segunda-feira, 1 de junho de 2009

Livro - Épsilon

Épsilon

O Planeta Destino


Armando De Oliveira Caldas
2002


O Planeta Destino


Dedico Este Livro


À Minha Esposa, aos
Meus Filhos e Netos.


Apresentação

Cada autor escolhe uma forma de expor suas idéias. Um livro pode ser e é o caminho ideal para evidenciar pensamentos.
A história que imaginei permitiu-me direcionar acontecimentos e fatos de uma fantasia. Homens e mulheres viajando pelo espaço, encontro de um novo mundo e a colonização.
Neste volume procuro construir meu “mundinho”, onde as coisas erradas de nossa terra são banidas. Esta é a vantagem de quem escreve.
Na ficção científica não há barreiras, tudo pode acontecer, até a união com habitantes de um longínquo planeta.
Também entender tudo como fruto do impossível não foi o caminho que tracei.
A viagem de uma estrela para outra ainda foge dos princípios técnicos existentes, mas um dia o homem encontrará soluções.
Quando criança, lembro-me de ter visto num volumoso livro chamado “Tesouro da Juventude” um desenho que mostrava um trem dirigindo-se para a lua. Abaixo a explicação: para se chegar até no astro aquela locomotiva levaria 477 anos.
Não muito tempo depois, em 1969, o homem pisava na lua após dois dias de viagem.
Somente com o descobrimento das Américas é que o homem começou a ter conhecimento da redondeza da terra. E isto se deu a pouco mais de quinhentos anos, tempo irrisório no calendário cósmico.
A evolução técnica é recente e até primitiva.
Somente em nossa via Láctea podem existir milhares ou milhões de planetas habitados por seres inteligentes. Tanto poderemos encontrar o primitivismo ou civilizações em estágios avançadíssimos. Esta é a realidade.
— Como realidade? Perguntariam-me.
— Porque é o lógico! Responderia.

Armando de Oliveira Caldas


Épsilon o Planeta Destino

O grande comboio que saiu da terra estava próximo a completar a travessia quando um gigantesco cometa atingiu as últimas naves.
Esta é a história de uma delas, a 353, na qual quase nada de anormal ocorrera durante os quinhentos anos no vazio sideral, não estava superlotada porque seguiram o controle de natalidade; a população era de quatro mil e quinhentas pessoas. Tiveram sorte em todo sentido apesar do tempo, a estrutura estava perfeita. O nível do conhecimento não regredira.

O comandante Sakura atento às ordens recebidas, ligara os propulsores para livrar-se do perigo que rapidamente se aproximava.
De repente tudo pareceu girar, objetos e pessoas foram puxados por uma força muito grande. Uma pressão que todos experimentaram. Um enorme susto que durou alguns minutos, mas nada alem disto.
Depois do descontrole por que passaram, Sakura e seus ajudantes voltaram para os painéis. Foi quando Samuel correndo até seu chefe comentou alarmado:
— Venha ver comandante, estamos numa velocidade incrível! Deve ter havido algum problema no mecanismo. Não é possível o registro que apresenta!
Sakura acompanhou apressado o rapaz. Verificou vários sistemas e disse:
— Não há nada de errado, estamos a setenta mil quilômetros por segundo. Desligue os propulsores, ordenou ao seu imediato.
— Ligamos em seguida os retro-propulsores?
O comandante, num breve reflexo, decidiu:
— Não! Apenas os propulsores.
— Mas comandante, esta nave não foi feita para agüentar tamanha velocidade.
Samuel ficou indignado, para ele logo o navio desmantelaria. Voltou a reclamar e Sakura na sua calma oriental explicou:
— Teríamos que acionar por muito tempo os retro-propulsores para reduzirmos a velocidade. Gastaríamos todo combustível e não teríamos nenhum no caso de chegarmos em algum sistema.
— Mas nós estamos em Alpha Centauri.
— Quem lhe disse? Você não viu a configuração espacial? Tudo mudou.
Ainda não defini a razão, mas se não me engano fomos vítimas de uma estocada de sinuca.
— Estocada de sinuca?
— Sim, só que por uma bola branca enorme, milhões e milhões de vezes maior que a nossa. Ao invés de sermos sugados pela força gravitacional dela, fomos jogados tão fortemente que entramos numa inércia com a velocidade que estamos. Mais ainda, sem rumo e novamente no vácuo total.
— Acredito que isto tenha ocorrido, mas não concordo em mantermos a velocidade criada. Se chocarmos com qualquer corpo celeste nada sobrará deste navio.
— Bem, por enquanto não vamos discutir, convoque toda equipe.
Na cidade, o povo saiu e começou a transitar. Homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e velhos. Liderados pelo prefeito foram até a ponte exigir explicações.
O sistema televisivo não estava funcionando e a maioria não sabia o que havia acontecido, somente que o cometa estava se aproximando.
Sakura não quis revelar de imediato suas suspeitas à população. Pediu ao prefeito e outras autoridades que fossem até ele e em particular, dirigindo-se ao chefe local observou:
— Delano, ainda não posso afirmar com segurança. Há muito trabalho a ser feito. Mas prepare-se para o pior.
Depois voltando-se para os demais:
Não posso ainda definir os rumos que devemos tomar.
Uns olharam para os outros sem nada entender. O Padre Sherman inquiriu:
— Então esclareça um pouco mais, nada estamos entendendo.
— É o seguinte Padre: estamos a deriva, numa distância incalculável das naves irmãs, sem qualquer possibilidade de contato. O cometa nos separou e nos jogou muito longe. Todos devem ter percebido a grande pressão que sofreram por alguns minutos.
— Mas isto foi hoje, mais precisamente a cerca de duas horas. Comentou Scaler, chefe da polícia.
— Acontece Scaler que o cometa provocou um impulso incrível em nossa cidade. Por causa disto estamos viajando a setenta mil quilômetros por segundo, faça a conta do que isto significa em duas horas.
Os membros da comissão branquearam, ficaram apavorados e saíram.


Os habitantes daquele pequeno mundo artificial não falavam em outra coisa. O choque pelo medo do que poderia vir a ocorrer mudou comportamentos. O edifício de atendimento hospitalar ficou repleto.
Embora o impacto, com o passar dos dias a rotina foi retornando. Nenhuma vítima registrada, apenas os serviços de comunicação entre naves foram suspensos. Mesmo assim, muitos procuravam notícias de pessoas ou parentes que nunca mais iriam ver.
Sakura teimava em não alterar a velocidade, ocorrera-lhe a idéia de que mantendo-a, logo alcançariam algum sistema.
Samuel, seu imediato, continuava a não concordar. Era jovem, com trinta anos e na escola conseguira as maiores notas. Entendia muito bem a posição de seu chefe mas pensava diferente, afinal aquele navio espacial nunca estivera tão vulnerável. A qualquer instante nada sobraria. Quanto mais demora em executar a manobra de freagem, maiores riscos haveria. Dentro desta linha, fez também a cabeça de alguns colegas.
O comandante percebia tudo e sabia que a qualquer momento o grupo se amotinaria e poria a perder aquela grande oportunidade, que não teria sido possível sequer imaginar.
Sua responsabilidade era extremamente grande e estava sozinho na decisão. O desentendimento chegara a um ponto que Sakura teve de apontar uma arma para Samuel afim de impedi-lo de alterar os controles. Não vendo saída despediu-o e proibiu-lhe acesso a ponte. Para a vaga, escolheu Joseph, o mais velho dos integrantes, que já estava na casa dos cinqüenta e a quem todos respeitava.
— Joseph, espero que cumpra minhas ordens e as façam ser cumpridas pelo restante da equipe.
— Claro Senhor. Este foi sempre o lema interno, não será eu quem o irá transgredir.
Samuel irritado com o que lhe acontecera, cada vez mais indignado com Sakura, não se conteve e passou a divulgar sua versão dos fatos e incitar a comunidade contra ele. Foi chamado na TV e passou tempo expondo detalhadamente sua posição. Obviamente a maior parte da população se colocou a seu favor e o comandante recebeu uma intimação para deixar a função. Porém antes de deixar a ponte e de entregar o cargo, pediu a oportunidade de explicar o que acontecia em todos os detalhes e se depois disto ainda quisessem que ele saísse, não faria nenhuma objeção, pelo contrário faria até questão disto.
No horário marcado, até as crianças ficaram ao redor da tela, inclusive lotara o salão de projeções.
Sakura começou falando dos ancestrais e do fim da Terra, do esforço de duas gerações na construção dos trezentos e sessenta grandes navios. Dos materiais utilizados para uma vida mínima de mil anos, única razão de tudo ainda funcionar como na antigüidade. Observou que a estrutura montada visava até a possibilidade de mudança de rumo caso o planeta de Alpha A fosse impróprio para os humanos. Quando chegou nesse ponto evidenciou sua opinião:
— Assim meus amigos, com a colisão com o cometa fomos arremessados para o vazio total, numa incrível velocidade. Nisto Samuel tem toda razão, tanto que a princípio meu pensamento fora expedir a ordem de recuo. Mas vejam, no mínimo levaríamos de quinze a vinte anos para voltarmos ao ritmo anterior, ou seja, de 3.000 kms/s. E o perigo não deixaria de existir, pois continuaríamos por dez anos ou mais dentro de uma velocidade anormal. Assim, se algo tiver de acontecer a desaceleração não impedirá qualquer impacto.
Dentro deste raciocínio, porque então não revertermos para nosso benefício à mudança criada?
Estamos a quase um quarto da velocidade da luz e centenas de anos estão sendo adicionados em nossa trajetória.
Bem, ainda não disse para onde estamos indo. Independente de qualquer mudança no rumo, este navio está na direção da estrela Épsilon da Constelação Eridane, é única, menor que o sol terreno ou Alpha A. Como perceberam, não é binária e embora as pesquisas registradas sejam poucas, é conhecida a existência de cinco planetas, sendo que o primeiro e o segundo das órbitas internas poderão ter condições de suportar a vida.
A estrela em questão possui luminosidade um quarto menor que a do Sol ou de Alpha A, mas a temperatura no planeta mais próximo chega a cinqüenta ou sessenta graus, fator que ainda tem de ser confirmado. No segundo planeta ela está em torno de dez a vinte graus. A Temperatura da estrela está em 4.800 graus para 6.000 de Alpha A.
Poderia mudar a direção para o sistema binário de SIRIUS mas conforme os estudos sobre a mesma, por sinal a mais pesquisada, houve lá a enorme catástrofe que resultou na extinção da Terra, portanto as condições para a vida são praticamente inexistentes.
Outras mais próximas também não possuem planetas em distâncias padrões para nosso sistema orgânico. A única com esta possibilidade, assim mesmo ainda mais distante é Tau Ceti que é habitada por seres inteligentes, os Ions que no passado nos visitaram.
Voltando ao nosso objetivo, tenho ainda a acrescentar as velocidades estelares de Épsilon, que viaja em nossa direção a 212 kms/s. Isto não significa muito, mas quando estivermos próximos garanto que terá de ser levado em conta.
Quanto a suportarmos a velocidade adquirida não vejo problemas. Durante quinhentos anos quase nada aconteceu do lado externo da nave. Sem qualquer atrito, em total inércia deslizamos pelo cosmos. Isto não quer dizer que não saiba que certa vez o comboio encontrou uma nuvem de meteoros e quase teve fim a viagem. Mesmo se encontrássemos pela frente outros sistemas, nada impedirá de desviarmos com antecedência. O problema real é o de encontrarmos meteoros, asteróides ou naves pela frente. Quanto a permanecermos no atual estágio, aparentemente nada estará ocorrendo interna ou externamente que possa parar a roda ou mudar nossa vida.
Não vou mentir, o risco de colidirmos existe e continuaria existindo mesmo que iniciássemos a desaceleração. Pelos cálculos que fiz, no mínimo dez anos seriam necessários para chegarmos à velocidade anterior e com isto nosso combustível se esgotaria, teríamos que manter os retros-propulsores acionados por tempo muito extenso.
Na velocidade em que estamos alcançaremos rapidamente Épsilon, em trinta ou quarenta anos. Na minha exclusiva opinião, somente quando estivermos bem próximo do sistema é que pretendo desacelerar.
Suponhamos que pelo bom senso de preservação suposto por Samuel, procedamos de imediato o processo. Para chegarmos ao mesmo lugar levaríamos mais de mil anos e será que agüentaríamos tanto tempo? Até lá os produtos em conservação permanente acabariam, a nave estaria muito velha e as novas gerações talvez viessem a perder a cultura pelas numerosas falhas que ocorreriam.
Mesmo no momento algumas coisas já começam a se escassear e cada vez mais é utilizada a produtividade agrícola própria. E se o controle vital, oxigênio, dia, noite, chuvas, etc.. começarem a dar problemas?
Honestamente, se não aproveitarmos esta oportunidade nossos descendentes nunca chegarão a lugar nenhum.
Bem, o que tinha a dizer já expliquei. Agora cabe a todos uma votação e a decisão final. O navio permanecerá como está até uma resposta. Se acharem que devo entregar o cargo, o farei sem qualquer reclamação. Vejam bem, não estou dizendo que não há risco, mas ele existe desde que nossos ancestrais deixaram a Terra.
Sherman representava todas as religiões, unificadas desde o princípio. Sua palavra naquele momento era de significativa importância. Assim nas reuniões para elevação espiritual passou a propalar o seguinte:
— Não podemos pensar somente no presente mas nas almas futuras. Temos que acreditar na mão de Deus e Ele está nos encaminhando para um mundo onde poderemos finalmente dar continuidade à nossa espécie. O comandante tem razão, age com boa intenção e devemos deixar que siga o caminho traçado.
O Prefeito, o Chefe de Polícia, o Juiz de Direito e várias outras autoridades, inclusive o Padre, se reuniram para uma tomada de posição e em unanimidade optaram pela manutenção de Sakura no comando. Faltava apenas a votação popular e esta se realizou dois dias depois.
Até no último instante Samuel, movido por sentimento pessoal procurou por todos os meios dissuadir as pessoas. Formou um grupo de adeptos de sua idéia, mas não adiantou, noventa por cento aprovaram a viagem na velocidade em que estava.

