segunda-feira, 1 de junho de 2009

Livro - OS ESTRANHOS

Os Estranhos



1999



Dedico este livro a minha Esposa
e a meus Filhos


Armando de Oliveira Caldas



Introdução


Escrever sobre a vida em outras estrelas não deve ser considerado coisa de visionário. Já estamos num estágio em que isto não se enquadra simplesmente no campo da fantasia.
A ciência caminha em incrível velocidade, não tardando o dia em que o homem entre em seu navio na busca do desconhecido, da mesma forma como fizeram nossos antepassados quando descobriram a América.
A formação dos elementos e das substâncias parece imutável. Assim, num planeta de características análogas as da Terra, a vida deverá se proliferar da mesma forma. Lógico que incoerências de clima e pressão poderão afetar aspectos físicos, não impedindo desenvolvimentos cerebrais até mais eficazes dos que os nossos.
Este livro tenta mostrar um grupo de alienígenas em luta pela sobrevivência dentro de uma nave preste a sucumbir, tendo como única alternativa descerem na Terra.
Fantasia?
Sim!
Impossível?
Talvez não.

Armando de Oliveira Caldas


Os Estranhos

Na vastidão do universo onde o infinito pontilhado de estrelas reflete a obra do Criador, um insignificante ponto se movimenta. Uma grande nave, aparentemente parada, diante da magnitude sideral.
Pequeno mundo abrigando homens e mulheres, colocados no espaço numa viagem sem retorno.
Na sala do comando, Lotus anda de um lado para o outro, pensativo. Vez ou outra seus auxiliares diretos lhe perguntam:
- O que faremos? Não poderemos voltar, sequer possuímos as coordenadas.
- Voltar para nosso mundo fica descartado. Penso apenas em nossa sobrevivência. Quando encontrar uma solução, ficarão sabendo.
O planeta Mag estava a trilhões de quilômetros na periferia da galáxia. A nave estava velha, danificada, lenta, condenada a um tempo limitado de existência.
Dos que haviam iniciado a missão apenas a lembrança. Os atuais ocupantes eram filhos do espaço. A astronave, o “território” que abrigava uma nação de 287 almas.
Há quatrocentos anos perambulavam pelo cosmos procurando novos mundos.

Como trocar o cristal da central propulsora?
Era impossível, inexistia naquele setor sideral.
A pontiaguda pedra estava partida, comprometendo todo sistema. Anteriormente alcançavam distâncias incríveis em segundos.
Ao navegarem com lentidão, apenas lhes restavam alcançar o planeta que há anos haviam pesquisado.
A vida no habitat metálico estava comprometida, no máximo teriam condições de mais dez anos. Tempo preciosismo para decidirem sobre suas existências.
Formavam um grupo homogêneo no conhecimento científico. Eram homens e mulheres, lado a lado, numa pequena rotina de manutenção da nave. Com os dias contados e com uma única saída.
Sem condição de escolha, o local para onde seguia detinha atmosfera respirável análoga à que utilizavam. Sabiam da existência de água e vegetação, tudo favorável. Por outro lado, teriam de enfrentar um grande problema. Tal mundo era habitado por uma raça bem semelhante a eles mas, detentora de instintos belicosos, capazes de trucidarem quaisquer invasores.

No salão de laser, há tempos que a alegria vinha diminuindo, até as crianças recebiam fluidos negativos dos pais. As brincadeiras estavam além das condições mentais das famílias. A insegurança dominava a tripulação.
Taros abraçava Kalina como se a quisesse proteger. O filho Odus segurava um objeto como brinquedo, com olhar perdido e medroso.
Temperamental, Taros vivia a coçar a corcova, saliência no pescoço após a nuca, comum a eles. No esfrega-esfrega, acabou desabafando com a companheira:
- Isto não pode continuar! Este clima que tomou conta de nós precisa terminar. Veja Job e Tani, os Jeses e os demais, está tudo errado! Temos que nos reunir e tentar voltar a sermos como antes.
- Tem toda razão Taros, fale com o comandante, também não estou agüentando, já faz muito tempo que estamos neste estado de espírito.
Procuraram elevar a moral dos amigos, mas de nada adiantou.
O descontrole mecânico e a conseqüente necessidade de abandonarem o navio trouxeram o sentimento de medo, coisa que não conheciam. Estavam doentes e não sabiam como agir. Na verdade, temiam o lugar para onde a nave se dirigia, desejavam opção melhor, mas não existia.
Possuíam dados daquele mundo assustador, não entendiam como a dizimação em massa podia acontecer entre seres da mesma espécie. Por eles continuariam a viagem, mas apenas poucos anos os separavam da ruptura total. Assim, contra a vontade, dirigiam-se para o único planeta capaz de acolhê-los, era a última esperança.
O fato estava registrado, fazia parte do ensino interno. Por isto, conhecendo seu histórico, o pânico se justificava.
Quando visitaram o planeta, a astronave estava em plena atividade, com planos de pesquisas delineados.
Tão logo chegaram ao sistema planetário regido pela estrela de quinta grandeza, perceberam possibilidade de colônia. O terceiro mundo da órbita interna detinha as condições necessárias.
Orbitaram o globo por bom tempo, examinaram a superfície, se horrorizaram.
Viram os habitantes e o absurdo da insensatez reinante.
Naves auxiliares analisaram a superfície. Detectaram estranhos movimentos. Viram de perto máquinas aéreas se destroçarem, embarcações serem afundadas e levas de homens se destruírem em infernos de fogo. Perceberam então que os seres que lá viviam se assemelhavam a eles, apenas no físico.
Como formar uma colônia naquele lugar? Um mundo onde a técnica era direcionada para a destruição!
Por trás do belo azul que envolvia o astro, se escondia um negrume de atrocidades, coisas nunca imaginadas.
Observaram milhões serem exterminados impiedosamente, não se poupando nem crianças. Em todas as partes as armas estavam expostas.
Ficaram bom tempo visualizando aquele modo de existência.
Pequenos grupamentos chegaram a descer, registrando de perto os fatos. Visitaram muitos lugares, sempre evitando o contato.
Concluíram ser o planeta impróprio para a proliferação maguiana. Depois de meses em volta daquele astro de visual incomparável, abandonaram o projeto e seguiram viagem.

Após alguns anos, em pleno vazio sideral, o acidente nunca previsto acontecera. A séria avaria do centro energético trouxera desespero e insegurança à tripulação. A eternidade da nave estava comprometida.
O ocorrido obrigou o comando a tomar a única alternativa, mesmo que incerta de sobreviverem, ou seja, a de descerem no temível mundo.
No retorno, esperar a lenta astronave chegar ao destino significava agonia sem fim, tanto que a tripulação já não suportava.
Taros falou com Job e ambos pediram solução urgente a Lotus. Não eram os primeiros a interpelar o comandante, que vinha sendo pressionado a encontrar uma saída para aliviar o tenso clima que envolvia a todos.
Lotus acabou encontrando uma solução. Convocou todos para uma reunião.
A tripulação ganhou ânimo, o vozerio voltou e opiniões ressoaram nos corredores que levavam ao grande salão. Com exceção das crianças e de pessoas indispensáveis em alguns setores, a maioria tomou lugar frente ao palco de projeções.
O comandante se apresentou e a platéia fez silêncio:
- Companheiros de jornada, ainda está distante o dia de sairmos desta acomodação. No entanto, mesmo assim, vimos experimentando e alimentando instintos que haviam sido banidos de nossa formação.
Temos de reagir para libertarmo-nos desta aberração de comportamento. O melhor caminho é a aceitação imediata de que o mundo para onde vamos será nosso abrigo, não o associando com as hostilidades conhecidas.
Procurando mostrar aspectos positivos, aproveitou para apresentar hologramas envolvendo paisagens tranqüilas, embora violentas cenas, depois completou:
Para sabermos exatamente a direção de nossos passos, Job, Taros, Micenas e Tunis seguirão imediatamente para lá, levarão tudo que puderem para levantar dados. Após retornarem, tomaremos as medidas necessárias para ocuparmos um lugar no planeta. Deverão se misturar com habitantes locais, aprendendo língua e costumes. Levarão bastante metal amarelo, que serão transformados em pequenos cubos. Suas corcovas serão extraídas, com elas não será possível a missão.
Embora atônitos, os convocados não demonstraram nenhuma atitude negativa.
Terminada a explanação, os presentes aplaudiram a decisão do chefe. A esperança de virem a saber sobre condições recentes aliviara as tensões, a nova perspectiva melhorara os ânimos.

Não se discutia uma ordem superior, nem junto a familiares, isto fazia parte das regras de disciplina.
Os convocados, por alguns dias, passaram por processos de adestramento para a missão. Terminado os preparativos, foram colocados num dos veículos apensos ao compacto bloco metálico.
Enquanto esperavam a separação da nave-mãe e a patrulha se acomodava no interior do veículo, Taros, acostumado a esfregar a corcova, levava a mão ao pescoço e nada encontrava. Angustiado, olhava os companheiros e pensava:
- Não são os mesmos.
Não somos os mesmos.
Vendo o olhar fixo do irrequieto homem, Tunis perguntou:
- O que houve Taros? Ao que respondeu:
- Não podíamos ter deixado fazerem esta mutilação.
- Você está exagerando, argumentou Job, enquanto se ajeitava na cadeira de comando da pequena nave, completando:
Isto é o mínimo diante da situação que nos encontramos. Nossa missão vai depender de muito desprendimento, nosso povo depende dela.
Um portão se abre para o exterior, sobre o mesmo o pequeno transportador que levaria os astronautas para a TERRA.
Em fração de segundos se desloca do corpo da Astronave, toma velocidade e apenas deixa a ilusão de um facho de luz.
A patrulha avançada levaria dois meses para chegar. Conforme ficara decidido, deveria ficar seis meses em contato com a desconhecida civilização, retornando com dados que facilitassem o objetivo maguiano.
Enquanto a micronave cumpria sua trajetória, diminuindo rapidamente distâncias, Job orientava os demais para aproveitarem o tempo em estudos para o contato.

O tempo passara e já estavam prestes a entrar na órbita de Plutão, haviam chegado ao sistema. Mais alguns dias e estariam no destino.
Na pequena acomodação, planejavam a estadia junto de pessoas muito estranhas, sem qualquer identificação com eles. Era enorme a responsabilidade imposta, poderiam ser descobertos e prioritário era voltarem.
Micenas registrava num pequeno computador, sempre à mão, todos os passos a darem. Muito capacitado, conhecia com profundidade os dados sobre a Terra, até um pouco das línguas.
Taros, um mestre em mecânica, entendia com facilidade qualquer tipo de equipamento que lhe fosse mostrado.
Tunis, dotado de invejável conhecimento científico, não se impressionava diante das situações. Embora muito jovem, havia granjeado fama de solucionador de problemas.
Job, era o homem de confiança de Lotus, sobre ele pesava a responsabilidade da viagem e o êxito da missão.

- - - - -

O quarteto do espaço ficou extasiado diante do planeta azul. Tunis observou:
- Vejam! Possuem naves espaciais.
Job, acionando um dispositivo, dirigiu finíssimos raios sobre dois objetos, logo as imagens se formaram na câmara de visão.
- Interessante, são pequenos e vazios, dotados de inúmeros mecanismos, comentou Micenas, completando: Porque manterão estas coisas aqui?
Taros, imaginando tratar-se de algum tipo de detector, observou:
- Lembre-se Job, não podemos ser vistos, convém mudarmos o curso.
- Por certo Taros.
Isto dito, isto feito. Passaram a orbitar abaixo do equador. Escolheram o lado escuro e entraram na atmosfera, ao mesmo tempo em que ligaram o sistema de proteção.
Da Terra, raros observadores viram o ponto laranja-avermelhado deslocar-se de horizonte a horizonte. Como sempre, pouco se importaram.
Taros, impaciente, torna a interpelar Job, que se atém concentrado na pilotagem do aparelho:
- Afinal, onde vamos descer?
- Calma Taros, estou verificando todos os detalhes. Tenho de colocar a nave num local onde ninguém veja, onde também não haja condição de localização. Está vendo os sensores?
- Tem razão, existem humanos por toda parte.
- Também não podemos continuar dando voltas ao globo, pelo que se percebe já possuem alta tecnologia, poderão até nos atacar. Apenas nas áreas aquáticas, em alguns setores, os registros desaparecem. É para uma dessas áreas que vamos.
Tunis e Micenas estavam quietos, pareciam perdidos em seus pensamentos enquanto observavam os painéis.
O objeto circular, medindo trinta metros de diâmetro, coberto por uma aura brilhante, clareou um pedaço do mar e se estatelou sobre ele num grande estrondo. Atingiu o fundo e estacionou.
Baseados nas antigas informações levavam vestimentas que consideravam em uso pelos terrestres. Ternos, camisas, gravatas, chapéus e sobretudo, tudo no estilo “Al Caponi”. Antes porém, fariam uma análise da vida na superfície.
Muitos seriam os problemas que haveriam de enfrentar, principalmente o de mudarem a alimentação, até então obtida por um sistema reintegrador de elementos químicos, uma pasta altamente nutritiva, incluindo a água que bebiam.
Pela primeira vez iriam andar sobre um planeta, sem trajes especiais, mas sob atmosfera e pressão que conheciam.
Naquela noite nada fizeram, descansaram.
No dia seguinte, o primeiro passo foi o de vistoriar o local.
Acionando os instrumentos de observação, raios invisíveis atravessaram as águas e cobriram a região em todas as direções. Ao contrário de quando desciam para o planeta, dessa vez procuravam aglomeramentos humanos para futuro contato.
Registrada a direção da área de maior densidade, ligaram os controles. A pequena nave ergueu-se do lodo marinho. Vagarosamente, roçando algas e outros espécimes, seguiu rente ao fundo do oceano, até atingir aproximadamente três quilômetros do local escolhido. Freada e novamente camuflada, temporariamente seria a residência dos maguianos.
Tão logo pararam, novos procedimentos foram tomados. Um micro-robô foi ativado e liberado. O objeto que parecia uma pequena bola subiu e aflorou sobre as ondas. Atendendo aos comandos, flutuou, rapidamente voou para o porto, depois seguiu por ruas, avenidas, entrou em apartamentos, em veículos, nunca esbarrando em nada. Tomando as cores das coisas por onde passava ou aproximava, não fora percebida pelos humanos.
Tunis, calculando tempo suficiente, apertou o botão de retorno. Não demorou, o objeto voltou e entrou no orifício próprio no casco barrento, caindo diretamente no sistema de processamento.
Reunidos frente ao pequeno cubo de projeções, passaram a analisar as imagens gravadas.
Parecendo miniaturas, navios, veículos, pessoas, residências, fábricas iam se descortinando frente ao curioso grupo. Estavam vendo o cotidiano de uma cidade, nos mais diversos aspectos.
A primeira coisa que notaram foram as vestimentas, não coadunavam com as indumentárias que haviam trazido. De qualquer forma tinham em mãos o que precisavam. Mais ainda, amostras do ambiente foram analisadas. Automaticamente um processador laboratorial fabricou um imunizador orgânico. Uma poção, que deveriam tomar antes de deixarem o aparelho.

Durante uma semana pesquisaram o local, enviaram mais sondas e descobriram que a civilização que iriam contatar não era tão primitiva como pensavam, possuíam tecnologia bastante avançada, pelo menos no sistema de comunicação. Outra coisa, foi a ausência bélica, tão acentuada nos registros que conheciam.
Diante das imagens, depois de analisarem todos os aspectos, resolveram deixar a concha no fundo do mar. Rudemente alteraram as roupas, adequando-as aproximadamente à indumentária que viram. Tomaram a vacina imunizadora, separaram boa quantidade de cubos de ouro, colocaram na cinta dispositivos de defesa e bisnagas com a pasta alimentícia. Em seguida, vestiram capas transparentes que os embutiam totalmente, incluindo os objetos.
Antes de sair, Micenas, cauteloso como sempre, observou:
- Taros, cuidado lá fora, você é impulsivo, tenho receio de que nossa identidade possa ser revelada, se isto acontecer, tudo estará perdido.
Taros mostrou-se contrariado com aquelas palavras, mas nada respondeu, no fundo não admitia que ninguém duvidasse de sua capacidade.
Dentro dos estranhos escafandros, atravessaram uma pequena porta, que logo se fechou. Um elevador os levou até a cúpula do objeto, liberando-os para as águas. Imediatamente a roupagem externa se inflou e como bóias chegaram à superfície. Viram então, ainda ao longe, fileiras de luzes moldando um bonito cenário. Sem nadarem, impulsionados por pequenos mecanismos apensos à roupagem protetora, chegaram ao cais. Era noite alta, escura e o silêncio dominava, exceto pelo murmúrio das ondas. Em baixo das grandes pranchas que sustentavam parte dos ancoradouros, se desvencilharam das capas e as esconderam cuidadosamente nas grossas vigas de sustentação.
Job, utilizando-se de um pequeno indicador da presença humana e percebendo o caminho livre, subiu as escadas de madeira pregada num dos postes, alcançando o assoalho, o que foi imitado pelos demais.
Enquanto caminhavam desajeitadamente para a saída do porto, Job procurando não demonstrar o mal estar, comentou:
- Companheiros, se cruzarmos com terrestres, temos que dar sempre a impressão de sermos iguais a eles. Durante muito tempo ficaremos vagando pela cidade, para nos familiarizarmos. Será nosso primeiro e principal teste. Quando a estrela do sistema aparecer, tudo ficará claro e as pessoas virão para as ruas.
Habituados à clausura, confinados, seus organismos não estavam preparados para a vida ao ar livre. Nunca haviam descido em nenhum planeta. Embora tivessem participado de algumas incursões, só os mais velhos tiveram a oportunidade de pisarem em alguns astros, mesmo assim, dentro de vestimentas protetoras.
Difíceis os primeiros momentos no solo, uma desagradável sensação de medo os faziam se aproximarem. Passos incertos, náuseas, visão embaralhada, os desestimulavam a continuar, mas haviam recebido ordens, precisavam cumpri-las.
Perambularam por horas, sob um céu estrelado e cidade deserta. O tempo passou, seus organismos aos poucos se adaptaram. Começaram a sentir mais a vontade, exceto pelo ar que respiravam, repleto de odores desconhecidos.
- Como poderemos viver aqui? Interpelou Micenas.
- Se o planeta está superlotado de seres semelhantes a nós, proliferando sempre, naturalmente poderemos nos habituar às condições locais, respondeu Tunis, complementando:
Nossos corpos receberam antídotos que nos possibilitam conviver com os humanos, se não houvesse possibilidade os equipamentos de bordo não nos liberariam para o contato externo. Se isto ocorreu é porque não há riscos, portanto devemos deixar de dar importância aos nossos sentidos.
Job liderava o grupo, mantendo-se silencioso. Taros embora falasse por ele e pelos outros e sentisse vontade de reclamar como lhe era o hábito, mantinha-se calado.
Muito atento, Job observava constantemente o sinalizador enquanto se embrenhavam pelo complexo de casarios.
Estava na avenida principal quando notou significativos movimentos vibratórios no aparelho, indicando movimentação de pessoas em direção a eles. Alertou os amigos e pediu postura ereta. Logo um grupo de jovens fazendo algazarra, se aproximou e passou. Isto era ótimo, sinal de que haviam sido confundidos com iguais.
Era a primeira vez que viam os clarões da aurora, aquilo os inebriava. Já haviam cruzado com tantas pessoas sem serem notados, que a preocupação inicial deixara de existir. Naquele momento o mal estar físico nem se fazia mais notar, puderam então observar as belezas naturais. Quando o brilho do sol incidiu sobre o jardim, se surpreenderam diante das flores e da verdejante relva.
Job convidou os companheiros para um descanso num convidativo banco. Refletir sobre o rumo a tomarem era uma necessidade. Cansados de andar, encontraram ali um ponto solitário, pelo menos no início, mas a medida que o tempo passava a vida se intensificava. De qualquer forma era um bom lugar para analisarem os procedimentos das pessoas.
- Meu maior sonho era conhecer vida inteligente fora de nossa nave. Disse Micenas, continuando:
Sinto-me realizado, encontramos o lugar para vivermos.
Precisamos entender a existência aqui.
Observei que possuem uma infinidade de máquinas e são organizados. Estão longe de serem primitivos. Teremos de trabalhar muito no tempo que temos. Nada sabemos e nada entendemos deles, apenas que o metal que trouxemos é muito importante.
Enquanto conversavam, perto deles um camelô colocava sobre um tapete um grande número de bugigangas, ficando a seguir a espera de compradores.
Não demorou, um casal se aproximou e adquiriu uma das coisas a mostra.
Embora não entendessem o linguajar, observaram os movimentos, estranhando apenas que ao invés do metal amarelo o homem recebera papel. Mesmo assim, Job não quis desperdiçar a oportunidade.
Levantando-se do banco, chegou até ao vendedor. Retirou do bolso uma pepita de ouro e, por gestos, mostrando os objetos entregou o metal. O homem, tomando o cubo, o colocou entre os dentes e mordeu, guardando-o em seu bolso e apontando a quinquilharia disse:
- É todo seu, e saiu com expressão de muita alegria.
O primeiro contato havia ocorrido. Com isto os visitantes se entusiasmaram, não seria difícil penetrarem no ambiente dos humanos.
Taros fez um pacote das coisas compradas e passou a carregá-lo por onde iam.
Andaram durante todo aquele dia, analisando gestos e atitudes das pessoas. Cruzando ruas e avenidas chegaram ao início de algumas estradas, sempre filmando tudo com os micro-captadores. Observaram o vai e vem dos mais diversos tipos de veículos, chegaram a entrar em bares, restaurantes e rodoviárias, mas para se alimentarem utilizaram a pasta que traziam.
Voltaram para a nave no mesmo horário que haviam chegado. Não fora muito fácil, no retorno o movimento no cais estava acentuado. Tiveram de ter muito cuidado para não serem vistos.
Estavam extenuados, naquele resto de noite nem quiseram comentar nada, mal se livraram das vestimentas, se acomodaram.

Enquanto dormiam, há bilhões de quilômetros o restante dos maguianos continuavam a rotina. A astronave deslizava no espaço sem horizonte, na inércia forçada. Os tripulantes, mais calmos, confiavam no retorno positivo da patrulha.
Não obstante a adiantadíssima tecnologia, não possuíam meios para se comunicarem com o grupo de Job.
Lotus criou um treinamento permanente para vivência em solo, embora não soubesse como era existir sobre um planeta.
Nascera e vivia dentro daquele invólucro metálico, julgando-o seu mundo. Lembrava de seus avós falando de Mag; dos registros históricos, tudo lhe parecia fantasia. De qualquer forma, sua iniciativa ajudara a mentalizar a idéia de saírem dali.

Sob o fundo do mar o disco parecia dormir, quieto, camuflado sob areia e lama. Não despertaria suspeita nem de um mergulhador que se aproximasse. Dentro, há muitas horas os quatro ressonavam, mergulhados no merecido descanso.
Quando acordaram sentiram dores musculares. Tunis comentou:
- Vamos precisar de muito treinamento, nunca andamos distâncias tão longas.
Passados os primeiros momentos, se alimentaram e sentiram-se bem. Aquele seria um dia decisivo para eles, não sairiam, estudariam e planejariam o futuro.
Foram para o laboratório, apertaram alguns controles, uma prancha metálica destacou-se da parede e estendeu-se na forma de mesa. Um visor ficou ao fundo e bancos subiram do piso.
Tomaram materiais coletados, apontamentos e sentaram ao redor. Chegara o momento de estabelecerem planos de ação. Job, como chefe da expedição foi o primeiro a falar:
- O dia de ontem foi de excelente proveito. Temos informes suficientes para traçarmos nossos objetivos.
Já vimos que é perfeitamente possível vivermos na superfície, embora tenhamos de nos adaptar com o ambiente. Podemos nos movimentar livremente, não há quadro de hostilidades, existe organização e não nos diferenciaram.
Antes de voltarmos à superfície, precisamos coordenar nossos passos. Não entendemos a língua deles nem seus hábitos, mas como já observamos não são atrasados tecnologicamente.
Viram a complexidade de equipamentos, que pouco conseguimos entender?
Se movem em máquinas por terra e pelo ar, utilizam computação em quase tudo que fazem. Portanto, os registros que trouxemos se alteraram muito.
Enquanto Job comentava, os colegas permaneceram quietos. Logo após, o entendimento da patrulha foi unânime, não estavam entrando num mundo primitivo.
Antes de continuarem o debate, colocaram pequeníssimas hastes metálicas parecidas com prendedores de gravatas numa cavidade da mesa, eram os sensores de ambiente utilizados no dia anterior. Com elas estudaram todas as situações, vendo e ouvindo pessoas.
Se empenharam ao máximo no aprendizado de gestos e palavras que lhes permitissem comunicação com os terráqueos. Viram e ouviram por várias vezes as tomadas externas, esmiuçaram detalhes, até entenderem o modo de vida humano.
No dia seguinte continuaram. Num dado momento Micenas levantou uma preocupação que não havia sido colocada em pauta - a alimentação. Iriam viver na superfície e nunca haviam experimentado rações diferentes das fornecidas pela máquina, sequer possuíam dentição igual a dos nativos.
Após estafante condicionamento mental na finalidade de se estabelecerem fora da concha, concordaram que haveriam de conseguir um local para viverem ao ar livre. Assim, nas próximas saídas, contatos com terráqueos seriam prioritários para cumprirem a missão.

Enquanto se desenrolava o plano de invasão alienígena, num pequeno quarto de pensão na periferia da cidade Santista, um homem de trinta e oito anos, magro, moreno, pensava na vida, sentado a beira de sua cama.
Há doze anos se deslocara do interior de Minas só com a roupa do corpo. Ambicioso de fazer fortuna, disposto a tudo, já havia trabalhado em muitas coisas, faxineiro, servente de pedreiro, garçom, camelô e outras. Com muito sacrifício conseguira juntar algum dinheiro e comprar um automóvel e se estabelecer num ponto de taxi perto da praia.
Na sua visão limitada de vida, pensava:
- Agora chegou o momento de formar minha família. A Dora é uma boa moça, sei que se pedi-la em casamento ela aceita, mas meu coração não pede para fazer isto. Casar por casar, isto não faço!
Conhecido pelos amigos como Zinho, quase não se lembrava do seu nome Luiz. Esquecido dos familiares, ou melhor, era filho único e os pais há muito não existiam, somente primos que talvez nem se recordassem mais dele.
Sentia-se muito só, para afastar o tédio lia muito, procurava aprender e conhecer sobre tudo.
Depois de fazer a análise habitual de sua vida, acomodou-se e teve bom sonho. Nele se via numa mansão com a Dora e muitos filhos. Acordou, esfregou os olhos e percebeu que a realidade daquilo estava muito longe.
Luiz, sempre era o primeiro a tomar o café da manhã, na maioria das vezes esperava o arranjo das mesas. Mal se alimentava, saia com seu veículo e também era o primeiro a chegar no ponto.
Naquele dia logo que chegou, como de costume, colocou o automóvel a espera de passageiros. Como sempre fazia, entreabriu a porta, ligou o rádio e ficou a ouvir músicas enquanto o tempo passava.
Meia hora depois, quatro homens vieram na direção dele.
Ficou contente, pensou:
- Comecei bem o dia.
Estranhou quando o senhor que vinha a frente, antes de chegar ao carro gritou:
- Taxi!
Zinho abriu a porta e os convidou a entrar, não deixando de notar as roupas um tanto esquisitas e o modo deles. Pensando serem estrangeiros, o que logo confirmou ao perguntar onde queriam ir.
A demora na resposta intrigou o motorista, fazendo com que repetisse a pergunta associando gestos. Job então se arriscou:
- Andar! Completando com gesto circular da mão.
Foi o bastante para compreender e se por a caminho. No percurso tentou conversar com os passageiros, mas estes apenas sorriam parecendo nada entender. Enquanto ia de um lado para outro da cidade, observou que eles estavam atentos a tudo. Num dado momento, ao entrar numa área residencial próxima a rodovia, pediram por sinais para parar.
Saíram do carro e se distanciaram um pouco e confabularam. Luiz, encostado no automóvel acompanhava os movimentos dos estranhos, até que um deles veio até ele e lhe entregou um cubo de ouro. Pesava cerca de duzentos gramas, valia muito, mais de $2.000,00, muito mais do que ganhava no mês todo. Ainda com a pepita na mão, entregou-a de volta dizendo por gestos não possuir troco.
Job tomando o bloco de volta o colocou no bolso da camisa do motorista, que aí percebeu que estavam dando a ele tudo aquilo. Entusiasmado, não sabia o que mais fazer para mostrar agradecimento. Começou então a auxiliá-los a entender as coisas locais, frisando bem os nomes.
Eram dezenove horas quando os passageiros deixaram o veículo, dando a entender que voltariam no dia seguinte.
Quando voltou para a pensão, um pensamento negativo lhe aflorou:
- Seria realmente ouro o metal que trazia consigo? Não iria dormir enquanto não descobrisse.
Tomou banho, alimentou-se e saiu a procura de um ourives que conhecia. Sabia onde encontrá-lo, naquela hora não era difícil pois era hábito de Salim sentar-se num dos bancos da pracinha e ali ficar muito tempo.
- Salim, preciso falar com você.
- Olá Zinho! No que posso lhe ser útil?
- Veja este cubo que recebi como ouro. Não entendo nada, gostaria que me dissesse se realmente tem valor.
Entendido da arte, o ourives, só de tomar nas mãos o valioso objeto e olhá-lo sob a luz mais próxima, não teve dúvidas.
- É ouro e dos bons. Você quer vendê-lo? Mas primeiro me conte como o conseguiu.
Luiz, não viu nada de mais em narrar como o conseguira. Assim, explicou com detalhes ao amigo sobre os passageiros.
- Teve muita sorte, não é sempre que isto acontece. Vamos até minha casa, vou pesá-lo e lhe pagarei.
De volta à pensão, vez ou outra apalpava o volumoso dinheiro que conseguira, o maior pagamento que nunca imaginara ter por uma corrida.
Já em seu quarto, deitou-se mas não conseguia dormir, tanto eram os planos. De repente uma pergunta lhe surgiu:
- De onde seriam aqueles homens? Porque pagaram tanto?
Logo, sua própria imaginação lhe forneceu as repostas:
Afinal não é de minha conta, devem ser milionários excêntricos de um outro país.
Monologando, pensando, acabou por dormir.
Acordou muito cedo, nem foi para o refeitório. Apenas se aprontou, passou num bar e tomou um café, seguindo ainda na penumbra para o ponto de táxi. Viu o dia clarear, uma ansiedade lhe dominava. Talvez os estrangeiros viessem novamente e, quem sabe um novo cubo.
Não demorou e os passageiros do dia anterior apareceram e mais informalmente tomaram assento no automóvel.
De imediato, entregaram a ele mais ouro. Em seguida, por gestos e palavras enroladas, fizeram-no entender que necessitavam dele para aprenderem a se comunicar. Com isto, ganharia muito mais, desde que mantivesse sigilo.

O pobre motorista, se vê assim transformado em professor e guia para os estranhos.
Mudou as roupas deles e uma amizade se formou.
Muito inteligentes, em quinze dias já se expressavam o suficiente para viverem no ambiente daquela cidade.
Por muitas vezes Luiz oferecera frutas e outros alimentos, que dispensavam para comerem o que levavam. Achava esquisito a atitude deles, mas que importava? Tratavam-no muito bem, além do que, estava enriquecendo. Difícil estava sendo negociar com Salim, que se mostrava cada vez mais curioso, ao ponto de Zinho adverti-lo:
- Olha Salim, se você continuar com estas perguntas e desconfiança, vou procurar um outro para trocar o ouro. Basta que saiba que está sendo ganho honestamente. Também, parte dos cubos que venho trocando não é para mim.
Poderá haver muito mais, mas muito mesmo, se puder contar com sua discrição.
- Não se preocupe Zinho, também estou ganhando bastante, portanto é de meu interesse continuar a negociar.
Foi boa aquela conversa, o ourives se posicionou melhor, dando a lhe perceber que através dele poderia continuar a transformar em moeda corrente todo ouro que os estrangeiros lhe entregasse.
Os encontros com o grupo tornaram-se rotina. Já se comunicavam quase que normalmente quando Job expôs a Zinho o interesse em comprarem uma boa casa.
Luiz os estava assessorando em quase tudo, até se habituara a fazer isto. Sabia que quando falaram na casa, queria dizer que iriam deixar para ele resolver o assunto. Assim, para tomar as providências solicitou-lhes os documentos. Surpreendeu-se quando tomou conhecimento da ausência de quaisquer tipo de registros de identidade. Era como se não existissem. Compreendendo que alguma coisa estava errada, os reuniu e disse:
- Vocês não poderão viver sem documentos de identidade. Vou procurar consegui-los, mas antes quero que me contem a verdade. De onde vieram? Estão fugindo? O que acontece?
As perguntas causaram extrema preocupação nos alienígenas. Pediram para o motorista aguardar e começaram a conversar entre eles. Depois de algum tempo, Job assumindo responsabilidade voltou-se para Zinho e disse:
- Vou contar-lhe a verdade, porque confiamos em você. Isto estava fora de nossos planos, mas como exige, não vamos inventar.
Nisto, Luiz interrompeu:
- Não exijo, quer o apenas não me envolver em complicações que possam me prejudicar. Nunca fiz nada de errado e pretendo continuar no meu modo de ser, razão por que peço que me contem tudo, é crime a documentação falsa.
Estacionados num lugar distante do barulho do centro, dentro do veiculo, Job começou a narrar-lhe sobre a vida no espaço.
Zinho pensou fosse uma brincadeira, uma evasiva, até esboçou uma gargalhada. Job continuou, não lhe dando muita atenção. Mostrou equipamentos que traziam, como um micro-projetor capaz de mostrar em hologramas imagens do cosmos, do planeta deles, etc.. Completou dizendo que se quisesse ir com eles a nave, o levariam.
Diante das demonstrações o motorista se assustou, as pernas lhe pareceram bambear, por fim balbuciou:
- Vocês vão invadir a Terra?
- Não Zinho. Temos medo dos terráqueos, somos poucos, inferiores a trezentos. Se não viermos para cá será nosso fim. Estamos em suas mãos, porque achamos que nos entende. Se nos denunciar seremos capturados. Se acontecer, não faremos nada contra você nem contra ninguém, mas será a nossa condenação e dos que dependem de nossa volta.
Luiz ficou tenso, era difícil compreender aquela situação. Estava lidando com alienígenas? Mas como? Eram iguais as demais pessoas, não eram verdes nem baixinhos ou de olhos grandes! Por fim, após algum tempo, o suficiente para se compor, disse:
- Entendi, vou ajudá-los, mas a minha maneira. Preciso de algum tempo para pensar. Haverá muitos problemas, o primeiro será conseguir identidade para vocês, depois um local para viverem ao ar livre.
O motorista ainda estava atônito quando pediram para ele continuar o giro pela cidade. Durante o trajeto explicou aos alienígenas que para dar seqüência ao plano mudaria a própria rotina de vida, para isto precisaria de pelo menos dois dias de folga, o que lhe concederam.
Continuou por algum tempo executando seu papel até pedirem para deixá-los nas imediações do porto, o que só ocorreu após anoitecer.
Enquanto retornava para a pensão, pensava:
- Que fria me meti! Estarão falando a verdade? Parecem não ter diferença com os humanos, exceto nos dentes, são pequenos, miúdos, mas é só isto. Com as roupas antigas que vestiam no início dava para se levantar suspeita, mas nunca de serem de outro mundo. E os aparelhos que me mostraram?
Uma coisa é certa, são cordiais e não me causaram medo. Não senti nenhuma repulsa. De qualquer forma preciso tomar uma atitude, fugir disto ou ajudá-los, e ficar rico. Ouro é que não falta, poderei ser dono de muitas coisas.
Já consegui uma pequena fortuna. Quer saber de uma coisa! Não pensar muito, hoje mesmo vou despedir dos amigos e da Dora, sei que vai ficar triste, mas não temos nada sério, espero que me compreenda. Vou acreditar no que disseram e agir. Para todos os conhecidos direi que estou voltando para o Sul de Minas, ou melhor, não preciso falar para onde vou.

