domingo, 5 de outubro de 2014

OS PROJETOS SAEM DO PAPEL


Sob frio intenso, a equipe do Engenheiro Gilbert, munida de grossas vestimentas faziam um círculo à volta da fogueira. Trinta homens ao todo. Haviam concluído o nivelamento do terreno. Próximo a eles, nas bordas da grande área plana, o barracão de madeira estava quase pronto, em breve não ficariam mais ao relento. Esta era a situação dos homens da cidade espacial escolhidos para o trabalho no território dos Nogos.
Em idênticas condições e altitude, outro grupo, também de trinta homens se postavam em área elevada na Nação Suma, sob direção do Engenheiro Campelo.
Tanto um quanto outro, tão logo o sol de Marino amenizasse e derretesse a fina camada de gelo formada durante a noite, iniciariam a construção das primeiras estradas permitindo o acesso às Vilas.
Vamos acompanhar uma das equipes para observar aqueles terrestres que pela primeira vez viviam na superfície, diretamente em contato com a natureza.
Ambos chefes de turmas eram jovens e corajosos, aprenderam a língua nativa e haviam estudado detalhadamente os procedimentos, tudo fizeram para serem enquadrados no projeto. Estavam lá por vontade própria, se inscreveram e passaram em testes, partindo dispostos a enfrentarem quaisquer situações.
Entre os dois, Gilbert era o mais novo, solteiro, não possuindo mais que vinte e três anos. Sua irmã Virgínia e seus pais chegaram a pedir a Regis, que não o colocasse na missão. Pela própria irmã, acabou se inteirando da interferência, houve discussão em família.
Era muito inteligente, não queria perder a oportunidade que lhe surgira, percebera que aquele mundo também era dele e de seus filhos, que alguém havia de começar a construí-lo, por que não ele?
Olhando o fogo que crepitava e sob o delicioso calor que emanava, seus pensamentos reviam sua vida, desde os tempos de criança.
Conhecia palmo a palmo a imutável cidade espacial.
Sempre rodeado de todo conforto, crescera sadio, mas algo no íntimo o impelia a sair dali. Era comum atravessar lateralmente o pequeno território para apalpar a grossa armadura que subia a perder de vista. Era quando percebia que estava enjaulado, preso a um enorme túnel metálico. Como então não iria aproveitar aquela oportunidade?
Embora a escuridão da noite, sentia-se livre, em pleno centro daquele País. Dois meses haviam passado, até se habituara com as novas condições. Em cada amanhecer, via a sua volta a extrema beleza de um horizonte magnífico, entremeado pelo azul salpicado de alvas nuvens. Aquilo preenchia todo vazio que amargurara durante toda sua existência.
Os homens sob seu comando reclamavam do frio, mas trabalhavam felizes, também pareciam sentirem-se livres das amarras. Seu auxiliar imediato, Vítor, era mais que isto, era seu amigo.
Enquanto o sono não vinha, vez ou outras conversavam, assim Gilbert comentou:
— Toda área já está pronta, logo que amanhecer, desceremos a trilha que lhe mostrei. Deve nos levar a aldeia Prince.
Levaremos nossas armas, facões para abrir passagens e calçaremos botas.
— Correto, Corin nos explicou, até escreveu sobre os cuidados que devemos ter. Disse para ficarmos atentos, podem existir feras, bandidos e cobras em nosso caminho. E quanto ao pessoal?
— Eles começarão a abrir a estrada, já orientei o Tom.
Os instrutores Borato e Lúcia deverão estar nos esperando, apenas não sabem quando vamos chegar.
Levaremos também algum material para fazermos o traçado do caminho a ser construído. Temos de descobrir o lugar onde extraem o barro para tijolos.
— Gilbert, os tijolos deles não servem.
— Servem sim, é com eles que vamos construir quase tudo, vamos ensiná-los como queimarem os mesmos.
Agora vamos descansar, vamos ter muito o que fazer.