No apartamento de Samuel, Marlize sua esposa já não estava agüentando o marido. Desde que Sakura o havia ameaçado com a arma ele vivia falando em matá-lo.
A princípio achava que tudo o que dizia fosse coisa do momento e que o rapaz não seria capaz daquilo. Mas os dias foram passando e ele mal falava com ela. Quando alguém lhe dirigia a palavra dava respostas grosseiras.
Cinco meses depois a moça não suportou e exigiu o divórcio e ele ficou sozinho. Não possuíam filhos, pelo menos um fator melhor para a jovem, que sequer desejava aproximar-se dele.
Isto não foi suficiente para Samuel entender e se integrar socialmente. Não procurava nenhuma ocupação, não queria saber de outra coisa a não ser maldizer o comandante, nem ligou por ter ficado só.
Sakura sabia das intenções do ex-imediato mas sequer pensava no assunto, passava horas e horas analisando coordenadas no computador. Acompanhava segundo por segundo o desempenho do grande cruzador espacial.
Certo dia, na posição normal de seu trabalho, sentiu uma pontada aguda no coração e teve tempo apenas de chamar Joseph:
— Cuide de nosso plano, não deixe haver desvio do objetivo. Fechou os olhos e partiu.
Samuel saiu correndo, entrara furtivamente na ponte do comando e espetara um estilete em Sakura. Não tinha para onde fugir e foi preso.
A noticia se espalhou em minutos. A pequena cidade se enfureceu, seu povo queria o linchamento do criminoso. Muitos homens e mulheres se reuniram e quase quebraram a delegacia, cujo único detento era o jovem tresloucado.
O fato caiu como uma bomba para a população. Afinal, todos os nascimentos eram controlados geneticamente impedindo-se efeitos negativos do instinto. Porque então Samuel tivera um procedimento que contrariava a forma criadora dos humanos que compunham aquele pequeno mundo?
O acontecimento não deixava de vir ao encontro de uma das próprias prerrogativas da vítima. Nem tudo estava funcionando conforme o sistema instalado. Talvez as manipulações de remédios, equipamentos ou até o conhecimento já estivessem se deteriorando.
Todos conheciam Joseph e a ele foi dado o comando. A confiança nele era ilimitada, sua fama conhecida por todos. Assim, embora os sentimentos de perda, todos ficaram tranqüilos. Por sua vez, escolheu Jader como seu imediato, um dos mais eficazes auxiliares na ponte. Embora se diga, todos os que faziam parte do grupo sempre eram os de classificação escolar exemplar.
Os dois primeiros anos que se seguiram tiveram como principal acontecimento a condenação de Samuel. O castigo fora a prisão perpétua. O nome de Sakura ficaria na história entre as mais importantes personagens daquela nave.
Os anos foram passando e na rotina interna quase ninguém mais se lembrava da velocidade do lado de fora. Rapidamente o quadro estelar se modificava, os astros pareciam se abrir e outros apareciam. Eram analisadas e principalmente observadas as possibilidades de colisões.

Vinte anos na rota e até então não houvera qualquer alteração, uma verdadeira linha reta de onde foram atirados pelo cometa. Épsilon já brilhava com intensidade no visor central, estava chegando o momento da desaceleração.
Durante todo esse espaço de tempo a pequena sociedade não se comportou como nas gerações anteriores. Talvez por influência de ondas cósmicas desconhecidas, criadas devido à velocidade não programada. As pessoas entraram num processo de irritabilidade que gerou muitos conflitos, principalmente familiares. O trabalho policial passara a ser cada vez mais ostensivo. Quem sabe o primeiro a sofrer os efeitos fora Samuel. Basta dizer que não ficou sozinho na prisão, vários homens e mulheres tiveram de ser enclausurados. Por outro lado o navio vinha apresentando problemas cada vez mais complexos. Certo dia até a roda quase parou.
Os conflitos familiares foram registrados e os inúmeros problemas técnicos. De qualquer forma os terráqueos estavam chegando.
Joseph não comentara mas pelo seu conhecimento não partilhava da teoria de Sakura, ou seja, de que seriam necessários dez anos para se obter uma velocidade de 3.000 /s. Esperaria um pouco mais, pelo menos mais cinco anos. Assim, embora tenha sido pressionado, ele não efetuou qualquer mudança.
Passado o período, vendo que o momento era oportuno, compareceu na TV e avisou:
— Hoje se completa vinte e cinco anos em velocidade máxima, Épsilon já pode ser vista com detalhes no salão de projeções. Dentro de alguns minutos os retros serão acionados e assim ficaremos por cinco anos, metade do tempo anteriormente dado como certo. Quando parar, estaremos entrando no sistema da estrela.
Gostaria apenas de enfatizar que Sakura estava com a razão, apesar de estarmos a cerca de um quarto da velocidade da luz nada aconteceu na trajetória e acredito que nada de anormal também vai ocorrer até chegarmos. Estaremos em órbita planetária em oito anos. Neste tempo que nos resta seria oportuno um aprendizado geral de como viver na superfície.

Não demorou para que o assunto fosse motivo de conversa em toda localidade, abafando as querelas familiares.
As imagens antigas da terra voltaram a serem mostradas. Orientações em todos os sentidos passaram a ser transmitida por engenheiros e técnicos conhecedores profundos do tema.
No curso avançado de ciência o professor Jacobin, Diretor Geral do Ensino tomou como prioridade o funcionamento de sistemas planetários. Reuniu todas as classes e depois de explanar detalhadamente o que de certa forma sabiam completou:
— Vocês terão papel fundamental no auxílio à população. Teremos que trabalhar muito neste campo. Lembrem-se de que não poderemos utilizar nossas sondas, qualquer míssil disparado ficaria fora de controle e se dissolveria ao atingir um planeta. Por enquanto teremos que analisar apenas o que temos em nossos registros.
Para começar, Épsilon não era expressiva no firmamento terrestre. De qualquer forma recebeu por nome uma letra grega sem classificação numérica... E continuou por horas esclarecendo.


Quando ocorreu a separação da Federação das Naves as autoridades da 353, após confirmarem a impossibilidade de reagrupamento iniciaram contagem de tempo própria, reservando semanas e meses da mesma forma anterior. Assim, a data de desacelaração fora em 15 de janeiro de 25.
No dia 28 do mesmo mês o novo Prefeito Justus convocou as seguintes pessoas: Joseph, o comandante da ponte, Scaler o Chefe de Polícia, Sherman o Padre, Delano o Ex-prefeito, Jacobin Diretor de Ensino e Myriam Chefe do Serviço Social.
— Convoquei-os para esta reunião porque é muito importante criarmos uma Comissão Especial para a descida em Épsilon.
— Descida? Atalhou Joseph. Continuando:
Não é bem isto. Mudemos o nome para chegada em Épsilon. Somente quando estivermos orbitando o primeiro ou segundo planeta do sistema é que poderemos definir a descida ou não.
Durante todos estes anos venho pesquisando o sistema através do que temos. Apenas uma sonda esteve lá e há um fato que não foi comentado: conforme as imagens então obtidas o primeiro planeta, o mais próximo da estrela, é maior que a Terra. Possui atmosfera contendo oxigênio e gases análogos ao que respiramos. Existe água em quantidade limitada e ao que parece alguma forma de vida o habita. A temperatura deve chegar até sessenta graus. Completa sua órbita em um terço do tempo terrestre. Por isto deverão existir problemas climáticos complicados. Há indícios de vegetação e aparentemente apresenta possibilidade de vivermos na superfície.
— Mas se é grande a pressão sobre nós será insuportável. Atalhou Scaler.
— Não, isto é o que intriga. É até inferior à da Terra, com muita pouca diferença.
— Então poderemos habitá-lo. Comentou Sherman.
— Isto, como já disse, somente saberemos quando chegarmos. Respondeu Joseph, continuando:
Conforme as antigas análises, foi dado como impróprio. Quanto ao segundo planeta, os dados são quase inexistentes. Apenas que sua temperatura é baixa, devendo atingir um máximo no equador de dez graus.
— Então esse é o que nos será mais apropriado. Observou Myriam.
— Talvez não. Relativamente é do tamanho da Terra mas não há maiores informações. Mas baseando no primeiro, devemos entender que o fato de ser maior do que a Terra e apresentar condições quase semelhantes são possíveis deduzir que seu interior seja sólido e oco, o que justifica as condições. Assim, se o que está mais próximo da estrela é desta forma, o segundo também o seja, portanto sua massa será muito pequena.
No sistema solar até os satélites dos grandes planetas possuem vulcões, comparativamente, deveriam ser frios e secos por estarem distantes do Sol.
Como não temos condições de enviar sondas, somente quando estivermos lá é que poderemos definir a realidade, principalmente do primeiro que é o objetivo de nossa trajetória.
A reunião continuou por muitas horas. Joseph acabou por liderá-la e foi escolhido para coordenar todas as ações ligadas aos procedimentos dos habitantes em relação à possível chegada em um novo mundo. Suas orientações seriam aplicadas sem interferências.
Os setenta e cinco anos não lhe pesavam, parecia um jovem e não se fez de rogado, afinal sabia que sobre ele pesaria a responsabilidade sobre todos do Navio.
Encarregou Jacobin de estabelecer a ligação da ponte com o restante da cidade, mais ainda, que desse prioridade à ciência na pesquisa de medicamentos que pudessem aliviar os efeitos de irritabilidade generalizada da população. Neste particular o Diretor de Ensino falou:
— Desde que vimos notando tais anomalias, o Laboratório Central vem desenvolvendo estudos, mas na verdade não há muito por se fazer. Estamos numa velocidade totalmente inaceitável por nosso organismo, apenas estamos vivos devido à própria estrutura da Roda. Os passeios externos e até o uso da base pararam. Vimos ministrando atenuantes para os casos mais sérios, apenas paliativos. Como a nave já entrou no processo de redução, acredito que na medida em que a velocidade for diminuindo também o problema irá desaparecendo. Resumindo, esta ocorrência deverá ficar mais a nível social, isto é, poderá ser contornada com orientações psicológicas da Myriam, que também deverá formar sua equipe.
Embora pareça evidente a relação velocidade com o descontrole emocional, ainda não foi possível ser estabelecido um parâmetro seguro. Deve ser levado em consideração os comentários freqüentes em nossos meios de comunicação, levando todos a crerem na hipótese como coisa real.

Todos da comissão tomaram diretrizes para organizar a comunidade e conscientizá-la para a eventual chegada a um novo lar. Antigos equipamentos de simulação mental de vivência na superfície foram retirados e gradativamente homens, mulheres e crianças passaram a experimentar a sensação de existência num planeta. Aliado a isto, cumprindo sua parte na missão, Myriam passou a executar um programa contra o stress cósmico.
Tudo bem coordenado, os anos passaram e na data de 30 de março de 30, Joseph novamente compareceu na TV:
— Todos já devem estar observando o grande brilho da Épsilon na sala de projeções. Estamos chegando, como previra conseguimos alcança-la sem que nada atrapalhasse a trajetória. Mesmo assim, estamos na velocidade máxima estabelecida por nossos ancestrais. Vamos ter que reduzi-la muito mais tão logo entremos no sistema. Gastamos muito combustíveis, mas ainda temos o suficiente para viagens à superfície. Desde o “choque” não foi possível incursões externas, mas a partir de agora é necessário a formação de pilotos e treinamento nos vários tipos de transportadores, inclusive militares.
É o momento do Tenente Právida sair de seu descanso e arregaçar as mangas. Sei que nenhuma instrução sobre isto vem sendo feita até agora. Dentro de um ano estaremos orbitando Épsilon, nome da estrela que também dou ao planeta. Portanto, Právida, forme um bom grupo de soldados, não sabemos o que nos espera. Os antigos e todos os que se interessarem em participar das manobras e treinamento devem procurar o Tenente.
Právida, como todos os demais habitantes, estava em seu lar com a esposa e o filho Júlio. Teve um sobressalto, havia até esquecido de sua atividade. O rapaz, sé é que possa dizer já beirava os quarenta, se entusiasmou tanto que começou a rir de alegria.
— Meu filho, o que é isto?
— Ora pai, é a oportunidade que mais esperei durante toda a vida. Não vê que estava sufocado da mesma forma que todos os meus amigos e até Lígia. Estava desesperado, nada dizia porque não queria perturbar você e minha mãe. E o futuro de minha filha?
— Tem razão Júlio. O mesmo acontecia comigo, hoje mesmo vou para o gabinete e você vem comigo.
— Pai, não quero trabalhar no escritório. Quero voar, sair lá fora.
— Vai até cansar disto. Por ora será meu braço direito. Convide seus amigos vamos selecioná-los. Tenho certeza que teremos muito serviço. Vou precisar de auxiliares, a fila vai ser enorme e o trabalho também. Até os poucos que conhecem as máquinas terão que ser reciclados.
Foi um alvoroço nas pequenas ruas, principalmente dos jovens.
Retomaram-se as atividades esportivas e diversões na Base e as pessoas voltaram a se deliciar flutuando nos grandes compartimentos.
Na prisão Samuel aparentava chorar constantemente, passou a se alimentar muito pouco e a se mostrar arrependido do que havia feito. Dizia:
— Não entendo porque fiz aquilo. Não é possível que tenha tirado a vida do meu comandante.
Tal como numa pequena cidade, tudo que acontecia era motivo de comentários e este chegara ao ouvido de Myriam. Pessoalmente foi visitá-lo e compreendeu em sua opinião que fora o primeiro a ser afetado pela síndrome velvago (velocidade no vazio). Pediu a soltura dele junto a Justus, dizendo não acreditar em outro motivo que não fosse aquele e portanto não devia permanecer encarcerado.
A Psicóloga aproveitou para uma análise nos demais detentos, mas surpreendentemente não conseguiu enquadrá-los no mesmo motivo, contrariando o que pensava. Mesmo assim, certa ou errada, liberou outras duas pessoas presas. Confirmando-se mais uma falha no sistema de controle genético do que um afetamento cósmico.
Myriam tomou para si a responsabilidade de cuidar de Samuel mesmo percebendo haver em seu íntimo uma ponta de desconfiança.
Tão logo deixou a prisão ela o visitava quase que diariamente dando-lhe o suporte emocional de que precisava.