Os maguianos estavam também preocupados, afinal haviam transmitido todo plano para o terráqueo. Micenas foi o primeiro a tocar no assunto:
- Será que podemos confiar no Luiz?
- Podemos sim, respondeu Job, demonstrando tranqüilidade, continuando:
Não sei como, mas pude perceber muita afinidade conosco. Ele possui decisão e sabedoria, tivemos muita sorte de encontrá-lo, podem acreditar.
Enquanto faziam um giro a pé, paravam em quase todas as vitrinas e lugares públicos. No passeio, resolveram entrar num supermercado, o motorista já os havia ensinado a fazer compras, mas era a primeira vez que entravam num lugar daqueles observando produtos. Taros ao passar uma banca de frutas, comentou:
- Que gosto terão?
Tunis também se interessou e arriscou:
- Tenho dinheiro que Zinho trocou, vou comprar algumas e levar, vou experimentar, um dia vamos ter que fazer isto.
Micenas e Job concordaram. Taros não esperou, foi o primeiro a se apossar de maçãs, pêras e outras. Saíram do local com um bom volume e continuaram a circular até o habitual horário de retorno.
Dentro da nave protetora, enquanto se preparavam para descansar, Job disse:
- Amanhã não sairemos, vamos experimentar os alimentos dos terráqueos e observar as reações em nosso organismo. Não sabemos o que vai acontecer, nunca colocamos em nosso corpo substância diferente da pasta nutritiva.
Job fora o primeiro a perceber a integridade de Luiz, mas os demais também não discordavam da confiança que deviam depositar no rapaz. Cada um deles, mais ou menos, possuíam a capacidade de sentir com segurança as intenções boas ou más, sem que houvesse qualquer pronunciamento dos companheiros, o que também funcionou para o motorista. De antemão, sabiam que aquele homem estava do lado deles.

Taros que sempre era o último a se levantar, fora o primeiro. Os companheiros o encontraram namorando as frutas que haviam deixado no que seria a cozinha. Talvez por instinto, remanescente dos ancestrais, estava acariciando uma maçã. Só não a comera por medo do resultado. Quando viu os colegas, falou na língua de Zinho:
- Oi turma! Vamos comer?
Job, precavido, observou:
- Não vamos cometer riscos. Nosso corpo está habituado com os ingredientes químicos que ingerimos diariamente. Acredito que nosso processador possa nos fornecer informações se colocarmos amostras para análise. Se confirmarmos que os produtos são inócuos experimentaremos.
Assim fizeram, o resultado quase inesperado apontava as substâncias como nutritivas, próprias para alimentação.
Não esperaram mais, passaram a mordiscar os deliciosos frutos. Comeram até se fartar e não se cansavam de emitir o “hummmm” da satisfação. Taros não agüentou e disse:
- Não como mais daquilo, apontando para a máquina fornecedora de rações.
Não houve qualquer reação orgânica maligna, pelo contrário, sentiam-se melhor que antes. Um grande problema estava solucionado.


Deixando os alienígenas, vamos encontrar Luiz no seu quartinho, deitado, a volta com um turbilhão de idéias, tentando coordená-las:
- Tenho realmente que sair daqui, se ficar não vou poder esconder por muito tempo os passos que terei de dar.
Vou movimentar muito dinheiro, todos perceberão, pensarão que roubei ou que estou traficando drogas. Não há solução, hoje mesmo após o jantar vou acertar as contas e dar o fora. Pensando bem, também não vou me despedir de ninguém.
Levantou-se, fez as malas e as levou para o carro que propositalmente havia estacionado frente à pensão. Pegou cuidadosamente o ouro que não havia trocado, colocou os cubos numa meia e fez uma bola, voltou ao veículo e a depositou na maleta menor. Trancando o carro, sem alarde, voltou e sentou-se junto a mesa para o jantar.
Estava tão embrenhado em seus pensamentos que pouca atenção dera aos conhecidos. Comeu, tomou o café e rumou para a portaria, onde uma senhora idosa fazia apontamentos em um livro.
- Dona Antônia, posso falar com a senhora?
- Claro Zinho, precisa de alguma coisa?
- Não Dona Antônia, não preciso de nada, vim me despedir.
A mulher olhou para o moço com surpresa, inquirindo-o:
- Porque Zinho? Fizemos alguma coisa que não tenha gostado?
- Não, pelo contrário. Só tenho a agradecer, a senhora tem sido como uma mãe para mim. Nunca vou esquecer das vezes que ajudou, principalmente quando fui acidentado. Sua filha Dora tem sido como uma irmã, sempre vou lembrar de vocês. Apenas preciso ir, apareceu-me uma boa oportunidade e vou ter que me mudar.
- Mas, para onde Zinho?
- Fui contratado por uma família que possui muitas propriedades em todo país, assim, não sei bem onde ficarei.
- Sentiremos sua falta, afinal fazem cinco anos que se hospeda aqui. Deixa então fazer as contas, pegando um caderno na gaveta da mesa.
Dona Antônia sabia que Luiz só lhe devia alguns dias do mês, era pontual, o gesto era apenas para esconder a emoção que lhe aflorava sob a forma de uma lágrima.
Zinho também estava tenso, sentia apego pelo lugar e pelas duas mulheres que dirigiam o estabelecimento. Quase não se conteve, quando pediu:
- Dona Antônia, diga a Dora e aos meus amigos que os estimo muito, que não me despedi porque fiquei constrangido, mas que um dia voltarei para revê-los. Ato contínuo, retirou do bolso um maço de notas e entregou à dona da pensão.
- Zinho, você errou, aqui tem muito dinheiro!
- É um presente, quero que aceite. Dinheiro nenhum vai pagar o que me fez, mas ficarei contente que aceite este.
- Obrigado Zinho! Que Deus te guie! Boa sorte! Foram as últimas palavras da boa mulher, que ficaram soando no ouvido do motorista, enquanto se afastava e tomava o rumo da nova vida.
Com aperto no coração, Zinho deixou sua “casa”, na pensão sentia-se em família.
Era necessário, sabia que de ora em diante quase uma obrigação o direcionava a auxiliar os maguianos. Livre de vínculos, seria mais fácil. Um desconhecido na multidão. Para isto, rasparia o bigode, venderia o carro, compraria um novo e alugaria um bom apartamento no centro.
Antes de tomar as providências que pensava, foi conversar com Salim.
O ourives ao vê-lo ficou todo sorridente e logo após cumprimentá-lo, perguntou:
- Quer trocar mais ouro?
- Quero Salim, mas quero também conversar.
- Então vamos para minha casa, no escritório ficaremos mais a vontade.
Chegando na mansão do ourives, logo este o levou para a sala que já era conhecida de Luiz.
- Zinho, sente-se e vamos aos negócios.
- Obrigado. Gostaria de saber o seguinte: é provável que tenha de levantar quantias muito elevadas para os estrangeiros. Posso contar com você?
- Veja Zinho, meus recursos são limitados, os investimentos que faço em ouro são por minha conta. Mas vou lhe fornecer um cartão e nomes de algumas casas do ramo e com quem deverá negociar.
- Fico agradecido por sua confiança, mas tenho comigo cerca de seiscentas gramas.
- Essas eu compro, mas como já disse, maiores quantidades somente com as pessoas que vou lhe indicar.
Assim, Luiz transformou em dinheiro o restante dos cubos que possuía.
Em dois dias estava instalado num bom apartamento, comcarro zero no estacionamento do prédio. Quem o visse não o reconheceria nas novas roupas, rosto limpo e com óculos escuros.
O tempo que pedira ao grupo fora suficiente. Assim no terceiro dia, ainda muito cedo, estacionou próximo ao ponto onde defendia o pão de cada dia. Ficou na espreita, viu quando os maguianos passaram por ele e não o reconheceram. Saiu então do carro e os chamou:
- Olá amigos! Vamos conversar?
Assustaram-se, mas logo reconheceram a voz do motorista. Tunis, vendo-o daquela forma, observou:
- Como você está diferente. Parece outro.
- Esta modificação é necessária para que possamos trabalhar, explicou Zinho, a medida que se dirigia para o novo automóvel.
Job e os demais já se portavam com normalidade, até admiraram a nova máquina. Por fim entraram e Luiz rumou para o centro, parando frente a um grande edifício. Convidou os amigos para subirem até o seu apartamento, explicando que lá estudariam os passos a darem.
A medida que caminhavam para o elevador, dentro dele, no corredor e principalmente quando entraram na confortável residência, uma saraivada de perguntas foram dirigidas a Zinho. O que é isto?, o que é aquilo?, para que serve? e assim por diante. Este procurava atende-los, mas num dado momento disse:
- Com o tempo conhecerão tudo e saberão sobre tudo. Agora temos de traçar planos para que possam executar a missão de vocês. Por favor, se acomodem a volta da mesa.
Luiz entregou a cada um uma folha de papel e caneta, pedindo para que copiassem várias vezes o nome que deixara escrito.
Atenderam com presteza surpreendente, tanto que Zinho perguntou:
- Como fizeram isto, está perfeito. Estes serão os nomes de vocês na Terra. Basta saber que os usarão com freqüência, assim: Job se chamará João Antônio Job; Tunis, Carlos Magno Tunis; Micenas, Rafael Micenas e Taros, Arthur Cândido Taros. Mantive seus nomes no final porque não parecem incomuns.
Interrompendo, Job explicou:
- Zinho, preciso apenas observar que o fato de executarmos com certa rapidez o que nos pediu, é porque também utilizarmos o mesmo procedimento. Também temos nossas assinaturas. A única diferença está nos caracteres.
- Bem, pensei que isto iria demandar tempo. Melhor assim, basta que guardem e pratiquem assinaturas. Com elas vou procurar conseguir as cédulas de identidade.
Mudando de assunto, gostaria de saber uma coisa. Como conseguiram falar tão bem minha língua, em tão pouco tempo?
Job, que sempre tomava a iniciativa e as decisões, respondeu com sinceridade:
- Todos os dados que obtivemos, isto é, pessoas conversando, seus ensinamentos, foram colocados em processamento, transformados em ondas cerebrais e irradiadas para nossas mentes. Com isto, podemos até agir como se fossemos daqui, embora muitas coisas nos sejam confusas.
- Isto é bom, nos auxiliará em muito, poderemos falar de igual para igual.
Fez-se um pequeno momento de silêncio, que Zinho aproveitou para mostrar a TV, comentando:
Já vi o sistema de vocês de imagens, agora verão o nosso. Perguntem sobre tudo aquilo que não entenderem.
Os quatros, interessadíssimos, se postaram frente ao aparelho, admirando a engenharia humana. Ficaram intrigados quando em dado momento determinado canal exibia um filme de ficção espacial.
- Não sabíamos que os terrestres faziam viagens interplanetárias! Exclamou Micenas diante das fabulosas máquinas que observava.
- É apenas ficção, encenação, não é realidade, explicou Luiz.
- Bem que estava percebendo, observou Taros, completando: as máquinas que mostram não poderiam ser utilizadas no vazio sideral.
O mais apegado ao vídeo era Micenas, que depois de aprender a manipular o aparelho, mantinha-se atento às programações. Não olhava a tela como os demais, procurava história, como sempre. Seu objetivo era saber tudo sobre a civilização terrestre. Tanto quanto os companheiros, fechou os olhos diante das cenas de violência. E, num dado momento expressou-se:
- Pensávamos que isto havia acabado, ainda continuam a se matarem. É o que não entendemos!
Job continuou:
- Não podemos esquecer que nos antiqüíssimos registros de Mag tais fatos também aconteciam.
Tais comentários surtiram bom efeito na mente do motorista, que cada vez mais confirmava as boas intenções de seus hóspedes.
Tunis se detinha numa constante análise das técnicas humanas, quer a forma de energia utilizada, a estética dos objetos, pinturas, materiais e vários outros detalhes. Não cansava de admirar, por fim comentou:
- Seguiram uma evolução bem diferente da nossa. Impressionante o sistema de transmissão que possuem. Nossa ciência para obter resultados análogos se baseou na combinação molecular de cristais. Nunca iríamos captar qualquer sinal, de imagem ou som dos terrestres.
As horas passaram, aproximava-se das onze quando Luiz observou:
- Está na hora do almoço, se quiserem utilizar a cozinha, disponham!Sei que o alimento de vocês é diferente, para mim vou pedir a refeição. Foi quando Taros interrompeu:
- Também vou querer a mesma coisa que pedir. Isto surpreendeu o motorista, que acedeu de imediato.
Vendo a atitude do companheiro, os alienígenas trocaram idéias e aderiram. Se iriam viver no planeta, teriam de se adaptarem.
Zinho ficou contente, tomou o telefone e pediu um almoço especial no apartamento, acompanhado de algumas cervejas e sobremesas.
Durante a refeição os olhos dos convivas brilhavam de satisfação. Verdadeira felicidade se apossavam deles. Assemelhavam-se às crianças quando comem pela primeira vez um fruto saboroso. Taros, como sempre, extrapolava, abusando da cerveja, achando coisa fantástica. Foi preciso que o motorista o advertisse.
Depois de fartos, recostaram-se nas macias poltronas da bela sala. Job, dirigindo-se a Luiz, disse:
- Este lugar é ótimo para reunirmos.
- Não Job, a presença freqüente de vocês, mais cedo ou mais tarde provocaria suspeita. Sempre existem pessoas curiosas, não poderemos correr riscos. Ainda hoje, visitaremos imobiliárias. Pretendo conseguir uma propriedade beira mar, que facilite a vocês o acesso a nave, até mesmo durante o dia. Um local que seja estratégico. Terei de adquiri-la no meu nome, provisoriamente, até conseguir os documentos de identidade.
- Não será preciso, atalhou Job. Se o ouro que temos der, será sua mesmo.
- Está bem Job, mas não entenda como aproveitamento pessoal. Quero ajudá-los. Se der certo, viveremos no local, será nosso quartel.
Duas horas depois, estavam rodando a cidade. Pararam frente a um estabelecimento onde se lia “Imobiliária Bela Vista”. Apenas Zinho desceu do veículo e entrou no prédio. Voltou informando não ter achado o que queria. Visitou várias outras, até que na “Imobiliária Santa Gertrudes” encontrou o que desejava. Um sítio de quinze alqueires, onde se cultivavam bananas. Divisava com o mar, sem acesso para turistas, quase perdido na orla próxima a cidade. Pelas fotos, via-se bela mansão como sede, ornando uma floresta que se estendia sobre uma colina que alcançava as águas do Atlântico. Casas para colonos; uma estrada pedregulhada, ladeada por belas árvores e o portal de entrada, frente à rodovia do litoral.
Luiz chamou os amigos, mostrando-lhes o lugar. Quando saíram, não tiveram dúvidas, haviam encontrado o local ideal.
No dia seguinte, o fechamento do negócio não demorou, Luiz regateou um pouco, apenas para não causar suspeita. Por fim concordou com o valor pedido. Oriunda de partilha, cujo inventário já havia terminado, sem impedimento das partes, a escritura foi lavrada. Zinho segurava a maleta com dinheiro que havia trocado pelos costumeiros cubos de ouro, enquanto os vendedores, presentes no ato, pareciam muito felizes com o negócio.
Ambos os lados, satisfeitos, papéis legalizados, o grupo dirigiu-se para a posse.

Do lado da rodovia, um grande portão de entrada marcava o acesso à oponente casa, que podia ser vista um pouco distante. Ladeado por árvores floridas, o caminho se bifurcava a cerca de 500 metros, para a mansão e para as pequenas casas dos lavradores, meeiros que cultivavam bananas.
As famílias eram pobres, dependiam do trabalho naquele sítio. Viram os novos donos chegarem, estranharam não estarem acompanhados por nenhuma mulher.
A mansão estava toda mobiliada, com bom gosto. O Zelador e a família receberam pagamento e gratificações e foram dispensados.

- - - - - - -
Na casinha de Jorge, enquanto Maria preparava coisas para comer, tensa, preocupada com o futuro, mal percebia as artes das duas crianças a sua volta. Num quarto, o filho mais velho estava numa cama, vítima de doença incurável. O marido, cabisbaixo, parecia perdido em seu mundo. Era a preocupação. Nisto, bateram na porta, a mulher deixou as panelas e foi atender.
- É o compadre Zé Antônio. Disse em voz alta para Jorge, voltando para seus afazeres.
- Entra Zé, se acomode, falou Jorge para o amigo.
- Como está o menino compadre? Perguntou Zé, enquanto se assentava numa velha cadeira.
- Na mesma, na mesma. Num sei mais o que fazê, os médicos deram pouco tempo de vida para ele. Fazê o que, é a vontade de Deus!
- Bem Jorge, confie Nele.
- E você amigo, o que conta? Atalhou Jorge.
- Conto que me despediram. Amanhã vou com a Joana e a Marta procurar outro lugar. Me pagaram muito bem, vai dar até para viver alguns meses, mas vou sentir sair daqui. Quando me disseram não precisarem mais de meus serviços, não soube o que responder.
- Mas Zé, isto num é direito. O véio Josias deixava por tua conta os negócios. Devia de ter explicado a eles. Si fosse você, voltava lá e explicava. Certeza que os filhos nada disseram, não ligavam para o sítio. Só vinham aqui para pegarem a parte deles com a venda de bananas. Vai vê, pensaram que você cuidava só da casa. Espere um pouco, vão ter de ti chamá para saber das coisas.
Os dois amigos continuaram conversando por algum tempo. Resolveram falar também com Quim e Sebastião, seus outros vizinhos. Era melhor se unirem para o pior.


Na mansão, os novos ocupantes se deliciavam com o conforto que encontraram. Tudo límpido, alimentos na geladeira e frizer. Dispensa cheia, entre as frutas, muitas bananas. Oito suites, televisores, aparelhos de som e vídeos. Nada faltava.
Como os demais, Luiz estava eufórico. Afinal, era o dono de tudo aquilo. Embora o estado de espírito, percebia que algo o incomodava. Não demorou para definir sua angústia. Despedira o Zelador e a família abruptamente. A imagem da tristeza do homem, da mulher e da filha não lhe saia da cabeça, mesmo sabendo haver feito um pagamento digno. Aos poucos, sua fisionomia alegre deu lugar à amargura. Tunis, vendo-o naquele estado o interrogou:
- O que há Zinho? Me parece preocupado, o que aconteceu?
- Cometi um erro. Poderia ter esperado até amanhã para despedir o Zelador, esqueci ser ele um dos moradores das casas lá em baixo. Posso havê-lo transtornado e a família e até os vizinhos. Tenho de reparar o que fiz, se não vai acabar meu sossego. Por outro lado, preciso saber como funciona o trabalho, enfim, como era antes.
- Vamos com você Luiz. Queremos conhece-los e fazer amizade, observou Job.
Com um aceno de cabeça mostrou a concordância. Além disto, mais uma coisa o preocupava. Sempre residira em hotéis e pensões, há muito não sabia como era a rotina caseira. Tudo estava limpo e acomodado, mas até quando? E a comida?
Estavam a vários quilômetros da cidade. Quem cuidaria das roupas e de muitas coisas mais?
Não havia mais dúvida, quisessem ou não, teriam de contratar pessoas que ficariam junto com eles.
Era um risco, mais ainda, os amigos do espaço não tinham muito cuidado; falavam na língua deles, faziam perguntas inocentes, brincavam com os aparelhos de projeções e ficavam muitas vezes em atitudes esquisitas. Na sua previsão imaginara o grupo isolado, livre da presença de testemunhas, mas isto não seria possível.
Uma coisa era certa, pelo menos duas mulheres e um homem seriam necessários para cuidarem deles. O máximo a ser feito seria a imposição de algumas regras não muito incomuns, para não chamar a atenção. Por fim concluiu mais uma vez, fora um erro a dispensa de José Antônio. Depois de refletir muito, falou para Job:
- Quando planejei a compra desta propriedade, esqueci de alguns detalhes. Vamos ter de aceitar outras pessoas a nossa volta, queiramos ou não. Não havia pensado na limpeza do local nem na alimentação. Não temos saída, isto vai requerer de vocês muito cuidado, principalmente em duas coisas, gestos e linguagem.
Job ouviu, entendeu e esboçou até um sorriso, complementando:
- Isto é ótimo. Se vamos viver na Terra, teremos de nos igualar aos daqui. Até agora nosso único contato foi com você. Temos de nos arriscar e conviver com outros, teremos cuidado, somos os principais interessados. Faça o que achar melhor.

O sol começava a despontar, o dia iniciava-se muito bonito. O verde ressaltava por toda parte. Pingos de orvalho ainda se sustentavam nas folhas, era a natureza pura no despertar dos homens.

José Antônio havia demorado para dormir, só conseguindo, após deixar tudo nas mãos de Deus.
Poucas horas descansou, acordou sobressaltado. Era ainda muito cedo, mas se levantou. Como de costume ia se preparar para a labuta do dia, quando puxando uma cadeira, sentou-se lembrando que tinha de ir procurar um novo lugar.
Sua mulher e filha também já estavam cuidando da casa.
Não queria nem falar no assunto que o perturbava. Tomando uma xícara de café, saiu pela porta da frente, encostando-se na parede. Um mal estar o dominava, enquanto fumava seu cigarro de palha. Naquela posição ficou mais de uma hora. Estava desalentado, mostrara-se sempre ser fiel servidor, coisa que fazia com dedicação. Quase vinte anos ali, só tivera uma filha, era feliz, suas raízes estavam plantadas naquele lugar. Por que a mudança? No seu rosto moreno, marcado pelo tempo, as lágrimas não desciam.
Enquanto se entregava a dor, não percebera a chegada dos novos proprietários.
- Bom dia José Antônio!
- Bom dia! Respondeu, sem conseguir esconder a tristeza que sentia.
- Foi bom encontrá-lo, falou com alívio Zinho, continuando: - ontem me precipitei ao despedi-lo, vou precisar que reconsidere. Necessitaremos muito de sua ajuda.
- E o dinheiro que me deu? Perguntou o trabalhador.
- Você fica com ele. Vou esperá-lo às duas da tarde para conversarmos. Só mais uma pergunta: quem cozinhava e cuidava da casa para o velho Josias?
- Minha mulher e minha filha, por quê?
- Bem, José Antônio, conversaremos sobre isto mais tarde.
Enquanto Zinho e Job se afastavam, alma nova encarnara no pobre homem que correu para dentro da casa gritando:
- Joana! Martinha! Não sabem o que aconteceu.
- O que foi Zé?
- Não vamos mais sair daqui. Vieram me pedir para voltar.
Um clima de alegria tomou conta daquele lar. Joana com os olhos vermelhos de chorar, sorriu e abraçou o marido. Depois de muito conversarem foram dar a notícia aos vizinhos.

Taros e Job aproveitaram a manhã para conhecerem a vegetação, passeando pelos arredores. Tunis e Micenas se detiveram diante da TV.
Quando novamente se reuniram, Zinho convidou-os para almoçarem num restaurante. Quando voltaram, Zé Antônio já os esperava. Zinho apresentou os amigos dizendo que eram sócios, em seguida chamou o lavrador para o escritório. Depois de se inteirar das atividades, percebendo sua capacidade, combinou com ele a direção dos negócios de bananas e administração do sítio. Contratou também a esposa e a filha, dando-lhe em confiança um bom volume de dinheiro para manter as despesas da mansão.
Antes de José sair, convidou-o para ir a cidade, avisando Job.
Zinho, deixando os alienígenas, partiu com o lavrador para Santos. No caminho, detalhou o motivo da viagem. Abertura de uma conta para facilitar-lhe o controle de pagamentos e recebimentos.
No Banco, após as formalidades José Antônio recebeu o talão de cheques, encimado por um bom depósito. O Administrador mal se continha, ria por qualquer motivo. Ficou abobado quando Zinho, parando frente a uma concessionária o convidou para entrar.
- Escolha um utilitário de seu gosto.
José, não entendendo bem, mas atendendo ao patrão, parou frente a uma camioneta azul. Isto feito, Luiz dirigindo-se ao escritório, pagou, retirou os papéis em nome do lavrador e os entregou com a chave para ele, dizendo:
- Passe o veículo em seu nome e providencie toda papelada .
- Mas Doutor, está me dando o F1000.
- Não José, quando os documentos ficarem prontos, você me entregará o recibo de venda assinado.
Estou lhe fazendo tudo isto, porque não posso me envolver com os problemas da propriedade. Confio em você para dirigi-la. Se necessário lhe passo até uma procuração.
Agora voltarei para o sítio. Quando terminar, me informe.
Quando Luiz retornou, o entardecer se iniciava. Os quatro o esperavam no galpão lateral, onde se divertiam vendo revistas e tentando jogos em alguns tabuleiros. Logo que o viram, procuraram saber das providências.
Zinho contou-lhes tudo, mas teve dificuldade para explicar-lhes sobre a conta bancária, tendo sido necessário uma verdadeira aula de economia.
Depois de ouvirem o ex-motorista e da concordância em tudo, Job mudou a conversa para outro ponto:
- Andei muito hoje junto com Taros, fomos para o lado do mar, atravessamos aquelas árvores, apontando para as mesmas. Quando chegamos, divisamos uma pequena praia, mas não tivemos condições de acesso. Vamos ter de encontrar um meio de chegarmos lá. Há uma depressão, um ponto menos íngreme, mesmo assim, perigosa e difícil.
- Bem Job, agora já estamos aqui.
Tunis, entrando na conversa, observou:
- Temos de construir uma estrada, não seria difícil se pudéssemos utilizar nosso equipamento. Mas se o fizermos, o clarão dos raios vai chamar a atenção.
- Isto com certeza traria a imprensa aqui e tudo estaria perdido, completou Zinho, continuando: - a melhor forma será contratarmos pessoas daqui para o trabalho. Uma providência que poderemos deixar por conta do Administrador, assim, ninguém desconfiará.
- E se o pessoal começar a usar o caminho? Perguntou Micenas.
- Acredito que isto seja simples de resolver. Vocês possuem as máquinas de hologramas. Se possuírem imagens que possam lembrar espíritos ou monstros, poderemos assustá-los. Tomariam o lugar por assombrado. Garanto, ninguém mais se aproximaria sequer da área, se apenas um tentasse. Importante também, um portão bastante alto vedando a passagem. Tabuletas proibitivas também funcionam. Se perguntarem, diremos ser para segurança, principalmente de crianças. Por outro lado, também é de nosso direito querermos um local privativo.
Estavam ainda conversando, quando a nova camioneta parou próximo a eles. Zé Antônio desceu e informou Zinho de que tudo fora providenciado. Antes que saísse, Luiz pediu para que se juntasse ao grupo. Tão logo se aproximou, comentou:
- Zé, precisamos que nos providencie com urgência uma descida para a prainha, gostaríamos que os trabalhos se iniciassem de imediato. Contrate pessoas, faça o que for necessário. Amanhã cedo, um de nós irá lhe mostrar o melhor lugar.
- Pode deixar Seu Luiz, conheço um engenheiro muito bom que faz este tipo de serviço. Vai cobrar um pouco alto, mas possui um grupo de pessoas bem treinadas, além de máquinas e o que for necessário. Se me der permissão, falo ainda hoje com ele, não mora muito longe.
- Não precisa regatear preço, aceite o que pedir ou ofereça se for necessário. O importante é que comecem ainda amanhã o trabalho.
Mudando de assunto, diga para sua esposa e filha que as estamos aguardando.
- Amanhã bem cedo, elas estarão aqui.
Depois de se despedir do grupo, o Administrador foi para sua casa.

Na primeira semana que passaram na mansão, os alienígenas deixaram-na uma vez só para irem até a nave. O trabalho de abertura do caminho para a prainha estava em andamento, quinze ou vinte dias seriam necessários para completá-lo.
Luiz procurou descansar e conhecer os colonos. Visitou as casas deles, ora com ou outro dos sócios. Numa dessas visitas, junto com Tunis estiveram na casa de Jorge. Viram o garoto atrofiado na cama. Naquele momento Tunis manteve-se calado, mas quando voltou contou aos companheiros. Muito jovem ainda, se condoia diante do que presenciara, queria fazer alguma coisa. Job e os demais concordaram em ajudá-lo. Para isto, esperariam o término do caminho para trazerem para casa alguns equipamentos e montarem lá o laboratório.
Joana e Martinha, felizes por voltarem a rotina, passavam os dias procurando atender os estranhos donos, que para elas não pareciam muito normais.


Passado o tempo de adaptação, Zinho percebendo a monotonia que se iniciava, lembrou a eles que havia chegado o momento de tornarem-se terrestres. Para isto precisaria da ajuda de um dos quatro. Job se apresentou mas Luiz disse que preferia que ele ficasse para coordenar as coisas no sítio. Ficando resolvido que Tunis seguiria com ele para São Paulo.
Alguns dias antes da viagem, levou os amigos para serem fotografados.
De posse das fotos, rumou para a Capital. Tunis levava consigo um projetor de imagens, já adaptado para emitir formas assustadoras. Não entendia bem o porquê, assim, a medida que o veículo ganhava a estrada, perguntou:
- Zinho, porque me pediu para levar isto? Mostrando o aparelho.
- Vamos entrar em área perigosa, onde armas não assustam. Pode ser que essa coisa venha a ser mais necessária que um revolver ou uma faca.
Quando morei em São Paulo, conheci uma pessoa que vivia no crime. Um dia o salvei da polícia, dando-lhe uma carona. Naquela época ficou muito agradecido e me prometeu que se um dia precisasse dele, que o procurasse. Sei onde morava, espero que me ajude na documentação falsa. Vivia numa ruazinha na chamada “boca do lixo”. O bairro está cheio de ladrões e assassinos, lá você vai ver o outro lado humano, que também precisa conhecer.
Enquanto Tunis ouvia o companheiro, os quilômetros iam passando e a majestosa Capital, aos poucos, tornava-se visível.

No sitio Bananeiras, como era conhecido, Martinha e sua mãe após voltarem dos afazeres do dia, conversavam.
- Mãe, eles parecem tão esquisitos. As vezes penso que estão gozando com minha cara. Ontem quando coloquei o café para o Taros, me perguntou do que era feito, veja a senhora.
- Para mim também, filha. Quando servi carne no almoço, aquele chamado Micenas me perguntou de que animal era. Falei que era de vaca, e me pareceu ainda não ter entendido. Job falou que faço lembrar a mulher dele, que ficou muito longe. Parecem estrangeiros.
- Não são não. Devem ter nascido e vivido só na capital, não conhecem nada do campo. O importante é que estão tratando a gente e todos daqui muito bem, nem se compara com o tempo do Josias. Diga uma coisa, a senhora está contente?
- Muito, seu pai também, ainda mais que entregaram a ele a administração e um carro novinho. Está todo orgulhoso, parece até uma criança.
Continuaram a trocar idéias, até que o frear da camioneta desviou-lhes a atenção. Era o Zé que chegava todo sorridente.

No casarão, Micenas descobrira a biblioteca. O antigo dono gostava de leitura, tanto que a toda volta do cômodo as prateleiras repletas de livros iam até o teto. Apenas estavam livres a porta de entrada e a janela. No centro duas mesas e boa iluminação. Prato cheio para o Maguiano, que depois de entender os caracteres terrestres não se cansava de vasculhar os conhecimentos humanos. Anotava, separava, marcava, era o trabalho dele.
Taros encontrara o vídeo e muitas fitas, com isto também ia aprendendo a conhecer a Terra. Apenas Job, quieto e pensativo, distante de tudo, mantinha-se numa poltrona, era cumpridor fiel das ordens que recebera. Na sua mente, planos para cumprir a missão e a saudade da esposa e filha. Sempre fora assim, razão porque Lotus o colocara na chefia do grupo. Absorto em seus pensamentos, recordava momentos felizes com a família no pequeníssimo mundo. Sentia que tudo iria correr bem, que conseguiria trazer todos da astronave. Mas um pressentimento de que nem tudo seria bonito fazia sua testa enrugar. Diariamente, observando a TV, passou a acompanhar as atrocidades e falcatruas dos homens em todas as partes. Muito mal ainda se escondia nas belas obras dos terráqueos. A precaução era realmente a base da sobrevivência para eles, nisto agradecia a sorte de terem encontrado Zinho, verdadeira chave em seus propósitos.