Mal o dia clareou, o coordenador da construção acordou o pessoal. Já estava pronto, tomou café, separou alguns alimentos e tudo que era necessário. Colocou na mochila amarrando-a em suas costas. Acompanhado do Vítor que fizera o mesmo, puseram-se a caminho.
A trilha era estreita, logo os cipós e folhagens os obrigaram a fazer uso dos pesados facões. Levaram comunicadores e nos coldres automáticas para qualquer emergência.
Não demorou muito:
— Cuidado Vítor, veja! Fique quieto, não se mova!
Retirou cuidadosamente a arma e disparou. A enorme cobra que estava sobre o amigo despencou se debatendo, o tiro fora certeiro.
— Escapei por pouco! Deve ter mais de quatro metros.
— Vamos com cuidado, onde tem uma tem mais.
Assim, continuaram, muitas folhas cobriam a úmida terra sob seus pés. Viram outras serpentes, mas distantes. Em certo ponto, o estreito caminha se bifurcava para a lateral e para baixo. Obviamente tomaram o que continuava descendo.
Já estavam caminhando a cerca de três horas. Numa pequena clareira pararam para descansar e alimentar. Caminhar naquela floresta, não deixava de ser o contato com a natureza pura. Sentiam medo e admiração, não fosse a trilha já existente, com certeza se perderiam.
— Já andamos tanto, que realmente não sei onde estamos. Não vejo a hora de sair disto. Comentou Vítor, enquanto abria uma conserva.
— Tem razão, tudo isto é muito estranho para nós. Tomara que não tenhamos problemas.
Mal terminara de pronunciar a frase, uma lança precisa penetra a árvore no momento que acabara de sair do local.
— Estamos sendo atacados Vítor! Vamos nos esconder!  
Imediatamente procuraram refúgio atrás dos troncos, entre os arbustos. Outras lanças passaram rentes. Não havendo escolha, vendo o feroz grupo correr na direção deles, abriram fogo. Aqueles homens, pegos pela surpresa, caiam feridos ou mortos uns após outros. Os que sobraram, fugiram espavoridos.
Não refeitos do susto, os terrestres, ainda trêmulos saíram do local, continuaram descendo por um bom tempo, mudos, apenas procurando ganhar distância. Assim, chegaram a uma estrada estreita, e pouco mais adiante encontraram as casas do povoado.
— Deve ser Prince, vamos procurar Borato, disse Gilbert, ainda muito tenso.
Alguns habitantes que começaram a encontrar, passavam por eles assustados, a esquisita vestimenta fazia com que parecessem figuras estranhas. Não deixavam de temê-los. Haviam descido da montanha, de onde a pouco tempo, ouviram os fortes estrondos. Depois o ronco de coisas que pareciam monstros.
Não adiantara muito o esforço de Lúcia e Borato, procurando explicar. O templo do Skan passou a ser constantemente visitado, principalmente por mulheres. Sentiam medo daquilo. O jovem sacerdote foi quem na realidade amenizou a situação.
O Guardião Just veio ao encontro deles, já havia sido esclarecido pelo governador.
Gilbert, vendo aquele homem, não exageradamente peludo, com vistosa vestimenta, logo percebeu tratar-se do Chefe da Vila. Apesar de seu estado emocional, sabia um pouco da língua nativa, cumprimentou e pediu ajuda para encontrar Borato. Sendo imediatamente atendido, pois estava bem em frente a casa do instrutor.
Nesse meio tempo, Lúcia abriu a porta e deparou com eles, convidando-os a entrar. Borato também os recebeu.
Estavam nervosos, intranquilos, preocupando muito os donos da casa.
— O que aconteceu com vocês, parecem muito nervosos? Perguntou Borato.
— Matamos muitas pessoas na montanha, estávamos armados e para nos defender tivemos de atirar. Um bando de homens furiosos aproximou de nós atacando com lanças.
Nunca fizemos isto, estamos apavorados. E agora? Falou Vítor.
— É verdade Borato, os corpos ainda estão lá, se os companheiros que sobreviveram não levaram. Tivemos que recarregar as armas, não queríamos morrer! Completou Gilbert.
— Acalmem-se, acabaram não fazendo nada de errado. Certeza que era o bando do Cobra. Facínoras da pior espécie, se tivessem facilitado, esta hora estariam mortos. Quando Just e a população souberem, serão transformados em heróis.
O Guardião já perdeu tantos homens, tentando atacá-los que ninguém mais quer entrar para a guarda. Já estávamos até preparando para pedir ajuda a Central, só não o fizemos porque pensamos que o bombardeio para o desmatamento iria afastá-los.
Diante da explicação de Borato, os jovens se tranquilizaram. Gilbert, então complementou:
— Temos muito assunto a tratar. Apesar de me sentir aliviado com suas palavras, estamos extenuados, física e moralmente, se nos permitisse, gostaríamos de descansar um pouco.
Tomem um bom banho, se alimentem e durmam. Amanhã será outro dia.