Nos mais de vinte anos da prisão de Samuel, Marlise se casara e um rapaz de 17 anos completava o casal. Ficou sabendo da soltura do ex-marido e se manteve indiferente, afinal era feliz e não queria que nada perturbasse a vida que levava.
Samuel pensava nela mas não foi procurá-la, outros planos tomavam sua cabeça. Por outro lado, estava interessado em Myriam. E esta, mesmo sem perceber sempre arranjava um motivo para visitá-lo.
Em sua casa, a Psicóloga começou a levantar suspeita dos pais e D. Antônia sua mãe lhe disse:
— Minha filha, você não acha que está exagerando na assistência ao assassino?
— Minha mãe, a senhora sabe que ele estava doente. Que precisa de minha ajuda.
— Mas não estou gostando disto, está me parecendo outra coisa. Cuidado para não se envolver.
D. Antônia tinha razão, Myriam deitava e levantava pensando em Samuel. Era um sentimento que ainda não havia experimentado apesar de seus quase trinta e cinco anos. Permanecera solteira, mas pensamentos de apego àquele homem a perturbavam, tentava desviá-los mas não conseguia.
Era uma bonita mulher, alta esguia e ágil. Respeitada na comunidade como uma líder. Muito procurada e sempre ajudava a solucionar problemas.
A mãe falou com o pai Juliano e este foi muito mais condescendente, dizendo-lhe:
— É a vida dela, deixe-a resolver seus problemas, vive conosco mas já poderia ter nos dado um neto ou uma neta. Ela sabe o que faz.
Ao que respondeu bastante raivosa:
— Não penso assim, não vou aceitar um assassino entre nós.
— Mas ela disse que estava namorando? Disse que vai se casar com ele?
— Não! Mas eu sei que isto não vai demorar!
Dali surgiu uma pequena discussão familiar, Juliano sempre defendendo a filha.
Samuel, com o apoio de Myriam já não ficava recluso em seu apartamento e ambos começaram a transitar pelas ruas. E disto, como era de se prever surgiu um romance e ambos se entregaram às fantasias do amor.

Enquanto isto ocorria, Joseph acompanhava os preparativos para o resto da jornada, chegava até a participar das atividades. Ora ajudava professores nas aulas ou se sentava ao lado dos pilotos em loucas investidas externas.
Era amigo de Samuel, apesar do ato que praticara. Conhecia bem a capacidade daquele homem, tanto que entrara no lugar dele. Seu imediato Jader apesar do alto grau de cultura dependia excessivamente do comandante e nada fazia sem uma palavra do chefe. Entre os demais auxiliares, Jânio e Marcos se destacavam mas ainda não estavam preparados para uma função mais elevada. Joseph então começou a pensar em convidar o antigo membro do grupo para auxiliar naquele momento.
Interpretava que o ex-imediato sofrera as conseqüências mais graves da síndrome velvago. A impressão era de que tão logo a velocidade retornara ao padrão ele despertara. Como isto nunca mais iria ocorrer, acreditava que nada o impediria de voltar ao trabalho.
Não vendo nada de anormal nisto acabou deixando escapar suas intenções. Os familiares de Sakura ficaram sabendo e imediatamente procuraram Justus e este foi falar com Joseph.
— Estou sabendo que você pretende readmitir Samuel, é bom que saiba que a família de Sakura e outros amigos vieram falar comigo pedindo que interviesse para evitar isto.
— Mas ainda nem o chamei. Não nego, falei em casa para minha esposa e ela deve ter comentado. Por ora até posso não chamá-lo, mas se vir a ser necessário vou utilizar dos poderes que me concederam. Ele conhece tudo sobre navegação sideral e poderá ser muito útil principalmente no momento de descermos no planeta.
— Bem Joseph, não podia deixar de vir. O irmão de Sakura, Tanaka é conselheiro na Prefeitura e não aceita.

No dia a dia na Roda os habitantes, lógico, não conheciam a vida num planeta. Mas aos poucos com os processos de simulação, passaram a sentir o efeito esquecido de clausura.
Regularmente os mais jovens se exercitavam para amenizar o íntimo, fazendo o percurso completo da via principal. Vinte e cinco quilômetros através da enorme tubulação. Contavam os minutos, se entusiasmaram tanto que nas rodas de amigos faziam planos para o futuro.
— Você já pensou, entrar na água, olhar para as distâncias, caminhar para todos os lados e nunca encontrar o fim. Falou Raquel para a companheira a seu lado.
— Venho sonhando com isto todas as noites. Porque será que não nos mostraram antes? Comentou Sabrina.
— Por certo acabaríamos enlouquecendo se soubéssemos e não tivéssemos real oportunidade de sairmos. Sabe que estão preparando vacinas para todos?
— Para que?
— Ora, dizem que nosso organismo não está pronto para vivermos na superfície e poderíamos ficar doentes ou morrer.
Enquanto conversavam, caminhavam pela extensa via. Isto já fazia parte do hábito dos moradores, que periodicamente se dispunham a contornar a Roda.
Haviam saído dos conjuntos residenciais e visualizavam o verde da agricultura, em breve chegariam na área dos animais, depois novamente o verde e por fim o aconchego das ruas e casas. Era um trajeto muito cansativo, mas que valia a pena pois faziam-nas sentir um pouco livres.
Sabrina namorava Marcos, um dos jovens integrantes da equipe de Joseph e Raquel o Jânio, colega do primeiro, o mais novo no grupo.
Os dois rapazes chegaram a ponte devido ao alto grau de conhecimentos cósmicos. Desde a infância mostraram aptidão por tais assuntos e conseguiram seus lugares por merecimento.
Ambos estavam sempre juntos, o assunto preferido deles ligava-se a curiosidade sobre o possível lar que encontrariam.
Um auxiliando o outro, acabaram chegando ao máximo do conhecimento, mas ainda queriam mais. Assim, sabendo a opinião de Joseph sobre Samuel, resolveram procurá-lo e certo dia foram visitar Samuel.
Samuel os recebeu muito bem.
— Viemos porque segundo Joseph, você tem o espaço na cabeça e poderá nos solucionar algumas dúvidas. Falou Marcos.
— Nem tanto, percebi que tudo nesta viagem sideral nos surpreende. Acontecem coisas que até hoje não entendo. Logicamente não deveríamos nem mais existir, portanto há muita coisa para aprendermos e que não estão nos registros.
— Nossa preocupação não é bem com a viagem, seja como for ela já está definida. Gostaríamos de nos inteirar sobre a vida na superfície. Atalhou Jânio.
— Bem, isto vocês estão tendo através das simulações mentais.
— Samuel, não é isto, tudo que temos são aspectos da vida na Terra e o planeta que nos dirigimos é diferente. Fizeram tudo baseado num planeta análogo que era o de Alpha e para onde vamos é bem diferente. Completou Jânio.
— Vejam bem, teremos que nos adaptar. Acredito que não vai ser fácil. O ano lá será de quatro meses, o dia será de quarenta e duas horas, razão provável da alta temperatura embora o “sol” seja considerado frio. Por sua vez isto oferecerá certa estabilidade nos ventos e possíveis chuvas. A proximidade com a estrela influenciará muito na vida, nas águas e em tudo que lá exista. Se descermos, talvez sobrevivamos mas as gerações futuras sofrerão modificações genéticas. A natureza, comparando com nosso lugar de origem, faz modificações nas espécies a fim de poderem sobreviver nas regiões mais inóspitas.
Samuel passou o resto daquela tarde expondo tudo que sabia. Os rapazes gostaram dele e disseram que iriam falar com Joseph, quem sabe o readmitiria.
Ficou contente quando eles tocaram no assunto, mas refletindo disse:
— Não me sentiria bem voltando, de qualquer forma estarei sempre pronto a dar minha contribuição.

Cada vez mais as pessoas procuravam o conforto espiritual e o Padre Sherman aliviava as tensões falando da mão de Deus sobre o destino.
Dentro da massa metálica havia segurança, pensava a maioria. Mesmo após as simulações, saírem dali significava entrarem no desconhecido. Vendo que a situação tendia para uma angústia generalizada, Sherman logo encontrou uma forma de amenizar:
— Chegaremos numa das inúmeras casas que Deus preparou para seus filhos. Tenho certeza de que saberá nos dar proteção.

Os dias foram passando e o Navio já lentamente entrara na órbita do último planeta. A estrela Épsilon ainda tênue já mostrava os contornos circulares. As sondas já haviam sido encaminhadas e as respostas analisadas. Confirmara-se que o segundo planeta embora pudesse reter vida era descartável. O primeiro estava conforme os registros terrenos, com uma novidade, fortes indícios de atividade não natural, tais como plantações em grandes áreas, mas sem mostra de cidades na superfície. Novas sondas foram lançadas para a confirmação de vida ativa.
O tempo continuou seu ritmo e a estrela foi aumentando até sua luz clarear totalmente a estrutura do navio. Viagens em transportadores começaram a ser freqüente e tais como turistas os habitantes passaram a ver o grande espetáculo.
Quando o planeta tomou conta do telão a comunidade quase entrou em pânico, não fosse a perícia de Myriam e de sua equipe.
Aos poucos a grande bola parecia uma parede repleta de estrias, com áreas azuladas nos pólos e cores amarelas e marrons no centro. As formações de nuvens também se concentravam nos pólos e sob elas áreas planas, montanhosas e água. Não fossem os pontos verdes que se dispunham no centro, poder-se-ia dizer que a maior parte do globo era desértico.
Joseph acabou chamando Samuel, que junto com Marcos e Jânio passaram a pesquisar o solo.
A nave estacionada em órbita permitia um trabalho de pesquisa completa. Podiam examinar até um pedregulho no solo. Assim, as varreduras foram sendo efetuadas até encontrarem grupos de humanóides que em fila entravam e desapareciam no interior da terra ou transitavam pelas estranhas plantações da quente superfície. Ampliaram e puderam ver que possuíam duas pernas, andavam eretos. Junto com os braços havia espécies de garras e as mãos eram compridas. Os pés terminavam como se fossem cascos. Cobriam o rosto com visíveis máscaras que atingia até o topo da cabeça, deixando livros a boca e o nariz. Também a nuca era desprotegida, mostrando uma área peluda, tal qual o cabelo humano. A proteção destinava-se para os olhos, sempre cobertos por dois visores grandes e escuros.
Acompanhando um outro grupo logo viram que entravam em veículos automotivos e penetravam a extensa área verde, artificialmente preparada. Colhiam grãos e os transportavam para as entranhas do planeta.
Toda equipe de Joseph observava a cena, inclusive ele, que então comentou:
— Vamos ter de ficar aqui em cima durante o ano de Épsilon (o planeta). Alem de ser habitado por uma raça diferente de nós, são inteligentes e já atingiram o estágio da mecânica e talvez muito mais. Por outro lado, parece que teremos uma vantagem. As máscaras indicam não poderem entrar em contato com a luz, a natureza deve tê-los moldado para viverem no subsolo, no escuro. Só aparecem na superfície para cuidarem do alimento, como se fossem formigas gigantes.
— É verdade, completou Samuel. Certa vez o Marcos e Jânio me perguntaram sobre isto e não pude definir, embora imaginasse a vida no interior do astro devido a proximidade com a estrela. Dias e noites longas oferecem radicais mudanças de temperatura e obrigam os seres a refugiarem-se em cavernas. Há um fato que também não compreendo, é a existência das grandes plantações numa região onde não deve chover nunca. Mas isto não importa agora, precisamos é localizar o melhor local para descermos.

