiria,
contou-lhe irritado, se preocupando com a resposta que teria de fornecer.
Também ficou triste, não queria vê-lo distante.
— Que situação! Se digo que
não quero ir, poderá me julgar um irresponsável. Se aceito, vou contrariado e a
deixo na mesma situação. Será que está me experimentando?
— Pense bem Kalil, temos
toda vida pela frente, isto pode ser muito importante, não deixará de ser um
filho de Rei a estar presente nas obras.
— Mas e na sua Nação?
— Por acaso não vamos nos
casar?
— Regis é muito astuto, dele
não escapa nada, principalmente com relação a nós. Percebo isto em cada
pergunta que faz, em cada explicação que dá, sempre há uma direção para suas
palavras. O que me intriga é que sequer me deu tempo para uma resposta
imediata, disse que sabia que iria conversar com você primeiro.
— E não ia?
— Não sei. Pensando em nós,
teria solicitado ficar na Roda.
— Acho que posso entender. A
lição pode ser: no casamento as decisões que podem afetar o convívio no lar
devem ser estudadas por ambos. O bom senso deve prevalecer.
— Vou descobrir, vou
aceitar.
Conforme o professor
solicitara, Kalil após assistir a aula, permaneceu na sala e se aproximou de
Regis.
— Qual é a sua resposta?
— Eu aceito.
— Queria ouvir isto. Você
irá visitar as construções quando estiverem pela metade, até lá ainda haverá
muito tempo. Nesse período não vai parar, vou querer mais plantas de
construções. Poderá executá-las aos poucos, não há pressa. Se souber que ficará
sem dormir para isto, passarei o trabalho para outro.
— Esforcei muito porque o
tempo era muito limitado.
— Porque não disse?
— Não possuía a experiência
necessária.
— Vamos ao que interessa,
quero que esquematize duas sedes de Governo, um pouco diferentes uma da outra.
Também as duas cidades respectivas, de forma a representarem bem como capitais
das duas Nações. Um plano de urbanização completo, com tudo que puder ser
adaptado de moderno, mas viável para o futuro. Da mesma forma, uma planta
mestra para as demais cidades. Este é um trabalho para ser entregue quando se
aproximar a descida dos Marinenses para a superfície. Servirá como prova de
capacitação.
Mas não é só isto,
independente do programa escolar, preciso que me providencie uma outra planta
mestra. Esta me deverá entregar no mais breve tempo que puder, sem exagero.
Vou lhe dizer o motivo.
Antes das inundações começarem, faremos o desmatamento e a terraplanagem para
todas a vilas que tiverem de ser transferidas. Pretendo fornecer aos Reis
cópias da mesma. Portanto, servirão de base para as novas instalações. Serão
edificadas pelos próprios habitantes, com os materiais que possuem. Compreendeu
bem Kalil.
— Sim, vou fazer o possível
para executar um projeto simples e de acordo com a vida atual na superfície.
— Ótimo. Agora voltando aos
projetos iniciais e de longo prazo. Seria oportuno que estudasse com seus
companheiros as capacidades no futuro, até onde poderiam chegar em termos de
produção. Baseado numa realidade estimada, faça adaptação dos materiais que
poderão ser produzidos.
— Entendi, para exemplo, se
torneiras, canos, rede elétrica e outros, forem possíveis dentro de vinte anos,
as plantas deverão ser elaboradas contendo tais itens.
— Perfeito Kalil, esta era a
verdadeira conversa. É muito importante o que tem pela frente. Escolha alguns
amigos, forme uma equipe. Peça ajuda a Kiria. Quando voltarem, tudo deverá
estar planejado.
— Pena que não possamos
iniciar com moradias modernas, já nas transferências das Vilas.
— Não haveria tempo, o risco
seria muito grande. As fendas estão cada vez maiores, em breve enormes blocos
de gelo deslizarão para o mar, aumentando o volume das águas. As aldeias marítimas
serão as primeiras a sofrerem as consequências.
— Compreendo, dentro de
alguns dias entregarei a planta simples.
— Está bem Kalil, vi que
anotou tudo. Agora pode ir.
Kiria ficou esperando o
namorado, quando saiu disse:
— Puxa! Como demorou. Estava
quase indo embora.
— Nós estávamos certos.
Não passava de um teste.
O que ele quer mesmo são
novas plantas, para as quais teremos muita dificuldade para elaborá-las. Há só
uma que deverá entregar em alguns dias.
— Você disse teremos?
— Sim, vou lhe explicar.
E continuaram conversando
por longo tempo.
— — —
A engrenagem do tempo não
para. As construções escolares tomaram forma. O que podia ser aproveitado de
matéria prima local estava sendo usada. Tijolões, parte das ferragens e outros
produtos eram fornecidos.
Geólogos introduzidos no
projeto, descobriram áreas calcárias próximas, assim, cal e cimento foram
conseguidos, em processos simples de queima. Chaminés começaram a surgir na
densa e verde vegetação.
A ordem da Central era a de
utilizar o que fosse possível do planeta. A finalidade, dar àquele povo ideias
da transformação da matéria.