Na majestosa metrópole, as luzes já iluminavam as ruas quando Zinho e Tunis saíram do restaurante para encontrarem o Gato, alcunha do homem que o motorista ia procurar.
Seguindo para a Zona Sul, depois de enfrentarem um turbulento trânsito, entraram num sombrio bairro, sem movimento. Naquela periferia, os grandes prédios haviam cedido lugar para modestas casas, rareando-se as construções suntuosas.
Cauteloso, Luiz dirigia o veículo para o lugar onde lembrava ter deixado o marginal a cerca de seis anos. Em dado momento parou para se posicionar, pedindo ao amigo para deixar o projetor preparado. Tunis colocou a estranha peça sobre o banco traseiro, pressionando um dispositivo preso ao seu braço, o objeto se abriu mostrando uma forma cristalina hexagonal, que se iluminou foscamente.
Estavam numa pracinha no fim da via principal, que se dividia em quatro, uma delas para a favela, outras para áreas residenciais de baixa renda.
Zinho esquecera momentaneamente por onde deveria seguir. Precisava pensar um pouco, estava atento, mesmo assim não percebeu um trinta e oito aproximar-se de sua cabeça. O mesmo acontecendo a Tunis. Uma voz sarcástica completou a ação:
- Quietos! Passem a grana, se não quiserem ganhar umas azeitonas!
Tunis embora estivesse enfrentando uma situação que lhe era totalmente estranha, antevia claramente as intenções dos bandidos. Num raciocínio rápido, lembrou-se do projetor e disfarçadamente pressionou um dispositivo em seu punho. No mesmo instante, os marginais mudaram os revolveres de direção e abriram fogo no vazio. Apavorados gritavam:
- O que é aquilo Sabugo?
- Não sei, parecem almas do outro mundo, Cruz Credo, e saíram em desabalada carreira.
Refeitos do susto, os dois amigos concordaram em não ficarem ali. Imediatamente seguiram pela primeira via a direita. Zinho recordou então que era por ali mesmo. Passou perto de um barzinho e duas quadras depois estacionou ao lado de um grande depósito. Desceu do carro e pediu para Tunis aguardar um pouco e ficar atento, se necessário faria um sinal para ele ligar o aparelho.
O motorista lembrava do armazém e de uma casinha à direita, nos fundos. Notou que muita coisa havia mudado. Na frente uma cerca de ferro trabalhado e um portão vedava a entrada para um belo jardim, tendo ao fundo uma casa residencial muito sólida e grande. Pensou:
- Será aqui mesmo? Se for, ele melhorou muito.
Ainda meditando, dirigiu-se ao portão, quando ia tocá-lo para abrir, dois homens fortes, mal encarados se aproximaram pelo lado de dentro.
- O que você quer? Indagou um deles.
- Quero falar com o Alarico, respondeu Luiz.
- Aqui não tem nenhum Alarico, pode ir dando o fora.
- Esperem! Para onde então foi o Gato ou Alarico?
Vendo referir-se ao nome Gato, os brutamontes se olharam e o mesmo que falara, disse a Zinho que aguardasse. Voltou-se, atravessou os arbustos e entrou na residência, minutos depois, retornou e perguntou:
- Quem é você?
- Diga a ele que é o Zinho motorista, que um dia lhe deu carona.
- Está bem, respondeu o guarda-costas, novamente indo para a casa.
Dali a pouco, da porta o bandido gritou:
- Pode entrar! O patrão vai recebê-lo.
Zinho chamou Tunis e os dois foram encaminhados até a presença de Gato.
- É o Zinho mesmo? Está diferente. Estranhou o marginal, quando viu o novo aspecto dele.
- Sim Gato. Tirei o bigode, mas sou eu mesmo. Lembra-se de quando o trouxe para cá, despistando os carros da polícia?
- Se lembro, quase foi o fim de minha carreira, não fosse sua ajuda. Mas por que veio ter a mim? Interpelou o marginal, que não gostava de muita conversa.
- Preciso conseguir documentação para quatro pessoas. Gostaria que você intermediasse e conseguisse isto para mim.
Gato pensou durante alguns instantes. Acostumado a desconfiar de tudo, posicionou sua mão sob o rosto endurecido e marcado por olhar inquisidor, depois perguntou:
- Quem é este que está com você?
- É Tunis, um dos que precisa de um documento de identidade.
- Isto custa muita grana, muita grana mesmo.
- Dinheiro não será problema. No momento é para quatro pessoas, mas dentro de algum tempo, vou precisar para mais de duzentas e cinqüenta. É para um grupo de refugiados que chegarão clandestinamente ao Brasil.
- É muito perigoso, vou lhe dar uma resposta depois de amanhã. Volte aqui nesta mesma hora, vou contatar umas bocas.
- Então até depois. Lembre-se gato que eles podem pagar, de preferência com ouro puríssimo. Precisam da documentação completa, até certidão de nascimento. Veja como poderá conseguir isto e quanto custará.
Terminada a entrevista, foram para o Centro, onde se hospedaram num bom hotel. Ao se registrarem tiveram um problema, Tunis não possuía identificação. Luiz intercedeu por ele, explicando na portaria, que o amigo esquecera a carteira, mas que assumia toda responsabilidade. Uma boa gorjeta para o atendente ajudou a convencê-lo melhor.
Cansados da viagem e do dia atribulado, entraram no apartamento. Antes, porém, telefonaram para Job informando que ficariam dois dias em São Paulo.

Quando não era um, era outro dos extraterrestres que ficavam observando a construção do caminho para o mar, dando idéias e pedindo para mudar isto ou aquilo. A obra seguia com normalidade, sem qualquer suspeita dos trabalhadores. Também, quem iria imaginar a real finalidade do caminho? Pensavam ser capricho de milionário.
Chegar até a praia não fora difícil, utilizaram uma retro-escavadeira e com ela foram derrubando o barranco sobre as pedras, faltava diminuir o declive e ladrilhar com paralelepípedos adicionando alguns degraus. Por último a construção do portão.
Há dias não voltavam ao veículo espacial, já estavam se habituando àquele ritmo de vida, tanto, que até se esqueciam que eram os estranhos no planeta.
A saudade dos amigos e familiares que permaneciam no escuro cosmos era compensada pelos prazeres da existência ao ar livre, sem divisórias. A maior satisfação deles era andarem por todos os lados, coisa que faziam sem saber da importância dos passeios diante da quantidade de alimentos que vinham ingerindo.

José Antônio, muito diferente de alguns dias antes, colocou cadeiras e uma mesa em baixo de um poste de iluminação, no pátio que fazia frente para as quatro casas.
A noite era quente, mas a brisa era suave e o local parecia ótimo para uma reunião de amigos.
Logo chegaram, se assentaram e ele tomou a palavra:
- Chamei vocês para conversar. Como sabem fui re-contratado, com vantagens que não sonhava.
Não sou de dar voltas para falar. A verdade é que me colocaram para administrar tudo aqui.
Antes, quem negociava as bananas era eu, quem acertava as contas era o velho Josias. De agora em diante, tudo vai ser comigo. Como tiveram confiança em mim, não vou desmerecer.
Não procurem o casarão para nada. Qualquer problema que tiverem deverá ser tratado comigo, diretamente. Para tudo aquilo que for justo, podem acreditar, darei uma boa solução.
- Tô muito contente de sê ucê o administradô. Mudando um poco a conversa, tô curioso. Tão fazendo uma descida pro mar, será que a gente pode ir lá? Seria bão p'ra pescá. Comentou Quim, com seu costumeiro palavreado.
- Foi bom me perguntar. Isto é uma coisa que ninguém poderá fazer. São gentes boa e educada, deixaram tudo para que resolvesse, garanto que tudo vai melhorar por aqui. Mas me pediram para deixar bem claro que não vai ser permitido o uso daquele caminho, tanto, que vai ser colocado um grande portão fechando a passagem. Se eles não querem, vamos atendê-los.
Tenho mais uma notícia para vocês, deixaram livres as pastagens para nosso uso, bem como o pedaço onde plantávamos cereais. O Sr. Luiz disse que não precisamos mais partilhar a produção daquele local, só das bananas.
- Isto é bom demais, observou Jorge. Vou plantar um pouco de arroz e milho, completou.
- E você Tião? Perguntou Zé Antônio.
- Vou experimentar com tomate se hortaliças, respondeu o lavrador.
- Uma coisa deve ficar clara, vou estabelecer os lugares que poderão usar.
Perguntas daqui, dali, ambiente alegre, uma pequena festa, principalmente quando Zé Antônio foi buscar uma garrafa da boa. As horas passaram e a cantoria tomou o lugar da conversa.

No apartamento do Hotel na Capital, Tunis e Luiz se preparavam para deitar, tirando as roupas. Foi quando o motorista reparou na cicatriz no pescoço do amigo, mas não disse nada. Era ainda cedo para dormir e na cabeça do motorista veio a curiosidade de saber sobre a vida do companheiro e, já deitado perguntou:
- Conte alguma coisa sobre vocês, sobre seu planeta.
- Não posso contar muito, sempre vivi dentro de uma astronave. Somente agora começo a entender o que é a vida e como deve ser vivida.
Fico aborrecido só de pensar em voltar para lá. Tenho apenas vinte anos e depois destes dias que passei aqui, percebo o sentido de prisão, de falta de liberdade. Mas, respondendo sua pergunta, conheço meu planeta apenas pelos registros. Pelo que consta, lá é bem semelhante a este mundo. As cidades são diferentes, os casarios são baixos, bem uniformes entre si, uma residência para cada família. Não existem fiações nas ruas, a iluminação é feita através de cristais energéticos, muito comuns em Mag. Na Terra parece não existir, nem em outras partes por onde já passamos. Existe comércio quase igual ao de vocês, mas o direito de propriedade é coordenado por um poder central. O modo de vida neste planeta é muito mais complexo e o progresso mais visível. Lá a população não possui televisores ou aparelhos de som e o povo não participa dos acontecimentos científicos.
- Mas vocês chegam até as estrelas! Exclamou Luiz.
- É verdade, mas não são muitas as naves. Há muito haviam alcançado os planetas do sistema, mas como aqui, a vida só é possível em Mag. O que existe de bom e que supera os terrestre é que a violência foi extirpada e os habitantes vivem em harmonia.
- Por que vocês possuem tanto ouro?
- Para nós o ouro não possui nenhum valor, no planeta existem montanhas inteiras do metal, é como o ferro aqui. São cristais raros que comandam a economia.
- Deve ser emocionante viajar pelas estrelas, observou Zinho.
- Não é não, as viagens são longas demais, quase sempre sem retorno. Depois de uma certa distância, os contatos com a base deixam de ser possíveis e os navios seguem os próprios destinos. Provavelmente se perdem, como foi o nosso caso. Em cada embarque, são escolhidos cem homens e 100 mulheres. A procriação é controlada, mantendo-se número de tripulantes inalterado.
Meu pai não conheceu Mag, só meu avô.
- Vocês têm alguma diversão? Continuou Zinho.
- Exercícios são habituais, mas esportes não são praticados, devido a limitação dos espaços. Temos música, mas não vibrante como a que venho ouvindo. Rádio e TV são novidades para nós. Os projetores são os únicos meios de entretenimentos visuais que temos. Sistemas de computadores são destinados às pesquisas e manutenção nossa. Comparativamente notei que neste campo nossas máquinas estão mais avançadas, são capazes de processar e condensar até elementos químicos. Por outro lado, na Terra existe uma infinidade de objetos incríveis que podem ser utilizados por qualquer pessoa. Também o sistema de transmissão que utilizam é muitíssimo mais eficiente.
- Aqui sempre há notícias de objetos não identificados, até de contatos. Alguns casos, conforme as testemunhas, os ocupantes são de cabeças avantajadas, olhos rasgados e corpo pequeno. O que você me diz disto?
- Viajar de estrela em estrela é muito difícil, mesmo em incríveis velocidades. As distâncias são assustadoras. O único meio é através da renovação natural da espécie. Portanto, se houver seres visitando a Terra, exceto nós, devem também possuir uma nave muito grande, que suporte o ciclo vital, pois nenhum ser em qualquer lugar do universo é eterno.
Quando estudei a evolução dos seres inteligentes de outros mundos, conhecidos por nossa ciência, tive oportunidade de constatar que os raros exemplares mostram formas não muito diferentes de nós, mais baixos ou mais altos, geralmente com detalhes genéticos diferenciadores.
A vida se modifica conforme sua posição galáctica. Por exemplo, somos bem semelhantes porque nossos planetas situam-se na zona periférica, em distâncias análogas de suas estrelas.
A medida que penetramos as camadas da galáxia no sentido periferia para o núcleo, a influência deste age sobre as espécies vivas, favorecendo a existência de criaturas de aspectos inimagináveis. Supondo-se que muitas façam viagens no cosmos, elas não desceriam num planeta como a Terra, da mesma forma que os habitantes daqui, em suas futuras viagens, não desceriam nos planetas deles, desprovidos de equipamentos de segurança. Portanto, se os ocupantes das naves foram vistos, é sinal de que pertencem a alguma estrela próxima e tenham vindo de algum planeta com poucas diferenças deste.
- Falou que a vida dentro de sua nave é controlada. Quer dizer que nascem e morrem dentro dela, mas como funciona?
- Tudo é controlado pelo centro de processamento central, que não deixa que o número de tripulantes exceda a capacidade de lotação. Para um casal ter filho, só após a partida de um idoso para o infinito.
- Então espera-se a morte de alguém? E as doenças? Por certo podem viver mais de cem anos.
- Somos comandados pela Fonte de Sabedoria. Ela decide sobre tudo. Sabemos até o dia da partida. Oitenta anos são o limite de nosso ciclo. Completada a idade, a família acompanha o idoso até a Porta da Eternidade. Este, consciente de cumprir uma obrigação, a mais importante da vida, entra no compartimento e desaparece. Num minuto o corpo se esvai.
- Então é desintegrado. Na Terra isto seria assassinato.
- É a forma de se permitir nascimentos e número sempre igual de tripulantes.
- Por exemplo, Tunis, seu avô já partiu?
- Sim, um pouco antes de virmos para a Terra. Respondeu o moço com ar de saudosismo e tristeza.
- Desculpe-me pela pergunta. Disse, vendo o rapaz se abater.
- Não se preocupe Zinho, meu avô paterno foi o último de minha família. Ainda me restam meus pais, embora estejam acima dos sessenta.
- E se a pessoa não quiser?
- Que saiba, não houve caso. De qualquer forma há regra sobre isto. Se acontecer, ocorre a introdução forçada do idoso. Caso isto não viesse a ser feito, a nave nos castigaria com cortes de ração e água e outras coisas. Portanto, sem saída. Por outro lado, isto permite sempre o mesmo número de crianças em diferentes idades, o mesmo de adolescentes e jovens e o mesmo de adultos.
- Bem Tunis, parece que viajar pelo espaço não é um bom negócio.
- Não. Não é mesmo.
- Vamos dormir então, amanhã vou lhe mostrar a Capital, disse Luiz, desligando a luz.

No dia seguinte, tomando café no salão próprio, Zinho sentindo-se um pouco envergonhado por ver Tunis trazer para a mesa quantidade exagerada de alimentos, ia repreendê-lo, mas pensou:
- deixe p'ra lá, com o tempo ele aprende.
Enquanto tomava seu café, observava o companheiro que avidamente devorava tudo que trouxera, mesmo com os pequenos dentes. Nada dizia, mas pensava: - tomara não venha a ter uma congestão, parece que não come a um mês; ainda bem que vamos andar muito.
Quando saíram, o jovem parecia pesadão e ansiado, mas nada reclamou. Tomaram o veículo e foram girar pela praça, parando aqui e ali. Por fim, Luiz levou o automóvel para um estacionamento.
A pé, foram para o Shopping. Para Tunis, tudo era novidade, queria comprar de tudo, foi quando Zinho lhe perguntou:
- Você tem dinheiro?
- Tenho três cubos de ouro, deve dar para comprar muita coisa.
- Espere um pouco, você não pode sair por aí pagando com ouro. Primeiro vamos trocá-lo, aqui perto há uma casa especializada. Vamos até lá.
Andaram por algum tempo, enquanto caminhavam Tunis pareceu mudar de cor, o que chamou a atenção do outro.
- O que você tem?
- Não estou agüentando, vou fazer nas calças. Respondeu, quase a desmaiar.
- Vamos procurar os sanitários, falou Zinho, indicando a direção. Pensou: - também pudera, o que ele comeu!
Quando o alienígena voltou, era outro, semblante composto e sorriso estampado.
Por instrução do amigo, Tunis trocou apenas um cubo, recebendo cerca de dois mil reais. Ia saindo com o dinheiro na mão, mas Zinho antes de adverti-lo pensou: - tenho de ensinar tudo!
- Não deixe o dinheiro a mostra, senão você fica sem ele. Distribua-o nos bolsos e nunca demonstre possuí-lo. Os assaltantes aqui estão por toda parte. Quando for comprar alguma coisa procure tirar apenas o necessário para pagar. Já lhe ensinei o valor das notas. Futuramente deverá usar cheques ou cartões, é mais seguro.
O moço era muito inteligente, compreendia com facilidade, mesmo assim ainda fazia muita coisa errada. Nunca havia comprado nada, nunca havia entrado numa loja. Queria ver tudo, bijuterias, brinquedos, aparelhos eletrônicos e bens de consumo em geral. Com dinheiro no bolso não foi difícil entender que poderia levar o que quisesse. Numa primeira loja, se encartou por um teclado e, logo pegou o primeiro embrulho. Na outra um vídeo-game, depois um sofisticado aparelho de som, depois uma guitarra.
Numa livraria passou tempo escolhendo e empilhando livros. Numa loja, gostou da máquina autenticadora e queria levá-la.
Luiz teve de retirar o veículo do estacionamento, tanto era o volume de objetos. Finalmente o dinheiro acabara e o rapaz queria trocar mais. Zinho tentou convence-lo a deixar para uma outra vez, pensando: - ficou maníaco.
O moço não cedeu, tiveram de voltar à Casa do Ouro e mais um cubo foi trocado.
Eram tantas as bugigangas, que o quarto ficou parecendo um armazém. O jovem estava eufórico, a todo momento bisbilhotava as compras. Era como uma criança frente a presentes de “Papai Noel”.
Permaneceram o resto do dia no quarto.
Descansados, a tardinha Luiz convidou o amigo para uma noitada.
- O que é isto? Perguntou Tunis.
- Vamos a uma boate ou clube. Um lugar onde se dança, onde podemos encontrar garotas, onde há música e onde poderemos tomar alguma bebida.
Tunis nada entendera, embora as explicações de Zinho.
- Vamos, lá você compreenderá.

O jovem, ao entrar, se atordoou com o ensurdecedor ritmo musical e com o volumoso grupo de pessoas a pular na sua frente.Com as luzes ofuscantes a mudarem de cor, com o vozerio e o perfume das moças sentiu até medo do ambiente.
Zinho, psicologicamente, entendia a situação dele. Sorrindo, o dirigiu para uma mesa e pediu bebidas para ambos.
Veio a primeira dose, depois a segunda, e o líquido inebriante que sorvia libertava-o para um mundo mágico, que nunca sequer sonhara.
Nesse meio tempo, vieram duas garotas, lindas, sensuais, rostos alvos, feições delicadas e corpos perfeitos cobertos por vestidos cintilantes. Para o rapaz, pareciam deusas vindo do infinito. Luiz convidou-as a fazer parte da mesa.
A loura sentou-se ao lado de Tunis, que ainda mantinha jeito de menino, branco e avermelhado pelo rubor quando ela acariciou seus negros cabelos. Já o motorista, homem feito, formas viris, cabelos castanhos, experiente, sabia como atrair as mulheres. O assédio da bela jovem de cabelos pretos não se fez esperar. Assim, os dois pares iniciaram a noite pela dança. Mesmo o rapaz, que nada entendia, enfrentou o salão. Passaram todo tempo com as jovens.
No dia seguinte, a ressaca. Tunis não sabia porque a cabeça lhe doía tanto. Se fosse na nave, correria para a máquina laboratório e tudo estaria resolvido.
Zinho dava gargalhadas do companheiro, escondendo que também estava na mesma situação. Acabou providenciando comprimidos, que ambos tomaram.
Ficaram até ao anoitecer no apartamento, jantaram e foram ter com o Gato.
Desta vez não pararam, só o fizeram na porta da casa do marginal.
- Tenho a resposta, disse Gato. Continuando: Me dê as fotos e os nomes. Ficará em dois mil reais a papelada completa de cada um. Em ouro, 800 gramas no total.
- As fotos estão aqui, os nomes e idades estão escritos no verso. Disse Luiz, entregando-as.
Gato, pegou as fotografias e observou:
- Vou precisar de um quarto do pagamento adiantado, para as primeiras providências.
- Tunis, dê o cubo de ouro ao Gato. Falou Zinho em tom quase ordenante ao moço.
O rapaz enfiando a mão no bolso, retirou seu último cubo e o entregou ao bandido.
Gato não esperava aquilo, sorriu satisfeito, pegou o metal, examinou, viu que era legítimo. Guardou-o e voltando-se para Zinho:
- Daqui uma semana ficam prontos. Traga o restante do ouro.
- Quero coisa perfeita Gato. Lembre-se que serão duzentos e cinqüenta das que lhe foi entregue. Por ora serão apenas as quatro. Serão utilizados para todo fim, abertura de contas, compra de propriedades e outros fins. Dai ter que ser trabalho de primeira. Quinta feira da próxima semana estarei aqui para pegar os documentos.
- Fique descansado Zinho. Vamos tomar uma bebida?
- Não, obrigado! Responderam juntos os amigos e se despediram do temido homem da Zona Sul.
Saíram de lá e foram diretamente para o Hotel. Aquela noite nem pensaram em sair, o desgaste da anterior ainda perdurava. Assim, foram descansar para viajarem de volta logo de manhã.

A semana passou, Luiz voltou sozinho à Capital, levou o pagamento e trouxe a documentação.
Na hora de entregar para cada um, explicou detalhadamente para que serviam. Observou que sem aquilo não poderiam fazer nada, mas com elas passariam por brasileiros.
Dois dias após, levou-os a Santos para abrirem contas. Começava vida normal para os quatro.

Os meses começaram a passar, há dois que viviam na mansão.
Zinho passou a ensiná-los a dirigir. O caminho da prainha estava pronto e já estavam utilizando para chegarem a nave. Com isto, montaram laboratório num dos quartos da grande casa. Não impediram às empregadas de limparem o local, mas advertiram para não colocarem a mão em nenhum dos objetos.
Zé Antônio, mulher e filha se familiarizaram com os donos, conversavam não só sobre serviços. Com isto, ficavam informados dos acontecimentos locais e da região.
Taros camuflara um projetor na entrada para a prainha, bastaria alguém tocar no portão e fantasmas apareciam esvoaçantes sobre a área. Não demorou para ter utilidade.
Joana ficou sabendo de um fato e transmitiu a Job:
- Sabe Seu Job, tão falando que a prainha é assombrada, quem me disse contou que a pessoa que viu jura ser verdade.
Cada dia que passava, mais terráqueos se tornavam.
Job, feições sérias, mais velho que os outros, quarenta para mais, corria a propriedade usando chapéu de vaqueiro e botas, aprendeu a montar e comprara um cavalo. O sítio não era grande, mas ele o achava enorme e passava o tempo em contato com a natureza. Quando tirava o chapéu, a marca ficava sobre o farto cabelo, que somado à barba rala, ao porte alto e ao olhar severo, lhe conferiam aspecto de um típico homem do campo, acostumado a vida rude.
Taros, um pouco mais novo que Job, dava ares de fazendeiro rico, gostava de andar bem vestido e quando preocupado levava a mão à nuca, como sempre. Bastante estouvado, muito generoso, era o que mais se interessava em dirigir. Queria conhecer cidades; parte do tempo vivia a estudar a mecânica dos automóveis. Um pouco obeso, rosto redondo, sempre fazia os outros rirem. Comilão, não via a hora de rever a esposa, mas não conseguia sequer imaginar-se absorvendo o antigo alimento. Quanto a isto, já havia decidido, na volta levaria rações da terra.
Micenas era o obscuro, perdido no mundo dos livros. Esquecia de tudo diante da procura de conhecimentos. Tunis havia trazido da Capital um enorme pacote, quem aproveitava era ele. Magro, olhar inteligente, aparência de literato, único que passou a usar bigodes. A biblioteca era sua morada e, quando não estava lá, ficava frente a televisão examinando fitas que continham informações. Durante aquele pequeno período já havia assimilado toda História do Brasil e já se enveredava para assuntos mundiais. Vivia levantando dados, fazendo estatísticas de tudo e computando num processador que sempre trazia consigo, levaria para Lotus informações completas dos terrestres. De qualquer forma, conseguia tempo para também aprender a dirigir. Sempre que podia, orientava os companheiros, assim, numa das noites que estavam reunidos, disse:
- Foi preciso vir a este mundo para entendermos a vida. Fomos manipulados por nossos ancestrais. Somos frutos de uma experiência. Um montículo de seres comandados por um robô, que se não quebra, poderia nos manter naquela eterna forma de existência, que diga-se, sem significado.
Não pode haver harmonia sem liberdade plena, num grande espaço.
Quanto ao nosso medo inicial, se justifica. Não apenas a guerra que registramos existiu por aqui. Sempre ocorrem, quando uma facção tende a oprimir outra, não aceitam serem subjugados. Vidas são perdidas nos confrontos. Embora selvagem, é o sentimento de revolta que move tais acontecimentos. Nós nunca poderíamos nem reclamar, estávamos inocentes dentro de um invólucro metálico, achando que viver era daquela forma.
- Mas aqui há insegurança, sempre podem acontecer conflitos. Atalhou Taros.
- É verdade, mas em muitos lugares, passam-se longos períodos de paz, como ocorre onde estamos. Portanto, a melhor definição para os maguianos é serem transportados para cá.
Mudando o assunto, vocês já pensaram bem qual era o tipo de alimentação que ingeríamos. Lógico que inofensiva e ótima para nosso organismo, mas sempre provinha das mesmas coisas, de todos os detritos imagináveis, que reciclados voltavam na massa comestiva, inclusive as próprias fezes.
Não sou casado, não tenho filho, mas pensem bem, nossas crianças nunca tiveram acesso a um doce sequer. São obrigadas a ingerir aquilo, para não falar na falta de brinquedos.
- Eu que o diga. Retrucou Taros.
- Pois bem, continuou Micenas: - poderão pensar que embora tudo isto, nos mantínhamos sadios, mas onde estava a satisfação do existir? De sentir o paladar, de possuir espaços amplos? Sempre girando nos mesmos corredores, éramos prisioneiros e não sabíamos.
Por gerações esperamos uma estrela que nunca chegava. Verdade que nossos pais alcançaram uma, com planetas estéreis, impróprios para a vida.
Tempo perdido. Por sorte alcançamos este sistema. Outras naves provavelmente ainda estão procurando o quase impossível.
O cristal energético trincou. Se não ocorresse, talvez estivéssemos tentando a volta para Mag. Seria um erro, meu pai me contou reservadamente, que tentaram o retorno. Que procuraram por todos os meios estabelecer as coordenadas, sem resultado. Poucos sabem disto. O comando e os envolvidos se calaram e ele fazia parte do grupo. Apenas mantiveram a rota na periferia galáctica, acabaram encontrando a Terra.
Na época, a guerra estava no auge. Ficaram horrorizados com as batalhas, daí não optarem por ficar. Continuaram a viagem, o resto todos sabem.
Todos haviam ouvido calado o companheiro de jornada. Coube a Job continuar:
- É verdade, também soube por meu pai que tentaram retornar. Nem era nascido quando aconteceu, me pediu segredo e também me confidenciou a mesma coisa. Acho que estamos sendo protegidos pelo Grande Criador. O cristal danificado nos forçou virmos para este mundo e aqui deveremos ficar.
- - - - - -

Tunis, o mais jovem, ora estava ao redor de Martinha, ora junto com os colonos. Gostava de dedilhar o órgão eletrônico e participava de brincadeiras junto com os filhos de Quim e Sebastião. Não parava, parecia querer recuperar a infância e adolescência perdidas.
Nas idas dos trabalhadores para o bananal, vez ou outra lá estava. Até ajudava a carregar os cachos. Uma diversão para o pessoal, que riam das trapalhadas do moço. Voltava sempre com as roupas cheias de nódoas, colocava as mãos e pés onde não devia. Qualquer bicho que encontrava, ia examinar, levando a mãos a ramos e cipós. Um trabalho a mais para os amigos Tim, Carlos e Mané, tão novos quanto Tunis. Não fossem eles, já teria sido mordido por cobras, aranhas ou marimbondos.
Um dia, afastando-se deles, voltou se coçando muito, era a urtiga. Com isto, não demorou para ter mais cuidado. Os da terra entendiam aquilo como coisa normal para uma pessoa que viera da cidade grande. Gostavam dele, mais ainda porque sempre visitava o menino doente e por vezes ficava tempo tentando reanimá-lo.

Quando a descida para o mar ficou pronta, os quatro queriam de imediato transportar os equipamentos para curar a criança.Mas, antes que se precipitassem, Luiz interrompeu-os no propósito, observando:
- Esperem um pouco, vocês poderão ajudá-lo, no entanto lembrem-se que devem ter cuidado. Se curarem o enfermo, com os pais sabendo que isto não seria mais possível, romarias de inválidos viriam para cá, passariam por santos e todo projeto estaria perdido. Portanto, temos de encontrar uma forma de agir, sem dar a perceber, muito discretamente.
Com estas palavras, perceberam o erro que cometeriam. Job argumentou:
- Por vezes, esquecemos nossa origem. Não fosse você conosco, neste momento estaríamos provavelmente nas mãos de cientistas ou mortos. Por outro lado, queremos salvá-lo.
- O que precisam? Perguntou Luiz.
- Apenas de um pouco de sangue para ser colocado no processador e obter o remédio. Respondeu Job.
- Só isto? Sem necessidade de remoção do menino?
- Mais nada, nossa máquina faz o resto. Completou Taros.
Zinho então se afastou dizendo que ia pensar. Aproveitando, Micenas, Tunis e Taros expuseram suas opiniões para Job. Mas não demorou a ausência, alguns minutos e estava a frente do pessoal com sua proposta:
- Façam o seguinte: Tunis pedirá permissão aos pais para extrair o sangue que precisam. Explicará que vai aproveitar minha ida para São Paulo para levar a amostra para um especialista, que analisará e fornecerá medicamentos. Deverá pedir também a última receita médica.
De posse do material, se concluírem que haverá cura, faço de conta que vou viajar. O que realmente farei, até Santos, onde comprarei todos os tipos possíveis de remédios para a doença. Escolherão alguns deles. Os medicamentos comprados servirão para despistar, pois junto com eles administrarão o que irão produzir.
Tunis deverá encontrar um jeito de funcionar como enfermeiro, temporariamente, até terminar o tratamento que envolva a aplicação da poção. Ele e mais outro de vocês, no primeiro dia entregarão as caixas para Jorge ou para a mãe. Deverão levar muitas frutas, dizendo serem necessárias e aquele que acompanhar Tunis, frente aos pais, recomendará com aparente seriedade as doses em horários certos, como se atendesse orientação médica.
Se o menino sarar, pensarão apenas que a medicação foi milagrosa. Ficarão agradecidos, mas somente isto.
Acharam genial a idéia de Zinho, que estava sempre a protege-los dos erros.
Nos dias que se seguiram, conforme combinado, Tunis conseguiu o material. Sem que Joana ou Marta percebessem, acionaram dispositivos no laboratório. Introduziram num dos aparelhos as poucas gramas do sangue doente, computando dados do menino.
Durante cerca de uma hora os mecanismos funcionaram, quando silenciaram, um pequeno tubo depositava num recipiente um líquido amarelado. Na parte frontal, no painel de manipulação de dados,por uma abertura surgiu uma cartela com recomendações para o uso.
Job tomou a papeleta e comentou:
- Tudo certo. A solução é injetável. Deverá ser aplicada durante dez dias nos vasos sangüíneos. Após esse período o menino estará livre do problema.
Zinho, avisado, seguiu para Santos, deixando visível aos locais a finalidade da viagem.
Fico una cidade, não voltou no mesmo dia. Cumpriu sua parte e retornou na manhã seguinte, momento em que os colonos seguiam para os afazeres.
Quando entrou no casarão, vendo Joana e Marta trabalhando, na frente delas, entregou o pacote a Tunis, comentando:
- Não vim ontem, porque consegui o resultado do exame somente a tarde. Na clínica, o especialista me informou que pela amostra, trata-se de forte dominação de glóbulos brancos, com grande risco de vida. No entanto, sua receita poderá curá-lo desde que acompanhada de muita boa alimentação.
- Não perguntou sobre a ausência do garoto?
- Perguntou, disse que era necessário levá-lo, mas pela análise o tratamento seria o mesmo. Portanto não vi razão para perdermos mais tempo.
Tunis, percebendo claramente as intenções de Zinho, continuou:
- Mas ele foi desenganado, conforme me disseram.
- Pode ser, os recursos do Posto Médico são limitados, devem ter ministrado remédios que não fizeram efeito. Depois, os pais não possuíam dinheiro para consultar um centro especializado. Falei disto para o Dr. Jonas, ou José, não me lembro bem, o que me atendeu. Disse-me ter havido casos deste tipo, embora raros, onde as doses indicadas foram insuficientes.
Por ser muito novo, estar em fase de crescimento, os produtos que indicou devem surtir bom efeito, sendo bem provável resultados em breve, conforme me disse.
O difícil foi convencê-lo a entregar-me a receita sem a presença do garoto. Foi preciso fornecer-lhe o telefone do último médico que tratara do menino, por sorte estava na receita que me deu. Se retirou do consultório e provavelmente entrou em contato, pois quando voltou emitiu o formulário.
Continuaram com a encenação por algum tempo. Enquanto falavam, as duas mulheres estavam atentas a cada gesto ou palavras deles. Por certo contariam a todos, era o que queriam.
Ainda no mesmo dia, Job e Tunis visitaram o casebre de Jorge. Levaram uma boa cesta de frutas e os remédios. Porém, antes de saírem, triaram no laboratório os medicamentos, separando os mais benéficos. Reservaram como principal uma caixa com injeções, onde a bula as indicava para leucemia, anemia e outras situações de fraqueza.
Quando entraram na humilde casa, Jorge e a esposa ficaram contentes com a generosidade dos patrões.
Fizeram tudo conforme fora combinado, quase repetindo as palavras de Zinho.
Tunis pegou a caixa de injeções dizendo saber aplicá-las, e foi preparar a seringa, dizendo:
- Jorge, a primeira aplicação é dupla. Ato contínuo, retirou duas ampolas. Quebrou as pontas e despistadamente jogou os líquidos fora, deixando as cápsulas vazias sobre uma mesinha. Também sem dar a perceber, retirou o vidro que trazia consigo, preparou a seringa e injetou no paciente.
Falando para a mãe, mostrou alguns comprimidos a serem dados ao menino e orientou para que o fizesse ingerir boa porção de frutas.
Antes de saírem, Jorge perguntou:
- Então Seu Job, não é a tar de doença ruim?
- Para ser franco Jorge, não sei. Luiz é quem esteve com o especialista e me informou tratar-se de anemia profunda. Esperamos que o medicamento dê certo. Não entendemos nada da doença, mas faremos tudo que for possível para ajudar na cura. Por falta de recursos não será, se preciso o internaremos.
- Tomara dê certo, que Deus ajude, vou fazer até uma promessa para Nossa Senhora.
- Faça Jorge. Tenha fé.
- Só Deus pode pagar o que estão fazendo, disse Jorge ao acompanhar a saída dos dois. Esperou se distanciarem e, voltando para a esposa:
- Oh Maria, nem p'ra dar um café preles!

Seguiram-se os dias, Tunis acabou aplicando no garoto as dez dozes necessárias, sempre usando o mesmo procedimento, dando um jeito de jogar os líquidos das ampolas pela janela. Cada dia que passava, o menino melhorava, no fim de uma semana já sorria e conversava com o moço. Na metade de um mês, estava em pé e já brincava com o casal de irmãos.
Jorge e Maria não cansavam de falar na bendita hora que deram o remédio. No entanto, ele acreditava mais em milagre, que a Santa o atendera. Assim, cumpriria a promessa: levaria o filho até a Catedral de Aparecida, subindo de joelhos toda rampa de acesso.
Os homens do espaço sentiam-se bem por terem salvo o garoto. Ganharam a estima de todos; por onde passavam as pessoas faziam questão de cumprimentá-los, ficaram populares.

Depois da cura do garoto, o ritmo de vivência terrestre virou rotina para a “patrulha maguiana”.
Taros ficou fanático em carros, em pouquíssimo tempo aprendera a dirigir e auxiliado por Zinho, foi o primeiro a exibir o certificado de motorista e seu automóvel zero. Passou quase a viver nas estradas, conhecendo e comentando o que via para os companheiros.
Tunis também se esforçava para dirigir. Job e Micenas se detinham em mundos diferentes, um gostava de cavalos e outro de livros.