Joseph não gostava de tomar atitudes precipitadas. Para quem o interpelava dizia para esperar ocorrer o ciclo de translação, somente depois disto é que se pronunciaria. Assim quatro meses depois é que considerou estar concluída a primeira etapa, ou seja a da chegada. A segunda e terceira seriam muito mais difíceis e dependiam de estudo conjuntos.
Joseph comunicou Justus e pediu a reunião do conselho. Pediu que convocasse todos os líderes comunitários. Observou que se faria acompanhar por Jader, Samuel, Marcos e Jânio.
Justus ficou preocupado, afinal Tanaka não poderia ser dispensado, era o responsável pelas finanças e coordenador do poder de ganho de cada membro da pequena cidade. Este por sua vez, quando soube que Samuel faria parte do grupo ameaçou de não ir:
— Não posso ficar sob o mesmo teto onde ele esteja.
— Compreenda Tanaka, Joseph por enquanto possui poderes para convocar quem ele queira, não pude intervir. Por outro lado, você não pode ficar preso ao passado, parece ter sido comprovado que não matou seu irmão por maldade mas devido à doença que contraiu.
O homem do dinheiro ouviu e disse que ia pensar.
Justus, continuando sua busca das pessoas que partilhavam na organização interna, chamou a Doutora Juneida da área médica, Macarius do setor agrícola, Lavínia da manutenção de equipamentos, Turibus e Slakes do controle de animais, Ramos do setor comercial, Justino do setor industrial e o tenente Právida.
Organizou o salão de recepção e o grupo anterior foi aumentado com a inclusão dos novos elementos, inclusive Tanaka, que muito a contragosto se incluiu entre eles. Depois de tomarem seus lugares ao redor de uma grande mesa, Joseph não perdeu tempo com apresentações ou outra faceta de etiqueta, foi logo dizendo:
— Pedi a Justos convocá-los porque a situação é delicada. Épsilon é habitado por seres diferentes fisicamente de nós, vivem no subsolo em verdadeiras cidades internas, enxergam no escuro, durante o dia saem ao ar livre utilizando-se de mascaras. Nas longas noites são mais numerosos na face externa.
Há perfeita possibilidade de vivermos na atmosfera, por sinal muito boa. Se escolhermos a área central nosso problema será o frio noturno e o calor excessivo.
Independente da ação dos donos, para nos estabelecermos na superfície teremos que descer a própria base, vivermos temporariamente dentro dela, até construirmos casas de forma a conterem frio e calor. Talvez esta tenha sido a razão dos “formigas” viverem da forma que vemos. As regiões mais propícias para nós são as polares, mas praticamente não teremos noites.
Quando ao outro planeta, resumindo nossas pesquisas, não há possibilidade. Também não temos condição nenhuma de alcançarmos qualquer outra estrela, nosso fim será aqui.
Turibus interrompeu e perguntou:
— E quanto aos nossos animais?
— Isto ficará a seu cargo. Como deve ter observado na TV, a pesquisa está sendo mostrada sem cortes. Existe uma fauna bastante interessante. São espécies grandes e pequenas, inclusive de aves. No meu ponto de vista, todos os animais deverão ser espalhados, ficarão por conta do destino, a menos que para eles também sejam construídos abrigos.
Bem, há muito que dizer, portanto peço me escutarem primeiro, depois debateremos o assunto, observou e continuou:
Temos portanto três etapas, a primeira será a de experiências. Nosso tenente deverá providenciar descidas ao solo para levar cobaias. Com isto analisaremos as diversas reações de nossos animais na superfície. Nestas experiências o setor médico deverá ficar atento e também o militar. Aconselho até a colocarem alguns deles na área verde para vermos o grau de defesa de nossos futuros vizinhos.
Novamente Turibus interrompe:
— Mas eles serão mortos, isto é uma atrocidade.
— Concordo, mas necessária para nossa sobrevivência. E continuou:
Oportunamente, talvez quanto já estivermos lá, deveremos introduzir o plantio de nossas sementes.
Seja visto que nos pólos não há acúmulos de geleiras, e embora a estrela brilhe por longo tempo, o clima poderá ser melhor para nós. Nem calor, nem frio. É o local onde se concentram lagos e também o verde natural.
Nessas áreas existem relativamente poucos “formigas”, diferentes dos que habitam o centro. Localizamos o que podemos chamar de aldeias, por sinal muito rudimentares. O interessante é que sobrevivem na superfície, dentro de florestas. Coincidentemente, para nós também deverá ser o local ideal, apenas devemos escolher um dos pólos.
— Pelo que tenho observado, a vida parece mais intensa no equador, devido aos espaços verdes artificiais. Devem ser alimentos que resistem a frio e calor intensos e que só podem ser cultivados em tais locais. Comentou Macarius.
— É isto Macarius, para eles, o que plantam deve ser a base da sobrevivência, mas não esqueçamos que possuem meios de transportes e de comunicação eletrônica ainda não decifrado por minha equipe.
Quem menos se esperava falar, pediu permissão e disse:
— Não vejo em que as finanças possam compartilhar das experiências! Disse Tanaka como num desabafo.
Tanaka, você está raciocinando com o coração e não está se inteirando da sua importância em tudo isto. Nem era para lhe dizer, mas vou explicar:
Vamos construir nosso mundo partindo de um sistema organizado onde o dinheiro conduzirá o progresso. Num futuro breve nossas residências estarão num mundo real e surgirá a primeira cidade, com o tempo nos expandiremos e outros núcleos se formarão. Supondo que tenhamos um bom relacionamento com os “formigas” provavelmente viremos a ter comércio com eles. Pelo menos um banco inicial para controle financeiro terá que ser criado.
Leia ou repasse os vídeos sobre os terrestres, veja como viviam. Uns mais ricos, outros mais pobres. Muito diferente de nosso atual sistema econômico. Resumindo, quero dizer que devemos nos preparar para uma vivência típica de nossos ancestrais na antiga Terra. Quem construir, plantar ou prestar outros serviços deverá ser remunerado. Sem controle financeiro, o mundo que nos espera morrerá antes de nascer.
Tanaka, refletiu e se encolheu na cadeira. Não havia pensado em nada daquilo, apenas na raiva por ver o assassino do irmão.
Ramos e Justino, que também iam interromper Joseph sentiram que as palavras dirigidas também lhes serviram, afinal seria necessário comercializar os produtos e também fabricá-los.
Mais alguma pergunta?
— Peço licença Joseph. Quero dizer algo que vem me sufocando:
Com toda a razão Tanaka me odeia, mas quero dizer-lhe que quando dei conta do que fizera, chorei muito porque Sakura era um ídolo para mim. Acreditem, não tive culpa, foi uma afetação cerebral cujo motivo só posso atribuir à brusca mudança da velocidade. Portanto peço que tente me desculpar.
Tanaka ia retrucar, mas Joseph o interrompeu:
— Não vamos prolongar assuntos pessoais, ainda temos muito que esclarecer e preciso da ajuda de todos.
Samuel conhece com profundidade todos os problemas associados à evolução planetária, é um perito no assunto. Será muito útil em nossa descida.
Mas continuando, temos de definir locais de pouso, experimentar o solo e encontrar o setor mais apropriado para descermos.
A terceira e última parte será a fixação em terra de todos nós e até possíveis lutas contra inimigos que criaremos.
Quando os antigos cientistas definiram pela construção das naves que deixariam a Terra fora definido que caso fosse encontrado vida ativa em Alpha A, a frota deveria seguir para outro sistema. Sem querer, acabamos fazendo justamente isto, embora nem saibamos sobre o fim daquela viagem.
Como já disse no começo, nenhuma possibilidade existe de procurarmos outra estrela, portanto, queiramos ou não, teremos de descer em Épsilon.
Importante estabelecermos o tempo que deveremos permanecer em órbita e detalharmos o que iremos fazer daqui para frente. Como percebem, muitas coisas deverão ser feitas antes de colocarmos a base lá em baixo.
Há outros detalhes que devem saber. Por exemplo, existem numerosos chaminés artificiais que afloram à superfície denotando atividade industrial.
Procuramos fazer a tomada de imagens internas, mas nosso sistema não conseguiu muita coisa, apenas visualizamos alguns caminhos. Na realidade, suas cidades devem ficar a centenas de metros abaixo da superfície, em lugares que para nós seriam escuros ou com muita pouca luminosidade. Também detectamos muita água subterrânea.
Concluindo, nem tudo poderei solucionar, conheço navegação cósmica. Minha função real será a de chegar ao nosso destino e depois Justus se encarregará do resto.
Embora tenha levantado situações, o estudo de cada setor e de todas as funções da sociedade deverão ficar a cargo de vocês. Já falei muito, agora apenas passarei a ouvi-los.
O Padre Sherman que estava atento ao comentário de Joseph aproveitou a oportunidade:
— Deixando um pouco de lado a religião e partindo para o aspecto humanístico, percebi que os donos do planeta apesar de possuírem alguma tecnologia estão muito longe da nossa capacidade. Seria importante começarmos a estabelecer regras para nossa sobrevivência sem nos esquecermos que eles também lutam pelo mesmo motivo. Não existe qualquer atividade aérea por parte deles, mas provavelmente nos atacarão com suas armas.
— Acredita nisto Padre? Perguntou Právida.
— Sim, leia a história dos terrestres e se surpreenderá. As batalhas eram de humanos contra humanos. Depois que nos estabelecermos e o tempo passar, nossa tecnologia atual desaparecerá, a população aumentará rapidamente pois não haverá controle nos nascimentos, tão pouco o acompanhamento genético que ainda temos. Estaremos livres na superfície e peço a Deus para que não queiramos exterminar os povos de lá. Nosso caminho a todo custo deverá ser o de convivermos em paz com eles, para isto temos de decifrar seus tipos de comunicações.
Dentro da nave nossa longevidade ainda é mantida em torno de cento e trinta anos, mas haverá mudanças radicais e acredito que no futuro a tendência será uma queda grande nesse índice.
Joseph então comentou:
— Quer dizer Padre que eu já estaria com o “pé na cova” se viesse a nascer dentro de uns cem anos?
— Isto mesmo Joseph. Nossa ciência regredirá e nossos organismos poderão ser afetados por uma infinidade de germens. Conversei sobre isto com o Jacobin e ele tem a mesma opinião.
— Então a solução seria ficarmos aqui em cima.
— Claro que não. O que disse não é uma afirmação, apenas uma hipótese. Depois, não foi meu intuito apoiar uma permanência aqui dentro, principalmente porque penso que isto contrariaria a força divina que nos conduziu para este mundo.
Mudando o assunto, Joseph voltou a falar:
— O padre mencionou sobre tipos de comunicações dos “formigas”. Neste particular, vimos captando ondas de rádio. Músicas e vozes, indicando possuírem transmissores elétricos.
— Estou de pleno acordo com Sherman, interferiu Myriam. Continuando:
Embora sejam diferentes de nós, são organizados e devem formar inúmeros tipos de sociedades. Deverão existir milhões e milhões deles. Além do aspecto humanístico, todo cuidado será pouco. Claro que poderemos destruí-los com nossas armas, o que seria terrível e viria enojar nossos descendentes.
Mesmo que as utilizássemos apenas para afastá-los, no futuro nos destruiriam. Comparativamente somos irrisórios em termo de quantidade. Para mim é a mais importante das decisões que deveremos tomar.
— Mas não sabemos quantos existem. Argumentou Právida.
— É simples, basta observarmos a quantidade de áreas plantadas na região central. Completou Samuel.

A reunião durou todo o dia e acabou servindo de suporte para as atividades que se iniciariam.
Foi o que aconteceu. Právida convocou voluntários entre os soldados que estava formando. O primeiro a se prontificar foi Oshiro, filho de Tanaka. Muito curioso, sempre querendo saber o que havia lá em baixo, não mediu esforços para se tornar um bom piloto, embora sua idade fosse de apenas vinte e dois anos. Salermo fora o próximo, era experiente e veterano em viagens anteriores, embora com mais de quarenta mostrava grande vigor físico. Rick também jovem, era impetuoso e gostava de se mostrar o melhor.
Embora outros também houvessem se apresentado, Právida preferiu os três primeiros. Entregou a Salermo o comando da primeira missão ao planeta e disse:
— Todo cuidado será pouco. Levarão alguns animais, descerão do transportador, soltarão as espécies e com muito cuidado, um de vocês deverá tirar o escafandro. Se o sorteado nada sentir os demais deverão fazer o mesmo. Se perceberem algum tipo de ataque, nada façam, apenas corram para a nave e retornem. Não deverão fazer uso das armas. Entenderam bem?
Como já disse não devem responder a qualquer ato agressivo. Procurem guardar na memória tudo que sentirem ou ouvirem, quero um relatório completo. Registrem tudo em filmes. O local e procedimentos estão definidos no plano de vôo. Sairão amanhã às 6,00 horas.
No dia seguinte, na hora marcada os três deslocaram o transportador e se dirigiram para a área central daquele paredão que se formava diante de seus olhares. Aos poucos linhas divisórias denunciavam áreas verdes e amareladas e a medida que se aproximavam colinas e algumas elevações ficavam cada vez mais visíveis. Nos mostradores o indicador da temperatura externa marcava quarenta e oito graus, o “sol” castigava toda área. A descida durou menos de uma hora de viagem. Os propulsores foram ligados e o objeto desceu suavemente entre as estranhas árvores plantadas em retíssimas linhas e intercaladas com precisão.
Rick foi o primeiro a desvencilhar-se das amarras, dizendo:
— Não será preciso sorteio, eu tirarei o equipamento. Veja os indicadores, é ar puro e isto não nos fará mal.
Mal a escotilha se abriu, desceu dois degraus e pulou para o solo dizendo:
Não fiquem aí, é muito quente mas dá para agüentar.
Oshiro e Salermo fizeram o mesmo e experimentaram o calor de Épsilon. Retiraram os animais e os soltaram no meio da plantação.
Oshiro, acompanhado de Rick, após a execução da ordem, queriam conhecer um pouco mais do local. Salermo, cuidadoso ficou no Aparelho pronto para partir e os advertiu:
— Espero apenas quinze minutos, depois subo.
Os rapazes, ávidos em conhecerem um pouco mais onde estavam, caminharam por aquela cultura. Por cinco minutos ou pouco mais não haviam visto qualquer ser. Filmavam e gravavam todos os ruídos. Não tardou o aparecimento de um grupo de formigas mascarados, cujo modo de se aproximarem denotava medo mas seguravam armas.
Oshiro e Rick não esperaram, retornaram correndo para a nave.
— Ora, ora, vocês ainda têm cinco minutos! O que aconteceu?
— Vamos embora Salermo. Eles estão vindo para cá, com as máscaras parecem até robôs.
— Gravaram tudo, não perderam as máquinas?
— Não, está tudo aqui.
O transportador decolou e voltou para o Navio.
Quando chegaram foram submetidos a exames médicos nada se constatando de anormal. Apenas pequenas erupções na pele exposta ao calor, nada que merece cuidado.
Na central de processamento, todo grupo da comissão estava presente e acompanhara a pequena ação dos pilotos.
Todos os animais que foram colocados em solo, levavam ships de comunicação para monitoramento.