No dia seguinte, estavam bem dispostos, Lúcia lhes preparou um bom café. Após, totalmente recuperados, passaram para a sala, onde Borato e esposa os esperavam.
O engenheiro explicou seu trabalho, disse que as obras iam ter início e que chegara o momento do auxílio dos nogolanos. Borato, após ouvi-lo observou:
— Esta Vila é pobre, há miséria, o ganho é pouco e as desavenças são muitas. Podem crer que será a melhor notícia que poderiam receber.
— Mas se há falta de dinheiro, isto vai ter, haverá empregos para todos, atalhou Vítor.
— Bem, vamos para os detalhes, disse Gilbert, continuando:
Embora o estado em que estava, percebi que a maioria das casas daqui são feitas de tijolões, preciso que me leve ao local onde são produzidos.
— São feitos aqui perto, na maioria das vezes pelos próprios construtores, comentou Lúcia.
— Tem alguém que se dedique somente a isto?
— Goro, que saiba não faz outra coisa. Nem sempre tem serviço, é um dos mais pobres da aldeia, completou Borato.
Antes de mais nada, devo lhes dizer que Jansen me informou detalhes do que vai ser feito, inclusive sobre alguns procedimentos. Just, será o contratador oficial, fará todos os pagamentos. Assim, temos que falar com ele para as providências. Vamos até a sede da guarda.
 