Cinco meses depois já eram tão humanos quanto qualquer outro habitante do planeta, adaptaram-se tanto que não seria fácil voltarem. Principalmente Tunis, este esquecera até seu papel no grupo. Considerado gênio pelos colegas, solucionador de problemas, mudara, ficara alheio ao objetivo da missão. Não queria voltar, se falavam da necessidade de sua presença, se enfunava, se rebelava e até se exaltava; dizia que existiam outros, que não faria falta. Na verdade, apaixonara-se por Martinha e esta por ele, viviam aos abraços e beijos. Surpreendido pela mãe da moça, disse que iam se casar.
Zé Antônio se preocupava, com justa razão, para o Administrador o jovem era riquíssimo, talvez estivesse aproveitando da filha, pensava.
O momento da decisão estava chegando, em breve voltariam para a Astronave. Job sentindo que estava na hora de se reunirem, esperou a saída das mulheres e antes que Tunis acompanhasse a moça lhe disse para ficar.
A sós no casarão, incluindo Zinho, foram para a sala maior, sentaram-se nas poltronas e o chefe do grupo iniciou:
- Dentro de um mês teremos de retornar à nave mãe.
Nem bem Job iniciara, Tunis interrompeu:
- Eu não vou! Afirmou o rapaz, irritado.
Job ia adverti-lo quando Luiz tomou a palavra:
- Se ele não quer ir, deixem que eu vá, afinal se entrosou com o pessoal daqui muito mais do que qualquer um de nós. Conhece tudo sobre o plantio das bananeiras e dos outros produtos. Gostam muito dele, mais ainda tem que ficar alguém para tomar conta até o retorno.
- Nós temos regras, atalhou Job. Nunca foram quebradas, mas pensando bem, vou aceitar a idéia.
Foi o suficiente para Tunis abrir um largo sorriso e voltar a ser o mesmo jovem extrovertido. Nunca mais entraria numa nave, a menos que estivesse parada na Terra. Disse muito aliviado:
- Vou separar umas coisas para levarem para meus pais.
Job que tentava coordenar a reunião, voltou a falar:
- Prestem muita atenção, você principalmente, Luiz. Eu chefio a missão, vai conosco mas desde já devo-lhe advertir que deverá cumprir todas as minhas ordens, da mesma forma que Taros e Micenas. Já conhece a nave de reconhecimento, não vai notar diferença na gravidade nem no ar, mas o espaço é limitado e talvez tenha de se alimentar com a massa que já viu. Vamos levar bastante alimentos daqui, mas serão para amostragem, assim, caso queira leve sua ração, apenas para intermediar.
Taros não esperou:
- Também vou levar, não vou suportar aquilo.
Paciente como sempre, Job observou:
- Está bem, está bem! Levaremos o que pudermos e continuou dirigindo-se ao terráqueo:
Outra coisa, não vamos permanecer apenas dois meses até chegarmos à nave-mãe. Antes de retornarmos, talvez tenhamos de permanecer um ano ou mais na Astronave. Vai ter uma surpresa ao ver nosso povo, não são muito parecidos com vocês como pensa. Todos possuem uma elevação no pescoço, que aqui chamariam de corcova.
Luiz, ouvindo isto, lembrou-se da cicatriz que vira em Tunis e perguntou:
- Como farão então para virem para a Terra? Serão logo notados. No entanto, devem ter extraído as que possuíam. Vi a cicatriz em Tunis.
- Também temos o mesmo sinal, devido a uma cirurgia rápida, não queriam perder tempo. Quando voltarmos, as falhas serão corrigidas. Somente a de Tunis deverá continuar. Esta é a razão de termos de ficar algum tempo lá, todos terão de passar pelo processo.
Zinho voltou a questionar:
- Tudo bem Job, mas depois que vierem para a Terra, os filhos que nascerem poderão manter as características genéticas.
- Certo amigo, não deixa de ser um problema, mas a ciência programada pelos cientista de Mag possui soluções genéticas impossíveis para o conhecimento terrestre. Existe a possibilidade de um tratamento hormonal que poderá ser elaborado pelo laboratório central.
Ouvindo os últimos argumentos, Tunis ficou de orelha em pé. Imaginou-se com Martinha, rodeado de filhos todos com corcovas, não agüentou e interferiu:
- Não havia pensado nisto, e agora?
- Bem companheiro, você está numa enrascada! Exclamou Job zombeteiramente.
Parou para ver a reação do moço, enquanto gargalhadas e pilhérias seguiram, depois continuou:
- Não precisa se preocupar, se vier a ter filhos aqui, por influência da mãe talvez nem tenham a saliência. Acredito que seja produzida substância para alteração genética, receberá sua dose. Se não esperar, aí o problema é seu.
Agora peço não interromperem mais, se tiverem mais alguma pergunta, por favor façam-na agora.
Nenhum dos participantes abriu a boca, Job continuou em português, estava tão acostumado devido a necessidade de adaptação, que nem ele, nem os outros falavam mais na língua maguiana. Continuou:
Quando viemos para cá, nosso objetivo era correr todos os cantos do planeta, estudando regiões e povos, até encontrarmos o local ideal. Isto não foi preciso. Tivemos sorte e acredito que possa falar por nós, não encontraríamos melhor do que onde estamos.
Sem percorrer os países, Micenas registrou a vida de cada, quer pela TV, livros, revistas e jornais. Quando não é a guerra é o racismo, o clima, hábitos e costumes que acentuaram-se como entraves para os conceitos maguianos. Não é afirmação generalizada, lógico que várias nações parecem possuir muito boa coexistência interna. No Brasil existe violência e muitas coisas erradas, mas as boas superam. Por isto nada disse, deixei tudo ser arranjado para nossos irmãos, sei que o lugar é ótimo para nossos filhos.
Micenas mostrou-me estatísticas de tudo, possui uma quantidade de informações que deixará Lotus satisfeito.
Antes de sairmos para examinarmos a Terra, o Comandante autorizou-me a definir um local seguro para todos. Por sorte, honestamente não encontrei dificuldade para isto.
Agora passemos para a prática. Como vamos sair daqui sem causarmos suspeitas? Zinho, você que é perito nestas coisas, poderá nos responder?
- Job, minha resposta é ter muita cautela.
Provável que queiram levar muitas coisas para conhecerem.
Tudo que tiver de ser transportado para a nave, deverá ser aos poucos, de preferência durante a noite.
No dia de partirmos, não poderemos simplesmente abrir o portão e seguirmos pela prainha, como tem ocorrido. Ficaremos muito tempo fora, a curiosidade das pessoas ficará aguçada, levantarão mil hipóteses.
É preciso uma satisfação antecipada, uma preparação. Só para irmos e voltarmos gastaríamos quatro meses, conforme entendi. Quase o tempo que estamos residindo neste sítio. Na minha opinião, não devemos permanecer na astronave mais do que dois meses. Ficará muito esquisito para os daqui um retorno após um ano, embora nossa curta estada nesta propriedade. Ficamos muito conhecidos na região. Vamos a bancos, fazemos compras e divertimos, fazemos parte da sociedade local.
Somos conhecidos como milionários, somos visados, podem ter certeza, comentários a nosso respeito são comuns.
Job, tenho portanto de discordar de uma viagem prolongada no espaço, teremos de voltar a tempo de parecer realmente uma estada turística em algum país. Para isto inventaremos desde já um cruzeiro ao redor do mundo, deixando a notícia se espalhar. Até um roteiro fictício teremos de forjar quando retornarmos, queiramos ou não, nos farão perguntas.
Outra coisa, não quero me intrometer, mas vejo-me na obrigação de alertá-los. Seu povo nunca poderá vir de uma só vez. Duas famílias ou três por descida. Importante que saibam a língua, assim, oportuno seria levarem o sistema de equipamentos que utilizaram para aprenderem tão rapidamente o idioma. Logo que tenham assimilado, poderei auxiliá-los na aplicação dos termos e orientá-los nos hábitos antes do embarque. O primeiro grupo que chegar à Terra após adaptação, instruirá o próximo grupo e assim por diante.
Estou de certa forma interferindo no procedimento que até deve haver sido delineado, por uma razão que conhecem. Todo cuidado é pouco, em nenhuma hipótese qualquer outro terrestre deverá saber da verdade. Se acontecer perderão a liberdade da vida. Até para mim, foi difícil no início escondê-los, por muito pouco não os denunciei.
Mas, continuando, o próximo passo será identificá-los, logo a seguir comprar residências para instalá-los. Não poderá haver concentração de moradias, de preferência quanto mais espalhadas no País melhor. O chefe de cada família deverá aprender uma profissão, deverá contar uma história convincente, como: de onde vieram, o que faziam, porque saíram.
- Ótimo! Interrompeu Job. Praticamente nos solucionou alguns dos principais problemas. Por outro lado, tecnicamente existem outros que impedirão a execução da tarefa totalmente dentro da linha que mencionou.
Por exemplo, para movimentar nossa pequena nave de reconhecimento necessitamos de energia, e esta é renovável. A nave-mãe há muito deixou de fabricar os cilindros de abastecimento e o estoque limita as viagens.
- Pensava que usassem magnetismo para se locomoverem no espaço, é o que os terrestres imaginam.
- Não Zinho, apenas em parte é verdade, sem o combustível propulsor também não há o campo. Mas não vem ao caso, o fato é que existem apenas mais três iguais a que viemos e cada uma delas poderá apenas fazer uma viagem. Além destas possuímos cinco transportadores para cinqüenta pessoas cada, assim, se utilizarmos os cilindros para as menores não teremos condição de utilizarmos as maiores. Para chegarmos com a nave-mãe até as proximidades da Terra, gastaríamos dez anos, tempo temerário para duração do cristal já danificado.
Tunis, muito tranqüilizado, ouvia com atenção os comentários, raciocinando sobre o problema, interveio:
- Ainda quando estava lá, participei da análise das distanciassem relação às fontes energéticas. Realmente seria impossível idas e voltas das naves. No entanto, poderiam utilizá-las, colocando apenas o necessário para chegarem até aqui.
Considerando os cinco transportadores com um pouco de excesso, isto e, cinqüenta e cinco pessoas em cada e seis da nave de reconhecimento que voltará, teremos toda população maguiana vindo para a Terra, obviamente sem retorno.
Todas pousariam no mar, oportunamente, as levaríamos fora da órbita do planeta e as colocaríamos em direção ao infinito ou ao sol. Apenas uma nave de reconhecimento, após retornar com os pilotos, permaneceria no oceano.
Job, voltando a direcionar a Luiz, observou:
- Aí está Zinho, o mínimo por vez a chegar será de cinqüenta e cinco, muito acima de sua proposição.
- Minha intenção era a de que este sítio fosse base e local para distribuição das famílias. Teremos então de mudar de plano. Seriam muitos.
Pensou um pouco, deu algumas voltas na sala, mas logo apresentou a solução:
Não poderão vir para cá, mas se comprarmos um pequeno prédio de apartamentos em local movimentado na Capital, acredito que venha a dar certo.
- Não estou entendendo Zinho.Havíamos estabelecido este local para acolhermos nossos irmãos. Interrompeu Job.
- Não terminei, o volume de pessoas é grande, não haveria como despistar a curiosidade, até a imprensa acabaria se intrometendo. Num centro movimentado ninguém se importa com o que está acontecendo ao redor.
Micenas que até então estava quieto, atalhou:
- Precisamente, qual a finalidade disto?
- Pela convivência com vocês, observei que são iguais a nós, com os mesmos problemas de adaptação. Todos os que chegarem não estarão preparados para conviver com os terrestres. Apenas depois de algum tempo de treinamento poderão seguir para suas residências definitivas.
Quando voltarmos, se possível deverão lotar a nave pequena com o máximo de pessoas, para nos auxiliar. No edifício não poderá haver terceiros, o trabalho deverá ser executado por maguianos. Bem, em linhas gerais é este o meu pensamento.
A reunião continuou até altas horas da noite. Todos se empenharam na melhor solução. Micenas gravava e anotava detalhes. Assumira para si a tarefa da elaboração técnica do plano definitivo a ser apresentado para Lotus. Se aprovado pelo conselho, seria executado.

Uma semana depois, estava pronto, Micenas pedindo uma reunião, apresentou seu trabalho. Abrangia todos os aspectos, desde a posição planetária, sociedade, história e países até as definições finais para descida de seu povo.
Sempre pedindo a opinião do ex-motorista, teceu uma longa e detalhada explicação.
Inteirados dos primeiros procedimentos, após uma semana, enquanto ultimavam os preparativos para a viagem, começaram a divulgar a versão combinada. Coube a Taros iniciar os comentários:
- Vou ficar com saudade de sua comida, Joana.
- Por quê Seu Taros?
- Resolvemos viajar por bom tempo, vamos conhecer o mundo, começando pela Europa.
- Ficarão muito tempo fora? Interrompeu Joana.
- Acredito que em torno de seis meses.
- Nossa! Tudo isto?
Martinha estava perto, ouvia a conversa e ficava cada vez mais nervosa, até que não agüentou e interferiu:
- Seu Taros, o Tunis vai também?
- Não Martinha, um de nós precisa ficar, é o mais novo, possui muito tempo, um dia também viajará, se quiser.
A resposta de Taros, aparentemente sem pretensões fez aparecer um largo sorriso no belo rosto da jovem.

Tudo resolvido, organizado, os quatro partiram para Santos, a vista de todos, levados por Tunis.
Na mansão deixaram instalado excelente rádio transmissor e outro no veículo espacial. Um código ficara estabelecido, para utilização no retorno. Levavam também aparelhos semelhantes para serem adaptados nas demais naves.
Tunis carregava no porta-malas os escafandros. Enquanto esperava o entrar da noite até no horário apropriado, ficou girando pela cidade.
O momento chegara, foram para uma praia, vestiram as roupagens e entraram na água. Tunis voltou para o carro e retornou para o sítio.

Zinho não despregava os olhos do que parecia a janela traseira. Viu em fração de segundos o mar diminuir e o escuro dar lugar ao brilhante sol; a Terra transformar-se numa bola azulada e tornar-se cada vez mais pequena. Virou-se para a frente, o cenário era outro, no escuro infinito estrelas cintilavam em todas as direções. Sentia pela primeira vez sua pequenez e a de toda a humanidade.
Os amigos estavam no comando dos mostradores quando o terráqueo quebrou o silêncio:
- Vamos encontrar pela frente algum planeta?
- Estamos em trajetória reta para a nave-mãe, como dizem, bem distante do sistema solar. Pelos meus cálculos passaremos perto de Marte, o verá como se enxergasse a lua, depois encontraremos alguns asteróides, Júpiter e Saturno. A seguir o filme acaba, só veremos o que está a frente, nada mais.
- Não entendo. Como poderão encontrar a Astronave nesta imensidão? Ficaram em terra muito tempo, o planeta mudou de posição e ela é apenas um pontinho no espaço.
- Zinho, parece até entendido no assunto. Vou explicar: nosso sistema efetuou as correções necessárias. Quando chegarmos próximos a ela, acionaremos nosso sensoriamento. Captado provocará a emissão de micros raios de onde estiver, eles nos levarão a bordo.
Luiz calou-se e passou apenas a observar. A sensação era de estar na terra, num cômodo qualquer. A gravidade perfeita, o ar ótimo e temperatura fizeram-no lembrar que a Terra ainda estava engatinhando na conquista espacial. Até aquele momento não percebera mudança no ambiente, era como se estivesse numa sala circular, onde além dos controles e painéis se destacavam quatro janelas. Por elas a visão externa mostrava o panorama sideral, numa delas o brilho do sol ainda se acentuava no escuro infinito. Poltronas móveis feitas de ouro, como a maior parte do que se via davam um colorido interno amarelo. O piso vitrificado refletia uma luz agradável vinda do teto, que a emitia de forma uniforme. Estava dentro de um cilindro, onde alem dos visores externos, se intercalavam quatro portas que davam acesso aos dormitórios, sanitários, refeitório, sala de exercícios e laboratório. Os compartimentos de carga ficavam em baixo e em cima e estavam superlotados.

A nave em vertiginosa velocidade seguia o destino.
Enquanto isto, Tunis experimentava pela primeira vez a sensação de ficar só. Na quietude da noite poucos veículos cruzavam com o seu. Uma incontida alegria cobria o remorso de não ter partido. Sabia que os pais ficariam tristes por não vê-lo de regresso. Um dia entenderiam, pensava.
Os quilômetros iam passando, aos poucos afastou sua tristeza e lembrou-se das palavras de Quim: “não sou tatu, tatu é que vive em buraco”.
Recordando sua infância e adolescência sem graça, vegetativa, associou-as à sua nova vida, onde Martinha, os amigos e a liberdade faziam-no o mais feliz dos mortais.
Não entendia bem as palavras de Sebastião: “parece um bobo alegre”, mas devia ser isto mesmo, tudo para ele era motivo de festa, passara a amar seu novo mundo.
De pensamento em pensamento chegou ao casarão, imaginando mil coisas para o dia seguinte, foi dormir.

Nas pequenas acomodações, Zinho tentava reconciliar o sono. Por seus cálculos, mais de duas semanas já haviam transcorrido, o tédio já começava a dominá-lo.
Não estava preparado para aquilo, mas era tarde, o remédio era agüentar até o fim. O rádio de nada lhe servia, a não ser para ouvir fitas, restava-lhe retirar da maleta alguns livros e dedicar-se à leitura. Mas raciocinando concluiu que mesmo que soubesse como seria nada o impediria de estar ali.
Guardava consigo a satisfação de ter visto de perto três planetas e seus satélites, bem como as grandes rochas que pareciam vir em direção da nave. Afinal, nenhum homem da Terra presenciara aquilo. Mesmo que nunca pudesse comentar com outro semelhante, sentia-se realizado.
Os amigos estavam apáticos, principalmente Taros que não conseguia esconder a irritação, reclamando muito na hora da alimentação.
- Também pudera, que coisa sem graça aquela massa, pelo menos se tivesse um salzinho, matutava o terráqueo.
Os alimentos para amostragem estavam próximos deles. Taros vez ou outra rondava as entradas. Acabou recebendo séria advertência de Job, ficando proibido de chegar perto dos lugares de acesso.
Depois que o objeto saiu do sistema solar e ganhou o grande vazio, os alienígenas deixaram os controles, vistoriando-os raramente, seria a rotina por bom tempo. Abriram o canal de sensoriamento e só voltariam a operá-los em caso de alarme.
Muito curioso e também para preencher o tempo Zinho se esforçava para entender o espaço, auxiliado por Micenas que se tornara seu professor. Este gostava de ensinar, apontava pequeníssimas variações estelares, alguns fenômenos, nome de sistemas próximos, se possuíam planetas e outras coisas do caminho que sabia trilhar.
Possuíam TV a bordo graças às habilidades de Tunis, que antes de saírem havia conseguido adaptá-la ao veículo, bem como o rádio transmissor. Assim, com muitos filmes tornara-se menos monótona a viagem. Já conheciam vários jogos, assim, tabuleiros, baralhos e até vídeo-games também estavam presentes para se distraírem.
Jogando, assistindo filmes, ouvindo músicas e fazendo exercícios conseguiram passar o mês e entrar no segundo e último da jornada. Zinho se adaptou e com seu arsenal de piadas provocava muitas risadas, embora para muitas tivesse que explicar os mínimos detalhes. Por sua vez, Taros também tinha as suas, que o brasileiro ria por rir. Assim seria, até a chegada na Astronave.

No sítio Tunis aprontava, mas não se esquecera das obrigações. Aos poucos sentia-se um produtor rural, auxiliando o futuro sogro a administrar. Participava de festas na redondeza, onde houvesse um divertimento lá estava, acompanhado dos amigos ou da namorada. Carlos, Tim e Mané o levavam para todos os lados, mas não sabiam que ele não conhecia a violência, sequer sabia o que era brigar.
Certo dia estavam no Barzinho da Serra, próximo do sítio, beirando a rodovia. Bebiam cerveja, contavam anedotas e davam risadas quando entraram dois estranhos querendo confusão. Tunis não sabia possuir um sentido de defesa apurado, assim, acabou percebendo antes de qualquer ação dos marginais as intenções. Sob o olhar atônito dos amigos, se levantou para enfrentá-los com palavras, acabou levando murros de ambos. Conseqüentemente Carlos levantou-se de punho fechado entrando na briga para valer, não deixando por menos Tim e Mané. A sirena policial fez agressores e agredidos se evadirem. Tunis acompanhou os amigos na correria sem até bem saber o porquê.
Tomaram o carro e saíram a toda.Carlos nem os outros entenderam as razões da atitude de Tunis, para eles os marginais nada haviam feito.
- Tunis, o que lhe deu na cabeça de tirar satisfações com os caras? Perguntou Mané.
Caindo em si do ocorrido, logo percebeu que o mesmo não acontecera com os amigos. Se aquilo não era natural para os terrestres, melhor seria dar-lhes outra resposta:
- Não sei o que me sucedeu, achei que haviam me insultado, deve ser a bebida que tomei.
- Se queria apanhar, por que não falou com a gente? Brincou Tim.
- Vai ganhar óculos, ti acertaram os olhos. Observou Mané, continuando: Prepara para pagar os estragos, o quebra-quebra foi grande. Antes que o dono do estabelecimento nos crie problemas, pois a esta altura a polícia deve estar nos procurando. Convém voltarmos para acertar as coisas.
Fizeram o retorno e vinte minutos depois estavam no bar. O dono, vermelho pela raiva os encarou com olhar feroz. Já ia pegando o telefone, quando Tunis lhe disse:
- Calma Senhor! Voltamos para pagar os estragos e pedir desculpas.
Com estas palavras, o proprietário se compôs, pegou uma caneta e começou a fazer contas e mais contas, falando em voz alta os itens que somava. Exagerou na quantidade de garrafas de whisky, gin e outras. Copos, vidros e móveis também compunham a extensa lista, cuja soma astronômica foi paga imediatamente, sem qualquer recusa.
Carlos ia começara reclamar, mas foi impedido por Tunis, que apenas solicitou fosse retirada a queixa e que lhe fornecesse um recibo. Após o acerto o comerciante parecia até alegre, conseguira muito mais do que o dobro, poderia até melhorar seu estabelecimento.
Aquela noite não havia sido das melhores, mas servira de alerta ao ainda inexperiente moço. Aprendera mais uma lição. Raciocinou e concluiu que necessitaria dos amigos para ensinar-lhe um pouco de defesa pessoal.
Sabia poder contar com eles, assim no dia seguinte, quando encontrou os três, disse-lhes:
- Amigos, nunca aprendi a lutar. Sou obrigado a dizer-lhes que não sei me defender, gostaria de aprender.
Carlos, falando pelo grupo, observou:
- Percebemos isto, mas tem remédio. Quando quiser, o levaremos a uma academia de artes marciais em Santos.
Outra coisa, a briga foi por sua culpa, nunca devia ter agido daquela maneira. Precisa tomar cuidado, por sorte não sacaram armas.

Nem tudo era maravilhoso para Tunis. Além de descobrir sobre a nova preocupação que deveria ter, Martinha passara a querer saber sobre sua origem. Para isto contava-lhe pormenores da infância esperando ouvir alguma coisa do namorado.
A curiosidade da jovem era enorme, afinal pensava em casar-se com ele. Quando tocava no assunto percebia claramente as evasivas do rapaz. Intrigada, apertou o cerco:
- Porque não me diz nada sobre sua vida? De onde veio?Onde nasceu?Como são seus pais?
O moço não sabia mentir e suas respostas não satisfaziam. Pensava:
- Se contasse a verdade, entenderia? Guardaria o segredo?
Dois meses se passaram, seria o mais feliz dos mortais, não fosse a insistência de Martinha. O assunto o torturava e os laços de afeto ficaram por um fio.
Que situação, se dissesse corria o risco de perdê-la e prejudicar a missão. Se mantivesse calado, pior ainda. Quase não dormia, passou até a evitar a namorada, mas seu coração não agüentou e acabou no propósito de contar tudo.
A noite estava linda, as estrelas cintilavam. Os dois sentados no banco do alpendre pareciam únicos no Universo, entregues às fantasias do amor. Mas em dado momento a jovem desvencilhando-se dos braços do rapaz, o afastou e voltou às habituais perguntas.
Martinha até surpreendeu-se com a resposta:
- Por amor a você, vou contar-lhe tudo.
Não sou da Terra.
- É da Lua então! Atalhou Martinha com raiva, levantando-se para sair.
- Espere! Espere! É verdade, agora precisa me ouvir.
- Não brinque comigo!
- Não é brincadeira. Não percebeu que proibimos a descida à prainha, que ninguém vai até lá?
- Não vai porque é assombrada!
- Nós criamos a ilusão por orientação do Zinho. Nossa nave está próxima, no fundo do mar.
A moça ia novamente retrucar, mas gentilmente Tunis a cortou:
- Meu bem, deixe-me falar, não interrompa, vai entender.
Não acredita no que estou lhe dizendo porque minha aparência não difere das pessoas daqui.
Segurando as mãos da jovem, olhou para o céu e continuou:
- Saiba que lá em cima, existem muitas civilizações. Em muitas a vida é semelhante a terrestre. Cada estrela possui sua família de planetas, quase sempre um deles detém criaturas inteligentes, nem sempre iguais a nós.
Eu, Taros, Job e Micenas somos o que chamam de alienígenas.
Enquanto falava, Martinha arregalava os olhos e pensava:
- Estou com um extraterrestre, um alienígena! Assustada, quase a sair correndo, se manteve ao lado Tunis, porque mesmo diante da revelação percebia que o amava.
- Ninguém pode saber disto, se falar estaremos perdidos, muitas vidas estão em jogo.
Quero me casar com você e também não quero segredos entre nós. Seria um erro para nosso começo.
Tunis desfilou então todos os acontecimentos, pode falar da infância, da sua frustração e da alegria de viver entre os humanos.
A medida que ouvia a história, percebeu que tudo fazia sentido. O olhar firme do jovem não mentia e quando terminou de narrar-lhe os fatos, já calma, mas ainda assustada, exclamou:
- Estou namorando um alienígena?
Agora entendo as trapalhadas do Taros e as esquisitices de Job e Micenas, para não falar nas suas. Bem que desconfiava da aparelhagem do laboratório, bastante estranha diante das coisas que já havia visto, de qualquer forma julgava ser coisas novas.
Agora, ligando os fatos, foram vocês que curaram o filho do Jorge?
- Sim, não conseguia ver o menino definhar-se. Pedi a Job e aos demais me auxiliarem. Luiz delineou uma estratégia para não haver suspeitas.
- Isto é prova de que tens bom coração, vou amá-lo muito mais.
Por mim, prometo que nunca, em qualquer circunstância, mesmo que me deixe, ninguém saberá o que me revelou.
Sinto-me até envergonhada pela minha insistência, mas nunca poderia imaginar a realidade. Completou Martinha, abraçando Tunis.
- Martinha, falta um detalhe: não somos totalmente iguais aos homens da Terra.
- Como assim Tunis?
- Nossa raça possui uma saliência no pescoço, uma corcova, sem relação com a espinha dorsal. Apenas uma massa de carne a mais que os terráqueos.
- Mas nada percebi em você!
- Foi retirada antes de virmos para cá. Veja a marca. Virando-se mostrou-lhe a cicatriz.
Todos os que virão sofrerão a mesma operação.
Quando voltarem, provavelmente me trarão uma vacina que imunizará nossos filhos de virem a nascer com a protuberância.
Com a quebra do sigilo, o moço ganhara além da namorada uma grande aliada, que passou a ajudá-lo cada vez mais no comportamento frente à sociedade. A moça era filha de lavradores, mas isto não impedira de manter um grau bem elevando de cultura.
Para Tunis o mundo lhe voltava a sorrir. Livre na mansão, chamava os amigos e junto com Martinha se divertiam. Música, bebidas e jogos transformavam a grande sala num recanto de jovens.
- - - - -

A nave singrava o cosmos. Job já havia comunicado que brevemente ouviriam o aviso de aproximação. A jornada estava prestes a terminar. Não fora de toda ruim, apesar da habitual ranzinza de Taros, que ao invés de chatear provocava risos.
Zinho deveria recusar a massa alimentar, mas não reclamava. Taros era quem se comportava como um terrestre, obcecado pelos alimentos que conhecera, não se conformava.
Até Job, deixou cair por terra a seriedade e vez ou outra, na hora da refeição dizia:
- Taros, hoje vai comer o que precisa.
Este logo pensava que era alguma coisa terrestre, ficava todo contente. Quando deparava com a mesma massa xingava, esbravejava e os amigos pilheriavam.
- Mas Job, você disse que íamos comer coisa diferente.
- Não disse nada, falei que era o que precisava. E você não precisa se alimentar?
Micenas tornara-se um ótimo professor para Luiz, que aprendera até um pouco da navegação.
Após dois meses no vazio do Universo, o momento da abordagem chegara.
Job sabia estar próximo da Astronave. Todos percebiam sua preocupação. O alarme que esperava soar, mantinha-se mudo. Passou a analisar constantemente os mostradores, o ambiente ficou tenso.
Luiz, na sua poltrona, sem entender o que estava ocorrendo, querendo ajudá-los perguntou:
- O que está acontecendo, posso auxiliá-los de alguma forma?
- Não Zinho, pelos nossos cálculos já passamos do ponto de encontro.
Após responder ao terráqueo, Job virou-se para Taros e Micenas e comandou:
- Retornar com zero dois graus negativos na coordenada.
Zinho, olhando as janelas viu as estrelas correrem em fração de segundo.
A primeira manobra fora feita; não demorou para Job solicitar outra posição, desta vez positiva e assim por diante. O veículo espacial descia e subia na procura da nave-mãe.
Já estavam assustados, imaginando o pior, quando o silvo do alarme se fez ouvir.
Um alívio para a tripulação. Após uma última manobra, o comando do aparelho estava sob controle da Astronave.
Job, Taros e Micenas abandonaram os painéis, comemoraram e comunicaram a Luiz a chegada. Este observando a janela frontal logo percebeu um pequeno pontinho se avolumar e cobrir a visão sideral.
- Chegamos pessoal! Preparem-se para a descontaminação. Observou Job.
Zinho não sabia o que fazer, mas vendo os companheiros tirarem as roupas, os imitou. Feito isto, uma porta se abre ao lado dos controles, num dos espaços que parecia vago. Logo uma luminosidade maior do que a interna pareceu penetrar o local. Os amigos caminharam em direção a ela, fez o mesmo. Todos nus, continuaram até um pequeno compartimento. Ao entrarem a porta se fechou e uma fumaça azulada, sem odor cobriu-os completamente. Após alguns minutos, o gás foi sugado e peças de vestimentas estavam a disposição deles.