Na sala de processamento e acompanhamento a visão do local tornara-se monótona. Os animais continuavam de um lado para outro, mostrando-se extenuados. As aves procuravam as arvores e nada mais ocorria. A temperatura deles aumentava e todos procuravam abrigo. Piavam, uivavam e berravam, logicamente reclamando do ambiente. No entanto o tempo passava e permaneciam vivos.
Um a um dos convidados foram se retirando, até mesmo os mais interessados Turibus e Slakes.
Somente permaneciam atentos os operadores.
A noite no planeta chegou e a situação mudou.
Logo no que seria o entardecer, grupos dos formigas dirigiram-se para a área, com máquinas e diversos equipamentos. Foi quando Jader chamou Joseph:
— Venha ver, eles estão cercando os animais.
Veja! Estão imobilizando-os com redes.
Agora os colocam em “caminhões”.
— Não esperava isto. Achava que iam exterminá-los, mas não perdem nem os pássaros.
Passado alguns minutos, observando as cenas que se seguiam, continuou:
Agora os levam para o interior da terra. Provavelmente irão estudá-los.
Não estamos lidando com primitivos, nosso cuidado terá que ser muito maior.
Duas horas depois, as cenas continuavam.
Os “formigas” foram aumentando em grande número, organizados e com peças semelhantes as de artilharia. Em pouco tempo montaram aparelhagens que assemelhavam-se a telescópios e vasculhavam de horizonte a horizonte.
Cercaram toda área verde e as demais; um verdadeiro exército com milhares de soldados, cada um portando claramente armas de aparências bem modernas.
Quando novamente o sol apareceu os soldados se retiraram, mas grupos com vestimentas especiais permaneceram de sentinela.

A notícia espalhou-se como uma bomba na pequena localidade. O medo e a irritação misturavam-se e nem bem havia começado o processo para descida no planeta.
Myriam assumira o namoro com Samuel e ambos sempre estavam juntos. Quando os astronautas voltaram e relataram sobre o que viram, o comentário sobre o fato tornara-se comum entre as pessoas e naquele dia o casal após colóquios amorosos entraram numa polêmica sobre o fato.
Foi Myriam quem começou:
— Samuel o que você pensa sobre nossa ida para lá?
— É difícil ainda comentar, mas que pode haver guerra isto tenho certeza.
— Haverá se não soubermos contornar os obstáculos. Veja que não mataram os animais, observou Myriam.
— Até nós faríamos isto, quer oportunidade melhor para alienígenas serem estudados. Portanto, podem estar até se preparando através de nossas cobaias.
— E os ships que foram colocados, todos deixaram de funcionar, provavelmente os retiraram e quem sabe estão examinando nossa tecnologia.
E a conversa se prolongou por horas, com a psicóloga tentando imprimir espírito humanístico nas atitudes dos “formigas”. Não entravam num acordo, por fim pararam com o assunto e Samuel o mudou:
— E a D. Antônia, já consente em nosso namoro?
— Minha mãe é turrona, quando põe uma coisa na cabeça não há quem a faça recuar. Pouco estamos conversando, mas ela não é ruim, dê tempo ao tempo. O que importa são as decisões que tomo e não o que ela pensa.
— Veja bem Myriam, quero casar-me com você.
— Eu sei Samuel, mas espere um pouco, temos muitas coisas a fazer no momento. Gostaria que a cerimônia fosse realizada no planeta e tenho certeza que isto não vai demorar.
Myriam não se enganara, nas reuniões dos membros da Comissão Épsilon, como passou a ser chamada, eram freqüentes as opções para uma descida imediata. No entanto, os mais cautelosos optavam por novas experiências visando um conhecimento bem definido dos nativos.
Entre seus membros, oportuno mencionar que Jader, apesar de estar sempre atrelado aos conceitos de Joseph foi quem apresentou uma das possíveis soluções. Como os encontros se sucediam e o resultado sempre era o mesmo, ele resolveu dar sua opinião. Assim, cansado de ver a falta de definição, disse:
— Dia ou noite, sempre que possível, estou frente ao visor, verificando cada detalhe da superfície, já possuo um volume de registros muito grande.
Tenho observado que nos pólos é muito pequena a presença deles e existe grande quantidade de água. A vegetação é natural e densa. A temperatura é agradável, com um único problema, a quase inexistência de noites.
Por outro lado, os “formigas” que vivem na superfície não devem ultrapassar a trezentos mil, quantidade que acredito muito pequena em relação aos que devem viver no interior do planeta.
Poderíamos tomar um dos círculos polares, mesmo que viéssemos a ter que lutar para isto. Temos direito à sobrevivência. Será o melhor lugar para descermos. Captei algumas nevadas, mas pouco acúmulo fixo de gelo, exceto em pequenas áreas.
Posso estar errado, mas já faz meses que vimos nos reunindo e nunca chegamos a nada. Se formos primeiro decifrar o idioma deles, tentarmos acordo ou alguma forma pacífica para no final seguirmos para lá, o mais provável é que tudo fracasse. Tenho certeza de que não vamos destruí-los, mas os atritos, esperando maior tempo ou não, irão acontecer do mesmo jeito.
Joseph se surpreendeu com seu imediato, honestamente não esperava que ele influísse tanto nas conversações que se seguiram.
Não que aquilo que dissera não fosse do conhecimento de todos, mas faltava uma afirmação, um empurrão. Por absurdo que pareça até o Padre aprovou ações imediatas e a ida breve dos terráqueos.


Právida entrou em ação imediata. Intensificou as descidas de astronautas e de animais na região prevista para o desembarque e não tiveram problemas.
Oshiro e Rick sempre procuravam estar presente em todas as tarefas e numa das últimas ficaram um mês terrestre no local onde o “sol” não se punha e onde o verde se alastrava na forma de relva e árvores.
Viram formas de vida animal e vegetal e raramente avistaram nativos. Quando ocorria, afastavam-se deles, aparentemente temerosos, desapareciam.
Não havia mais o que fazer. Justus convocou todos os técnicos e junto com Joseph analisaram o risco de levar a gigantesca armação metálica para o solo. Era quase uma prancha se comparada com a largura e comprimento e um descuido que houvesse poderia se partir. Caso houvesse falha e ela viesse a cair como um asteróide poderia ser o fim daquele mundo. Muitos cálculos foram efetuados e o resultado favorável, mesmo considerando o fabuloso gasto de combustível. No final a decisão foi tomada, significava proteção total e valia a pena baixá-la para a nova Terra.

Todo tipo de equipamento indispensável que estava na Roda foi levado para a Base. As famílias escolheram os locais onde ficariam e colocaram lá tudo que desejavam manter.
O medo existia, alguns não queriam partir mas a opção de ficar não foi permitida. A roda dependia da base para operar normalmente e oferecer condições adequadas para a subsistência. Quando fosse solta, permaneceria numa órbita que permitisse um afastamento lentíssimo do planeta. Por longo tempo teriam com isto uma estação, que numa emergência serviria de apoio em caso de guerra ou para outras informações.
Toda população fora treinada e recebera todos os tipos de vacinas possíveis.
No dia 28 de março de 34 o grandioso bloco desligou-se da Roda.

Nem agricultura, nem escola, nem ruas iluminadas, nada mais existia, apenas o grande invólucro metálico onde muitos flutuavam pela ausência de gravidade.
Dirigida por Joseph, penetrou na atmosfera e fachos de fogo apareceram com o atrito. Os grandes retros foram acionados e o enorme peso foi depositando-se no novo mundo, cobrindo uma área de mais de vinte quilômetros quadrados de onde nunca mais sairia.
Maior que uma montanha, um quilômetro de altura dentro do qual milhares e milhares de compartimentos se sobrepunham até chegar aos andares destinados a guarda em conservação permanente de alimentos e de máquinas. Depois e finalmente o último, destinado ao setor militar.

O barulho que o majestoso bloco provocara, deve ter representado um terremoto para os “formigas”. O receio do comandante de que a Base afundasse ou quebrasse fora desfeito, ficou nivelada com a terra esburacada e queimada pelo fogo dos retro-propulsores, mas só estes penetraram fundo a massa rochosa.
Depois do impacto com natureza desconhecida, a adaptação seria o próximo passo.
Logo que o ar se purificou, todos queriam colocar os pés no planeta, sentir a sensação de estarem pisando terra.
Quando os grandes portões se abriram, felizes e angustiados olhavam para o horizonte longínquo, onde recortes de colinas e matas cortavam a linha de visão. O céu e solo pareciam estar em duas camadas, totalmente diferentes da paisagem habitual na Roda. Muitos sentiram náuseas e voltaram.
A admiração era uma constante e quando voltavam surpreendiam-se com a própria estrutura externa da Base que os trouxeram, parecia uma enorme fortaleza.
Vários dias depois, as famílias começaram a sentirem-se seguras, os nativos não foram visto. Por certo ficaram perplexos diante da repentina mudança no panorama, dos terremotos e da onda poeirenta que cobrira parte do planeta.
Pareciam sós num vasto chão de ar puro e temperatura que não ultrapassava os vinte graus.
Dentro da estrutura foram organizadas as acomodações para os habitantes e distribuídos os compartimentos para órgãos públicos, numa continuidade do sistema existente na Roda.
Com espaços muito maiores, ventilados através da abertura das válvulas e iluminados o conforto se completara.
O invólucro metálico da monstruosa armação era impenetrável diante de qualquer tipo de ataque dos “formigas”, portanto, não havia razão para ficarem no espaço.