Lúcia foi cuidar de outros afazeres, enquanto Borato e as visitas foram procurar o Guardião. Este os acolheu com a maior cortesia possível, logo dizendo a esposa para preparar algo para tomarem.
Sentado em uma tosca cadeira, aquele homem parecia um velho, não pela pouca pelagem ou pela face ainda jovem, mas pelo olhar que refletia amargura. A esposa, uma bela moça, apresentava os mesmos sintomas.
Borato, que era amigo dele, foi o primeiro a falar:
— Estes são Gilbert e Vítor, vieram para uma conversa.
— Estou a disposição para o que puder ser útil.
— Mas, antes de se entenderem, deixa lhe contar um fato. Fique sabendo que eles deram fim no bando do Cobra.
Uma radical mudança transformou aquele rosto, que pareceu renascer. A mulher também ouvira e correu para perto do marido.
— Por favor, nos conte como foi, pediu ela.
Gilbert explicou detalhadamente todos os problemas que encontraram pelo caminho, detalhando o ataque dos bandidos.
— Ah! Se tivesse uma coisa dessas! Exclamou o Guardião.
— Bem Just, nós estamos terminantemente proibidos de usá-las contra um ser humano, mas não tivemos saída.
— Nos fez um enorme favor. Não eram gente, eram animais na forma de pessoas, matavam sem piedade, precisavam ser eliminados. Agora estamos livres, vou mandar os guardas removerem os corpos ou enterrá-los.
Sei que o motivo de virem até aqui é outro. O Rei me enviou autorização para atendê-los em tudo que necessitarem, já esperava por vocês.
— Então deve saber que seu Rei pediu para construirmos um lugar para ensino. Vamos depender de muitas coisas, uma delas será a de contratar pessoal para nos ajudar na obra. Vamos precisar de muita gente. Conforme nosso Chefe disse, o Rei pagará bem, portanto se ainda não recebeu, o dinheiro deve estar a caminho. A medida que necessitarmos de trabalhadores, vamos lhe informando. De imediato, cinquenta já podem subir. Para cada grupo de dez, um encarregado. Não precisam levar ferramentas, apenas uma relação com seus nomes.
Vou também falar com Goro, sobre tijolos, cujo pagamento também deverá ser feito por você. Inclusive, se quiser me acompanhar, seria bom, porque vai envolver mais gente.
Just, por sua vez, explicou:
— Quando recebi a ordem para evacuar a área, fui também informado para aguardar outras, mas nada foi dito sobre a contratação ou dinheiro.
— Provavelmente para ser evitado assalto, mas é verdade, deve chegar a qualquer momento. Informou Gilbert, que também aproveitou o momento para entregar ao Guardião, um pequeno rádio comunicador, dizendo:
Vai precisar disto, para nos mantermos em contato. Depois Vítor lhe explica como funciona.
Just pegou o objeto, automaticamente colocou no bolso e acompanhou os terrestres na visita a Goro.
Atravessaram a aldeia, caminharam por algum tempo para chegarem até a humilde casa do oleiro. Encontraram-no amassando barro e colocando em formas.
— Olá Goro, disse Borato ao avistá-lo.
— Como vai, parando no meio da frase, ao ver o grupo de pessoas, surpreendendo-se com os dois estranhos.
— Goro, estes homens são da construção lá do alto, vão precisar de tijolos. Querem falar com você, disse Just.
— O homem, de repente, esqueceu a timidez, como movido por mola, levantou-se e os convidou a entrar na pequena casa.
Sua mulher, quando viu aquele grupo, correu com os filhos para um quarto.
— Bem Goro, vamos precisar de muitos tijolos, muitos mesmo. Mas tem uma coisa, vai necessitar queimá-los.
— Queimar? Como?
Gilbert, retirando do bolso um papel com desenhos, o abriu e mostrou:
— Veja, primeiro tem que construir esta armação com blocos secos. Pode arranjar quantos ajudantes quiser, para não demorar. Enquanto uma turma vai construindo o forno, outra deverá continuar a fabricar tijolões. Para nos atender vai precisar de quatro queimadores. Também haverá necessidade de pessoal para cortar lenha. Just pagará todas as despesas. Você entendeu?
— Entendi. Desse jeito vou ficar rico!
— Se trabalhar bem, vai, receberá a quarta parte do preço que vende cada um agora.
O oleiro, ficou pensativo, como ia poder fazer por aquele preço? Estava satisfeito, mas aquilo o encabulou, perguntou:
— Mas só isto, por que?
— Simples Goro, irá somente administrar e acompanhar o trabalho, enquanto normalmente você faria um tijolo hoje, seus trabalhadores poderão fazer cinquenta ou mais e para cada um deles terá a participação que lhe falei. Ainda vai ganhar os fornos e depois que terminarmos a escola, os trabalhadores serão por sua conta, se quiser continuar a produção, não teria de pagá-los com o lucro?
— Compreendi, é que não estou acostumado a fazer contas, nem esperava uma oferta assim. Está ótimo! Quando posso começar?
— Aguarde um pouco, venho lhe avisar, observou Just.
Antes de saírem, Vítor resolveu perguntar ao fabricante de tijolos:
— Você tem matéria prima necessária? Vendo que o homem não entendera, repetiu: Você tem barro necessário para mais de um milhão de tijolões?
— Um milhão? Vamos ao lugar onde tiro o barro.
Ficava perto, foram até lá, Vítor verificou e voltou satisfeito.
— Tem material para muito tempo, tranquilo.
— Não pensaram numa coisa. Precisarão de muitos conis e carros para o transporte.
— Não se preocupe Just, viremos buscá-los com máquinas. Começamos uma estrada que chegará até aqui. De qualquer forma não vamos dispensar o transporte pelos meios que possuem.
Goro, por sua vez interpelou:
— Como vou saber quando retirar os tijolos do forno. Entendi tudo, apenas isto está me preocupando.
— Quando colocar a primeira remessa para queimar, Borato virá orientá-lo.
— Eu?
— Está aqui perto, peça informação para Jansen, ele verá no sistema. Este dado não foi anotado.
Enquanto o grupo se distanciava, o pobre nativo extravasou sua alegria, chamou a mulher e dançou com ela, que nada entendera.

— — —

Na Astronave, Kalil não se entusiasmara com a proposta de Regis. Deixar a namorada e ficar na superfície, não estava nos seus planos. Sentia-se numa situação incômoda, teria preferido que o professor não tivesse feito a pergunta.
Encontrando Kiria, contou-lhe irritado, se preocupando com a resposta que teria de fornecer. Também ficou triste, não queria vê-lo distante.
— Que situação! Se digo que não quero ir, poderá me julgar um irresponsável. Se aceito, vou contrariado e a deixo na mesma situação. Será que está me experimentando?
— Pense bem Kalil, temos toda vida pela frente, isto pode ser muito importante, não deixará de ser um filho de Rei a estar presente nas obras.
— Mas e na sua Nação?
— Por acaso não vamos nos casar?
— Regis é muito astuto, dele não escapa nada, principalmente com relação a nós. Percebo isto em cada pergunta que faz, em cada explicação que dá, sempre há uma direção para suas palavras. O que me intriga é que sequer me deu tempo para uma resposta imediata, disse que sabia que iria conversar com você primeiro.
— E não ia?
— Não sei. Pensando em nós, teria solicitado ficar na Roda.
— Acho que posso entender. A lição pode ser: no casamento as decisões que podem afetar o convívio no lar devem ser estudadas por ambos. O bom senso deve prevalecer.
— Vou descobrir, vou aceitar.