Tal qual na Terra, os maguianos festejaram a entrada dos astronautas, olhando curiosos para Luiz. Os primeiros a se aproximarem foram Jung e Tala. Sem ao menos cumprimenta-lo perguntaram:
- Onde está nosso filho?
- Ficou na Terra, mas não se preocupem, está muito bem.
Ouviram Job, mas não se conformaram. Esperavam pelo filho que nunca havia distanciado deles. Lágrimas rolaram pelo rosto da mulher, enquanto o homem procurava consolá-la, cabisbaixo e muito triste. Pensavam: lá ficara a mercê dos bárbaros.
Percebendo a situação, Job em meio ao alarido da recepção pediu permissão e foi ter com eles:
- Acreditem, está muitíssimo mais feliz do que se voltasse. A Terra não é o que pensávamos, é maravilhoso viver lá. Tunis mandou uma carta para vocês e presentes, depois que retirarem o material que trouxemos, lhes entrego. Dizendo isto, voltou para encontrar-se com a esposa e amigos.
Enquanto os pais de Micenas não o deixavam, Taros já erguia o filho nos braços, ao lado de Kalina, Job também abraçava sua mulher.
Luiz parecia vendido no local, sem entender nada do que diziam, se postou perto da porta que saíra e apenas observava os acontecimentos.
Inibido diante dos olhares curiosos do grupo não percebera a aproximação de bela jovem. Quando a viu, ficou ainda mais preso diante do belo olhar da moça, que lhe estendeu a mão. Bastante atordoado, instintivamente entregou a sua.
Sem dizer qualquer palavra, apenas usando gestos, ela o convenceu a acompanhá-lo e o apresentou a várias pessoas, que dobravam o corpo quase no estilo japonês. O homem da Terra repetindo as reverências iniciou os primeiros contatos com os maguianos.
Lotus após entender-se com Job, aproximou-se do terrestre com o mesmo gesto de cortesia, falando palavras que não compreendia, logo traduzidas pelo amigo:
- Bem vindo à nave maguiana. Job disse que devemos a você o sucesso da missão. Aqui estará entre amigos.
Em seguida, dirigindo-se a todos os presentes, mostrando o estranho observou:
- O terráqueo que veio com nosso grupo chama-se Luiz. Facilitou os preparativos para nossa descida no planeta. Acreditou em nós, prestou inestimável ajuda e ainda está pronto para nos auxiliar. É muito bem vindo a bordo, quero que todos dêem a ele a melhor das acolhidas. No período que ficar se integrará ao nosso conselho.
Depois, dirigindo-se a Zinho:
Minha filha Zilca o levará para seus aposentos, deve estar cansado, em outro momento voltaremos a conversar.
Logo que Job traduziu as últimas palavras, Luiz agradeceu e seguiu com a moça.
Zilca não deixara de se entusiasmar pelo bonito porte do moço. Tomando a mão do rapaz atravessou o grupamento de maguianos e levou-o para um corredor claro como o dia. Abriu uma das muitas portas e indicou-lhe sua acomodação.
Falando a língua de Mag mas acompanhada de gestos, fê-lo entender como proceder, a seguir, curvando-se um pouco, saiu do local.
Antes de deitar-se na convidativa cama, analisou seus contornos, tudo entalhado em ouro. Foi para o sanitário, onde as torneiras jorravam muita água. Experimentou a bacia e um sistema higiênico fora do habitual. No cômodo bastante espaçoso não encontrou chuveiro, apenas um quadro na parede, mas ao encostar a mão a água desceu do teto como se fosse uma chuva.
Aquilo era diferente da pequena nave, onde o banho era bem regrado e no processo que conhecia. Sentia estar precisando e nada como uma boa ducha antes de dormir.
Zinho entrou na água e demorou-se. Quando foi procurar desligar o fluxo, apertou a placa, mas nada aconteceu. Foram vãs as tentativas, por fim, vendo que nada conseguia saiu do local. Percebeu então que esta era a forma de parar.
Antes de ir para cama, sentiu que a claridade era muita e não o deixaria dormir. Lembrando-se que a moça lhe mostrara também outra placa, encostou a mão e a luz foi diminuindo.
Apesar da maciez da cama, não conciliava o sono. Em sua mente a radical mudança que sofrera sua vida não lhe permitia mudar o pensamento. De pobre motorista de táxi para um abastado proprietário. Também como entender sua coexistência com alienígenas? Era muito para Zinho.
Olhava a sua volta e não acreditava estar numa Astronave, em pleno espaço. Aos poucos a realidade se misturou com a fantasia e acabou sonhando que flutuava entre as estrelas, via planetas e luzes multicoloridas. Em meio ao seu devaneio a fisionomia de Zilca lhe surgia, bela e radiante, como uma deusa a dominar o Universo.
No que seria o dia seguinte, Zinho levantou-se, quando o fez a iluminação normal voltou. Vestiu-se e dirigindo-se à porta esta se abriu. Não demorou para encontrar Job e Taros, que já estavam a sua espera. Estes o levaram para o grande refeitório onde partilhou do único alimento que existia, a habitual massa que já conhecia. Não gostava daquilo, mas após ingeri-la percebia que o desejo de comer desaparecia por longo tempo.
Os amigos apresentaram suas esposas, depois o convidaram para conhecer a astronave. Levaram-no em todos os lugares, no salão de laser, na área de exercícios, no setor de simulação da vida em Mag, na ponte de comando e sistemas de processamentos, no laboratório central e no complexo de reciclagem, onde a água e a conhecida massa comestível surgiam como por encanto.
Passaram o dia mostrando ao terrestre o planetóide onde viviam. Nas andanças pelos extensos corredores, encontrou Zilca que olhou para ele sorridente.
Na hora do “jantar” permanecera com os amigos, mas não tirava os olhos da jovem, que um pouco distante também o analisava.
Depois de um dia caminhando pelos labirintos da grande máquina retornou para seu quarto. Não se lembrava de uma palavra do que haviam dito Job e Taros, apenas a imagem da moça tomava seu cérebro. Novamente acomodou-se na macia cama e belos sonhos com a jovem tomaram-lhe a “noite”.
No segundo dia, de novo Taros e Job o esperavam. Pensou:
- Será que vai ser rotina agora?
Sem nada lhes dizer, levaram-no para o laboratório central. Chegando, Job convidou-o a sentar-se numa cadeira frente a uma série de aparelhagens sofisticadas.
- Zinho, entendendo sua dificuldade em permanecer na astronave sem poder dialogar com ninguém, falamos com Lotus, que nos permitiu incluir em seu cérebro o nosso linguajar.
Para você será rápido. Alimentamos o sistema com a forma brasileira de pronúncia e tudo já foi associado, basta apenas carregar seus neurônios. O processo é indolor.
Zinho pensou logo na Zilka e concordou de imediato, confiava totalmente nos amigos. Por outro lado, não ficaria tão dependente deles durante sua permanência no espaço. Apenas perguntou:
- Em quanto tempo poderei entender e conversar?
- Quase que de imediato. Em dois dias terrestres será capaz de facilmente associar os dois idiomas. Com pequeno esforço entenderá as conversas a bordo.
- Então vamos lá!
Colocaram o terráqueo numa confortável poltrona e na cabeça inseriram-lhe um capacete dourado repleto de saliências e de cristais. Enquanto isto, alguns homens manipularam painéis. Por último, aproximaram de seu nariz uma pequena máscara, fazendo-o inalar um gás que o colocou a dormir em poucos segundos.
Quando acordou, estava em seu quarto. Ouviu passos e uma voz:
- Zinho, levante-se para a refeição. Era Job falando em maguiano.
Surpreso por entendê-lo com perfeição, levantou-se, vestiu-se e foi para o refeitório. Lá chegando procurou os amigos, não os encontrou, mas ficou feliz ao ver Zilka em uma das mesas, deglutindo a primeira refeição. Esta o convidou a se aproximar, entendendo perfeitamente quando lhe disse:
- Sente-se, em instantes virá sua ração.
Se acomodando próximo da moça procurou agradece-la no idioma dela, surtindo efeito, o entendera. Percebendo que lhe era fácil comunicar comentou:
- Estou feliz, afinal a partir de agora poderei entende-la, conversar com você. Era o que mais queria desde o primeiro instante que a vi.
- Também partilho de sua alegria. Minha curiosidade sobre você e a Terra domina minha mente, não tenho pensado noutra coisa.
Zinho procurou saciar a jovem, contando-lhe detalhadamente sobre a vida na Terra, percebendo dificuldade de fazê-la entender. Para ela, existir era naquele local repleto de labirintos, o que a impedia de compreender a liberdade e a visão sem limites.
Por sua vez, Zilka não pode comentar muito. Nascera dentro da armação metálica, cerceada pelos limites dos cômodos internos. Um mundo pequeno demais que somente então começava a dimensiona-lo.
Terminada a refeição, foram para o salão de laser, sentaram-se numa poltrona e continuaram, ela querendo saber cada vez mais. Em certo momento argumentou:
- Então as pessoas de seu planeta são boas, pelo que entendi lá é um paraíso.
- Não Zilka, há muitas desigualdades sociais, muito banditismo, sempre temos que tomar cuidado. Existe o lado que tanto temem, mas mantendo-se atento, evitando-se envolvimento e procurando as coisas boas pode-se ter a vida que lhe descrevi.
Micenas me contou sobre os registros que possuem de uma época terrível para a Terra, onde atrocidades cometidas foram tão alarmantes que até nós mesmos não compreendemos aqueles absurdos. Infelizmente as guerras continuam, sempre manchando de sangue algumas partes do globo. Começam por banalidades e são alicerçadas por interesses econômicos ou de poder. Incautos, homens se matam, o ódio se alastra e as perversidades acontecem.
- Você me assusta! Então seu mundo é hostil? Não entendo!
- Acalme-se, o que estou lhe dizendo não é generalizado. Para onde irão a vida é conforme lhe havia dito antes, não é área de conflito e espero que por muitos e muitos anos nada ocorra. Depois de passarem a habitar o planeta é que assimilarão conceitos e regras da sobrevivência humana.
Conversavam ainda quando Kalina se aproximou, Zilka apresentou-a para o rapaz.
Bastante inquieta, percebendo que o terráqueo a entendera, pediu permissão e perguntou-lhe:
- O que aconteceu com Taros? Está diferente, reclama da comida, fala emvoltar e nos levar, que não agüenta ficar aqui! Que tem automóvel, nem sei o que é isso!
- Não se preocupe Kalina. Entendo o que está sentindo.
Se der certo de poder levá-la, vá com ele, não se arrependerá. Taros gostou tanto da vida ao ar livre que não está suportando o mundo de vocês. Somente o compreenderá se acompanhá-lo.
A medida que Luiz dava explicações à esposa de Taros, maguianos que transitavam foram se aproximando e começaram a fazer-lhe perguntas.
Zilka acabou ficando esquecida, de certa forma até aborrecida. Um após outro interpelava Zinho, o local lotara. Para não ficar tão alheia, procurou organizar e conduziu Luiz e os curiosos para o salão de projeções.
Zinho, sempre sorrindo e amável atendia a todos. As horas passaram, naquele dia o tempo lhe fora tomado e não pode sequer voltar a conversar com a moça. Fora desgastante mas de muita importância o que fizera. Todos os tripulantes tiveram oportunidade de tirar suas dúvidas e o ânimo voltou a reinar diante da apatia gerada por anos de insegurança.
Quando os últimos maguianos se retiraram Zilka se aproximou dizendo:
- Deve estar cansado. Não pude impedir que lhe abordassem, compreenda, há muito que temem a futuro.
- Não vou mentir, estou realmente exausto e ainda falando seu idioma, que embora me flua com facilidade ainda contraria meu hábito. No entanto, acredite, se ainda estivesse aqui o dobro de pessoas, continuaria.
- Zinho, já passou do horário da segunda refeição, vamos!
Depois de se alimentarem, Zilka se despediu e o terráqueo voltou para seu quarto, sentindo-se na rotina dos habitantes do planetóide metálico.
Enquanto se preparava para acomodar, raciocinando, percebera que não vira Taros, Job ou Micenas, então calculou:
- Fizeram de propósito, queriam que me esforçasse para conversar e desenvolver o vocabulário colocado em minha cabeça.
Em poucos dias o terráqueo sentia-se em casa apesar do ambiente fechado em que passara a viver. Logo se adaptou às regras internas e tudo tornara-se rotina. Era como se pertencesse àquela numerosa família.
Alguns dias já haviam passado quando Lotus mandou chamá-lo.
Acompanhado por Job, Micenas e Taros foram para uma sala especial onde o chefe da expedição os esperava. Presentes também estavam Jung, Tasca e Sanco.
Luiz recebera uma roupagem branca, com botões de ouro, semelhante aos uniformes militares da Terra. Da mesma forma todos que ali estavam se vestiam, fato que dava a perceber que algo importante iria ocorrer.
Ao entrarem Lotus os convidou a sentarem-se junto a bem ampla mesa redonda, onde várias cadeiras se dispunham em volta. Acomodados, ele iniciou:
- Li todo o relatório de Micenas. Através do mesmo percebi que nosso problema está solucionado, no entanto gostaria de debatê-lo.
A seguir Lotus pediu a Micenas que pausadamente apresentasse seu trabalho.
A medida que o jovem historiador fazia a leitura, constantemente era interrompido para dar explicações. Entre os apartes os mais polêmicos alinhavam-se sobre os itens de cuidados que deveriam ter ao chegarem no planeta, desde os contornos de órbita, do pouso em lugar ermo, da não identificação, da documentação e do modo de vida dos humanos.
Embora Micenas houvesse colocado de forma muito clara o trabalho, houve muita dificuldade para entenderem-no. Para isto, foram importantes os comentários da “patrulha avançada”, incluindo as informações adicionadas por Zinho.
Job e Taros contaram sobre a aventura, este último até perturbou o ambiente de tanto entusiasmo, por ele não perderiam nenhum minuto. Jung que mantinha-se apático, ouvindo as narrativas deixou cair a nuvem de angústia que mantinha desde o não retorno do filho, passando a entender claramente a causa.
Depois de opinarem sobre o plano, nada cortaram
A seguir Lotus dirigindo-se a Luiz, pediu que fornecesse mais algumas sugestões:
- Bem Lotus, nada compreendo de navegação espacial, mas entendo sobre meu lugar no planeta. Pelo que percebi, poucos maguianos, excluindo os que foram para a Terra, sabem na realidade o que é a superfície de um astro. Possuem uma noção muito limitada através dos registros. Se descessem hoje na Terra, cometeriam muitos erros, poderiam até friamente serem assassinados. Os nativos julgariam tratarem-se de invasores e não titubeariam em dizimá-los. Isto faltou no relatório.
Será de suma importância uma intensa preparação de cada grupo, resumindo, terão de passar por uma transformação total. Cada maguiano deverá ser um terrestre para entrar na Terra. Assim, será preciso entenderem para onde vão, como falam, como vestem, o que comem e muito mais. Estes ensinamentos terão de ser ministrados dentro desta nave, principalmente para o primeiro grupo que partir. Da mesma forma que fizeram comigo, deverão proceder ao inverso, colocar a linguagem de meu país na fala de vocês, seria um enorme passo. Lá não é o paraíso que possam imaginar, também não é terra de monstros, mas existem as duas coisas.
A reunião se estendeu ao longo de todo o dia. Luiz tanto falou que acabou assumindo a responsabilidade, junto com Micenas, de instruir e organizar a tripulação para o abandono da nave. Para isto abdicaram do retorno imediato, voltariam Job e Taros com as esposas. Jung não perdeu a oportunidade e solicitou ser incluído com a esposa na viagem.
Estabelecido todos os passos dali para frente, Lotus determinou de imediato o corte das corcovas, alteração genética e introdução da nova linguagem oficial.
A alta tecnologia dos antepassados ainda funcionava com perfeição.
Os primeiros integrantes a participarem dos processos foram Kalina, Tani, o pequeno Odus, Jung e Tala. Apenas não receberiam o tratamento genético, o sistema necessitava de tempo não suficiente para atender antes do primeiro embarque.
De qualquer forma isto não era fundamental, oportunamente receberiam a vacina na Terra.

Micenas e Luiz levaram a sério a missão, preparando diariamente o linguajar dos maguianos, instruindo aqui e ali hábitos que não deveriam repetir.
O local imitativo de Mag fora indicado por ambos para servir de amostragem do ambiente de superfície e ali passou a reunir os membros da astronave. Era muito importante aquela familiarização, embora divergisse bem da realidade terrestre.
Enquanto isto, a nave de reconhecimento vinha sendo preparada para a partida.
Completada as revisões, o tão esperado momento de Taros chegara, estava todo sorridente quando carregando o filho e tomando Kalina pelo braço entrou para o interior do pequeno compartimento. Job também não conseguia esconder a alegria de pisar o pequeno espaço, acompanhado da receosa Tani. Jung e Tala contagiados pelo ambiente se acomodaram despreocupados no interior da sala circular.
Sob os olhares curiosos dos que ficavam, o objeto se desvencilhou da carcaça mater e riscou o infinito rumo a Terra. Zinho e Micenas se afastaram do local de observação e retornaram para um cômodo apelidado por eles de “sala de estudos”.
Diante do grande volume de material que haviam trazido da Terra, Micenas observou:
- Parece ter chegado o momento de colocarmos em prática todo nosso plano.
- Não podemos esperar mais, cada momento será de máxima importância. É preciso estabelecermos um local amplo para ministrar as aulas. Todos já estão falando o português, agora será preciso treiná-los para o dia a dia no planeta.
- No salão de projeções, observou Micenas.
Nisto Zilka, graciosa como sempre entrou no local. O coração de Zinho se antecipou e pulsou mais forte. Sentia-se preso à alienígena, era algo mais forte que ele, mas disfarçando-se disse:
- Foi bom ter vindo, precisaremos muito de você.
- Estou para o que der e vier! Comentou alegremente a jovem.
- Pois bem, preciso de uma relação detalhada de cada um dos habitantes daqui. Nome filiação, todos os tipos de dados. Darei outra identificação para cada um, será muito importante para o treinamento.
A jovem, enquanto ouvia Zinho, por várias vezes virava a cabeça no intuito de mostrar a ausência de sua corcova, mas o terráqueo não deu conta. Mais observador que este, Micenas comentou tão logo a moça se distanciara:
- Não sou terráqueo, de certo vocês são diferentes no amor.
- Não entendi!? Disse Luiz interrogativamente.
- Não percebeu que ela está apaixonada por você? Discretamente estava lhe mostrando a estirpagem em sua nuca. Não lhe deu a mínima importância. Para ela, o fez por você. Para nós,retirar a protuberância é o mesmo que amputar uma perna.
- Não sabia Micenas, foi bom me dizer, mais tarde falarei com ela.
Mudando de assunto, parece que Tunis lhe explicou sobre como ligar equipamentos terrestres na energia de vocês. Precisamos transportar tudo que trouxemos para a sala de instruções. Posso deixar por sua conta esta tarefa?
- Pode Zinho. Pedirei ajuda e colocarei tudo isto no salão.
- Bem, vou ter com Zilka para organizar os novos nomes de cada um.
Procurou a maguiana e logo a encontrou no compartimento de registros providenciando as anotações que solicitara.
Tão logo a jovem percebeu a presença do rapaz, voltou-se dizendo:
- Estou começando agora, vai demorar.
- Você é a mais bela brasileira que conheço! Comentou efusivamente Zinho.
- Como? Não entendi!
- Estou lhe dizendo que estás linda e que se assemelha às moças de minha terra.
Contente, com largo sorriso ela retornou ao trabalho e auxiliado por ele concluíram uma longa lista. Zinho batizou uma a uma todas as pessoas. A seguir confeccionaram fichas para serem distribuídas.
- Vou precisar de mais um favor Zilka, já lhe mostrei como funciona as máquinas fotográficas. Consiga duas pessoas para tirar as fotos de cada maguiano, ensine-as e deixe esse trabalho para elas. Serão necessárias para documentos.
Sei que deve estar cansada, fazem horas que estamos levantando dados, mas nosso tempo é curto.
Enquanto você distribui os novos nomes e toma a providência que lhe pedi, vou auxiliar Micenas que a esta altura já deverá ter transportado o material para o salão.
Dizendo isto, Zinho dirigiu-se para o salão de projeções. Encontrou o amigo perdido no meio da fiação.
- Foi bom ter vindo Zinho! Tunis esquematizou como obter a energia mas do resto entendo pouco, não estou sabendo como ligar os aparelhos.
- Tudo bem Micenas, me responda só uma coisa. Você conseguiu a tomada de energia?
- Sim, está pronta, veja!
- Deixe o resto comigo.
Não foi difícil para o terrestre intercalar extensões e fazer a conecção dos aparelhos. Examinou, ligou alguns e tudo funcionou.
- Pronto Micenas! Agora vamos estender os posters, os painéis e as mesas de frutos e coisas terrestres. Amanhã será nosso primeiro dia de aula.
Todos os objetos terrestres usuais se encontravam a mostra. Desde guitarras a sofisticados aparelhos de som. Uma enorme TV, aparelho cinematográfico, projetores de slides, enfim, tudo que era necessário à perfeita compreensão.
O grande palco anteriormente totalmente vazio ficara repleto. Utilizavam-no apenas para exibições holográficas tão repetitivas que não causavam interesse nem para as crianças.
Alem dos equipamentos mencionados, também os livros e revistas estavam presentes.
A organização foi demorada, dera tempo para Zilka executar toda a tarefa e ainda voltar para auxiliá-los. Outros membros da nave apenas puderam colaborar na remoção dos objetos.
Quando terminaram seguiram para seus aposentos. O esforço daquele dia fora desgastante.
Zinho já em seu quarto sentia fome, passara todo o tempo em intensa atividade que esquecera de fazer a refeição. Comeria com satisfação até a papa que serviam, teve que substituí-la pela água. Não sabendo que atitude tomar se recostou na cama e logo lhe veio intenso sono.
Acordou com Micenas a chamá-lo. Foram para o habitual almoço. Nunca pensara que um dia gostaria de comer aquele mingau, que chegou a repetir.
Micenas antecipando-se ao amigo foi para o salão e ligou o som no máximo. A música de Cds invadiu os compartimentos chamando a atenção dos tripulantes. Foi um alvoroço, todos correram para o local. Era algo incomum para eles, acostumados aos sons primitivos de seus instrumentos.
Como era de se esperar, logo que o terrestre chegou, Micenas desligou o aparelho e Lotus tomou a frente:
- Amigos, o Luiz a partir de agora vai coordenar aulas de treinamento; em breve teremos que ser homens e mulheres iguais aos habitantes da Terra. Numa primeira etapa, os primeiros cinqüenta e quatro mais aptos, escolhidos por ele o acompanharão na primeira transferência para o planeta. Micenas continuará aqui, classificará mais cinqüenta e cinco que partirão numa próxima viagem e assim sucessivamente até o abandono total do navio. O que iria demorar muitos anos se antecipou graças ao auxílio do nosso Terrestre.
Uma última coisa, boa parte de vocês já estão sem as corcovas, instruí a equipe responsável para agilizar o processo, amanhã vou extrair a minha. Agora, se acomodem e ouçam o que Zinho tem a lhes dizer:
O terráqueo, um pouco inibido diante da platéia se aproximou do microfone e começou:
- Meu nome é Luiz, mais conhecido por Zinho, falou no mesmo idioma de Lotus.
Quero ser amigo de todos, como vêem não sou nenhum monstro sanguinário, apenas um feliz morador de meu planeta.
Todos já receberam a associação de linguagem, portanto deixarei de me expressar no idioma de vocês para que passem a não pronunciá-lo. Nunca irão poder utilizá-lo na Terra, será o primeiro passo para uma existência normal no futuro.
Dito isto, Zinho recomeçou a aula pronunciando português:
Através dos registros que possuem, nossa raça é exterminadora, capaz de atrocidades nunca imaginadas.
Na verdade, aqueles fatos os humanos também não esquecem.
A tirania de um ditador, levou o mundo a digladiar. Mas existe uma coisa que não registraram, os conflitos não ocorrem por toda parte, sempre se localizam em áreas de litígios. Os povos possuem linguagens diferentes e convivem separadamente, formando nações. Cada nação possui seu território, limitado por fronteiras. São vários mundos dentro de um único. Portanto, vocês seguirão para o meu cujo nome é Brasil. Grandioso espaço livre onde poderão proliferar e terem uma vida normal. Contudo, deverão seguir com muita atenção minhas orientações, falhas não poderão ocorrer. Isto quer dizer que lá também existe a violência. Por outro lado encontrarão muita paz e felicidade.
Não será preciso muitas explicações, basta que tenham observado Taros e Job ao partir. Estavam felizes por retornar, aposto que Micenas também gostaria de ter seguido naquela nave.
Ouvindo seu nome, o rapaz interrompeu:
- De fato, apenas fiquei porque meu dever falou mais alto.
É verdade Zinho, viver lá é algo acima da compreensão de todos daqui.
- Pois bem, vamos então iniciar.
Todos os objetos que estão vendo são utilitários comuns na Terra. Música, como ouviram, está em toda parte.
Enquanto Zinho comentava, Micenas preparava os projetores, iniciando a apresentação de belíssimos “slides”.
A população interna, adultos e as poucas crianças, estava extasiada, seguindo cada palavra do terrestre. Os curiosos olhares brilhavam diante das imagens que começavam a serem apresentadas.
- O que estão vendo são imagens da superfície do planeta e cenas do dia a dia.
Micenas pare nesta. Vejam! É uma grande cidade, local de aglomeração de humanos. Conhecerão detalhe por detalhe de tudo, por ora apenas uma amostragem rápida. Ainda hoje, quando terminar já terão uma pequena noção. Após esta primeira parte, depois da refeição, assistirão TV e cinema, um pouco diferente do sistema de projeções que conhecem. No final deste dia, Zilka fará distribuição de livros e revistas.
Reiniciada a apresentação das projeções, Zinho explicou durante duas horas cada uma das imagens. No final, passou a orientação para o amigo.
Micenas entrou em ação:
- Terão um descanso, dentro de meia hora retornaremos!
Novamente a música ambiente se fez ouvir e as pessoas, na maioria nem saíram do local.
A curiosidade transformara o grupo, tornara-o bisbilhoteiro e naquele momento de descanso aproveitaram para se avolumarem frente à diversidade de objetos a mostra. Mexiam em tudo, perguntavam, um simples liquidificador passava de mão em mão, era examinado, não entendiam a função. Revistas e livros eram folheados e alimentos eram fuçados.
A princípio Luiz pensou em coibir a inesperada atitude dos maguianos, mas pensou:
- É melhor, mostra que estão interessados, é bom que sintam nas mãos as coisas da Terra.
Passado o tempo estipulado, o aparelho de som foi desligado e todos voltaram aos lugares. Micenas reiniciou:
- Agora assistirão algumas exibições cinematográficas. Durante as projeções, a maioria das imagens vão possuir cenários semelhantes ou parecidos com o que já viram, anotem perguntas e façam-nas nos intervalos.
Eram curtas metragens especialmente selecionadas para aquele fim, assim logo após o primeiro filme, um dos presentes tendo visto abate de bois e preparação da carne, inquiriu:
- Os homens da terra comem carne de bichos?
- Comem! Vão entender quando experimentarem. Respondeu Micenas com ar de troça. Continuou: - criam vários tipos de animais para o sustento. Em nosso planeta de origem também deve ser da mesma forma, embora não conste nos registros, para não reclamarmos da pasta que ingerimos.
Como já temos uma definição de destino, oportuno que se diga que nossa existência dentro de uma nave não é uma realidade de vida. Somos frutos de uma experiência, simples cobaias no espaço.

As aulas seguiram, dia a dia os maguianos assimilavam os princípios de vida na superfície. Atendiam Zinho nos mínimos detalhes e este aos poucos deixava a função para Micenas, que incansável, com precisão auxiliava seu povo. Luiz aproveitava para namorar Zilka, que cada vez mais se enlaçava com o terrestre.
Zinho concluíra que o domínio das máquinas era total sobre aqueles seres. Tivera certeza quando fora iniciado o processo de alteração genética. Pensava existirem cientistas a bordo, mas enganara-se, todo e qualquer problema era simplesmente colocado num processador gigante que fazia o resto. Precisavam apenas atenderem as instruções emitidas em pequenas plaquetas, colocando-as em lugares indicados nas mesmas. A própria máquina fabricava os elementos necessários na quantidade que necessitassem. A demora na obtenção do soro estava dentro do sistema, não parava de expelir instruções para outras partes do equipamento. A única adição externa fora uma gota de sangue de Luiz, provavelmente para que seu DNA servisse de parâmetro na criação da vacina.
O ex-motorista ganhara privilégios totais dentro da astronave. Quase sempre acompanhado da namorada, vasculhava tudo, procurando entender a altíssima tecnologia dos construtores daquele planetóide.
Micenas se integrara totalmente na função, tornando Zinho dispensável, este apenas periodicamente supervisionava o pessoal, fazendo perguntas e obtendo respostas cada vez mais corretas. Auxiliares voluntários mantinham ativo o objetivo final.
Zilka tecia para Zinho sua história que acreditava feliz, apesar de nunca ter vivido fora dali. Sempre enclausurada habituara-se com os limites. No convívio com os pais Lotus e Zira possuía até regalias, afinal pertencia à família “Real”, era quase uma princesa. Conhecera o sentimento que a dominava quando o homem da Terra chegara, antes sequer havia namorado. Entregara-se toda e sentia não poder viver sem a presença do rapaz. O importante é que era correspondida. Ele só não havia voltado em realidade porque não queria ficar longe dela. O fato é que haviam se encontrado e sempre que podiam estavam aos beijos e abraços. Mas em momentos alheios ao enlevo, Zinho queria conhecer o mundo daquele povo. Pediu então à moça:
- Gostaria de ver detalhadamente os registros de seus antepassados, poderíamos voltar. Micenas me mostrou mas acredito que falta muito mais coisas.
- Vamos! Eu ligo as aparelhagens e lhe ensino como se faz, assim quando quiser você volta.

No espaço apropriado, uma estrela solitária aparece no fundo holográfico. Depois apenas dois planetas sem luas completando o sistema.
Zilka observou:
- O primeiro da órbita é Gink, totalmente sem condições para a vida, o segundo e último é Mag.
Na aparente tela, o globo é aumentado até aparecerem terras, mares, montanhas, lagos, florestas e as cidades.
Lembrando-se que Micenas sempre dizia terem sido usados,procurou observar a vida na superfície.
Em todas as amostragens a massa populacional vivia de maneira simples, sem o conforto de sociedades desenvolvidas. Residências uniformes, transportes coletivos e um tipo de iluminação com cristais energéticos. Cultura quase arcaica. No entanto, contradizendo com o habitat estavam grandiosos centros fechados, onde escolhidos viviam pela ciência. Nesses locais eram construídos as grandes naves e realizados projetos incríveis.
Zinho confirmara, Micenas estava com a razão. Pertenciam a um mundo ESTRANHO, esquisito, com um modo de existência totalmente fora dos padrões terrenos. A ciência de Mag era restrita aos privilegiados, não era divulgada. Pelo que se dava a perceber, os habitantes da nave sabiam muito mais do que o ser comum do lugar de origem. O cidadão comum não usufruía de bens obtidos por avanços técnicos. Televisão, rádio ou outras formas de comunicação não estavam ao alcance dos habitantes. O poder ou governo dominava e mantinha os viventes dentro de uma forma imutável de existência. De bom apenas a inexistência de violência, certos ou errados, todos possuíam alimentos e lugares para abrigo.
Querendo saber mais, o terráqueo deixou as imagens e procurou a história. Solicitou e Zilka lhe mostrou outro aparelho. Este a apresentava sob a forma de micro-fichas que passavam sob um visor. Muito ampla, de milhares de anos, obrigou Zinho a permanecer muito tempo procurando o que queria. Acabou conseguindo, revendo fatos mil anos antes do estágio que conhecera, encontrou comentários sobre conflitos, guerras e coisas semelhantes a problemas terrestres. Pensou então, preocupado:
- Será que no futuro isto também ocorrerá na Terra?
Continuou a pesquisar, passou-lhe pela cabeça observar se lá existiam divisões territoriais. Novamente pediu a Zilka, que silenciosamente permanecia a seu lado.
- Zinho, disto não há registro. Nas imagens de nosso planeta nunca vi traços que possam marcar qualquer divisão.
- Bem Zilka, já vi tudo que queria. Obrigado pela sua paciência.
- De qualquer forma, meus avós diziam que os registros não dizem a verdade. De pai para filho, aqui dentro, é contado que foram retirados a revelia de onde viviam. Presos, colocados em treinamento intensivo, permaneceram muito tempo num local especial até total condicionamento. Em seguida os casais vieram para este lugar e tiveram de sobreviver dentro de regras previamente adicionadas em seus cérebros. Se é o que realmente aconteceu, não sei.
- É isto Zilka! Esta é a verdade. Apenas o projeto não deu certo, o sistema de comunicações de vocês é muito limitado. Embora toda a tecnologia, acabaram perdendo a nave, nunca saberão do resultado.
Zinho queria se posicionar como qualquer maguiano, mas acabou por ir além. Muito esperto, entendera tudo e não deixou de se preocupar. Afinal nenhum dos tripulantes estavam capacitados profissionalmente, o computador gigante era a própria astronave. Embora comessem “papa” não precisavam nada fazer para obte-la. Tudo era realizado pelas máquinas, não precisavam fazer quase nada.
Por sorte o ensino não era falho, os cientistas que colocaram no espaço o grande navio, abriram mão do saber e passaram para o sistema conhecimentos essenciais.
A nave-mãe era um grande robô, construído para ser imortal, regulando e controlando vidas dentro de si, inclusive nascimentos e óbitos. A morte natural praticamente inexistia, cada maguiano ao completar oitenta era exterminado. Os casais recebiam esterilização temporária, liberada de acordo com as pessoas que estavam prestes a atingir idade crítica, ou seja cinco anos antes do falecimento. Pelo menos a criança não era produzida pela máquina, a mulher passava por gravidez normal e voltava a ser esterilizada logo após o parto.
Já sabia, mas confirmara, nada se perdia na sucção automática, responsável pela total limpeza ambiente. Materiais orgânicos ou inorgânicos sem qualquer exclusão passavam pelo processo de decomposição em elementos químicos. Retornavam na forma de água, ar, pasta alimentícia, tecidos, remédios e outros produtos.
As únicas atividades dos maguianos eram as de acionarem dispositivos, se instruírem, praticarem exercícios e pilotarem naves, esta última muito reduzida devido aos danos na produção energética.


Enquanto Zinho, único terrestre no vazio sideral, mantinha uma atividade inusitada ao lado da bela Zilka, no Sítio das Bananeiras Tunis e Martinha se revezavam na escuta do potente receptor de rádio.
Conforme haviam combinado, quando se aproximassem da Terra dariam sinal pelo rádio. Para isto vários transmissores fizeram parte da bagagem de retorno para a astronave.
Martinha mantinha segredo e ajudava Tunisa despistar a longa viagem dos sócios, sempre dizendo que um ou outro haviam se comunicado.
Zé Antônio se entendia muito bem com o rapaz. Tunis se mostrava cada vez mais interessado nos negócios e já o considerava como sogro.
- Tunis! Vem cá! Gritou Martinha ao ouvir que alguém tentava falar.
O moço estava em outro compartimento da casa, correu para o aparelho. Decepcionou-se ao perceber tratar-se de outro radioamador. Com muito tato pediu que deixasse a faixa livre e agradeceu.
- Antes da partida, escolhemos uma faixa especial, numa freqüência difícil de interferências, mesmo assim entraram nela.
Tunis não havia terminado de comentar quando novamente a mudança no som lhe chamou a atenção. Pensou:
- Que insistência, já solicitei espaço livre.
Tomou o microfone, já ir dar câmbio quando uma voz distante, se fez ouvir:
- Chamando QYJ-8C, Chamando QYJ-8C, ...
- Câmbio, aqui TXZ-3 na escuta, câmbio.
- Boa recepção, entendi com perfeição. Amanhã vou dar uns mergulhos, câmbio. Falou Taros quando o planeta começava a aparecer numa das janelas.
- A praia vai estar ótima, câmbio, desligo.
Os cinco meses da suposta viagem de turismo haviam passado. A casa novamente viria a ficar cheia. Martinha correu a avisar a mãe.
Joana que havia desleixado um pouco aprontou uma correria. Além da filha chamou suas vizinhas para ajudarem.
A faxina foi total, até Zé Antônio entrou na dança, fazendo retoques aqui e ali.
Tunis entendera bem a mensagem em código. Significava que fosse buscá-los em Santos, no mesmo lugar de onde partiram e na mesma hora.
Naquele mesmo dia, beijando Martinha entrou em seu carro e partiu para trazer os companheiros.