A história do desembarque terminaria, mas não foi isto que aconteceu.
O barulho, o tremor que se fez sentir levaram os nativos que viviam nas entranhas do planeta a procurarem a causa e descobrirem que alienígenas haviam chegado. Para eles não deixava de ser uma invasão e feria o mundo dos “formigas”.
Temerosos diante da coisa que vinha do alto, os exércitos ficaram em prontidão e patrulhas começaram a observar a distância o enorme e estranho objeto. Inteligentes, nada fizeram de imediato e os humanos começaram a sair da casca de proteção.
A Comissão Épsilon estava mais ativa do que nunca, as reuniões eram diárias e as decisões começaram a serem tomadas. Justus passou a chefiar e a distribuir todos os tipos de funções. Sua atitude cuidadosa era a principal característica que o mantinha na posição. Por sua vez, não tornara-se autoritário, acatava com sabedoria soluções sempre votadas. O pequeno grupo passou a contar com mais duas dezenas de integrantes.
Na última reunião os projetos de colonização seriam iniciados. Macários, Turibus, Slakes e Právida executariam as primeiras atividades.
Macários organizou seu pelotão chamando todos os agricultores, mandou retirar máquinas que nunca haviam sido utilizadas, como tratores com arados e vários outros utensílios. Saíram para campo aberto até encontrarem locais propícios para plantios.
Enquanto isto, Právida organizou um cerco de proteção para os lavradores com veículos militares e grupos armados de fuzis e lanternas fortíssimas.
Embora não tivessem registrado a presença dos “formigas”, dias depois do início dos trabalhos, os nativos foram vistos. Os terrestres continuaram como se nada tivesse acontecendo e eles foram se aproximando cada vez mais, e os primeiros disparos partiram deles.
Embora os soldados estivessem atentos, aquele ato não deixou de surpreendê-los, mais ainda por estarem utilizando balas e armas parecidas com as dos humanos antigos. Pólvora ou qualquer outra substância provocavam os mesmos estampidos.
Imediatamente Právida passou para o revide com armas laser e alguns dos atacantes caíram mortos, outros que se aproximaram mais receberam fachos de luz. Não demorou em se debandarem, mas dois soldados foram as primeiras vítimas terrestres. Enquanto fugiam o tenente mandou seus homens levarem feridos ou mortos nativos para o hospital da fortaleza. Assim, dez formigas foram encaminhados em macas para o interior da Base.
O doutor Gilson chefe do setor de medicina mandou retirar as máscaras deles e depositá-los no salão de cirurgia.
Myriam que acompanhava os procedimentos percebeu o erro e interveio:
— Vocês não estão lidando com terrestres. Não podem ficar expostos à luz direta como está ocorrendo, cubram seus rostos ou recoloquem as máscaras.
Na realidade não são nossos inimigos, apenas defendem a propriedade que é deles. É uma grande oportunidade para sabermos como vivem e até de aprendermos com eles.
Gilson ouviu a moça e reconheceu sua falha.
— Se não me alertasse, talvez até poderiam ficar cegos. Disse, enquanto examinava os incomuns doentes.
Utilizando-se dos mesmos equipamentos que aplicava aos terrestres, logo visualizou que a constituição física interna deles não era diferente da humana. Simplesmente eram homens, apenas com algumas modificações externas.
Pela forma de vida adotada, a natureza os moldara para as profundidades, no entanto músculos, veias, sangue e os órgãos existiam nas mesmas disposições.
Ali estava a resposta que a ciência queria. Os elementos químicos são iguais no Universo e as formações argilosas dos planetas desde que dispostas em equivalência geram vidas com poucas diferenciações.
Cinco dos nativos não suportaram os ferimentos e faleceram.
Duas famílias choravam a morte de Miguel e Livio, eram jovens e os primeiros a derramar o sangue na conquista de Épsilon. Právida levou as condolências aos parentes, que revoltados pediam o extermínio dos sobreviventes, para eles, alienígenas. O Tenente solicitou calma e procurou explicar:
— Procurem ficar calmos, na realidade nós somos os invasores e eles sentem-se no direito de defender o que acreditam sejam deles. O que aconteceu, vai se repetir e infelizmente seus filhos não serão os únicos.
— Sei que temos armas capazes de acabar com toda raça deles! Exclamou o pai de Lívio, desconsolado.
— Bem, noutra oportunidade discutiremos, o importante que ambos foram os primeiros heróis de nossa nova Terra.
Právida saiu do local e foi até onde estava Justus e perguntou-lhe:
— E agora Justus, o que vamos fazer?
— Embora tenhamos perdido duas vidas, ganhamos a oportunidade de descobrirmos muitas coisas, talvez até um entendimento com os “formigas”.
Sabemos que conversam como nós. Nossa aparelhagem já registrou boa parte do sistema interno de vida deles e até já mapeamos algumas cidades subterrâneas. Descobrimos muitas entradas e saídas. Dominam este mundo, devendo existir cerca de dez bilhões deles.
Possuem sistemas de radiodifusão e vimos acompanhando muitas transmissões de vozes e músicas.
O que estou falando você também conhece, mas é baseado nesses aspectos que acredito ser o entendimento o melhor caminho. Pelo que percebi seus instintos são iguais aos nossos.
Nunca partiríamos para um extermínio da raça, mas supondo-se que isto fosse levado a cabo, ainda sobrariam muitos para nos derrotarem. Nosso lema em relação aos formigas terá que ser: conviver com eles sem guerras.
— Concordo Justus, mas mudando de assunto, como ficam os agricultores após o fato?
Não vamos parar o que começamos, eles continuarão a preparar as terras.
Não sou militar mas acredito que agora é momento de não nos intimidarmos. Equipe melhor seus soldados e não os deixem vulneráveis. Ainda, aumente o número e se atacados evite destruir os nativos, estude formas de dissuasão sem feri-los. Temos um arsenal com uma infinidade de armas para todos os fins, estude cada uma, principalmente as que não matam. Apenas mantenha-os afastados dos lavradores.
— Entendi Justus, foi a primeira vez e utilizei armas convencionais terrenas normais. A única coisa que adicionei aos equipamentos foram os holofotes. Reunirei os chefes de pelotões e estudaremos outras formas de conte-los.

Myriam havia prometido a Samuel que somente se casaria com ele quando estivessem no planeta e ele a cobrou.
— Lembra-se de sua promessa, ainda está em pé?
— É claro Samuel, mas deixe esfriar um pouco as coisas, tudo ainda está muito tumultuado. Depois, quero acompanhar o trabalho com os nativos, penso que terei muito a fazer. Provavelmente ficará por minha conta analisar formas de contato e entendimento com eles.
— Desta vez lhe dou razão. Também minhas atividades dobraram. Estamos dia e noite utilizando nossos sensores para descobrirmos tudo sobre eles. Joseph, Jader, eu e os demais estamos analisando minuciosamente cada pequeno detalhe na imagem de Épsilon.
Enquanto isto, num grande quarto previamente preparado, os cinco “formigas” se recuperavam rapidamente.
Justus depois da conversa com Právida deixou o gabinete e dirigiu-se para o corredor que daria às instalações hospitalares, tomou o carro transporte e pouco depois subia os degraus que dava para a sala do Dr. Gilson.
Justus encontrou o médico sentando e a sua frente, numa espaçosa mesa, papéis e cópias radiográficas.
— Como estão eles? Perguntou Justos tão logo entrou.
— Fora de perigo, são de aparência jovem e reagem normalmente. Veja você mesmo estas fotos internas.
Justus também se assentou e tomou em suas mãos as películas e surpreso comentou:
— Mas o que está me mostrando são conjuntos orgânicos humanos.
— É isto mesmo Justus. São homens iguais a nós. Tanto que os tratei com nossas drogas.
Agora será a fase mais difícil e sinceramente não saberei como lidar. Já acordaram, dois deles gritaram e tentaram gesticular, um outro falou qualquer coisa que os acalmaram. Tentamos dar-lhes alimento mas se recusam a aceitá-los.
Quer vê-los Justus?
— Sim.
Ambos deixaram o local e foram para o quarto dos “formigas”.
Justus, portando óculos especiais fornecidos por Gilson, entrou no compartimento com muita pouca luminosidade.
Amarrados nos leitos, nada podiam fazer contra o chefe da nação terrena. Mesmo assim se esforçavam para desvencilharem-se das amarras.
Cabeças arredondadas, cabelos, boca e nariz bastante iguais às do homem. Orelhas curtas e olhos ovais muito grandes com largas sobrancelhas. Do tórax às pernas a semelhança era impressionante. Dos ombros saiam os braços e um pouco abaixo como se fossem pequenas garras, um prolongamento das costelas superiores. Nos braços os cotovelos eram normais bem como os antebraços; as mãos mostravam cinco dedos normais mas compridos. A última diferença estava nos pés, que terminavam em patas com cascos.
Justus tentou alguns gestos mas sem qualquer resultado.
Quando voltou da visita foi procurar Myriam, encontrando-a com Samuel.
— Myriam, preciso falar com você.
A moça abraçou o namorado, despediu-se e em seguida acompanhou o Chefe da colônia.
— Estou a seu dispor. Disse Myriam tão logo Justus chegou ao gabinete e tomou lugar em sua poltrona.
— Estive agora pouco com o grupo de “formigas” e notei muita semelhança física com os humanos. Embora a primeira vista nos apresentem até grotescos, possuem um sistema orgânico semelhante ao nosso. Até os instintos parecem copiados dos terrestres. É aí que você entra. Peço sua ajuda para tentar um contato com eles, não estão aceitando qualquer tipo de alimento.
Myriam continuava em pé, frente à mesa do “Rei” e observou:
— Justos, acredito que possa trabalhar eles, mas vou precisar ter acesso a muitos setores. Não poderei a todo o momento vir pedir-lhe permissão para isto ou aquilo. Preciso da sua confiança em mim e de um documento para levantar qualquer tipo de produto que ache necessário e ou até pedir intervenção de outros setores.
— Mas, sente-se Myriam, vou lhe dar a autorização que me pede. Pegou um papel e escreveu algumas linhas e o entregou à doutora dizendo:
Terá validade por trinta dias terrestres. Se após esse período ainda necessitar, volte e lhe darei outra.

Myriam já havia visitado o grupo e sabia o problema que iria ter. Foi para suas acomodações e tomando um terminal de computador passou a registrar um plano de trabalho. Fez uma longa lista para programar suas atividades nos dias que viriam.
Estava ansiosa por colocar em prática suas idéias.
Tão logo despertou, se alimentou e nem escutou a mãe a falar mal do futuro genro. Mal cumprimentou o pai que acabara de sentar-se a mesa e saiu apressada.
— Antônia o que deu nela?
— Não sei. Deve estar em algum trabalho importante.
Myriam na Central de Distribuição apresentou o documento e pediu:
— Quero duas coisas: ships com filmes sobre alimentação e três armas para disparos de dardos paralisantes.
O atendente olhou a moça com ar interrogativo e o papel assinado por Justus. Acionou o processador e num instante uma lista de produtos relacionados ao que solicitara apareceu.
Myriam fez a escolha das armas, da munição e em seguida dos filmes. Esperou o sistema retirar os produtos e depositá-los ao seu alcance.
Dali seguiu para o comando militar carregando a caixa com sua requisição.
Entrou no gabinete de Právida e lhe pediu licença para colocar o material em sua mesa. O Tenente concedeu e indicou-lhe uma cadeira perguntando:
— Precisa de alguma coisa Myriam?
— Sim Právida, de três soldados muito equilibrados e que possam me dar cobertura na entrevista que vou ter com os “formigas”. Eles apenas deverão levar estas armas, nada mais. Abriu a caixa e as mostrou. Entregando também a ele autorização.
— Myriam é perigoso, está me parecendo que quer libertá-los.
— É isto mesmo, tenho um plano de aproximação para colocar em prática.
— Está bem, vejo que está com carta branca. Falarei com Salermo, Oshiro e Mourisco. Eles irão com você, mas tome cuidado. Por segurança vou deixar um pelotão de soldados do lado de fora.
— Desde que não entrem na sala, só se eu pedir. Mais uma coisa, preciso que me forneça os equipamentos deles para visão.
Ato contínuo, seguiu para a área hospitalar. Encontrando o Dr. Gilson também lhe pediu três enfermeiros.
Enquanto se entendia com o médico, os soldados enviados por Právida chegaram trazendo as máscaras dos “formigas”.
Myriam que também colocara a mesma caixa sobre a mesa do Chefe do Serviço Médico a abriu e entregou as armas aos militares, dizendo para se desfazerem das outras. Ao mesmo tempo, entregou ao Dr. Gilson ships com filmes alimentares, pedindo-lhe que extraísse cópias deles e que mandasse preparar refeições iguais às que certamente estivessem expostas.
Gilson atendeu e pediu a um enfermeiro proceder rapidamente a cópia deles e devolvê-los.
Enquanto soldados e enfermeiros esperavam para acompanhar a psicóloga que também aguardava os ships, Gilson aproveitou o momento para um diálogo:
— Acredita que poderá mudar o comportamento deles Myriam?
— Sim doutor, por causa do senhor mesmo. Ouvi dizer que na sua opinião eles são iguais a nós. E se organicamente não são diferentes, acredito que mentalmente também não sejam.
— É provável Myriam. Foi realmente uma surpresa para mim, não esperava poder utilizar os procedimentos hospitalares comuns para eles. O órgão da visão apenas é maior, o que se justifica devido viverem em locais escuros.
— E quanto aos pés e as barbatanas.
— Acredito que a vida deles sempre tenha sido dessa forma, descendo ou subindo através de vãos subterrâneos, daí a natureza ter dotado seus corpos de acordo com suas necessidades.
Ainda estavam conversando quando o enfermeiro retornou com as placas e as entregou a Myriam.
Tudo organizado, seguiram para a ala onde estavam os “formigas”.
Gilson abriu a porta que dava acesso ao grande quarto e entraram. A psicóloga pegando as máscaras que os soldados carregavam, as entregou aos enfermeiros e pediu para serem colocadas nos pacientes. A seguir aumentou a luminosidade, ligou o telão local e introduziu os filmes que portava no Aparelho, deixando-o em ponto de espera.
Delicadamente, dirigiu-se para os estranhos e com gestos mostrou que ia soltá-los e da mesma forma procurou fazê-los entender que não procurassem fugir. Ao mesmo tempo fez um sinal para os seguranças, que passaram a apontar as armas para eles.
Desafiveladas as correias do primeiro, o “formiga” levantou o corpo e sentou-se, juntou as mãos como que para agradecer e não fez nenhum gesto de fuga. O mesmo aconteceu com os outros. Um deles mostrou o chão e deu a entender que queria ficar em pé e ela fez o habitual gesto terrestre.
O “rapaz” levantou-se e pôs-se ao lado da cama, sob o olhar atento dos homens de Právida. Myriam acionou a TV, e pessoas de todo tipo apareceram se alimentando. Nas cenas as iguarias eram mostradas sendo ingeridas.
Os nativos, em silêncio, olhavam através de seus visores para o quadro em que pessoas se movimentavam, falavam ou mastigavam coisas dispostas sobre mesas.
Minutos após, fez um gesto para um dos enfermeiros, que saiu e logo voltou com uma mesa sobre rodas, onde os pratos apresentados no filme estavam presentes. Myriam se aproximou da mesa, pegou talheres, um prato, distribuiu nele vários alimentos e começou a comê-los.
Os “formigas” entenderam a mensagem e bastou os enfermeiros entregarem as refeições para que todos passassem a deglutir os alimentos recebidos, estavam famintos e até repetiram.
Myriam, sempre por gestos mostrou-lhes os sanitários. Também como podiam aumentar ou diminuir a luminosidade ambiente. Pediu aos enfermeiros que retirassem todo e qualquer objeto que pudesse servir de arma.
Antes de sair procurou fazê-los entender que ficariam livres ali dentro. Deixou a TV ligada e junto com os demais saiu do compartimento.
Gilson não participara do procedimento inicial mas quando o grupo deixava o quarto, abordou um dos enfermeiros e soube o que havia acontecido. Preocupado, falou com a moça.
— Você está louca? Como vamos tomar conta deles livres?
— Doutor, eu vou cuidar do grupo. Pode ficar calmo, sei o que estou fazendo.
Os soldados e os enfermeiros que a acompanharam estavam boquiabertos. Salermo até a elogiou:
— Está de parabéns Doutora Myriam, como conseguiu fazer tudo aquilo?
— É simples Salermo, até um animal reconhece quando lhe fazemos o bem e eles não seriam diferentes. É lógico que não estão na mesma classificação, mas era preciso fazê-los entender a intenção.
— Então doutora, qual será o próximo passo? Perguntou Gilson.
— Hoje mesmo Doutor, deixei a TV ligada, vou pedir que exibam paisagem e cenas da vida na Terra. É importante que conheçam nossa forma de existência.
Agora vou ficar com Jader e Marcos no sensoriamento, para observar o modo de agir deles.