Conforme o professor solicitara, Kalil após assistir a aula, permaneceu na sala e se aproximou de Regis.
— Qual é a sua resposta?
— Eu aceito.
— Queria ouvir isto. Você irá visitar as construções quando estiverem pela metade, até lá ainda haverá muito tempo. Nesse período não vai parar, vou querer mais plantas de construções. Poderá executá-las aos poucos, não há pressa. Se souber que ficará sem dormir para isto, passarei o trabalho para outro.
— Esforcei muito porque o tempo era muito limitado.
— Porque não disse?
— Não possuía a experiência necessária.
— Vamos ao que interessa, quero que esquematize duas sedes de Governo, um pouco diferentes uma da outra. Também as duas cidades respectivas, de forma a representarem bem como capitais das duas Nações. Um plano de urbanização completo, com tudo que puder ser adaptado de moderno, mas viável para o futuro. Da mesma forma, uma planta mestra para as demais cidades. Este é um trabalho para ser entregue quando se aproximar a descida dos Marinenses para a superfície. Servirá como prova de capacitação.
Mas não é só isto, independente do programa escolar, preciso que me providencie uma outra planta mestra. Esta me deverá entregar no mais breve tempo que puder, sem exagero.
Vou lhe dizer o motivo. Antes das inundações começarem, faremos o desmatamento e a terraplanagem para todas a vilas que tiverem de ser transferidas. Pretendo fornecer aos Reis cópias da mesma. Portanto, servirão de base para as novas instalações. Serão edificadas pelos próprios habitantes, com os materiais que possuem. Compreendeu bem Kalil.
— Sim, vou fazer o possível para executar um projeto simples e de acordo com a vida atual na superfície.
— Ótimo. Agora voltando aos projetos iniciais e de longo prazo. Seria oportuno que estudasse com seus companheiros as capacidades no futuro, até onde poderiam chegar em termos de produção. Baseado numa realidade estimada, faça adaptação dos materiais que poderão ser produzidos.
— Entendi, para exemplo, se torneiras, canos, rede elétrica e outros, forem possíveis dentro de vinte anos, as plantas deverão ser elaboradas contendo tais itens.
— Perfeito Kalil, esta era a verdadeira conversa. É muito importante o que tem pela frente. Escolha alguns amigos, forme uma equipe. Peça ajuda a Kiria. Quando voltarem, tudo deverá estar planejado.
— Pena que não possamos iniciar com moradias modernas, já nas transferências das Vilas.
— Não haveria tempo, o risco seria muito grande. As fendas estão cada vez maiores, em breve enormes blocos de gelo deslizarão para o mar, aumentando o volume das águas. As aldeias marítimas serão as primeiras a sofrerem as consequências.
— Compreendo, dentro de alguns dias entregarei a planta simples.
— Está bem Kalil, vi que anotou tudo. Agora pode ir.
Kiria ficou esperando o namorado, quando saiu disse:
— Puxa! Como demorou. Estava quase indo embora.
— Nós estávamos certos.
Não passava de um teste.
O que ele quer mesmo são novas plantas, para as quais teremos muita dificuldade para elaborá-las. Há só uma que deverá entregar em alguns dias.
— Você disse teremos?
— Sim, vou lhe explicar.
E continuaram conversando por longo tempo.