Utilizando processos
rudimentares, mas eficientes, os terrestres foram ensinando os locais. Faziam o
protótipo e mostravam aos peludos os procedimentos.
Visitaram a pobre siderurgia
e mostraram a adição de processos mais eficazes, inclusive para chegarem ao
aço.
A cidade espacial esvaziava,
mais de quinhentas pessoas desceram para os locais das obras. Muitos veículos
aéreos permaneceram no solo, permitindo se locomoverem.
Os nativos ficaram muito
apreensivos com tudo aquilo, mas o dinheiro jorrava, os Reis queriam as
escolas. Ambos foram visitar as áreas de trabalho e viram as fantásticas
edificações. Ficaram espantados ao observarem peludos sobre tratores. Outros
carregavam materiais, assentavam tijolos, calçavam ruas, uniam tubulações, se
misturando normalmente com os quase imberbes humanos.
Cerca de um ano do início
das fundações, Regis cumpriu a promessa feita a Kalil, mandando-o para
vistoriar as obras.
Muito bem recebido por
Campelo, teve a oportunidade de ver seu desenho ser erguido na forma de grandes
colunas e paredes perfeitas, nenhum detalhe fora esquecido. Como se fosse ele
mesmo que estivesse à frente das obras. Examinou os alicerces e viu solidez. Em
dado momento, perguntou:
— Como conseguiram estes
tijolos?
— A história é longa, a
produção fica bem fora desta área, tivemos de ensinar como fabricá-los. Não
usavam nem taipa nesta área, tudo era de madeira.
— Gostei, são fortes.
O jovem fez muitas anotações,
orientou sobre tudo que merecia atenção. Passou dias ali, imaginando o lugar
fervilhando de estudantes. Depois foi para Catun visitar os pais.
Um dia muito feliz para Sato
e Tat, que não viam no rapaz o grande Rei, mas o grande arquiteto, capaz de modificar
aquele mundo.
O Rei sentia tanto orgulho,
que fez questão de acompanhá-lo na visita ao grande colégio que se erguia em
Nogos.
Quando chegaram em Prince,
grandiosa festa os esperava. Homens com tradicionais instrumentos musicais
tiravam notas que alegravam a pequena multidão.
Somente no dia seguinte,
conseguiram subir a estrada num dos veículos. Sato havia estado lá, mas quando
chegou, não deixou de exclamar:
— Que magnífico! Já é
possível perceber como ficará.
— Sim meu pai, parte das
ruas estão calçadas, as casas começam a aparecer.
Gilbert mandara construir
uma habitação provisória para eles, passaram vários dias no local.
Quando voltaram para Catun,
a nave que levaria Kalil chegaria em uma semana. Oportunidade que aproveitou
para passar aquele tempo com seus pais.
Tat, apesar da admiração e
do orgulho que sentia pelo filho, não conseguia vê-lo sem a coroa. Assim, num
momento que estavam a sós, disse:
— Você é homem, precisa ser
o Rei. Como pode deixar o trono para Suni?
— Mãe, esqueça isto. A senhora
fala contra sua própria qualidade como pessoa. Se julga inferior aos homens ,
por ser mulher?
— Não mude de assunto filho.
— Não estou mudando, estou
defendendo Suni. Veja, ela quer governar, tem o dom para isto. Você deveria ser
a primeira a apoiá-la. Ela representa a igualdade do homem e da mulher.
— Mas o homem é quem domina,
nunca uma mulher, isto desde o começo dos tempos.
— Ora, porque nunca tentaram
mudar. Sei que tem lido sobre a vida dos terrestres. Sabe perfeitamente que
entre eles não havia distinção de sexo. Governadores ou governadoras dirigiam
as nações.
— Mas somos outro povo,
diferente deles.
— Não somos, com o tempo
perderemos nossos pelos e ficaremos iguais.
Acredito no direito de
existir e ser livre. Livre para escolher os caminhos de minha vida. Meu pai me
entendeu, já aceitou minha irmã.
— Sei disto, ele pretende
transferir o trono logo que ela voltar.
— Então mãe? Não há muito
tempo, comece a espalhar a notícia, todas as mulheres da nação precisam mudar
de mentalidade, isto facilitará a posse.
— Bem, vou tentar ver por
outro lado.
Tenho outra coisa que
preciso lhe falar, é sobre seu romance com Kiria. Não que possa falar mal dela,
sou amiga de Vina. Guerreamos tantos anos, que não consigo vê-lo casado com
ela.
— Lembre-se que lhe disse
ser livre, assim quero continuar. Reconheço que poderia ter me apaixonado por
uma terráquea ou nogolana, mas nunca consegui ver em outra o que encontro nela.
Tenho certeza que vai adorá-la. Com o apoio que me dá, vou construir uma nova
nação, ou melhor um novo mundo.
— Não entendo, disse que não
vai ser Rei!
— Minha mãe, quando falo de
construir é construir mesmo. Edificar casas, cidades inteiras, conviver com
operários, andar em cima de vigas, progredir.
— Está bem meu filho, não
vou dizer mais nada. Sou uma ignorante perto de você.
— Para mim, você é a mais
inteligente do mundo, a melhor mãe do universo.
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