No confortável salão fechado, os convalescentes observavam a janela que tudo mostrava.
Não demorou a entenderem o desfile dos filmes e a fazerem comentários. Palavras que nada significavam para os humanos que acompanhavam seus movimentos.
Periodicamente usavam as instalações sanitárias, parecendo até natural para eles. Por horas ficaram acompanhando as cenas do vídeo.
Nos horários das refeições as imagens de alimentação voltavam, a porta se abria, a mesa era introduzida e logo iam buscá-la e distribuíam o que recebiam.
Dois ainda não podiam andar e eram auxiliados pelos demais.
Myriam não fez outra coisa a não ser acompanhar a cada momento as atitudes deles, anotando tudo.

Samuel que trabalhava perto do mesmo local onde Myriam estava estranhou foi procurá-la.
— Esqueceu de mim?
— Lógico que não. Você já sabe? Soltei os “formigas”.
— Você o que? Soltou os nativos, você endoideceu?
— Não! Eles estão livres no quarto. Cuidarei deles até conseguir me comunicar verbalmente, portanto Samuel, vou precisar de algum tempo.
— Já entendi vai se casar com eles!
— É isto mesmo, estou tão curiosa em entendê-los que tudo farei para conseguir meu objetivo.
Samuel entendeu Myriam mas saiu aborrecido, já a conhecia e sabia que não adiantava tentar demovê-la de seu objetivo. Assim, apenas disse que a aguardaria terminar o trabalho.

Na segunda visita aos “formigas” deu o primeiro passo. Conseguiu os nomes de cada um, bastante estranhos: Utuam, Sacoam, Shumatin, Arosco e Catuam.
Shumatin lhe pareceu o mais ativo e inteligente e Arosco era diferente dos outros, dando para perceber.
Dois dias depois, Myriam dispensou os seguranças e passou a visitá-los com apenas um dos enfermeiros.
Quando entrava no quarto todos apresentavam expressão facial muito conhecida, sorriam, mostrando os dentes muito brancos.
As semanas foram passando e ela não encontrou nenhuma resistência para o ensino das principais palavras. No final de um mês já a entendiam um pouco.

Nesse meio tempo Justus, através de Macárius manteve os trabalhadores na lavra da terra. O plantio das sementes fora iniciado, era só esperar os resultados.
O pequeno exército utilizando sofisticadas armas de dissuasão conseguia manter a distância os “formigas” que pareciam sempre aumentar. Evitando um massacre, utilizavam holofotes intercalados e bombas de efeito moral.
Militarmente os terráqueos possuíam um arsenal que lhes garantiriam por anos. Alem disto as máquinas aéreas, nunca vistas pelos inimigos os deixavam atônitos. Assim, não evoluíam em direção à base. Possuíam canhões e vez ou outra os disparavam, mas sem alcançar o objetivo. Nenhuma baixa fora registrada, nem de um lado nem do outro.

Samuel estava irritado, já fazia mais de trinta dias que não conseguia falar com a psicóloga. Tornou a procurá-la e então ela lhe propôs um acordo:
— Precisa me entender Samuel. Melhor ainda, venha me ajudar, estou sozinha tentando ensinar os nativos e eles só conhecem a mim. Assim você entenderá o que faço. Por outro lado, realmente preciso de um homem para variar e mostrar-lhes o outro lado, o masculino.
— Será que vou servir para isto? E meu trabalho de análise no Centro?
— Lá existem muitas cabeças, sei que é muito importante, mas tudo que podia fazer já fez. Peça uma transferência temporária. Se quiser basta que mostre a Joseph a autorização de Justo.
— Não será preciso, quem sabe dê certo. Eu mesmo converso com ele, não gosto de imposições. Depois já estou cansado de ficar levantando dados.
— Então você vem? Que ótimo!
Samuel naquele dia mesmo saiu de seu posto e resolveu dar cobertura à noiva.
Ambos foram para o compartimento onde permaneciam os nativos.
Myriam logo notou a surpresa deles e o ar receoso, mas já sabia como convencê-los. Apresentou Shumatin como o chefe, depois os outros, quando chegou em Arosco:
— Enrosco? Interrogou Samuel.
— Quase isto Samuel, é Arosco. Ele parece não se enquadrar com os demais, parece até um estranho no meio deles.

Os dias foram passando, as plantas cresceram, houve chuvas e momentos de “sol” mais forte. Os frutos começaram a surgir, não no volume que se esperava, mas estava provado que o solo do planeta era igual ao da Terra.

A psicóloga e o noivo aos poucos conseguiram obter bons resultados e acabaram montando uma equipe técnica.
Através de perguntas e respostas adicionando formas gráficas dos “formigas” foram construindo no sistema um dicionário.
Foi exaustivo para Shumatin, que por muito tempo auxiliou nas informações. Muitas semanas frente a procedimentos eletrônicos o levaram até a se habituar com os equipamentos. Também queria entender os terráqueos. Assim, no seu interesse não mediu esforços no fornecimento de dados. Quanto aos demais, ainda arranhavam ou misturavam os termos.
Resolvera-se o problema e já possuíam um interlocutor, assim iniciaram um interrogatório registrado:
— Como vivem nas profundezas do planeta? Perguntou Myriam.
— Nossa vida no interior da terra é normal. Temos famílias, vivemos em comunidades muito amplas. Lá não precisamos de qualquer anteparo sobre nossas vistas. Cada cidade tem um chefe que decide nossas vidas. Temos rios onde nadamos e até navegamos.
— De onde vieram? Perguntou-lhe Samuel.
— Nossa nação fica próxima do pólo e se chama Murantuam. Mas Arosco é de Lacrin.
— Vocês conhecem o seu planeta do lado externo? Foi a vez de Myriam.
— Sim, conhecemos também Saranuam (a estrela Épsilon) e temos medo do seu calor, também Machum o satélite de Grimuam (o nome o planeta).
— São muitos no planeta? Perguntou Samuel.
Shumatin demorou a responder, talvez receoso em revelar a quantidade, mas acabou optando por falar:
— Formamos muitas nações, e a população global é de cerca de dez bilhões.
— Todas devem possuir governos e culturas diversas e devem existir guerras. Continuou Samuel.
— Correto, é isto mesmo. Cada chefe de território procura respeitar o outro, temos muitas divisões, nos entendemos mas as guerras existem.
— Como se comunicam? E qual seu tipo de trabalho?
— Temos o que vocês chamam de rádio e coletivos que nos levam para todos os lugares. Sou o que chamam de militar, comandei o ataque.
— Então seus soldados ficaram sem o líder.
— Não. Naquele momento recuaram, mas por ordem de outro, a substituição é automática dentro das patentes.
— Como ficaram sabendo de nossa presença?
— Todos em nosso mundo já sabiam desde quando entraram nas plantações de sarume.
— Para que serve o “sarume”? Perguntou Myriam.
— É o nosso principal alimento e só é produzido nas regiões quentes.
— Qual foi a reação de seu povo quando confirmaram nossa existência? Perguntou Samuel.
— Um medo terrível assolou Marantuam e todo o mundo. Não sabíamos o que era. Quando desceram tudo tremeu, muitas de nossas casas caíram e o pavor foi inconsolável, houve mortos e feridos.
Myriam, neste ponto interrompeu e observou:
— Shumatin, você já sabe que nossa intenção não era de causar-lhes qualquer problema, escolhemos esta parte do planeta porque julgávamos não fosse habitado. Também pela temperatura nos ser favorável.
— Abaixo de onde estão realmente não existem cidades, as primeiras mais próximas estão em Lacrin, a cerca de duzentos quilômetros no sentido sul.
As perguntas não pararam. Ficaram sabendo que possuíam escolas em vários graus de aprendizagem, que compravam e vendiam o que produziam. Que havia dinheiro, bancos e uma coisa triste, pobreza e até a miséria.
Resumindo, nada os diferenciavam dos humanos, só não haviam alcançado um estágio tecnológico avançado.
Eram tão belicosos quanto os invasores e isto fazia parte da sobrevivência. Vários idiomas e costumes diferenciavam os povos.
Sobre o porque da vida subterrânea, observou-se que entre outras coisas isto era o que mais os diferenciava dos terráqueos. Sequer conseguira responder, para eles a vida tinha de ser daquela forma e não concebiam uma existência externa.

Shumatin estava pronto para entender os humanos, era isto que Justus queria, seria o primeiro a poder levar os pensamentos terrenos para seu povo.
Um fator importante, o casal percebeu que sabiam respeitar a palavra e não a quebravam. Assim, os liberaram para visitarem as enormes instalações. Foram entrevistados pela Comissão Épsilon, pelas escolas, apareceram e conversaram pela televisão.
Entenderam como os humanos chegaram e sobre a existência de outros mundos. Sempre surpresos com tudo que viam, perceberam a enorme distância que os separavam da tecnologia terrestre.
Acabaram por fazer amizades com os terráqueos e até a gostar dos alimentos que lhes eram dados. Mas nem tudo lhes sorria, alguém estava preste a colocar tudo a perder. Era Ascânio o pai de Lívio que ainda não havia se conformado com a morte do filho e queria vingança.
Quando o grupo caminhava em direção ao setor de esportes o homem portando uma arma, conseguida sabe-se como, apontou para o grupo e ia disparar quando soldados que os acompanhavam o impediram. Justus estava junto e lhe disse:
— Seu filho não será o único, outros poderão ter o mesmo fim se não tivermos bom raciocínio e procurarmos conviver pacificamente com eles. Não ponha tudo a perder!
Se insistir, mandarei prendê-lo!
Ascânio, resmungando saiu depois de deixar a arma com um dos soldados. Justus, virando-se para os “formigas” justificou:
— Não levem isto em consideração, ele é pai de um dos nossos soldados que foram mortos no combate.
— Nós perdemos cinco companheiros, mas isto faz parte da guerra. Comentou Shumatin.
— Guerra que espero não continue e para isto quero contar com vocês.
— Somos simples soldados, sem força política, recebemos ordens e somos obrigados a cumpri-las. Argumentou Shumatin.
— De agora em diante não serão mais, principalmente você que pode nos entender com clareza. Isto vai ser importante para Marantuan e todas as outras nações de Grimuan.
Agora que podem se comunicar conosco, serão visitas, terão toda segurança necessária. Vamos preparar alguns documentos para levarem para seu chefe, enquanto isto ainda lhes mostraremos muitas coisas. Assim, em breve os liberaremos.
Arosco estava um pouco distante do grupo e Shumatin aproveitou para fazer um comentário:
— Eu e três dos meus companheiros entendemos perfeitamente a situação e acreditamos na boa vontade que demonstram. Mas honestamente será um grande risco levarmos Arosco.
A família “uam” concordou, e Catuam acabou explicando:
— De fato, há risco, desconfiamos que ele seja um agente de Lacrin que se infiltrou em nosso exército.
— Mas então, o que querem que façamos com ele? Perguntou Justus a Shumatin:
— Não é de nossa nação, fala nosso idioma mas não sabemos o que pensa. Não temos nenhuma certeza do que dissemos, mas na dúvida, preferimos não arriscar.
— Está bem, ficará conosco. Disse Justus.
Shumatin chamou Arosco, que logo se aproximou, explicou-lhe que iriam para casa mas que ele deveria ficar na Base por mais algum tempo.
O “formiga” de Lacrin aceitou aquilo como uma ordem e ficou emburrado.