— — —

A engrenagem do tempo não para. As construções escolares tomaram forma. O que podia ser aproveitado de matéria prima local estava sendo usada. Tijolões, parte das ferragens e outros produtos eram fornecidos.
Geólogos introduzidos no projeto, descobriram áreas calcárias próximas, assim, cal e cimento foram conseguidos, em processos simples de queima. Chaminés começaram a surgir na densa e verde vegetação.
A ordem da Central era a de utilizar o que fosse possível do planeta. A finalidade, dar àquele povo ideias da transformação da matéria.
Utilizando processos rudimentares, mas eficientes, os terrestres foram ensinando os locais. Faziam o protótipo e mostravam aos peludos os procedimentos.
Visitaram a pobre siderurgia e mostraram a adição de processos mais eficazes, inclusive para chegarem ao aço.
A cidade espacial esvaziava, mais de quinhentas pessoas desceram para os locais das obras. Muitos veículos aéreos permaneceram no solo, permitindo se locomoverem.
Os nativos ficaram muito apreensivos com tudo aquilo, mas o dinheiro jorrava, os Reis queriam as escolas. Ambos foram visitar as áreas de trabalho e viram as fantásticas edificações. Ficaram espantados ao observarem peludos sobre tratores. Outros carregavam materiais, assentavam tijolos, calçavam ruas, uniam tubulações, se misturando normalmente com os quase imberbes humanos.
Cerca de um ano do início das fundações, Regis cumpriu a promessa feita a Kalil, mandando-o para vistoriar as obras.
Muito bem recebido por Campelo, teve a oportunidade de ver seu desenho ser erguido na forma de grandes colunas e paredes perfeitas, nenhum detalhe fora esquecido. Como se fosse ele mesmo que estivesse à frente das obras. Examinou os alicerces e viu solidez. Em dado momento, perguntou:
— Como conseguiram estes tijolos?
— A história é longa, a produção fica bem fora desta área, tivemos de ensinar como fabricá-los. Não usavam nem taipa nesta área, tudo era de madeira.
— Gostei, são fortes.
O jovem fez muitas anotações, orientou sobre tudo que merecia atenção. Passou dias ali, imaginando o lugar fervilhando de estudantes. Depois foi para Catun visitar os pais.
Um dia muito feliz para Sato e Tat, que não viam no rapaz o grande Rei, mas o grande arquiteto, capaz de modificar aquele mundo.
O Rei sentia tanto orgulho, que fez questão de acompanhá-lo na visita ao grande colégio que se erguia em Nogos.
Quando chegaram em Prince, grandiosa festa os esperava. Homens com tradicionais instrumentos musicais tiravam notas que alegravam a pequena multidão.
Somente no dia seguinte, conseguiram subir a estrada num dos veículos. Sato havia estado lá, mas quando chegou, não deixou de exclamar:
— Que magnífico! Já é possível perceber como ficará.
— Sim meu pai, parte das ruas estão calçadas, as casas começam a aparecer.
Gilbert mandara construir uma habitação provisória para eles, passaram vários dias no local.
Quando voltaram para Catun, a nave que levaria Kalil chegaria em uma semana. Oportunidade que aproveitou para passar aquele tempo com seus pais.
Tat, apesar da admiração e do orgulho que sentia pelo filho, não conseguia vê-lo sem a coroa. Assim, num momento que estavam a sós, disse:
— Você é homem, precisa ser o Rei. Como pode deixar o trono para Suni?
— Mãe, esqueça isto. A senhora fala contra sua própria qualidade como pessoa. Se julga inferior aos homens , por ser mulher?
— Não mude de assunto filho.
— Não estou mudando, estou defendendo Suni. Veja, ela quer governar, tem o dom para isto. Você deveria ser a primeira a apoiá-la. Ela representa a igualdade do homem e da mulher.
— Mas o homem é quem domina, nunca uma mulher, isto desde o começo dos tempos.
— Ora, porque nunca tentaram mudar. Sei que tem lido sobre a vida dos terrestres. Sabe perfeitamente que entre eles não havia distinção de sexo. Governadores ou governadoras dirigiam as nações.
— Mas somos outro povo, diferente deles.
— Não somos, com o tempo perderemos nossos pelos e ficaremos iguais.
Acredito no direito de existir e ser livre. Livre para escolher os caminhos de minha vida. Meu pai me entendeu, já aceitou minha irmã.
— Sei disto, ele pretende transferir o trono logo que ela voltar.
— Então mãe? Não há muito tempo, comece a espalhar a notícia, todas as mulheres da nação precisam mudar de mentalidade, isto facilitará a posse.
— Bem, vou tentar ver por outro lado.
Tenho outra coisa que preciso lhe falar, é sobre seu romance com Kiria. Não que possa falar mal dela, sou amiga de Vina. Guerreamos tantos anos, que não consigo vê-lo casado com ela.
— Lembre-se que lhe disse ser livre, assim quero continuar. Reconheço que poderia ter me apaixonado por uma terráquea ou nogolana, mas nunca consegui ver em outra o que encontro nela. Tenho certeza que vai adorá-la. Com o apoio que me dá, vou construir uma nova nação, ou melhor um novo mundo.
— Não entendo, disse que não vai ser Rei!
— Minha mãe, quando falo de construir é construir mesmo. Edificar casas, cidades inteiras, conviver com operários, andar em cima de vigas, progredir.
— Está bem meu filho, não vou dizer mais nada. Sou uma ignorante perto de você.

— Para mim, você é a mais inteligente do mundo, a melhor mãe do universo.

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