Kalina e Tani se entendiam bem, mas estavam cansadas daquele pequeno lugar, reclamavam o tempo todo, opostas à paciência de Jung e Tala, sempre acomodados e quietos, pensando apenas no filho.
Para livrar-se da tagarelice de Taros, Job não via a hora de chegar, por causa dele até a aumentara a velocidade da nave. Muito cuidadoso, como sempre, fizera todos tomarem a poção antibacteriana.
As duas esposas esqueceram das acomodações ao verem o planeta se aproximar, nunca haviam visto coisa igual, se assustaram e ao mesmo tempo admiravam o azul que o envolvia.
Odus não contava nem com quatro anos, pulava de um lado para outro.
Jung sorria, entendia de astros, olhou para a esposa com olhar tranqüilizante.
Haviam chegado cedo, o lado escuro ainda não havia atingido o Brasil. Job procurou um espaço livre de satélites e eliminou a velocidade da nave, entrando em órbita baixa para que os passageiros pudessem conhecer o mundo onde passariam a viver.
Taros só queria descer, não esperou, foi logo preparar os escafandros, deixar no jeito as vestimentas terrestres e cobrir as malas para a travessia marítima. Se aquietou quando Job o chamou para ajudá-lo na descida.
Por fim a nave penetrou o oceano, caminhou por baixo dele e se estacionou no lugar da descida anterior.
Tani tinha medo, estava apavorada diante do desconhecido, relutou ao vestir o “plástico”. Odus chorava diante das estranhas figuras dos grandes, não entendendo que ele também já estava dentro da vestimenta protetora.
Algum tempo depois, pessoas e bagagens flutuavam no vasto oceano. Com propulsores acionados, não demorou para chegarem à praia. Job foi o primeiro a livrar-se da indumentária e auxiliar os outros.
Estavam dobrando os trajes quando Tunis apareceu, reconhecendo logo os pais. Correu a abraçá-los e aos amigos, pedindo se apressarem.
Saíram rapidamente e logo estavam acomodados no espaçoso automóvel do jovem, que não perdeu tempo e tomou a via mais fácil de acesso à estrada.
No caminho, Tunis não cansava de agradecer a presença dos pais.
- Que surpresa mãe! A senhora não sabe quanta felicidade me deu. E o senhor também pai.
Ainda era alta madrugada. Na metade do caminho para o sítio, Tunis escolheu um lugar e parou.
- Teremos de chegar durante o dia, na vista de todos, disse Tunis.
Job e Taros concordaram. O jovem continuou:
- Vamos aproveitar esta espera para tratarmos de alguns detalhes importantes. Primeiro a mudança dos nomes.
Vendo Tani abobada, perdida no novo mundo, reforçou a voz:
Está ouvindo Tani?!
Acordou com a pergunta imperativa de Tunis, dando-se conta de que estava na Terra:
- Desculpe-me Tunis, estou aturdida. Tudo me é desconhecido, como se fosse um sonho.
- É assim mesmo Tani. Intercedeu Job, abraçando-a e continuou: - vai sentir-se com tonturas, principalmente quando o dia clarear. Será devido a imensidão do que vai ver. Tunis quer lhe dar um novo nome, mas eu farei isto, vai se chamar Tânia, um belo nome terrestre.
Todos já estavam fora do veículo, caminhando enquanto eram batizados. Taros deu a Kalina o nome de Marina, dizendo que para facilitar passaria a chamá-la de Nina. Deu a Odus o nome de Paulo.
Tunis escolheu Manuel para Jung e Maria para a mãe. Para treinar passaram a usar os nomes escolhidos durante a conversa que foi até o sol raiar.
Os recém-chegados que viam pela primeira vez o espetáculo da natureza, começaram a entender os mais experientes. Até o capim a margem da estrada era motivo de admiração.
Taros, Jobe Tunis, observando a excessiva admiração pelas coisas mais simples, alertaram os novatos para nunca agirem daquela forma na frente dos terrestres. Também para não falarem no idioma maguiano.
Voltando para o veículo, Tunis continuou o caminho muito devagar, parando aqui e ali, mostrando coisas, animais e plantas. Estava entusiasmado, principalmente pela presença dos pais. De repente, algo o transtornou, como iria dizer que Martinha sabia de tudo? Pensou um pouco e refletiu:
- Não vou deixar para depois e continuar com isto na cabeça, mais cedo ou mais tarde vou ter de contar, então que seja agora.
Parou o carro e o estacionou. Taros perguntou-lhe:
- Por que parou? Algum problema?
- Sim, mas não com o carro.
Job, preciso dizer-lhe uma coisa, que sei não vai gostar. Existe uma terráquea que sabe tudo a nosso respeito.
Job quase deu um pulo no acento, logo inquirindo:
- Você contou Tunis? Sabe que este segredo foi muitas vezes orientado pelo próprio Zinho. Nossa vinda para a Terra poderá estar comprometida.
- Eu sei, eu sei! Apaixonei-me pela Martinha, devem ter percebido, vou me casar com ela, não queria perdê-la. Vivia me perguntando sobre meus pais, de onde vinha, o que fazia, como fora minha infância. Sem saber o que dizer, enquanto pude mantinha evasivas, mas me interpretava mal. Acredito que nada vai mudar, desde que soube vem me ajudando a despistar, inclusive de ontem para hoje. Disse as pessoas que perguntaram por vocês que telefonaram muitas vezes, que logo chegariam.
- Está bem Tunis, o que está feito não pode ser mudado. Conversaremos com ela e vamos insistir no sigilo.
Aliviado, Tunis percebendo que havia convencido os amigos, voltou-se para os pais:
- Não vejo a hora de apresentá-la a vocês. Tenho certeza que irá ajudá-los a entender este mundo. Falando disto, vou dizer que vieram de Goiânia, que você pai está aposentado e que antes trabalhava numa fábrica de produtos alimentícios.
Taros, que se aquietara e expandia felicidade, pediu o volante a Tunis.
Nem bem movia o veículo, começou a reclamar de que não estava bom como antes, que estava sujo, que devia ter havido maior cuidado, etc..
Kalina ou Marina vendo o marido normal perguntou:
- Este é o tal automóvel de que tanto falou.
- É Ka... Nina, mas não é este, o meu se não estragaram ficou guardado para quando voltasse.
- Então por que reclama?
- É o hábito. Respondeu Tunis, rindo do amigo.
Job, lembrando-se de Zinho e Micenas, comentou:
- O que diremos quando não virem os dois? Precisamos tomar cuidado, inventar alguma história.
- Diremos que Zinho ficou na casa de parentes em São Paulo. Quanto a Micenas, que resolveu morar em Paris.
No restante da viagem, os novos alienígenas estavam mais a vontade, nem sentiam mais a diferença do ar. Tânia passou a achar tudo lindo e ao ver nativos não expressou nenhum receio, não viu neles diferenças marcantes. Nina, sentada do lado da janela mostrava a paisagem ao filho.
O carro estava superlotado, mesmo espremidos Manuel e Maria estavam alegres, mas pouco falavam, apenas observavam.
Quando o automóvel estacionou, Zé Antônio, Joana e Martinha vieram logo recebe-los. A casa estava tão bem arrumada que chamava a atenção. Tunis encaminhou os pais para conhecer a noiva, estes esqueceram e iam falando na linguagem maguiana. Martinha sorriu e interrompeu a tempo. Tomando o braço da futura sogra e Tunis fazendo o mesmo com o pai, se distanciaram, observando com muita delicadeza que deviam ter cuidado. No caminho souberam que haviam passado pela adição de linguagem.
Taros e Job apresentaram as esposas para o casal e disseram sobre Luiz e Micenas o que haviam combinado. Depois os casais foram para os quartos. Tânia e Nina não tiveram dificuldade em usar o novo idioma e trocaram algumas palavras com Joana e José Antônio.
Prevendo problemas na hora do almoço, Job antes de se retirar disse a Joana:
- Prepare uma boa quantidade de suco de frutas e refrigerantes, nada mais, pois já passamos em um restaurante.
Taros não gostou, mas ficou quieto. Há meses sonhava com os alimentos terrestres. De qualquer forma, pensou:
- Depois dou um jeito.

Os agricultores estavam vivendo como pediram a Deus. Exploravam pequenos lotes do sítio e já haviam obtido bons resultados.
Neco, o filho de Jorge vendia saúde, ninguém diria que o garoto pudesse ter estado doente, quase morto. Quando não estava na escola, ficava ao lado do pai aprendendo e ajudando.
Sebastião, acomodado seguia a rotina. Joaquim se igualava, no entanto apesar do susto, continuava com a intenção de chegar na prainha. Não voltara ao local, o medo o impedia, mas vendo que os patrões iam normalmente lá, pensava:
- Si eles vão, pruquê não posso?
Jorge tentava dissuadi-lo dizendo:
- Quim, é a única coisa que não querem. Não teime home!
- Ah! Que! Um dia vô enfrentá.
Joaquim ou Quim como chamavam era um bom homem, brincalhão e amigo dos amigos. Falava acaipirado e possuía fama de teimoso. Ninguém ganhava dele quando achava estar certo em alguma coisa, teimava tanto que para não haver briga, acabaram concordando. Dizia que não tinha medo de nada, que não acreditava em espíritos ou coisas do outro mundo. No entanto, ultimamente parecia cair em contradição. Contara para alguns conhecidos o que vira na prainha. Foi o suficiente para os amigos brincarem com ele:
- Então Quim! E a assombração? , e caiam na gargalhada.
Quim não se conformava com a situação, aquilo já era ponto de honra para ele. Assim, num arroubo de valentia prometeu:
- Uceis vão vê, vô vortá lá quarqué dia desse. Tive pensando, o que vi pode sê pro caso da nebrina.
Quim era homem de palavra, isto era. Dois dias depois, durante a noite, despistando de todos, colocou um rosário no pescoço e seguiu pelo caminho que ia dar na encosta. Estava muito escuro e nublado, mal via o que estava a frente. Sentia arrepios, qualquer barulhinho o assustava, mas não arredava de sua decisão.
Passo a passo, cautelosamente, chegou ao portão de ferro. Antes de toca-lo, com a vista já habituada ao negrume, olhou pelas grades e nada viu a não ser o mar que se descortinava. Naquele momento lembrou-se que na vez anterior as coisas começaram a aparecer quando tocara as grades e começara a subir. Para tirar a prova ficou bom tempo parado, esperando os espíritos, qualquer coisa voltaria correndo. Por fim pensou:
- Vamos ver agora!
Ato contínuo, colocou as mãos no portão. Foi o suficiente para que as grotescas figuras esvoaçassem à sua frente.
Mesmo imaginando que aquilo iria acontecer o medo o dominou, fazendo com que voltasse em desabalada carreira.
Não havia ainda se distanciado muito quando resolveu parar e olhar para o local. Percebeu então que as aparições haviam desaparecido.
Mesmo com o coração quase a explodir, venceu o homem de coragem. Descansou um pouco, relutando, voltou para junto do portão. Enquanto voltava a examiná-lo pensou:
- Desta vez, aconteça o que acontecê vô ficá aqui!
Unindo pensamento à ação novamente colocou as mãos na grade e os vultos surgiram. Com um medo que lhe corroía até a alma, permaneceu estático até que as figuras desapareceram. Então novamente tocou a armação e viu a repetição da cena. A cada aparição sentindo-se mais aliviado, refletia:
- Isto é armação dos donos, aposto que deve de havê arguma máquina que fais isto. Num vô entrá pruquê si puseram uma coisa dessa deve havê mais. São muito ricos, posso até ficá preso.
No dia seguinte, Quim escancarou o fato, estava tão entusiasmado que sequer pensou que poderia ser prejudicado. Dizia que tinha razão, que assombração não existia mesmo, que os patrões haviam colocado uma máquina cinematográfica. Bastava encostar a mão no portão para ela ser ligada. Falou muito e a notícia se espalhou.
Tunis, como a maioria dos que residiam no sítio ficou logo sabendo. Apreensivo, comentou com Martinha:
- Como vamos continuar a ir à nave? Sequer poderemos acusar o Quim de ter desobedecido nossas instruções, não passou para o outro lado.
Martinha, encostada no seu ombro, parecia distante da preocupação do rapaz. Sentia feliz por ter conhecido os pais do moço. Desde o primeiro instante passou a gostar deles. Auxiliava-os em tudo, mostrando a vida na Terra, as paisagens e as frutas. Os impedia de se denunciarem, sempre os orientando a cada passo. Em poucos dias já estavam tão apegados a moça que a consideravam como filha, para ciúme de Joana que começava a sentir-se rejeitada.
Vendo a amada com olhar distante, repetiu:
- Martinha! Estou falando com você.
- Que foi? Que disse?
- Deixe p'ra lá. Não é nada importante.
O comentário de que os donos haviam colocado uma máquina para assombrar quem fosse a prainha entrou no diz que diz. Joana comentou com Taros e este com Job. Job por sua vez perguntou a Tunis se ele já sabia, este confirmou:
- É verdade Job, temos de fazer alguma coisa.Desde que soube venho procurando uma saída e acredito haver encontrado.
O jovem contou seu plano, um pouco arriscado mas razoável.
Tunis freqüentava habitualmente as casas dos colonos, não era novidade ir a qualquer uma delas. Assim, propositalmente resolveu fazer uma visita na de Quim.
- Seu Quim, estão dizendo por aí que você viu coisas lá na prainha.
- É Tuni, onti ia passando por lá. Sabe, tenho mania de andá a noite. Tava muito calor. Fui até perto do portão da prainha. Aí num resisti, puis a mão nele p'ra vê o mar, aí apareceram umas coisas. Quando tirei a mão elas pararam, tornei a colocá e elas vortaram a aparecê.
- Dizem que existem espíritos brincalhões. Não acredito, mas sabe-se lá se não foi isto que aconteceu.
- Fantasma, assumbração, num existi seu Tuni.
- Você tem razão Quim, mas se colocaram alguma coisa lá, vou encontrar. Para falar a verdade, não fomos nós, apenas mantemos fechado o portão porque lá ainda é perigoso. Com o tempo vamos retirá-lo.
Gostaria de ver as coisas que diz terem aparecido.
Mudando de assunto, onde está o Carlos? Vim convidá-lo para ir a cidade.
- Devedetá com o Tim e o Mané, acho que foram pescá.
Ô Zefa, trais o café!
- Que pena, foram pescar e não me falaram nada. Mas voltando ao assunto, estou curioso. Quero ver de perto os fantasmas, me leva até lá Seu Quim?
- Si o moço quisé, podemo í hoje memo.
- Combinado, que tal as onze da noite? Espero o Senhor lá no galpão.
Parte do plano de Tunis estava resolvido. O resto era esperar o anoitecer e a hora combinada.

Na astronave, há bilhões de quilômetros da Terra, os preparativos para a invasão estavam a todo vapor. Zinho tornara-se praticamente o chefe dos alienígenas. Corrigia as falhas de comportamento e vez ou outra ajudava no trabalho de Micenas. Todos já falavam e procuravam imitá-lo nos modos. Aos poucos pareciam autênticos brasileiros. Adoravam as músicas e até aulas de dança receberam. Improvisou e conseguiu servir alguns alimentos, despertando-os para o paladar. Zilka continuava sua ajudante incansável e como já foi dito, Micenas estava totalmente apto para continuar seu trabalho. Contava com vários auxiliares capazes de manter velhos, moços e crianças dentro do padrão estabelecido pelo terrestre. Sua missão estava concluída, poderia voltar.
A jovem Zilka estava preocupada, não conseguia pensar na ausência de Zinho. Percebia claramente que a qualquer momento sairia o primeiro transportador, faria tudo para estar entre os passageiros. Decidida foi falar com os pais.
Lotus e Zira estavam no costumeiro local de descanso quando a filha entrou bastante nervosa. Foi direta ao assunto:
- Pai, quero partir na primeira viagem.
- Filha, não seja precipitada, deixe para seguir conosco. Nos fará muita falta.
- Vou lhes dizer a verdade. Amo o terráqueo e quero viver com ele.
Zira, compreensiva mas preocupada entrou na conversa:
- Zilka, ouça seu pai. Entendo você mas é preciso prudência. Ele é de outra raça, muito diferente da nossa. Não nego que tenha feito tudo por nós. Temo o temperamento, você sabe do que são capazes. Escolha alguém daqui, tenho certeza que encontrará a felicidade.
- Mãe, em nenhum momento notei qualquer tipo de mudança em Zinho, sei que ao lado dele serei feliz. Entendo vocês, mas me permitam partir.
- Bem filha, seé o que quer vá preparando suas coisas.
O olhar da moça brilhou e seu rosto pareceu mais bonito do que era. Alegre e saltitante saiu a correr, procurando Luiz. Não demorou a encontrá-lo e logo foi dizendo:
- Não esqueça de preparar um lugar para uma pessoa especial.
- Não entendi Zilka. Disse abraçando-a.
- Para mim, ora! Vou seguir com você para a Terra.
- Que maravilha! Agora não vejo a hora de partir.
Falando nisto, preciso falar com seu pai.
- Para quê?
- É necessário algumas orientações.
- Vamos juntos, acabei de conversar com eles.
Lotus e Zira ainda estavam no mesmo lugar quando o casal entrou.
- Como são rápidos! Não me digam que querem se casar. Observou Lotus ao ver os dois.
- Bem Lotus, é a minha intenção. Serei o homem mais feliz do Universo se Zilka concordar.
Zira, de boca aberta, levou um susto com aquela decisão repentina. Lotus realmente já esperava, se limitou a sorrir e desejar felicidade para ambos.
A jovem, atônita, abraçou o rapaz. Zinho, após alguns momentos de enlevo observou:
- Outro assunto também me traz a sua presença. Acredito que tenha cumprido o que lhe prometi. Uma boa parte da tripulação já está preparada para seguir. Minha presença na Terra é importante para a acomodação das famílias. Não devem esquecer que sou o único terrestre que conhece o plano, infelizmente não poderei contar com outros de minha raça.
É importante que haja uma pausa de dois meses entre uma viagem e outra. Não devem esquecer de colocar transmissores em cada nave, Micenas sabe como fazer e orientará o piloto responsável. Repique o máximo de ouro e coloque este material em cada viagem, o valor dele na Terra trará conforto para todos. Aqui está a lista dos cinqüenta e cinco maguianos que escolhi para o primeiro embarque.
Lotus recebeu a lista e viu que o primeiro nome era o de Zilka. Não demonstrou mas não gostou, significava-lhe a perda do convívio com a filha que tanto amava.
Zira se recompôs enquanto o terráqueo conversava. Raciocinou melhor e aceitou o fato. Vendo o casal ainda em pé pediu para que se sentassem. Passou então a proferir uma série de recomendações que os jovens ouviram calados. No final abraçou a ambos, já considerando o rapaz como filho. Lotus imitou a esposa e disse a Zinho:
- Faça nossa filha feliz. Seremos os últimos a deixar a nave. Até que isto ocorra a saudade nos acompanhará. Quando nos encontrarmos esperamos vê-la da mesma forma que está hoje.
Depois do entendimento familiar Zinho se despediu. Ainda com Zira foram ultimar os preparativas para a viagem. Os primeiros cinqüenta e cinco haviam sido selecionados.
Dois dias se passaram, Luiz deixara por escrito uma série de orientações, que entregou a Micenas. Procurou não esquecer de nenhum detalhe.
Abraçando Zilka e misturando-se com homens, mulheres e crianças seguiram pelo afunilamento metálico que dava acesso ao vagão transportador.
Uma nave reluzente, prestes a desprender do complexo externo aguardava a entrada dos passageiros.
Daquele ponto do Universo surge de repente o risco luminoso que se transforma numa “estrela” e rapidamente desaparece. É um pedaço do grande robô que nunca retornará ao leito. Zira chora copiosamente, Lotus a conforta e ambos se afastam do setor de observação.
Excetuando-se os dois pilotos do “ônibus” e o próprio Zinho, para os demais a viagem era incomum. Havia grande suspense entre os presentes. Por muito tempo o silêncio dominou o ambiente.
A sala circular era maior mas idêntica a que Zinho conhecera. A novidade era a existência de várias poltronas que também seriam as camas dos passageiros, não haviam compartimentos individuais. Por outro lado, os sanitários eram maiores, bem como a área de exercícios.
O terráqueo mentalizara o novo nome de cada um, até dos pequenos. Assim, vendo o pessoal abatido e entregue a sorte, tomou a frente:
- Vamos minha gente! Esta viagem é motivo de festa!
Seu Cândido, Calixto, Genoveva... Me ajude Zilka!
- É isto mesmo! Ligue a música Zinho!
O rapaz não esquecera seu rádio, procurou nas suas coisas e logo o retirou, carregou-o com novas pilhas e o som das fitas se fez ouvir.
Aos poucos o ânimo voltou. Abraçou a futura esposa e continuou a incentivar o grupo.

- - - - -

No galpão da casa grande, Tunis com o bornal enroscado no ombro esquerdo, esperava Quim.
Desejoso de confirmar se eram os patrões os responsáveis pelo que passara, o lavrador não demorou.
- B’a noite Seu Tuni!
- Boa noite Quim! Vamos!
Saíram e iniciaram a caminhada em direção à prainha. Depois de uns vinte minutos, já longe da Sede, tomaram a trilha em direção à elevação, onde, após o capão de mato chegariam ao portão.
Sem conversarem, atravessaram a pastagem e tomaram uma estreita estrada nova.
Quando as primeiras árvores tornaram o caminho mais escuro, Tunis adiantou-se um pouco até ouvir Quim chamá-lo muito assustado:
- Tuni, veja aquilo!!!
- Não estou vendo nada. O que foi?
- Agora sumiu, é mió a gente vortá! Disse o homem tremendo de medo.
- Imaginação sua, aqui não tem nada. Iluminando com lanterna o local mostrado pelo colono. Vamos em frente, continuou em tom de convite.
Deram mais alguns passos e Tuni voltou a acionar o projetor que trazia escondido, só que não desligou. Quim chegava até a agarrar o companheiro ao ver as almas dançarem a volta deles, gritava:
- Vamo vortá Tuni!! Olha!!! Num vô ficá aqui!! E puxava o moço pelo braço.
- Já disse Quim! Aqui não tem nada! É imaginação sua!
Sem mais nada dizer, Quim saiu correndo e desabalado desceu a encosta, deixando Tunis.
Depois de ter dado um susto no lavrador, voltou para a mansão, deixou a sacola onde guardara o projetor e foi até a casa dele. Logo que chegou bateu na porta, foi Zefa que atendeu, muito nervosa disse:
- Foi bão o senhor vim. O Quim está branco, não fala nada, está mudo na cadeira.
- Eu sei Zefa, ele foi comigo para mostrar o que tinha visto na prainha, mas antes de chegarmos começou a gritar que estava vendo coisas, depois saiu correndo e veio para cá.
Enquanto entrava na pequena sala, sentindo o forte cheiro de vinagre que Zefa colocara num lenço para tentar aliviar o marido, pensou:
- Será que exagerei? Gosto muito deles, se acontecer alguma coisa nunca me perdoarei. Não encontrei outra solução, só peço a Deus que tudo não passe de um simples susto.
Zefa o despertou de sua preocupação:
- O que faço prele melhorá?
Providencie um copo com água e bastante açúcar e dê para ele.
Como Zefa havia dito, Quim continuava sem cor, quase branco, sentando, com os braços caídos.
- O que foi homem? Reanima! Acalme-se e procure não pensar no que disse ter visto.
- Tuni, eu vi! Eu vi! Balbuciou ainda trêmulo.
- Está bem Seu Quim, se soubesse que ia acontecer isto não o convidaria para ir até lá. Nossa imaginação as vezes nos prega peças. Não pense mais nisto, procure dormir.
Zefa trouxe a água açucarada e ele a tomou. Tunis vendo melhora no amigo, se despediu e voltou aborrecido, mas por outro lado contente, havia atingido o objetivo.
Durou uma semana a crise de Quim, por três dias nem trabalhar foi. Quando voltou, os companheiros nem pilheriaram e entre eles diziam:
- Também quem mandou abusar, com essas coisas não se brinca.

Ainda no sítio, Taros e Job retomaram seus hábitos.
Taros com Marina e Paulinho passavam os dias pelas estradas, conhecendo lugares e se divertindo. Nina agora o entendia e tomara gosto em acompanhar o marido. Para o filho o mundo era realmente novo, o colorido das vitrinas, doces ebrinquedos o transformaram num alegre menino.Apesar de ter também passado pela adição de linguagem, devido a tenra idade nem sempre conseguia dissociá-las, misturando tudo:
- Quero tananca sac tlunga.
Logo a mãe vinha a corrigi-lo. Diga:
- Quero um doce daquele.
O garoto repetia e ganhava o que queria. Para quem ouvia, os pais diziam que o menino possuía um problema de dicção, mas que estava em tratamento.
Joana se divertia provocando-o afim de ajudá-lo a sarar, isto é, procurava interpretar o que dizia para em seguida ensiná-lo a pronunciar certo. No fundo mantinha uma leve desconfiança dos patrões. Lembrava-se de ter ouvido dos mesmos, quando foram para lá, palavras bastante semelhantes.Afinal, isto nada significava, eram tão bons, ainda mais, a filha logo se casaria com Tunis. De qualquer forma aquilo a intrigava, resolveu então comentar com Martinha:
- Minha filha, de onde realmente eles vieram? O menino fala uma língua estranha. No começo, quando chegaram surpreendi eles conversando, não entendia nada mas era muito parecido com coisas que o Paulinho diz.
- Mãe! O que é isso agora! Deu para variar! O menino tem problema para formar palavras. Segundo Taros já melhorou muito. É só isto.
- Você tem razão. Também que importância tem se falam desta ou daquela forma? Não tenho nada com isto.
Zé Antônio sentia-se feliz, tratava Tunis como se já fosse seu genro. Fez amizade com Manuel, mas não o entendia, tudo que falava para ele, só ouvia e sorria. Não entendia nada de terra, de plantações. Chegou até a lhe dizer:
- Homem, parece que não entende de nada.
Manuel corria a contar para Martinha e esta o orientava no que havia de falar, assim, sempre que podia dava as respostas com atraso. A moça era sua salvação, não tivera tempo de ser treinado e sempre ficava meio atônito diante das conversas.
Maria, ao contrário do que se esperava, parecia da Terra, ninguém diria ser de outro planeta. Se aproximou de Joana, prestava atenção nos movimentos na cozinha e passou a imitá-la, discretamente, sem que percebesse. Em pouco tempo estava lavando e cozinhando. Tornaram-se amigas e como mulheres, os assuntos eram intermináveis. Contava sobre o filho e sobre amigas, sempre dizendo minha casa quando se referia à astronave.
Tânia sabia não poder ter filhos, tanto ela quanto Job haviam sido esterilizados. Nem que quisessem corrigir antes de saírem da astronave o sistema não atenderia. No entanto, isto não os impedia para uma vida feliz.
Mulher esbelta, atraente, cabelos negros, quase da altura de Job, vivia momentos de grande enlevo. O marido a carregava no cavalo, iam de um lado para outro na propriedade. Boa parte do tempo, o animal ficava amarrado enquanto se estendiam sobre as folhagens das árvores.
Tânia julgava estar no paraíso, difícil para ela era se conter diante de José e Joana, mas fora da presença dos dois ela extrapolava, contava até sobre as formiguinhas que vira. Observava os mínimos detalhes da natureza, nisto fora feita para Job, não havia união mais perfeita.
Após os primeiros dias, todos já aclimatados, chegara o momento das providências. Os novos alienígenas não possuíam documentos, para isto precisavam esperar Zinho. Também, a primeira leva de maguianos chegaria breve, era preciso estudar meios para acolhe-los.
Job, bastante familiarizado com os métodos de Zinho, logo pensou:
- Realmente não será possível trazê-los para a mansão. Está na hora de adquirirmos um local em São Paulo.
Chamou Tunis e perguntou:
- Onde está o Taros?
- Na estrada, é claro! Ele e a família saíram de manhã e já era para terem voltado. De certo resolveram parar em algum restaurante, é o que ele gosta.
- Bem, amanhã então nos reuniremos.

Taros, ao lado Marina e no banco de trás Paulinho se divertiram naquele dia. O porta malas estava lotado, compravam de tudo, dinheiro não era problema.
Apesar de experimentar as melhores sensações Marina estava cansada e queria voltar. Quando regressavam, o belo dia deu lugar a um céu nublado, nuvens carregadas, escuras, preenchiam o horizonte. Assim, além do cansaço o medo começou a dominá-la, principalmente quando os relâmpagos começaram a riscar o firmamento e água jorrar.
- O que é isto Taros? O que está acontecendo?
- Isto é simplesmente chuva, não tenha receio. É coisa normal na Terra. Sem ela ninguém sobreviveria.
Marina logo entendeu, lembrou-se do estudo da geologia de Mag, onde o mesmo ocorria, comentou:
- Quanta surpresa terão nossos irmãos. Tanto quanto nós, nunca viveram. Portas, corredores e salões foram nosso mundo. E quanto a comida, como podíamos comer aquilo?
- Agora você percebe meu desespero em voltar. Tenho pena de Micenas, também experimentou a vida aqui.
Quando chegaram, a noite, a quietude, já dominavam o pequeno sítio. O vozerio dos sapos e grilos chamavam a atenção, aguçando a curiosidade de Marina que não deixou de interpelar Taros.
Enquanto abria o porta malas e retirava o grande volume de compras o feliz “viajante” explicava para a esposa.
A terra estava molhada, as nuvens dera lugar a um belíssimo céu estrelado, onde a lua em quarto se mostrava. A jovem mulher não se continha diante de tanta beleza:
- Gostava de ficar nas janelas vendo o infinito, aqui ele é diferente, tem cor, parece um manto a cobrir-nos.
- Você está muito romântica. Vamos entrar, todos já estão dormindo.

Enquanto isto, a nave transportadora ganhava distância, mas ainda longe do sistema solar. Naquele pouco tempo a bordo o ambiente mudara. Até o piloto Jakson e o auxiliar Demétrio haviam deixado a ponte para partilharem das brincadeiras criadas pelo terráqueo.
Trajetória definida, o que tinham de fazer era apenas aguardarem a aproximação da estrela Sol. Esta se descortinava como a mais brilhante na janela central.
Totalmente invisível, da astronave ouviam-se apenas as últimas mensagens, transmitidas por raios direcionados.
Enquanto fora possível, Zira não se cansava de acompanhar a filha, sempre que podia lá estava tentando falar com a moça. Assim fora, até os sinais não encontrarem resposta.
Junto de Lotus desabafava.
Acostumada com a presença constante, com o carinho da jovem, sentia falta. Seu coração amargava a ausência.
Com a partida da filha, Lotus deixou de lado muitas formalidades e passou a integrar-se no treinamento, participando das aulas. Sentia que com isto o processo se acelerasse e pudesse satisfazer a si e a esposa no reencontro com Zilka.
Micenas ficou satisfeito em ver a presença do comandante. Quando mais este se mostrava interessado, mais o grupo assimilava conhecimentos, principalmente as pessoas que apresentavam dificuldades.

Deixando o espaço vamos encontrar os moradores da mansão despertando para um novo dia.
Mal Joana e Martinha entravam no casarão, encontraram Job nos corredores a se preparar. Não demorando para os demais tumultuarem os cômodos. Trabalho é que não faltava para as serviçais.
Mesa servida, a grande família reunida.
Maria, cuidava do marido, era ela agora quem fazia o papel de Martinha. Com a desculpa de ajudar na cozinha, servia Manuel, sempre evitando que ele caísse em falhas.
Tunis o apaixonado, vivia a cortejar Martinha e fazia questão que ela sentasse ao seu lado.
Taros, o glutão como sempre, parecia um insaciável.
Job esperou todos se alimentarem, depois dirigindo-se aos amigos observou:
- Não saiam hoje. Precisamos tratar de um assunto importante. É sobre a safra de bananas, sobre nossos investimentos. Agora o Zinho não está aqui, temos que definir responsabilidades.
Taros que já imaginava pegar o carro ficou aborrecido, mas nada disse.
- O dia está quente, não é melhor fazermos um passeio até a prainha? Além de conversarmos também podemos nos divertir. Disse Tunis visando afastar-se da cozinheira e do marido que fazia reparos no galpão.
- Boa idéia. Apenas acho que o Paulinho deve ficar com a Joana, se concordar.
- Como não Seu Job? Ele me fará companhia, já se acostumou comigo.
- Posso levar a Martinha? Perguntou Tunis.
- Claro, não há nenhum segredo no que vou dizer.
Martinha percebeu que a mãe não gostara, mas sabendo que o assunto era outro, disse:
- Deixe a cozinha, cuide do menino, quando voltar faço a limpeza.
- Vou deixar mesmo! Falou com voz imperativa e baixa.
Segurou o braço de Tunis e se prontificou a acompanhá-lo.
Terminado o café, o grupo dirigiu-se para a prainha. A todo momento Tânia parava para admirar isto ou aquilo, foi preciso o marido pedir que se apressasse.
Na prainha, frente ao gigantesco oceano, Job os reuniu. Ali poderiam falar a vontade e ele começou:
- Já descansamos bastante. É o momento de agirmos. Temos uma missão a cumprir. No princípio a idéia era a de acolhermos nosso pessoal na mansão. Isto não vai ser possível como já fora previsto pelo Zinho.
Temos que adquirir um prédio em São Paulo, num local de movimento. Um que seja pequeno, de poucos andares. Não importa o preço. Antes de sair Luiz trocou muito ouro, o dinheiro está em nossas contas, o suficiente para investirmos no que for necessário. Portanto, o pagamento será a vista.
Outra coisa, é condição fundamental de que o mesmo nos seja entregue totalmente mobiliado, mas sem nenhum morador, melhor dizendo, sem nenhum terráqueo. Para isto preciso de você Taros. Seguiremos amanhã para a Capital, visitaremos imobiliárias idôneas, até encontrarmos o que queremos.
- Conte comigo Job. Quando voltar vou encher o tanque.
- Posso ir com o Paulinho? Perguntou Marina.
- Desta vez não. Primeiro, ainda você não possui nenhum documento. Segundo, não trata-se de uma viagem de passeio.
Tânia que também tivera a intenção de fazer o mesmo pedido, apenas disse:
- Então vou ficar sozinha.
Job continuou:
- Quando terminarmos na Capital, iremos para Santos e procuraremos por uma escola náutica.
Precisamos de aulas de navegação. Teremos de colher nossos irmãos em pleno mar, para isto compraremos um barco e contrataremos instrutores para nos ensinar.
Ficaremos ausentes por bom tempo, telefonaremos.
Tunis, só ouvia e pensava:
- Será que esqueceram de mim? Poderia ajudá-los. Nisto Job volta-se para o rapaz:
- Minha tarefa e a de Taros por ora será a que falei. Quanto a você Tunis, terá de usar de muita astúcia. Será o responsável pela equipe de apoio, deverá distribuir funções, treinar e organizar.
O acolhimento de nossos irmãos, transporte e futuras acomodações dependerão do plano que traçar. Sei que sua parte será a mais difícil, mas confio em você e em Martinha.
Ao citar o nome da moça, olhou para ela. Esta o observou com altivez dizendo:
- Devo-lhe uma explicação Seu Job. Nunca esperava uma situação desta, ser meu noivo um alienígena. Assim, vivia a importuná-lo, querendo saber coisas da sua vida.
Podem imaginar minha surpresa, mas o compreendi e passei a apoiá-lo. Desde que soube tenho feito tudo que posso para auxiliá-los. Portanto contem comigo.
- Martinha, foi a melhor coisa que Tunis fez. Contarmos com a ajuda de uma terrestre é o melhor que nos pode acontecer.
Nisto, como prova de amizade, Maria e Manuel tomaram os braços da moça, como a se apoiarem nela. Verdadeiro momento de felicidade para a jovem.
- Bem, por enquanto é o que havia a dizer-lhes. Agora vamos entrar na água?
Não é preciso dizer da temeridade dos recém-chegados, mais ainda quando um caranguejo se prendeu ao pé de Tânia. Foi um “deus-nos-acuda”.
- - - - - -

Incentivado por Zé Antônio, os colonos para demonstrar a satisfação e de certa forma homenagear os proprietários, resolveram promover uma festa, um baile de roça.
Na frente das pequenas casas ergueram o rancho. Falaram para Tunis trazer os outros para se divertir, foi o próprio Administrador que falou ao moço:
- Tunis, nós vamos dar uma festa e gostaríamos que todos daqui fossem.
- Festa sogro! Que ótimo!
O Job e o Taros não poderão participar, partem hoje para São Paulo e só voltarão dentro de uns quinze dias.
- Que pena! A Martinha não lhe disse?
- Não. Acho que se esqueceu. Respondeu Tunis.
- Pensei que ao ver o barracão imaginasse a finalidade, assim nada disse para ela e nem para Joana. Queríamos fazer uma surpresa para vocês, os convidaríamos só na véspera. Agora tudo já está preparado.
- Quando vai ser?
- Sábado à noite. Contratamos sanfoneiro e convidamos violeiros daqui de perto. Mandamos fazer salgadinhos e já encomendamos a bebida.
- Não se preocupe Seu Zé, somente os dois é que faltarão. Vai ser divertido, se precisarem de ajuda me chamem.
Dois dias se passaram.
No bairro, o alarde de Quim sobre as coisas estranhas que vira aguçara a curiosidade da população, isto provocou uma grande afluência de curiosos para a festa, alguns até sem serem convidados.
Perguntas como:
- É verdade que desceram “Ets” aqui? Que “discos voadores” apareceram?Que assustaram um morador?
A noite que deveria ser de muita alegria para a família dos “estranhos” fora de perplexidade e medo, embora Martinha e Tunis estivessem atentos, sempre os alertando:
- Não se preocupem com este falatório. Isto é comum na Terra, não tem nada a ver com vocês.
No dia seguinte, Joana que já havia tomado liberdades com Maria comentou:
- Parece que não gostaram da festa. A senhora, o seu marido e as duas ficaram muito quietas, não dançaram. Parecia não verem a hora de sair dali.Jorge até me perguntou. Eles e os outros queriam dar-lhes alegria. Respondi que não estão acostumados com estes tipos de festas e que devia ser a primeira vez que participavam de uma.
O comentário pegou Maria de surpresa, mas ela aprenderá rápido a lidar com os terrestres. Sem dar a perceber, pensou um pouco e disse:
- A Tânia e a Marina estavam tristes com a partida dos maridos. Manuel e eu estávamos cansados, já não somos crianças. Além disto, nunca havíamos participado deste tipo de brincadeira, o barulho e a bebida também ajudaram. Mas Tunis e a Martinha se divertiram muito.
- Homem quando quer fazer coisas e não conta para a mulher dá nisto! Os quatro se reuniram, foram eles que inventaram tudo.
- Havia muita gente Joana, pelo jeito a festa foi muito animada.
- É verdade. Fiquei com pena do Quim, acabaram com ele. Você deve ter ouvido as gozações. O biruta inventou histórias. Agora, coitado! Caiu na realidade e acha que está ficando doido. Vi e ouvi pessoas falarem com ele, só respondia: - “São coisas da minha cabeça! Da minha cabeça, da minha cabeça”.De uns dias para cá vive dizendo isto.
- Conheci o Quim. Tunis me mostrou, pareceu-me normal. Observou Maria.
- Ele está bem. Fica repetindo a frase apenas quando alguém toca no assunto.
- Sabe Joana, viemos de Goiânia para ficarmos perto de nosso filho.Manuel ainda não se adaptou, eu também me preocupo. Fui na festa mas meus pensamentos não estavam lá.
A rotina voltou, Tânia e Marina passavam o dia ora frente a televisão, ora andando pelos arredores.

Em São Paulo, Taros e Job examinavam ofertas. Depois de um dia muito tumultuado, haviam levado para o apartamento um bom volume de papéis.
- Este imóvel da Imobiliária Novo Centro parece oportuno. É um prédio de cinco andares, próximo ao centro. O gerente me disse que colocaram a venda ontem. É provável que nenhum apartamento tenha sido negociado.
- Tomara que não. Devemos ir cedo amanhã, quem sabe consigamos chegar na frente, embora acredito que nem seja preciso nos apressar. Pela foto e pelos detalhes da planta a estrutura é sólida. Tenho certeza que pagaremos quase o dobro do que vale.
Se nossa intenção é não causarmos suspeita, por pequena que seja, deixe-me tomar a frente do negócio. Vou oferecer bem menos do que pediram, vou pechinchar, darei o negócio até por não feito e sairemos do local. Se nos chamarem, naturalmente será para melhorarem a oferta. Se não fizerem isto, voltaremos depois e fecharemos a compra.
- Gostei Taros! Parece até o Zinho. Vou deixar por sua conta.
No dia seguinte aconteceu como Taros esperava, parecia que adivinhara os movimentos do gerente. O compra não compra demorou tempo.
O gerente os levou até ao edifício, mostrando-lhes os apartamentos, todos limpos e decorados. Espaçosos, bem da forma que queriam.
Da rua vinha o som constante de veículos e do corre-corre de transeuntes. O homem de negócios sequer tocou no assunto, estava realizando uma ótima venda e não queria estragá-la.
Antes de saírem do prédio, na recepção, Taros dirigindo-se a Jobo interrogou:
- O que acha Job? Por mim compramos.
- O local para estacionamento é muito oportuno, tem altura suficiente para um ônibus, isto vai ser muito importante. Amanhã passaremos a escritura. O local atenderá nossos projetos.
No sítio Bananeiras, como de hábito, José Antônio e a família ao voltarem para o lar conversavam sobre as coisas do dia.
Martinha se recolhe antes dos pais. Zé Antônio fuma tranqüilo seu último cigarro quando Joana resolve colocar suas dúvidas para fora:
- Zé, tem umas coisas que quero falar. Estou muito preocupada. Nossa filha vai se casar com Tunis, é bom moço, mas tem umas coisas estranhas naquela família.
- Deixe de bobagem mulher! Não tem nada, é imaginação sua, apenas possuem alguns hábitos diferentes dos da gente.
- Não é não Zé. Eu que vivo lá dentro posso dizer. Sabe, aquele menino, o Paulinho, fala muito estranho, nunca ouvi palavras tão esquisitas.
- Você sabe que ele tem problemas, portanto não complique as coisas. Depois outra você nunca saiu do Brasil, nem deste lugar.
- Não sou boba Zé! Sabe que fiz o ginásio e que gosto de ler. O que ele fala não é língua deste mundo. Até concordaria, se tivesse ouvido certas palavras só do menino. No começo, o Taros as vezes ia me pedir alguma coisa e lembro de ter ouvido ele dizer palavras iguais.
- Taí! Ele é o pai do menino, por certo tem algumas bobeiras e passou para o filho.
- É, não havia pensado nisto.
- Vamos dormir que é melhor. Amanhã tenho muita coisa para fazer. Completou Zé Antônio, levantando-se da cadeira.

Mal o dia clareou já estavam de volta para os afazeres na mansão, Tunis, como de costume, esperava Martinha. Logo ao se encontrarem lhe confidenciou:
- Preciso muito falar com você.
- Tunis, agora não é hora de namorar, disse sorrindo para o rapaz.
- Não Martinha, é sobre o outro assunto. Diga qualquer coisa para sua mãe, ou melhor, diga que lhe pedi para me acompanhar até a cidade para fazer compras.
- Está bem Tunis, mas ela não vai gostar. Convém você mesmo lhe dizer, ela já entrou; diga-me do que se trata.
- Preciso comprar roupas para o pessoal que vai chegar. Não vou poder trazer o material para cá, o volume é grande.
- Posso dar uma sugestão?
- Claro! Está me faltando idéia de como fazer.
- É simples, compre tudo em Santos, alugue por algum tempo uma casa próxima ao cais. Guarde tudo lá, quando tiver de colocar no barco será fácil.
- Genial Martinha! Tenho de alugar uma casa grande e que tenha uma boa vedação contra roubos. Quem sabe até deva comprá-la.
Não foi difícil convencer Joana, para isto Tunis autorizou que ela chamasse suas vizinhas para substituir Martinha.
- Veja o que vão fazer! Advertiu Joana quando entraram no carro.
Na estrada, Tunis comentou:
- Não pretendo sair do sítio, acho que minha vida será lá. Meus pais poderiam ficar comigo, mas quem sabe, se gostarem, poderiam viver na casa em Santos. Ficariam perto de nós da mesma forma. Também, as mercadorias sozinhas lá poderiam gerar estranhezas por parte da vizinhança.
- Sua mãe é de uma inteligência fora do comum, percebe tudo e sabe como agir em qualquer situação.
- Ih! Martinha, lembrei de uma coisa, eles não possuem nenhum documento. Risca tudo! Por ora alugarei apenas o local para guardar os produtos.
Com muito dinheiro na mão, Tunis resolveu tudo em pouco tempo. Pagou seis meses adiantados por uma casa nas proximidades do cais. Comprou tudo que podia imaginar ser útil. O que esquecia, Martinha lembrava, assim: roupas, medicamentos, cordas, garras, sinalizadores e outros apetrechos foram deixados nos cômodos do prédio.
Contrato assinado, portas fechadas e chaves no bolso, retornaram ainda durante o dia para a mansão.
Logo que a filha chegou, Joana, curiosa, falou com Martinha:
- O que fizeram durante o dia todo?
- Nada mãe, apenas passeamos.
- Aí tem coisa! Vocês não me enganam.
- O quê Mãe! Ele só queria se divertir um pouco. Só isso. Já vem a Senhora com sua mania!
- Respeite sua mãe!
- Está bem mãe, não se preocupe.
Enquanto mãe e filha se entendiam, Tunis se reunia com Tânia, Marina e os pais.
- O problema é o seguinte:
Está próxima a descida de nosso pessoal. Discretamente teremos de montar todo um plano para retirá-los da água e levá-los para lugar seguro.
Job e Taros, a esta altura já devem ter adquirido um edifício em São Paulo para onde os levaremos. Também já devem estar negociando um barco em Santos e contratando instrutor para ensinar-lhes a manobrá-lo.
Nossa parte será a organização. Todos, inclusive Martinha, estarão no barco, os recolheremos em pleno oceano, dependerão muito do nosso apoio. Sentirão tonturas, haverá vômitos. Terão de trocar as roupas, estas já comprei. Foram poucas as peças que Job levou para a Astronave, portanto a maioria deverá estar com hábitos maguiano.
Quando Job e Taros voltarem, compraremos um ônibus, para levá-los até o destino. Após acomodados, passarão a receber as últimas instruções, seremos nós os professores.
Já fazem cerca de três meses que chegaram, portanto, a partir de amanhã ficaremos na escuta. Acredito que já devem estar bem perto da Terra.
- O que é isto? Perguntou Marina.
- É um sistema terrestre de comunicação muito comum. Vou ensiná-los. Nos revezaremos até recebermos o aviso.
Tunis continuou por bastante tempo, esmiuçando detalhes e ouvindo comentários. Martinha se uniu ao grupo.
Nos dias que se seguiram, Joana começou a ficar intrigada. Pensava:
- Existe alguma coisa! Agora não saem de perto do rádio, esqueceram até da televisão!
A filha estava cansada de ouvir a mãe fazer perguntas.
- Mãe, o Zinho escreveu para Tunis pedindo a ele ficar na escuta. O lugar onde está não tem telefone.
- Mas ele não está em São Paulo?
- Estava, mas foi para o norte do País, no Amazonas.
- O que foi fazer lá?
- Mãe, não compete a nós saber o que fazem.
Assim, o tempo ia passando.
- - - - -

Dentro da nave transporte os passageiros sentiam-se a vontade. Zinho e Zilka procuravam sempre entreter os companheiros.
- Venha até a janela Zilka!
A jovem se aproximou e ele continuou:
Veja a grande estrela, é o nosso sol. Logo poderemos ver de longe Plutão, o primeiro planeta do sistema.
- E o planeta que vimos?
- Também é do sistema, mas ainda é desconhecido pelos terrestres. Em breve acionaremos o rádio, logo estaremos chegando.
- É bom mesmo, já estou cansada de ficar neste lugar apertado.
- - - - -

Nesse meio tempo, Taros e Job voltaram. Tunis e as esposas foram recebe-los.
- Estava preocupado com a demora de vocês, ficaram mais de um mês fora. Comentou Tunis ao cumprimentar ambos.
- É verdade Tunis. Foi necessário, demorou um pouco para aprendermos a manobrar o barco. Lembre-se de que não poderemos pagar ninguém para locomovê-lo. Além de tudo foi preciso conseguirmos uma série de documentos. Observou Job.
Abraçados as esposas, entraram na mansão.
Após descansarem, Job retornou ao diálogo com Tunis.
- Estava também preocupado. Pelos meus cálculos, aproxima-se o momento da chegada. Você já providenciou o resto?
- Falta o ônibus e estabelecer o trajeto. Também quem vai dirigi-lo.
Ouvindo as últimas palavras, Taros com sua mania por volante observou:
- Isto pode deixar por minha conta.
- Veja Taros, não poderemos ter nenhum problema com policiais de estrada. Atalhou Tunis.
- Não se preocupem, já sei como lidar com isto.
- Na casa que alugou tem lugar para guardarmos o veículo? Perguntou Job, dirigindo-se a Tunis.
- Não há. Vai ser preciso alugar ou comprar um local, ou então deixa-lo num estacionamento.
- Não poderemos perder mais tempo, amanhã mesmo vamos conseguir. Eu e Taros vamos a Santos providenciar, o guardaremos num estacionamento.
Tomada as últimas providências, todos ficaram aguardando o comunicado sob o olhar atento de Joana.
Desconfiada dos movimentos na casa, apostava nos ouvidos para decifrar o mistério.
- Martinha, você sabe o que está acontecendo e não quer dizer para sua mãe.
- Mãe, tome cuidado. A senhora está me preocupando, está com mania.
- Mania, é! Pois vou lhe dizer uma coisa:
Ninguém me tapeia. Não nasci hoje. Não quer me dizer, mas aí tem coisa da grossa e vou descobrir.
Martinha fez-se de desentendida e não prosseguiu no assunto. Mais tarde, falou para Tunis:
- Minha mãe está muito desconfiada. Nem sei mais o que fazer.
- Paciência meu amor, quem sabe, um dia poderemos contar a ela, mas não poderá ser agora. Vou combinar com Taros uma conversa perto dela.
Dito e feito, numa manhã, após tomarem o café, Taros volta para Tunis e comenta:
- Como vamos fazer? Zinho insiste para irmos ver as terras, diz que o negócio é muito bom. Logo agora que queria descansar um pouco com Marina e levar Paulinho para o Play Center.
Job, como os demais, havia se inteirado do plano, entrou no assunto:
- Também tenho meus problemas, mas não vou deixar de ir.
Tânia e Marina, quase juntas também disseram que queriam acompanhar. Nisto, Maria, também falando por Manuel, observou:
- Nós é que não vamos ficar, fica perto da região onde moramos, aproveitaremos para passar uns dias por lá.
- Também quero conhecer o lugar, completou Tunis.
Martinha, que também fazia parte da encenação logo observou:
- E eu! Esqueceu de mim Tunis, vou ficar aqui sozinha?
- Lógico que não meu bem. Você também irá.
Joana que acompanhava cada palavra do que diziam, entrou na conversa:
- Mas nem casados são, não fica bem ficarem juntos.
Job interveio:
- Não se preocupe Dona Joana, sua filha ficará conosco, fique tranqüila.
- Está bem então. Mas quando vão partir?
- Sairemos qualquer dia desta semana no escurecer. Respondeu Job.
- Durante a noite?
- É Dona Joana, pegaremos um movimento menor nas estradas, respondeu Taros.
- Durante o tempo que ficarmos ausentes, a senhora poderá contratar quantas pessoas quiser para fazer uma faxina completa na casa, vou lhe deixar algum dinheiro para isto, continuou Job.
- Para onde irão?
- Saindo daqui, tomaremos o rumo de Goiânia. Estamos apenas esperando o chamado de Zinho, que vai nos dizer onde encontrá-lo.
- Não se preocupe mãe, telefonarei para senhora.
Logo que saíram da copa, Joana pensou:
- Minha filha tinha razão, eu é que fico pensando em bobagens. Pelo Seu Job ponho as mãos no fogo, me inspira confiança. Nele eu acredito. Depois outra, minha filha já está noiva do Tunis.
Quase monologando, ela retomou os afazeres na cozinha e mudou de pensamento. A casa era muito grande, precisava mesmo de ajuda para fazer o que Job pedira.
Solucionada a situação com a empregada, ficaram a vontade no aguardo da comunicação. Dia e noite o receptor permanecia ligado, vez ou outra um radioamador entrava na faixa, mas logo lhe era solicitado deixar a freqüência livre.
Naqueles dias, Martinha avisara o pai e mantinha-se ocupada em arranjar suas coisas, sempre ouvindo conselhos da mãe. Os outros também se preparavam.
Eram duas horas da tarde quando Tânia correu a chamar Job, Zinho aguardava.
- Aqui é Job, fale Zinho, câmbio.
- As três o sol estará quente e a praia estará boa, câmbio.
- Entendi, nos encontraremos, câmbio, desligo.
Job chamou todos, inclusive Joana e informou:
- Vamos sair hoje de viagem, logo que o sol se por, arranjem tudo. Utilizaremos dois carros.

Tunis e Martinha foram ao local onde haviam deixado as roupas e os diversos equipamentos e colocaram no carro o que puderam. Seguiram para o cais. Com auxílio dos demais, transportaram para o barco tudo que era necessário.
Job tomou o leme e auxiliado por Taros, rumaram para o oceano. Haviam adquirido conhecimentos suficientes para chegarem até o local da descida. Para sorte deles, o mar estava calmo.
Excetuando os dois, os demais eram marinheiros de primeira viagem.
Preocupando menos com os problemas físicos, todos procuravam suportar as náuseas, dando pouco valor a isto.
As mulheres, no interior, separavam roupas e medicamentos. Os homens preparavam cordas e ganchos.
Por três horas o barco singrou o Atlântico. Na escuridão, apenas a luz das estrelas denunciavam a superfície líquida que levantava e abaixava o pequeno meio de transporte.
No convés, Tunis colocara diversos cartuchos para disparos luminosos. Manuel, temeroso, ainda não havia se habituado com a presença do mar, mas fazia sua parte, ajudando Taros a aprontar amarras e deixar prontas as cordas para serem içadas.
A volta, em todos os horizontes, apenas água parecia fechar a abóbada azul escura que cobria aquela embarcação. Nenhum sinal de terceiros, nenhum estranho presenciava aquele momento.
Já ancorados, aguardavam apenas a chegada do navio estelar. Tunis, havia levado um transmissor, colocou-o na freqüência combinada e após conseguir contato:
- Zinho, as fantasias estão prontas? Câmbio.
- Foram experimentadas, tudo certo, câmbio.
- Vou pegá-las então, câmbio, desligo.
Logo após, um ponto luminoso se destaca entre as estrelas, caminhando de sul para o centro. Foi aumentando, até transformar-se num risco forte e brilhante que iluminou boa parte do mar.
Num estrondo, o impacto contra as águas fez levantar ondas que balançaram a pequena embarcação. Job logo recolheu a âncora e movimentou o barco na direção. Tunis, passado alguns momentos, iniciou o disparo dos iluminadores, detonando carga após carga.
Tiveram de navegar cerca de dois quilômetros, até que, sob o brilho químico das substâncias incendiadas, os primeiros escafandros apareceram.
Novamente Job fixa o pequeno navio e todos ficam na espera.
Taros lança as várias cordas e um após outro se agarram nelas.
Os invólucros com crianças ou bagagens estavam presos às armações dos adultos. Eram os mais difíceis para recolhimento. Apenas cavidades para mãos e braços permitiam aos maguianos segurarem ou se movimentarem na superfície, auxiliados pelos propulsores.
A visão era a de uma ninhada de grandes ovos de aparência plástica e transparente, que se movimentavam na direção do barco.
A operação demorou um pouco. A medida que eram recolhidos, se desfaziam da embalagem e respiravam pela primeira vez a atmosfera terrestre.
Exceto Zinho, o restante estava atônito diante do que acontecia. O medo imperava nas fisionomias.
Job cumprimentou Zinho, tão logo este se desfez da indumentária.
- Tudo bem amigo?
- Tudo perfeito Job. Preciso verificar se todos estão a bordo.
Dito isto, examinou todo o grupo e voltou:
- Faltam os pilotos Jakson e Demétrio, pedi a eles que após sairmos afundassem o transportador na lama do fundo do mar. Precisamos aguardá-los.
- Não os conheço. Disse Job procurando lembrar-se deles.
- Conhece sim, é que todos estão sendo tratados pelos novos nomes e até já se habituaram.
- Esqueci deste detalhe. Mas deixe avisar Tunis, precisa continuar a iluminar as águas.
Tunis! Tunis!
Vendo que o rapaz não respondia, foi procurá-lo. Encontrou-o auxiliando as mulheres a organizar os viajantes.
- Tunis, continue a iluminar o mar, faltam dois para virem a bordo.
Não demorou muito e foram recolhidos. Luiz logo os interpelou:
- Jackson, fez o que lhe falei.
- Sim, foi até difícil para sairmos.

Acontecera o que se previra, os passageiros passaram por uma experiência ruim, cada um pior que o outro. Em certa hora, Zilka não suportando o mal estar falou com o namorado:
- Zinho, na Terra é assim?
- Logo vai passar. Além de não estarem habituado com a atmosfera terrestre, ainda tiveram de descer no mar.
Trocados, medicados, os novos visitantes estavam lívidos mas prontos para chegarem ao porto.
A noite ainda seria longa. Tunis, que havia trazido combustível e outros preparados químicos, embebeu vestes, escafandros e pertences que pudessem denunciá-los. Colocou tudo num bote e ateou fogo.
As crianças não entendiam o que estava acontecendo, tão pouco os adultos. Apenas deixavam-se levar pelas eficazes “enfermeiras”.
A agonia começava a ter fim quando vislumbraram o cais.
Tão logo chegaram, Taros desceu e foi buscar o ônibus. Logo que voltou começou a baldeação.
No cais, nada de anormal se deu com a presença da embarcação. Um bom pedaço de noite ainda camuflaria as manobras. Também, nada de irregular existia diante das leis. Job registrara a saída, possível hora de chegada e até número de pessoas. Assim, nenhuma importância fora dada quando as amarras foram colocadas.
Amparando um e outro, homens, mulheres e crianças foram colocados no veículo. Acomodados, ainda sofrendo os efeitos do difícil desembarque, deixaram se conduzir.
Taros fecha a porta quando Job, o último chegar, entra no ônibus e a viagem para S. Paulo começa.

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No sítio, Joana a vontade no casarão não deixa de sentir-se um pouco dona de tudo aquilo. Percebendo que dinheiro não era dificuldade para aquela família, chamou as vizinhas para trabalhar por uns dias. Tomando um pouco de liberdade, ligou a televisão e pôs-se a assistir o noticiário.
Estava absorta em pensamentos, quando uma das notícias chamou-lhe a atenção:
- Em alto mar, tripulantes do navio mercante Tangará disseram ter visto luzes estranhas quando rumavam para a baia de Santos. Viram um forte faixo de luz no céu, como se um objeto caísse no oceano ...
Pensou:
- Que coincidência. Aqui não deixam ninguém ir a prainha, várias pessoas disseram ter visto ovnis nesta área. Ou muito me engano, ou estou certa. Para mim, algo me diz que só o Zinho é da Terra. Aposto que não foram para o norte. É tudo conversa.
Não sei porque estou pensando isto. Que bobagem!
Minha filha casada com um extraterrestre! Que idiotice!
Joana percebera a realidade, mas logo procurou mudar de pensamento. Não acreditava que pudesse ocorrer.
Enquanto meditava Zefa entra na sala.
- Que forga heim!
- Ora Zefa, já trabalhei muito! Hoje vou pagar você e a Maria para fazer o trabalho, até o almoço.
- Tá bem Joana, limpo a casa toda?
- Tudo Zefa! Espera, menos o quarto do laboratório, o primeiro do corredor.
Zefa saiu e Joana, acomodada na poltrona, continuou com seus pensamentos:
- Que são estranhos, isto são. Quando limpo o laboratório sempre estou acompanhada por um deles, como a me vigiar. Aqueles equipamentos são esquisitos, tudo de ouro, não se parecem nada com os tubos de ensaio que conheço. Já falei isto pro Zé, mas nem quis saber.
Ao mesmo tempo que procurava dar resposta às suas desconfianças, acompanhava a programação da TV. Uma simples propaganda de creme dental fe-la saltar da cadeira e novamente questionar:
- Os dentes! Os dentes! Se apenas um deles possuísse dentes pequenos ainda poderia passar, mas todos sem exceção têm o mesmo tipo de dentadura, até o Paulinho.
Joana levantou-se apressada, desligou o aparelho e foi procurar José Antônio.
Procurou o marido no galpão e nas redondezas, foi encontrá-lo na horta cuidando das verduras.
- Zé, precisamos conversar.
- O que é Joana? Estou transplantando mudas.
- Pare um pouco, é importante.
Zé Antônio encostou a enxada e foi ouvir o que a mulher tinha para lhe dizer.
- Fale Joana.
- Zé, nossos patrões são alienígenas.
- Será que vou ter de interná-la? Você não está bem da cabeça Joana. Já estou cansando de ouvi-la falar nisto. Veja bem, teve a capacidade de sair de seu serviço e vir até aqui falar disto!
- Pense o que quiser. Numa coisa você vai concordar comigo. Tirando o Zinho, todos eles possuem dentes muito pequenos, anormais. Pelo jeito não há parentesco para que possamos dizer tratar-se de problema genético.
- Tem razão, sempre estranhei isto, apenas não dei maior importância.
- Tá vendo Zé? Não estou ficando louca. Então me ajude a analisar, me escute. Nossa filha deve estar sabendo de tudo e está acobertando eles.
Joana repetiu para o marido todas as suas desconfianças.
No final, Zé Antônio aceitou os argumentos da esposa.
- Joana, o que vamos fazer? Denunciá-los?
- Não Zé, não devemos comentar com ninguém sobre isto. Vamos esperar nossa filha, alguma explicação vai nos dar.
- Mas ela está com pessoas, se é que podemos chamar assim, cuja mentalidade não pertence a Terra, poderá estar correndo risco.
- Acalme-se Zé, eles não são ruins. Descobri também uma coisa. Lembra-se do filho de Jorge, que estava com os dias contados.
- Sim, sarou de repente. Até hoje não entendi aquilo. Vi o garoto, estava inerte, largado numa cama, desenganado pelos médicos. E olha, me dava pena do Jorge, guardava dinheiro para comprar uma casinha na cidade e teve de gastar tudo, sem resultado.
- Pois é, quem levou os remédios que salvaram o menino?
- É verdade, aí tem coisa mesmo. Mas é fato que tiveram coração, que se apiedaram. Veja também nossa vida e a dos nosso amigos. Hoje aqui é um paraíso, temos de tudo e também liberdade.
- Vamos ter uma conversa com Martinha. Vá esperando Zé, ela não vai desistir.

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Na subida da serra, o ônibus com os alienígenas segue a trajetória pré-determinada.
Mais descansados, sentindo pela primeira vez o ar pesado e poluído, o primeiro impacto é de desassossego. Zinho percebe e logo acalma o grupo, dizendo que com o tempo não dariam mais importância, que não se preocupassem.
Quando o veículo vence a subida do litoral e toma a plana rodovia a claridade dos primeiros raios de sol começam a aparecer. Pelas janelas, os medrosos passageiros vislumbram a magnitude do ambiente terrestre. Os primeiros lampejos de entusiasmos se manifestam e logo todos se apinham para observar a vastidão e o colorido da paisagem. Nessa altura já haviam esquecido do desconforto porque passaram.
A partir de então o resto da viagem foi tranqüila. Quando o ônibus parou, Job desceu e pediu para todos permanecerem no veículo. Atravessou a movimentadíssima rua, a calçada e abriu um grande portão. Deu sinal para Taros e este manobrou o veículo e o dirigiu para o estacionamento do prédio. Haviam chegado ao destino, era o fim da viagem.
Taros que já conhecia o edifício recebeu de Job as chaves principais e com elas chegou a portaria onde retirou as dos apartamentos, providenciando a abertura dos mesmos. Tunis, Zinho e os outros encaminharam as abobadas pessoas para o local de descanso, ensinando-lhes o uso dos objetos.
Amparados e orientados constantemente pela equipe de recepção, aos poucos foram se habituando.

Dois dias após, já estavam se movimentando normalmente por todo prédio. Zinho não perdeu tempo, junto com Tunis voltaram a procurar Gato.
Quando o marginal o viu, o tratou com o máximo de cortesia. Mais ainda quando entregou o pacote de fotos para expedição de documentos.
- Gato, preciso destes agora. Anotei tudo nestas folhas, nomes e filiação. Receberá mais de três mil em ouro por cada um, inclusive pelas certidões das crianças.
Lembre-se, ninguém poderá saber quem está solicitando isto. Se houver quebra de sigilo, vai perder tudo. Voltarei outras vezes com a mesma quantidade, até atingir cerca de duzentos e cinqüenta ou mais. Há muito dinheiro em jogo, poderá ficar milionário.
- Zinho, você não me conhece. Acha que vou perder a “galinha dos ovos de ouro”?
- Tudo bem então, aqui está a metade do pagamento. E entregou um pesado saco com pepitas de ouro.
- A quantidade é maior, vai demorar quinze dias a contar de hoje. Se quiser levo para você.
- Não Gato, venho buscar. Devo lhe avisar também que se alguém me seguir o prejuízo será seu. Não vou procurar outro, a vinda dos refugiados é paralisada, eu perco e você também.
- O que é isto amigo? Pode ficar tranqüilo, serei seu maior protetor, ninguém saberá que estamos negociando.
- Periodicamente virei aqui para novos documentos. Como da outra vez, quero um trabalho perfeito. Dinheiro não será problema.
Terminada a negociação Zinho e Tunis voltaram para o centro de treinamento. Durante o trajeto, Tunis, que já se familiarizara com as coisas da Terra, perguntou ao amigo:
- Você teme que Gato nos denuncie?
- Claro Tunis, ele é um bandido, sem escrúpulos. A única coisa que o impedirá será um farto pagamento. É o que estou fazendo.
Quando entraram no prédio, Tunis lembrou-se da vacina genética e ficou preocupado.
- Zinho, até agora não me disse nada sobre o resultado da pesquisa genética, se deu certo, se trouxe a solução.
- Acalme-se, deu tudo certo. É que ainda não abri o invólucro. Amanhã vou entregá-lo ao Job, ele cuidará disto.

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Enquanto a primeira leva de maguianos iniciava a adaptação na Terra, na Astronave já estavam preparando o terceiro transportador. O segundo já estava a caminho, superlotado.
Micenas e técnicos de bordo fizeram contas e optaram por repartir as lotações em três últimas viagens. Todos já estavam em condições, não havia mais razão de espera. Apenas não seguiria todo grupo para não causar transtorno.
Zira, já conhecida por Zulmira e Lotus por César repreendiam quem os chamassem pelos nomes anteriores. Esta atitude acabou por gerar uma obrigação. Todos a bordo só conversavam em português e imitavam a chefia.
Zulmira ainda pensava em Zilka, ou melhor, Zilda. Apenas não entrou no transportador porque César lhe pedira.
Além da filha, sentiam a ausência dos amigos, apenas metade da tripulação se encontrava nas entranhas da máquina.
- Como será realmente a vida lá, César?
- Não sei, parece boa, segundo Job.
- Tenho tanto receio por nossa filha. O que será dela unida a um terráqueo?
- Não fosse por esse terráqueo, acredite, nosso problema seria muito difícil de ser resolvido.
- César, posso lhe pedir uma coisa?
- Já sei, quer ir com o próximo grupo.
- Quero, não agüento esperar mais.
Vendo a esposa ansiosa e com olhar implorativo, pensou um pouco, refletiu e ponderou:
- Bem Zira, lá serei uma pessoa comum, como qualquer um dos companheiros. Gostaria que ficasse comigo até o final, mas falta tão pouco que não me perdoaria em retê-la aqui. Pode preparar suas coisas, siga as instruções da chefia do grupo e boa viagem.
- Verdade Lotus, quero dizer, César!
- V e r d a d e Zulmira , falou compassadamente, brincando com a esposa.
- Quando vai partir?
- Em tempo terrestre, dentro de vinte dias.
- Agora fico tranqüila, afinal vou ver minha Zilka.
- Cuidado Zulmira, tem de se habituar totalmente. Tem de agir como se fosse uma habitante da Terra.
- Não se preocupe César, tenho certeza de que eles não são diferentes de nós.
- Conforme o Zinho, não seremos diferentes enquanto não souberem nossa origem. Não se esqueça disto.
Agora, vá falar com o João Tanka, lhe informará o que deve fazer.
- Quem? Não conheço.
- Nem lhe falando o segundo nome? É apenas o Tanka. Vejo que você ainda não está preparada.
- Nem brinque, vou decorar o novo nome terrestre de cada um.
Próximo ao salão onde conversavam, Micenas continuava a organizar as pessoas para a partida, apenas para cumprir uma rotina.
- Agora estão prontos. Qualquer dúvida que tenham, me perguntem.
Nada mais há para ensinar-lhes, contudo continuarei aqui até o dia em que este navio ficar vazio.
Enquanto o grupo deixava o local, sentou-se e pôs-se a pensar:
- Se eles soubessem como está sendo difícil para mim ficar aqui. Não vejo a hora de partir, se pudesse seguia na próxima viagem. Cada minuto dentro deste monte de ferros é um martírio.

Deixando a astronave, seguindo pelo espaço encontramos o segundo transportador, mas nem vamos entrar. Vejamos os acontecimentos com o primeiro grupo.
Zinho, após ter entregue a Gato os elementos necessários para os documentos, encontrou tempo para namorar.
Zilda subira até o último pavimento do edifício, onde podia ter uma visão parcial da cidade, pelo menos dos arredores do baixo prédio. Nisto, Luiz entra e a surpreende numa das janelas.
- Como demorou Zinho. Até parece que se esqueceu de mim. Disse ao abraça-lo e beijá-lo.
Depois dos momentos de amor, de abandono do mundo exterior, Zilda voltou para a janela e comentou:
- Que horror Zinho. Que confusão, quanta gente! Perante o que vejo, somos tão poucos.
- Por isto é que orientei para que adquirissem um local aqui.
Enquanto Zinho e Zilda namoravam, Job pensava nos próximos passos. Chamou Taros e Tunis.
- Taros, vi que você tem jeito para negócios, melhor que eu. Aqui já está tudo sob controle e não podemos perder tempo.
Será que você conseguirá fazer compras de residências para cada uma das famílias? Veja bem, as casas deverão ficar em cidades diferentes, no máximo dois em cada localidade.
Estude uma forma de fazer isto o mais rápido possível.
Cada compra deverá ser feita em nome de cada uma, de seu chefe. Poderá desde já ir negociando, mas a escritura dependerá do tempo que demorar os documentos que o Zinho está providenciando. De imediato serão dezoito. Escolha residências médias, que não evidencie poder financeiro, apenas moradias normais.
- Posso levar a Marina e o Paulinho, terei de viajar bastante.
- Tudo bem Taros, leve sua esposa e seu filho, mas faça rápido e me comunique de cada negócio, pague, se documente e peça para aguardar a escritura. Mande mobiliar cada uma se necessário.
- Pode deixar por minha conta Job. Disse Taros não se contendo de alegria, afinal ia fazer um coisa que gostava, viajar.
Depois de tecer outras orientações para o amigo, virou-se para Tunis:
- Tão logo os documentos fiquem prontos, você deverá voltar para o sítio. Zinho me contou que as viagens para a Terra fora agilizadas, logo todos estarão aqui. O esquema de partidas foi alterado.
Tem mais uma coisa, quando Zinho saiu, Micenas estava estudando a colocação de maior número de pessoas nos transportadores. Portanto, a vigília no rádio tem de ser constante. Não acho conveniente manter aparelhos aqui. Volte com Martinha e imediatamente nos comunique. Em cada descida, nos encontraremos no cais.
- Entendi Job, farei dessa forma.
Estavam prestes a entrar em outras atividades, quando Zinho foi ao encontro deles:
- Job, precisamos conversar sobre algo muito importante e que estava esquecendo.
- Do que se trata Zinho.
- Estamos movimentando grande volume de dinheiro. Isto chama a atenção e muito.
Pensei numa solução, temos de adquirir uma casa de câmbio e com gente especializada. Teremos de montar um sistema de contabilidade, com contadores muito competentes, que possam dar origem ao dinheiro que transitamos.
- Pelo tempo que estou aqui, entendo o que quer dizer. Não poderemos continuar a esbanjar sem controle. O difícil vai ser mostrar uma origem.
- Job, acredito que pagando impostos poderemos ajeitar as coisas. Vou ter de encontrar pessoas que possam solucionar o problema. Tudo vai ser a peso de ouro.
- Você sabe que tem carta branca, faça tudo o que for possível para evitar especulações futuras.
- Vou visitar um conhecido e antigo amigo chamado Salim, ele conhece tudo sobre ouro.

Dois dias após, Taros já havia fechado quatro negócios, Tunis continuava a auxiliar o pessoal no edifício e Zinho, depois de explicar Zilda, também saiu de viagem. Foi para Santos.
Na cidade que conhecia palmo a palmo, dirigiu-se para o bairro onde residira. Passou perto da pensão e viu de longe Da. Antônia e Dora. Teve vontade de ir ao encontro delas, uma grande saudade lhe veio, mas se conteve. Continuou pela rua, parou o veículo nas proximidades da praça que tanto conhecia. Desceu e foi procurar Salim no costumeiro banco. Era noitinha e lá estava ele. Só que não reconheceu Zinho.
- Não se lembra de mim Salim?
- É a idade, não estou me recordando.
- Lembra-se das pepitas de ouro que trocava para mim?
- Zinho! Mas como está diferente, bem vestido, sem bigode.
- Pois é amigo, vim procurá-lo.
- Ih! Zinho, parei com o negócio. Tive problemas com o fisco e perdi quase tudo.
- Não Salim, não vim para trocar ouro, mas é sobre o assunto que preciso tomar umas informações. Pode me dispensar um pouco de seu tempo?
- Todo tempo que quiser. Não faço outra coisa a não ser ficar neste banco. Estou sozinho, minha esposa faleceu e meus filhos, cada um seguiu seu caminho.
- Então, se não se importa, poderemos ir para sua casa para podermos falar a vontade.
Na casa do antigo ourives, Zinho disse não poder fornecer detalhes, mas que conseguira grande fortuna, repetindo a afirmação que nada ilícito fizera. Depois pediu ajuda. Sabia que o velho faria tudo por dinheiro, assim se dispôs a pagar-lhe uma boa soma pelas informações e pelas intercessões que pudesse participar. Deixou claro ao homem que sua intenção era a de dirigir uma casa de compra e venda de ouro.
- Parece que você explora uma grande mina de ouro.
- Mais ou menos Salim. Se quiser poderá trabalhar comigo. Venho fazendo o trabalho de trocar pepitas para terceiros, o volume está ficando muito grande.
- Bem Zinho, se me garante que não vou ser decepcionado, preso ou coisa semelhante, diga-me quanto vou ganhar.
- É assim que se fala!
O que quiser, diga o quanto.
- Gostaria de recuperar o que perdi.
Garanto-lhe isto e muito mais. Para provar vou lhe dar um cheque.
Unindo palavra ao ato, Zinho retirou do bolso o talão e o preencheu com um bom valor.
Salim mal acreditava no que via, ali estava um valor que o retirava totalmente do sufoco em que estava vivendo. Pensou logo na loja penhorada, poderia acertas sua situação. Não pensou muito, pegou o cheque e o guardou, dizendo:
- Combinado, fique por aqui, amanhã vamos para S.Paulo falar com Straus, repassei muito ouro para ele.
No dia seguinte, já em companhia de Salim, antes de sair da cidade passou no seu banco, fez uma retirada e pediu tudo em notas de cem. Colocou-as num envelope, endereçou à mulher que considerava como mãe.
Voltou ao bairro e antes de chegar a antiga pensão parou, chamou um garoto, deu-lhe uma boa gorjeta e pediu para entregar a carta para a mulher. De longe ficou observando o menino, o viu entrar e sair já sem o envelope; depois, D. Antônia vir até a porta, olhar para todos os lados e finalmente entrar.
- Não entendi Zinho, porque não levou você mesmo?
- Gosto muito dela, me pediria muitas explicações que não poderia dar.
- Entendi.
Em seguida Luiz rumou para a grande Capital. Junto com Salim encontraram Straus, este se interessou diante do vultoso negócio. Sabia de tudo e de todos. Não era velho, como Zinho esperava, beirava quando muito quarenta anos.
Aquele homem meio calvo, magro, alto, era um expert no assunto. Telefonou, fez contatos e no prazo de dez dias tudo fora ajeitado. O dono de uma dessas casas estava em dificuldade, o ponto de comércio não era bom, coisa que não interessava para Zinho. Auxiliado por Salim, fecharam o negócio, mas no momento de apresentar documentos houve dificuldades, justamente com relação ao preenchimento de papéis. O valor em jogo, muito alto, requeria informações ao fisco. Straus que perceberia uma boa percentagem na transação não mediu esforços, conhecia contadores capazes de resolver o problema.
- Sr. Luiz, o melhor deles chama-se Antônio Sacha, tem um escritório aqui perto.
- Vou precisar montar um escritório, quem sabe ele possa coordenar esta parte.
- Com certeza, vai depender de sua oferta.
O contato com Sacha fora oportuno. Ainda novo, cabelos alourados e hábil conhecedor do assunto, logo apresentou soluções.
- Sacha, em nenhum momento pretendo burlar impostos, no entanto vou precisar acertar a situação de muitos dos meus clientes. Possuem recursos não declarados, ou melhor ouro em pepitas ou barras. Até agora, pessoalmente vinha fazendo a venda aqui e ali, resolvi então montar a própria loja. Você aceitaria organizar o escritório? Observou Zinho.
- Já que não há interesse em burlar o fisco, poderemos nos entender. Vou precisar de auxiliares.
- Terá liberdade de contratar tantos quanto achar necessário. Devo no entanto dizer-lhe, as pessoas a que me referi não possuem origem, também não deverão ser interpeladas, não conhecem nada de documentação.
Você e seu grupo ganharão mais que o suficiente. Poderá alugar boas acomodações provisoriamente, dentro de alguns meses serão instalados em prédio próprio.
Depois de muita conversação, Sacha fechou o compromisso, iniciando o trabalho para a transferência do estabelecimento.

Terminada a transação e acertado os rumos financeiros, Zinho que se instalara num hotel junto com Salim e estavam descansando, falou para o amigo:
- Agora tudo já está encaminhado, assim, amanhã vou dar-lhe uma procuração para que possa cuidar do resto. Depois, você me espera aqui, vou buscar ouro suficiente para pagar os compromissos que assumi. A seguir me ausentarei por uns dias.
- É muito ouro. Como vou guardar aqui, não tem cofre.
- É só não ficar preocupado e não deixá-lo exposto.
- Está bem Zinho. Pode confiar, farei tudo que estiver ao meu alcance.

Quando Luiz, após entregar o documento a Salim, finalmente voltou para o Centro de Treinamento, Zilda estava uma fera:
- Não deu notícia, me deixou aqui, porque fez isto? Disse, muito zangada, sequer correu para abraçá-lo.
- Se lhe telefonasse, poderia ter de responder perguntas que ainda devo evitar. Estava com um amigo que obviamente não conhece nada de minha vida. Acertei parte muito importante para a sobrevivência de vocês. Ainda vou ter de sair, só que voltarei hoje mesmo.
Zilda que desde que conhecera Zinho não o perdera de vista, sentia-se traída, mas acabou reconsiderando.
Acabaram se abraçando e a angústia que experimentara desapareceu. Zinho, depois de alguns momentos com a namorada foi procurar Job.
Explicou-lhe sobre a negociação e pediu o ouro. Colocou-o em pequenas caixas de madeira e levou para o hotel. Vendo que o volume era grande para o já velho Salim transportar, foram procurar Straus. Este acabou comprando-o através de uma de suas lojas.
Zinho estava preocupado, não podia perder tempo, no dia seguinte completaria o tempo que Gato combinara para entregar as identidades, disse então a Zilda, que ainda se mostrava ressentida:
- Meu bem, amanhã vou ter de me ausentar novamente.
Ela não esperou que terminasse de explicar:
- De novo Zinho!
- Vou buscar os papéis que permitirão transitarem por todos os lugares. Sem eles não poderão sair daqui.
- Que complicação é na Terra!

Deixando os problemas financeiros sob os cuidados de Salim, libertando-se de uma série de compromissos, Luiz foi novamente junto com Tunis buscar os documentos.
- Você é pontual Luiz! Disse Gato ao recebe-lo.
Zinho conferiu um por um, fez o pagamento e voltou.

Tunis estava livre, não via a hora de voltar para o sítio.
Naquele mesmo dia, Martinha e ele tomaram o caminho de casa. Chegaram de madrugada. Deixou a moça na casa dos pais e seguiu para a mansão.

Joana foi quem abriu a porta.
- Filha, são duas da manhã. Entre, quer que faça alguma coisa para você comer.
- Não mãe, estou cansada, vou dormir. Amanhã conversaremos.
- É, temos muito a conversar. Disse Joana, mostrando-se muito preocupada.
Martinha percebeu, mas estava tão exausta que apenas seguiu para seu quarto.
Quando amanheceu, Joana não quis acordar a filha. Junto com o marido, deixaram a moça e foram para o trabalho, como era de hábito. Durante a pequena caminhada, comentou:
- José, o que vamos fazer? Conversamos com eles?
- Claro Joana, deixe que falo. Quando Tunis acordar e Martinha também estiver, vou esclarecer isto.
O sol já ia alto quando Tunis levantou-se. Depois de se higienizar foi para a mesa. Vendo que Joana nem o cumprimentara, pensando que assim estava procedendo por causa da ausência da filha, disse:
- D. Joana, sei que está aborrecida conosco, mas nada aconteceu.
- Prometeram telefonar, nem isto, mas este não é o problema.
- O que é então?
- O Zé vem daqui a pouco, vou chamá-lo, ele explica.
Nisto, Martinha chega e nota o ambiente carregado.
- O que aconteceu mãe? Está com cara de poucos amigos.
- Espera e saberá.
Dito isto, saiu a procura do marido.
Martinha e Tunis, apreensivos, ficaram aguardando enquanto comiam.
Meia hora depois, Joana e José entram e pedem a eles voltarem para a mesa. Se assentam também e José começa:
- Preciso falar com você Tunis.
- Estou todo ouvidos, senhor José.
- Você, Taros, Job, e os outros, exceto Luiz são alienígenas, vieram do espaço.
- O que é isto senhor José?
- Estou afirmando, eu e Joana, temos certeza.
- Mas pai, é um absurdo.
- Filha, deixe seu pai falar, não adianta mais nos esconder, é melhor. Ainda lívida, a moça se calou.
- Bem seu José, é verdade. Vou lhes contar tudo, quem sabe entenderão.
Tunis contou-lhe tudo, nos mínimos detalhes, inclusive sobre a operação em processo.
- Não queria acreditar, a Joana me alertou muitas vezes, sempre a rebati, estava quase a levá-la para uma clínica. Demorou para que aceitasse a hipótese.
- Mas o senhor afirmou que sabia.
- Foi a forma que encontrei de apurar a verdade. Apostei na ingenuidade dos humanos. Agora filha, vai levar avante esta insensatez?
- Que insensatez pai?
- Casar-se com um ser diferente de nós! Não será um risco para nossos futuros netos?
- Amo Tunis, vou para onde ele for, não poderei suportar a vida sem ele.
- Já esperava isto. Que Deus nos ajude.
Quanto a você Tunis, não terei outra alternativa, teremos de aceitá-lo. Por nós não precisa se preocupar, nunca revelaremos o segredo. Auxiliaremos no que for possível.
- Então sogro, nos ajude na espera da mensagem!
- Você não tem jeito.
Agora o Manuel me paga! Vou judiar dele.
Faça-me uma coisa, combine com seus amigos para nada contarem a ele.
- Pode deixar, vou ajudar na brincadeira.
Joana abraçou a filha e o rapaz e José Antônio fez o mesmo. Tudo terminou em alegria.
- Podiam ter nos dito antes, saberíamos compreender. Comentou Joana.
Depois da demorada conversa, Tunis correu a ligar o rádio, depois, enquanto José ainda se encontrava na casa, chamou ele e Joana:
- Agora que sabem de tudo, nada impede de residirem aqui. A casa tem muitos quartos vagos.
Joana sabia que Zé Antônio não iria concordar, antecipando à resposta disse:
- Gostaria sim Tunis, seria muito mais fácil para mim.
- Joana, não convém. E nossos amigos?
- O que tem isto, não estamos amarrados neles.
Zé Antônio não gostou mas acabou concordando, no entanto perguntou:
- E as nossas coisas Joana?
- Deixe lá, de vez em quando vou dar uma olhada. Depois o Carlos do Quim está para casar, se Tunis não se importar, poderemos ceder a casa para ele.
Joana, que vivera anos de miséria, tornara-se interesseira e queria um pouco de conforto.
José Antônio não estava gostando dos modos da mulher, assim num momento de ausência da filha e do rapaz, disse:
- Joana, estou lhe estranhando. A casa não é nossa, não temos direito.
- Olha Zé, estou cansada de ser pobre. Porque não aproveitarmos esta chance? Você prestou atenção em tudo que Tunis nos contou?
- Claro.
- Não prestou não. Ouro para eles é igual ao ferro para nós. Mais tarde vou lhe mostrar o laboratório, aí você entenderá. Podem comprar quantas casas quiserem, iguais ou melhores que esta. Não fazem nenhuma questão das bananas, mantém o comércio para despistarem. Virmos morar aqui é o mínimo. Financeiramente nossa filha está abonada, terá luxo e conforto para o resto da vida.
- Você só está pensando em cifrão.
- Ora Zé! Não vou falar o que penso para não brigarmos.
Martinha retornou e com ar muito alegre:
- Mãe, Tunis quer dar uma volta. Disse para ficarem atentos ao rádio, mas para não se preocuparem, dificilmente haverá hoje algum comunicado.
- Pode ir Martinha, cuidado com o que fala.
- Ora mãe, agora a senhora está preocupada com isto?
Martinha e Tunis tomaram o veículo e no caminho:
- Que bom Tunis, foi ótimo meus pais ficarem sabendo.
- Se foi Martinha, não sei porque, mas estava muito difícil a situação.
- Isto é sinal de que não sabe mentir e que só fazia porque não havia outro jeito.
- É isto mesmo, sinto-me livre e tranqüilo. Quer queira ou não, meus amigos terão de aceitar. Alguns dias atrás, minha mãe me perguntou porque não havia contado para a sua. Disse gostar muito dela e que confiava. Quando souber vai ficar contente.

Finalmente a operação estava concluída, Zinho entregou a documentação a cada um dos maguianos, auxiliado por Zilda. Embora já tivesse feito, explicou detalhadamente o uso dos papéis.
Quinze dias mais e todo pessoal já se movimentava na cidade e procediam como qualquer brasileiro.
Taros já havia retornado para a busca dos documentos. Todas as residências estavam prontas para receber os maguianos.
Quando Job iniciou a distribuição de seu povo, dispensou Maria e Manoel e pediu a Zinho para levá-los à mansão. Nessa viagem Zilda o acompanhou, descobrindo um mundo novo e belíssimo. No entanto, o ex-motorista e a noiva ficaram apenas um dia, pois precisaram voltar.
Foi Joana quem acabou contando para a Maria a conversa com Tunis. Esta ficou contente e tiveram assuntos que não acabavam mais.
Manuel era o único inocente, estava no ponto que Zé Antônio queria.
Já no dia seguinte, não quis esperar mais. Chamou o amigo para ajudá-lo. Enquanto caminhavam, Zé Antônio iniciou:
- Manuel me conte um pouco sobre você. Disse que era de Goiânia, que trabalhava numa fábrica de laticínios e que se aposentou.
- É verdade José. Disse já preocupado.
- Quanto tempo trabalhou lá?
Sem ter recebido uma orientação, Manuel não sabia o que responder, arriscou:
- Um ano.
- Um ano! Como então você se aposentou? Sei que para isto são precisos trinta e cinco.
O velho quase caiu, tão desnorteado ficou.
- Bem Manuel, noutro momento você me conta como foi.
Sentiu um alívio, mas Zé Antônio não perdoou:
- E que jeito é lá? Que tem muitos índios.
- Índios! Nem sabia o que era.
Tem sim, são grandes e quadrados.
- Devia ter trazido um pedaço.
- Quando voltar lá eu trago.
Zé Antônio estava se divertindo, com muito custo segurava o riso, mas continuou:
- Mudando de assunto, sabe que está vindo do espaço pessoas de outro planeta? Todo mundo está sabendo.
- É?!! Estão sabendo? Mas como? Quero dizer. Nossa! E saiu correndo para o casarão.
Ainda, antes de entrar:
- Maria! Maria!
Apavorado entrou:
Maria! Maria!
A mulher logo veio:
- O que é Manuel? Acalme-se, diga-me o que está ocorrendo.
- Maria, todos já sabem! Todos já sabem! Estamos perdidos! Preciso avisar Job.
Apesar da tensão do homem, Maria deu uma risada.
- Você ainda ri?
- Todos daqui já sabem e vão nos ajudar.
José Antônio percebeu que havia exagerado, vendo o amigo sair correndo, foi atrás dele:
- Me desculpe Manuel, queria brincar um pouco com você, planejei passar o dia o colocando em situação difícil. Apenas Joana e eu sabemos, não esperava que reagiria assim. Me perdoa, abusei de sua amizade.
Manuel ainda não conseguia responder, mas entendera e aos poucos recuperou-se.
- E se fosse verdade? Disse finalmente.
- Nem quero pensar, respondeu Zé Antônio.
Seja como for, percebi que ainda precisa aprender muita coisa.
- Desde que chegamos, ele não procura aprender nada, não lê, não presta a atenção, tenho de ficar pajeando e cuidando para que não deixe escapar coisas. Se não fosse a Martinha no início e eu agora, por certo já nos teria denunciado. Foi bom o que fez Zé, assim ele aprende.
- É amigo, vou cuidar de você. Mostrar-lhe-ei o mundo, em breve entenderá tudo. Não vê sua mulher, ninguém desconfia, age igual a Joana.
- Vocês tem razão. Com muito custo acostumei a falar como os daqui, mas só isto. Para dizer a verdade tenho ficado muito ocioso, hábito que adquiri na Astronave.

Zilda que passara a não ter problemas para se locomover na grande Capital, se divertia ao lado de Luiz. Onde este ia, ela o acompanhava e até ficara conhecida no escritório da contabilidade.
Salim mostrava-se um ótimo administrador, cuidava de tudo como se fosse dele. Ainda vivia no hotel; interpelado por Zinho, se queria ter uma residência, disse preferir como estava. Ali possuía pessoas a sua volta e não se sentia só. Durante o dia ficava no estabelecimento adquirido e autorizava as transações. Manteve a equipe de trabalho e passou a gostar do que fazia.
Job guardava num dos apartamentos todo ouro que viera, com ele supria as necessidades. Chamando Taros, que já havia cumprido sua parte, convidando Marina, Tânia, Jakson e Demétrio. Dirigindo-se aos pilotos, observou:
- Uma primeira parte da missão está cumprida, agora vai haver a segunda, depois uma terceira e até uma quarta.
As famílias de vocês ficaram na astronave, o que de certa forma facilitará o trabalho que terão. Se juntarão a nós no resgate e preparação dos próximos. Portanto, continuarão neste prédio.
- É só nos dar ordem, faremos tudo para cumpri-la.
- Sei disto, aguardem por que em breve teremos de entrar em ação. Ainda nesta semana vou levá-los numa viagem de barco.
- Nós também? Perguntou Marina, falando pelas mulheres.
- Todos os que sobrarem e, pelo jeito será só nós.
- Não gostei de barco, para mim o melhor ainda é um automóvel. Argumentou Taros.
- E quem não sabe disto? Seu fim vai ser o de negociar veículos, tenho certeza.
- Tem razão Job, já pensei nisto. Se for feita alguma distribuição do ouro, é o que pretendo fazer.
- Claro Taros, pode ir pensando. Falando nisto você ouviu o Zinho, é preciso muito cuidado. Não será possível jogarmos no mercado todo ouro que temos. Será sempre necessário apresentar a origem.
- Nossa! Como vamos então fazer? Tudo veio da nave.
- Não é bem isto Tânia, mesmo para uma pessoa nascida aqui isto é difícil.
- Então como será resolvido?
- Zinho já providenciou. Montou um escritório onde pessoas competentes vão cuidar disto. A partir das escrituras de cada propriedade, serão estabelecidos inícios de declarações de renda, formatando-se patrimônios individuais.
- Não entendi nada.
- É simples, o ouro será distribuído, senão como jogá-lo no mercado? Para isto, cada valor será informado para o escritório e a quem pertence. No escritório farão o resto.
Taros abriu um largo sorriso, visualizando sua concessionária. Fora o que mais aprendera a lidar com as pessoas, até não se considerava um alienígena.
Isto era importante, Job por muitas vezes explicara nas reuniões de todo o grupo a necessidade de cada um fazer algum trabalho.
Antes das famílias partirem para os lares definitivos, entregou a cada uma um bom valor para iniciarem a vida. Alertando sobre a necessidade de analisarem trabalhos que pudessem executar.

Os dias corriam, não demorou para Tunis avisar sobre o segundo transportador.
Tudo se repetiu, sem incidentes. O cuidado foi extremo e a nova leva chegou.
Nessa vez, a mansão ficou vazia, até Joana e Zé Antônio participaram. Quando Job viu os dois na lida, chamou Tunis:
- O que significa isto? Você está louco?
- Não Job, desta vez não tive culpa. Eles descobriram.
- Então seja o que Deus quiser.
Zé Antônio fora de uma eficiência além do esperado. Sua participação ajudou muito. O problema esteve na lotação do ônibus.
Zinho também, quando viu os dois foi falar com Tunis.
Depois, para reafirmar, conversou com ambos.
Passado o período necessário, Tunis e Martinha, junto com os pais retornaram, antes porém, foram conversar com Job pedindo liberação da prainha.
Antes de chegar na casa grande, Tunis parou na casa de Quim. Quem o atendeu foi o próprio:
- Seu Quim, vim lhe avisar que a prainha está liberada.
- Num vô lá não seu Tuni.
- Lá não tem nada Quim, se não quiser ir, tudo bem. Mas, me faça um favor, avise o Carlos e peça para ele avisar os outros.
- Pode dexá seu Tuni, é só ele chegá.
Apesar de não mostrar interesse, Quim ficou contente. Vendo o carro e outras pessoas, se aproximou:
- Vamo entrá genti, tumá um café.
- Obrigado Quim, noutra hora. Respondeu Zé Antônio.
- Uce istão apertado, parece sardinha. Num foro murtado?
- Tivemos sorte, arrisquei um pouco. Respondeu Tunis.
De fato, seis pessoas num veículo era sufocante. Não viam a hora de sair, foi um alívio quando desceram.

A rotina voltou, um grupo maior que o anterior fora treinado e também distribuído.
Taros viajava cada vez para mais longe para adquirir as casas.
Zinho repetira o processo junto ao Gato. Este fez sua parte.
Estavam ainda descansando um pouco quando receberam o comunicado. Foi uma correria, não estava bem no tempo que calcularam, chegariam adiantado. A penúltima leva de maguianos entraria no oceano.
Job adicionara mais dois pilotos ao grupo de resgate. Contando com José Antônio e Joana, o trabalho foi mais tranqüilo.
Zulmira ao entrar no barco, passando as dificuldades naturais, reconheceu a filha:
- Zilka, minha filha! E as duas se abraçaram.
Zilda sentia-se muito feliz. Esquecera até dos outros.
Nessa terceira leva de invasores, nada de anormal ocorrera, a não ser que novamente os jornais noticiavam no dia seguinte a informação de testemunhas terem visto luzes naquela área do Atlântico.
Os comentários na TV foram mais acentuados, o que levou Job a reunir os encarregados da missão.
- Zinho, o que você acha?
- Temos de tomar cuidado Job. As autoridades são muito sigilosas quando se trata deste assunto. Investigam sem fazer alarde. Segundo se fala, recentemente capturaram Ets perto da região onde já morei.
- Então estamos correndo risco! Exclamou Taros.
- Não vou iludi-los. Há risco sim, mas mudar os planos nesta altura seria pior ainda. Quando chegaram na primeira vez, disseram que utilizaram um detetor de concentração humana. Assim, no último resgate a ser feito deverão utilizá-los. Sorte que o Micenas estará a bordo.
Outra coisa, os transportadores não vão poder ficar no fundo do mar. Vamos torcer para que dentro de um ou dois dias o local não esteja proibido para a navegação.
- Como saberemos? Perguntou Job.
- Pelo rádio e jornais. Dirão que a Marinha estará em exercícios na área. Se acontecer é provável que encontrem as naves.
- A situação parece crítica. Argumentou Maria.
- É D. Maria, até passar esta semana.
Se nada ocorrer, devemos tomar providências.
Ao percebermos que o assunto não foi avante precisamos retirar o que for possível delas e deixá-las prontas para decolarem.
- Levá-las para fora da Terra? Interrogou Tunis.
- Sim, elas não poderão ficar após a última chegada. É certeza que novas testemunhas ocorrerão, não acreditarão em coincidências e uma patrulha virá tão logo sairmos.
- Já entendi. Acho que sei como fazer. Logo que o transportador de Micenas descarregar os passageiros voltará. Imediatamente, os demais também sairão, inclusive a nave de reconhecimento. No espaço, os pilotos passarão para a nave menor, retornando para a Terra. Explicou Job.
- Esta é a solução. Poderei ser o piloto de nossa antiga nave. Depois que recolher os colegas colocarei o veículo em outra região marítima. Comentou Tunis.
- Mas encontraria dificuldades. Que saiba, não tem experiência, melhor será eu fazer isto.
- Você é quem sabe Job. Apenas quero ser útil.
- Então ajude Taros a dirigir o barco na ocasião. Por falar nisto, não deverão retornar para o local de hábito. Desembarcarão o pessoal num pequeno porto de alguma outra cidade. Ficarão lá até meu retorno com os demais.
- E o ônibus? Perguntou Taros.
- Você deverá levá-lo dias antes até lá e deixá-lo em algum estacionamento. Quanto à cidade, ainda vamos escolhe-la e acertar detalhes.
- Perfeito Job. Mesmo que vejam sinais no céu, quando chegarem nada encontrarão. O barco estará distante e, se nos perguntarem, nada vimos. Mas, e quanto a você e sua nave.
- Ao descer, se perceber aglomeração, desvio a rota, fico numa área distante, caminho submerso e chego até onde combinarmos. De qualquer forma vou estar no ônibus quando este sair.
Calados, José Antônio e Joana escutavam aquela conversa, este então confidenciou para a esposa:
- Quem diria, parece fita, nunca imaginaria estar presenciando uma conversa como esta.
- É Zé, só esfregando os olhos para saber se não estamos sonhando.
Tânia, notando a ausência de Zilda, perguntou a Zinho?
- Zilda não quis vir?
- Não, disse que queria ficar com a mãe.

Zulmira já havia se recuperado, mas ainda estava abobada diante da grandeza do novo ambiente, reclamando do ar.
- É assim mesmo mãe, depois a senhora não vai mais perceber a diferença.
- Tudo bem Zilda, o importante é que estou muito feliz de vê-la muito melhor do que antes. Seu pai quando chegar vai ficar alegre, não falávamos noutra coisa a não ser em você.
A conversa das duas não tinha fim. Principalmente de Zulmira que tudo queria saber.

No espaço o último transportador rumava para a terra.
A rota da grande astronave fora mudada, lenta, vazia, seguia para o centro galáctico. Nos grandes salões apenas as almas dos antepassados perambulavam.
Micenas era o único que sabia que o paraíso o esperava.
César não mais se sentia com o poder, também não o queria, em sua mente apenas saudades da esposa e da filha, não via o momento de encontrá-las.
Dias antes de abandonarem a Astronave, Micenas tivera uma idéia. Reativar os casais inférteis que haviam partido ou os que estavam com ele.
Junto com auxiliares, acionou o computador central pedindo o antídoto. Obviamente lhe negou, insistiu por todos os meios técnicos e nada obteve. Foi então que resolveu adicionar ao pedido a justificativa. A de que haviam encontrado o planeta ideal, que os últimos estavam para partir. A máquina fez a análise e constatou grande redução de vida interna, acreditou e forneceu o preparado químico.
Enquanto observa uma das janelas, pensava na sua feliz iniciativa. Os frascos para os homens e mulheres estavam muito bem guardados. Significavam proliferação da espécie e, no fundo uma ponta de orgulho, afinal, os maguianos eram vitoriosos, estariam conquistado um novo planeta.

No Centro de Treinamento, Tunis procurou Job.
- Job, o Zinho me disse que você trouxe a vacina.
- Está comigo. Não tenha pressa, agora está tumultuado. Há muita coisa para se fazer, preciso ler as instruções, a responsabilidade é minha. Você agüentou até agora, agüente um pouco mais. Só vou resolver isto no final. - Mas Job ...
- Tunis! Vamos aguardar! Também vou ter que ministrá-la em mim, em Taros, espere, não custa.
- Está bem! Quem falou não fala mais. E saiu irritado, mas logo retomou sua cordialidade.
Por ter ficado irritado, Tunis lembrou-se do incidente no bar com os amigos e voltou.
- Job, preciso conversar.
- De novo Tunis! Já não lhe disse!
- É sobre outro coisa, acho que é importante.
- Do que se trata?
- Quando vocês estavam na Astronave e eu fiquei no sítio, certo dia fui com meus amigos num bar... Contou para Job toda história.
Então, acho que temos um sentido aguçado, diferente dos terráqueos. Se algum deles, independente da ação, pensar em nos agredir, nosso cérebro age como um captador da mensagem, criando-nos antecipadamente uma espécie de visão do que vai acontecer. Pode ser que isto ocorra só comigo, mas se não for poderá haver muitos problemas.
- Até agora nada me ocorreu, isto é novidade, acredito que p'ra todos da nossa raça. Devemos prevenir nossa gente. Será que pode fazer isto Tunis. Todas as residências possuem telefone, avise um por um.
- Vou começar já.

A transferência total dos maguianos estava preste a se realizar.
Os que chegavam, depois de algum tempo, sequer queriam falar da vida que levavam. Era a redenção que não conheciam, nasciam realmente.
Zinho era um eterno vigilante, todos o respeitavam. Zilda aprendera com ele a monitorar problemas e ajudava os de seu povo a não caírem em erros. O trabalho era intenso, mas o grupo de apoio o cumpria fielmente.
Os dias passaram, nenhuma intervenção na área de pouso se registrara.
Tunis, Martinha e apenas Joana voltaram para o sítio para aguardarem a última descida.
Poucos dias se passaram, Tunis recebe a mensagem, reconhecendo a voz de Micenas. Através de código pede seja avisado os pilotos para permanecerem na nave.

O plano traçado não teve incidente.
As naves que dormiam na Terra foram acordadas para a última viagem.
No espaço, logo que saíram da influência gravitacional, os transportadores vazios foram direcionados para o sol. Job recolheu os pilotos e retornou. Deixou a nave de reconhecimento bem camuflada, embora próxima ao litoral.
O ônibus estava preste a sair quando chegaram no pequeno ancoradouro deserto.
O reencontro de César e Zulmira marcou instante de grande ternura, testemunhado pela filha que também se aconchegou aos pais.
A operação fora perfeita, também a previsão de que na última descida a área seria investigada.
O volume de luzes naquela região marítima fora intenso e muitas testemunhas comunicaram o fato às autoridades.
Não demorou para que a marinha entrasse em ação, obviamente sem resultado.
- Por sorte foram os últimos maguianos. Se houvesse mais uma viagem, não conseguiriam descer no local. Por bom tempo patrulharão as águas. Observou Zinho, dirigindo-se a Zilda.
- Ainda não entendo muito bem dos sistemas daqui, mas se meu pai ficasse preso na Astronave ou não pudesse descer, não sei o que faria. Gosto muito dele.
- Falando nele, você precisa cuidar para que aceite a nova condição. Agora ele deixou de ser chefe.
- Tenho certeza de que já pensou nisto. Mudando de assunto, amanhã vou fazer uma visita que não gosto. Vou buscar o restante dos documentos.
- Pensei que fosse levar a lista.
- Na última vez, deixei os nomes do restante. Já estavam comigo, julguei não haver razão para espera.

- - - - - - -

Apenas uma pequena nave ficou no lodo marinho. Os comentários sobre ovnis se dissiparam, como sempre. Os invasores se misturaram com os terrestres, aprenderam a esconder a identidade e se integraram com os humanos.

Tunis, Martinha e os pais ficaram no sítio, tomaram a poção e os filhos vieram sem as corcovas. A felicidade reinava no local. A mansão era muito grande, Maria e Joana passaram a repartir as tarefas e Manuel auxiliava José Antônio.
Job, após distribuir o ouro, vendo que todos estavam adaptados ao novo habitat, rumou para o Pantanal. Comprou fazenda e gado e se transformou num vaqueiro. De comum acordo com Tânia adotaram um belo menino, completando assim perfeita união familiar. Para eles o preparado para revitalização da fertilidade não funcionara.
Micenas estava feliz, auxiliado por Zinho, primeiramente conseguira ingressar como professor de história numa escola particular. Sua fama de profundo conhecedor da ciência se alastrou. Assim, mesmo considerado autodidata, acabou sendo convidado para lecionar numa faculdade.

Taros transformara-se num grande comerciante. Ora cuidava da imobiliária, ora da concessionária de veículos, e, sempre que podia estava pelas estradas. Marina e Paulinho participavam do trabalho e das diversões.
Zinho e Zilda formavam o par ideal, já estavam casados a cinco anos e viviam no mesmo prédio que fora destinado à preparação dos maguianos. Também ficaram lá os pais de Zilda, Micenas e Salim. No mesmo local passou a funcionar a casa de câmbio e um grande escritório. Quando os maguianos precisavam de dinheiro, traziam o ouro para a troca.
Conversando com o sogro, que acariciava as netas Lúcia e Magda, ouviu dele o seguinte:
- Sabe Zinho, gostaria de rever os amigos, saber como estão vivendo. Preciso apenas de um motorista que me leve até eles. Já falei com a Zulmira e ela está entusiasmada.
- No momento que quiser lhe arranjo uma pessoa confiável para levá-lo a todos os lugares. Melhor ainda, por que não fazermos uma festa aqui, convidando a todos?
- Tem razão Luiz, por mim acharia muito bom.
- Seu César, o Senhor vai viajar da mesma forma, levando os convites. Precisamos fazer uma confraternização.

O tempo passou, César e Zulmira foram de lugar em lugar. Aqueles que não foram visitados, receberam convite pelo telefone.
No dia marcado, os convidados chegaram, o prédio ficou lotado para a grande noitada.
O salão de conferências todo enfeitado, o conjunto musical distribuindo sons enlevavam os alegres maguianos que se divertiam a valer. Bebidas, salgadinhos não faltaram.
Lá pelas tantas, Zinho que saboreara todos os copos, sentou-se numa das poltronas. Não demorou muito e viu alguém lhe chamar para atender uma moça. Foi ao encontro dela. Logo de imediato estranhou sua vestimenta, parecia uma deusa, com belíssima capa metálica. Da cabeça aos pés pedras preciosas ofuscavam a vista, numa visão esplendorosa.
Acompanhou a bela jovem, que num certo momento lhe disse:
- Precisamos de sua ajuda.
- Mas quem precisa?
- Somos do planeta Krion, acompanhamos o que fez para ajudar os maguianos. Temos muito diamante, estamos na mesma situação deles.
Agitado e nervoso, Zinho não esperava por aquilo:
- NÃO!! Outra vez não!
Mas a moça não lhe dava atenção, segurando sua mão o puxava e puxava.
- Papai, acorde, venha! Enquanto o segurava pela mão e tentava locomove-lo da poltrona. Era Magda que tentava acordá-lo.
- É você filha?
Ainda bem, ainda bem!





Fim

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