Samuel e Myriam haviam cumprido com êxito a missão. Finalmente se casariam e felizes foram para o departamento de matrimônio.
Uma festa foi oferecida pela família da noiva, embora D. Antônia continuasse totalmente contra aquele enlace. Juliano, por outro lado até se embebedou.
O casal aos abraços seguiu para a lua de mel num local interno, criado para tais eventos após a descida da nave. Eram os primeiros a usufruírem as requintadas instalações.
Enquanto seguiam para o alojamento Justus e Joseph sorviam uma bebida e conversavam, o assunto não podia ser outro:
— Joseph, estou bastante preocupado. A população dos formigas é muito grande, muito maior do que pensava. Por outro lado, eles na realidade não deixam de ser iguais a nós na forma de viver e até nos instintos.
— Sei o que pensa. As guerras serão inevitáveis, mas tenho uma idéia que talvez venha a nos auxiliar na convivência.
— Fale Joseph.
— Devíamos aproveitar o grupo que instruímos para começarmos um comércio com eles. Temos coisas que nunca viram, uma infinidade delas, artigos para todos os fins. Antes de os liberarmos devemos presenteá-los com objetos que os interessar. Quando mostrarem em suas comunidades, provavelmente outros também poderão querer. Assim, não custa dar-lhes a oportunidade de voltarem para fazer compras com dinheiro deles. Também deverá ser observado que somente para eles as portas estarão abertas.
— Bem pensado, é uma ótima oportunidade. Com isto o grupo poderá ficar rico e como parecem seguir nossas antigas formas de vivência, acabarão sendo líderes do seu povo. No futuro isto poderá nos beneficiar.
Enquanto conversavam, Jader aumentou o grupo e não deixou de ouvir o que diziam.
— Posso dar minha opinião?
— Claro Jader! Responderam ambos.
— O Arosco vai ficar e sei que será um problema para nós se não procurarmos compreendê-lo. Acho a idéia de vocês excelente mas aliar isto a um terráqueo vestido de “formiga” vai ser melhor ainda.
— Como Jader? Perguntou Justus.
— Devemos utilizar toda a ciência que possuímos para fazermos dele um aliado completo, se possível até conseguirmos fazê-lo enxergar em nosso ambiente. Logo que o casal voltar deverão continuar o treinamento só com ele. Com muita instrução vai perceber que foi desprezado pelos de sua raça.
— Entendi Jader, devemos moldá-lo a nosso gosto, fazê-lo muito feliz, evitando qualquer tipo de incidente.
Espere, e o Ascânio? Não confio nele. Comentou Justus.
— Conheço bem o Ascânio, é turrão, teimoso como ele só. Parece até um dos que tiveram problema genético. É bem quisto e pode formar grupos de oposição e até de ataque. Disse Joseph pensativo.
— Mas se formos pensar nisto, não chegaremos a nada. Prenda-o se necessário, faça ameaças sérias, mas antes peça a sua compreensão. Apenas não devemos cortar o plano por causa dele.
— Tem razão Jader. Você é prático!
Právida e o filho Júlio aumentaram ainda mais a roda de amigos e logo que chegou Justus perguntou:
— Como está o cerco inimigo? Se continuar gastando nossa munição do jeito que estão, não vamos poder passar para o outro lado. Já devem ter cavoucado toda região.
— Bem Justus, se quiser eu mando parar, deixo eles atravessarem, depois será apenas cobri-los com as terras soltas.
— Ah! Você entendeu!
— Estão desistindo, cada dia que passa são menores os grupamentos e acredito que em breve farão a retirada total. Explicou Júlio.


No dia seguinte, Justus liberou Arosco, mantendo guardas de segurança a distância.
Shumatin e os demais foram levados para o centro de distribuição de produtos. Jader os acompanhou e explicou que poderiam levar o que agüentassem carregar. Ficaram inebriados diante dos fantásticos objetos que visualizavam.
Quando alguns lhes interessavam, apertavam um botão e o que estava no vídeo, instantes depois saiam por uma abertura.
Pareciam crianças e coisas de todo tipo iam sendo depositadas à frente deles. Aproveitaram tanto que com as mãos não poderiam carregar. Quando se fartaram, uns olharam para os outros, como a dizer - o que vamos fazer com tudo isto?
Jader resolveu a situação, procurou o setor de locomoção, encontrou transportadores manuais e os colocou a frente deles. Sorriam de satisfação e auxiliado por pessoas que Jader chamou, foram ensinados a manusear cada objeto antes de serem colocados para remoção. Os pequenos meios de transporte foram cobertos para evitar danos e levados para o elevador.
Estranharam quando perceberam estarem subindo, ao invés de se dirigirem para os portões de saída. Shumatim, preocupado perguntou a Jader:
— Para onde estão nos levando?
— Estamos indo para a plataforma da Base, lá serão colocados num avião que os deixarão onde quiserem.
— Num avião? O que é isto?
— É um Aparelho para transporte aéreo, não se preocupem, garanto-lhes que gostarão da viagem.
Desconfiados, caminharam sobre o plano metálico em direção ao estranho veículo.

Justus e outros membros da CE os esperavam para a despedida. Os “formigas” estavam muito alegres e ao mesmo tempo nervosos. Foi então que o chefe dos humanos, lhes disse:
— As coisas que levam são para vocês, e as nossas portas também lhes estarão sempre abertas. Para isto devem portar estes sensores e quando vierem deverão trazê-los, pois só assim abriremos a entrada. Por outro lado entendam bem, se quiserem futuramente mais produtos, deverão calcular quanto valem e comprá-los com a forma de dinheiro que utilizam. Quanto ao avião, será muito mais fácil para chegarem. Vocês só deverão indicar o local para o pouso.
Shumatin, mais uma coisa, entregue os documentos que elaboramos em sua língua para seu governo. Diga-lhe que aguardo uma resposta.
Na forma habitual, de mãos postas, um pouco relutantes entraram no aparelho. Os transportes manuais, abarrotados, foram também embarcados.
Um grande passo fora dado, disto sabiam os membros da comissão, quase todos presentes no momento em que deixavam a fortaleza.

Tanaka mantinha o mesmo critério que utilizava na Roda e nenhuma mudança havia associado ao tipo de controle do dinheiro interno. Foi Jacobin quem o alertou:
— Olha amigo, me perdoe a franqueza, você terá que fazer uma mudança radical no sistema e preparar o nosso povo para o futuro. Não entendo muito de finanças, mas sendo cientista em várias áreas, conheço um pouco sobre a única forma de manter a produção.
— Você me assusta. Não pense que estou despreocupado, pelo contrário. Acontece que estou sozinho e preciso de auxílio e não sei a quem recorrer.
— Porque não falou para o Justus? Mas espere, tenho um grupo de alunos em ciências sociais, vou convocá-los para ajudá-lo a encontrar soluções.
Conversaram ainda por algum tempo, depois Jacobin despediu-se e Tanaka saiu de seu gabinete para dar uma volta, mas nem dera os primeiros passos quando Justus veio ao seu encontro.
— Tanaka chegou a hora de traçar planos. Não vai demorar para termos um comércio externo.
— Comércio externo! Exclamou o banqueiro.
— Sim Tanaka, logo os formigas vão comprar nossos produtos com o dinheiro deles. Quero um estudo seu sobre isto.
— Mas como vou fazer isto?
— É um problema seu, resolva.
O homem de negócios que já estava abalado, ficou mais ainda e voltou para o escritório coçando a cabeça.

Justus tornara-se o centro de todos os problemas, quando não era um dos membros da comissão aparecia sempre alguém pedindo ou reclamando alguma coisa. Assim, nem bem havia terminado a conversa com Tanaka, veio Macárius e Turibo ao seu encontro.
— Justus, as plantações produziram muito mal. Floresceram mas os frutos estão mirrados. Utilizamos muito maior terreno do que o da Nave.
— Ora Macárius, foi à primeira experiência, para isto existem informações enormes nos registros antigos. Você se inteirou sobre os procedimentos ao ar livre, sobre as condições de solo e climática?
— Não. Orientei os plantios da mesma forma que era dentro da Roda.
— Pois aí está, esqueceu que estamos num mundo que alem de diferente da Terra, possui estações curtíssimas e um dia quase eterno. Pensei que tivesse estudado formas do aproveitamento do solo ou efetuado análise da terra, etc..
Aproveitando o espaço, enquanto Macárius pensativo se amofinava, Turibo comentou:
— No meu caso, são os animais, estão definhando, alguns já morreram.
— Aposto que também não procurou nenhuma orientação. Que nem pensou em capturar espécies do planeta.
— Eu e o Salakes trabalhamos a vida toda com os nossos, estamos acostumados só com eles.
— Vocês estão saindo pior que a encomenda!
Não sei porque a ciência terrestre criou os mais sofisticados equipamentos de laboratório, deve ser para servirem de peças de museu para os “formigas”.
Só vou dizer uma coisa, procurem o Jacobin, peça auxiliá-los na formação de equipes de estudos e encontrem soluções, caso contrário vou ser obrigado a procurar chefes mais competentes.
Justus ficou irritado e os dois saíram resmungando.


Depois de alguns dias de muita felicidade Samuel e Myriam voltaram à ativa.
Apresentaram-se a Justus e de imediato receberam nova tarefa. Transformarem Arosco num terráqueo.
Ninguém ligava mais para o nativo, transitava de um lugar para outro dentro da fortaleza, parecia até habituado com o modo de vida. Até Ascânio por várias vezes o encontrara mas sem nenhum incidente.
O “formiga” parecia sempre descontraído, suas atitudes pareciam graças de palhaço e as crianças riam a valer.
O interessante era que vinha dispensando a mascara e mesmo assim caminhava nos ambientes claros. Verdade que por vezes trombava com pessoas ou coisas e isto acentuavam sua maneira até cômica.
Myriam surpreendeu-se ao vê-lo entre os humanos. Ainda não sabia porque ficara. Ao se aproximar, um sorriso significativo iluminou-lhe a face, acompanhado pelos grandes olhos sem a mascara. Pensou:
— Então está enxergando no ambiente iluminado, porque?
Tanto Samuel quanto a Psicóloga passaram a dedicar exclusivamente ao nativo.
Utilizando métodos simples, foram melhorando cada vez mais o conhecimento do “formiga”. Depois iniciaram a retificação completa do dicionário que fora composto com o auxílio de Shumatim.
Mais quatro meses de treinamento intensivo, frente a computadores ou no convívio interno e Arosco superou Shumatin.
Não fosse sua roupa repetida ou o camisolão que vez ou outra adotava, enfim sua aparência, ninguém seria capaz de identificá-lo como um “alienígena”. Ganhou a estima de todos pela maneira alegre de ser.
Samuel se entrosara tanto no processo que também ele, mais do que Myriam, passou a falar a língua do nativo. Adicionou ao sistema outras formas de expressar da nação Lacrin e ficou sabendo que lá Arosco não era o primeiro a enxergar sem protetores. Sobre Marantuan, o “formiga” explicou que essa nação fazia limites com a sua. Que Lacrin era pobre e dependia da ajuda de Marantuan, por isto eram explorados e discriminados.


Algum tempo depois, Shumatin e Utuam voltaram para comprar coisas com suas moedas e para entregar a resposta da carta que levara. Justus ficou extremamente contente com isto e mandou preparar um banquete.
O “Rei” dos terráqueos permaneceu com eles o tempo todo. Mandou registrar cada atitude, cada palavra que trocavam, afinal estabelecia-se o primeiro elo com o povo subterrâneo.
— Shumatin, qual foi a reação de seu povo? Qual a resposta de seus chefes? Perguntou-lhe Justus durante o almoço.
— A calma está voltando, afinal não são muitos os que saem na superfície, alguns passam a vida toda sem conhecer o lado de fora e para estes o mundo é o mesmo, apesar de terem ficado apavorados com os abalos.
— Mas porque o aparato bélico na região.
— Nosso governo depois que se inteirou de sua carta retirou nossos soldados, mas existem outras nações que ainda se preparam para atacá-los, sob pressão de Camapro.
— Gostaria de evitar isto. Perdemos nosso mundo e precisamos de um lugar para viver. Necessitamos de ajuda e também podemos oferecer muito do que sabemos.
Ainda na refeição os membros da CE e Arosco estavam presentes. O “formiga” rejeitado foi motivo de observação por parte dos ex-colegas.
A seguir foram para as compras e Tanaka organizou o primeiro câmbio, orientado por Arosco. Este podia não ter muita intimidade com Shumatin e Utuam, mas conhecia o dinheiro deles e isto foi importante na avaliação dos bens.
Os Marantuanos, mesmo assim, partiram felizes, levando um bom lote e mais presentes.
Após a partida, desta vez por terra e em veículo próprio, Justus entrou em seu gabinete e abriu as grandes folhas escritas na língua daquele povo. Chamou Arosco para traduzir o conteúdo.
Por decisão governamental, Marantuam pedia ao chefe terráqueo fazer uma visita ao seu povo e que Shumatin retornaria breve para saber a resposta ou levá-lo até a Capital. O texto fornecia detalhados informes sobre a vida subterrânea. Também falava sobre a suspensão das ordens militares na superfície. No final, uma espécie de selo continha o nome Saluam, governador do país.

Entusiasmado, comentou com o “formiga” sua decisão de ir ao encontro e perguntou-lhe:
— O que acha de Saluan?
— Apesar de Lacrin sofrer algumas pressões, Saluan tem demonstrado ser coerente e os atritos não vem ocorrendo.
— Shumatin citou Camapro e naquele momento não quis prolongar o assunto, no entanto percebi que deve ser uma nação poderosa.
— Infelizmente aquela nação é comandada por um dos piores mandatários que o nosso mundo já conheceu. Possui um poderoso exército, domina a produção de sarume. Provavelmente as forças que ainda se mantêm prontas para atacá-los devem ser de lá ou de nações manipuladas por Godoin.
— Bem Arosco, agradeço pela ajuda.
Após o “formiga” sair, Justus levantou-se de sua poltrona e saiu em direção ao centro de TV, onde comunicou sua decisão de fazer a primeira visita ao mundo interior.
Právida, tendo ouvido o comunicado, como era de se esperar, foi falar com o “Rei”, mas este pouco lhe disse, pediu para trazer ali o melhor homem que pudesse substituí-lo e também chamasse Jader e novamente Arosco.
O Tenente sem fazer perguntas foi buscá-los, e não demorou a retornar.
— Estou vendo que o seu substituto será seu filho Júlio, mas o Salermo está com ele. Disse Justus.
— Na minha opinião meu filho, independente de proteção é o mais indicado. O Salermo lhe dará o suporte que necessitar.
— Pois bem, o meu substituto será Jader.
— Eu Justus?
— Você mesmo, ficará no meu lugar enquanto vou com Právida e Arosco visitar o governo de Marantuam. Se não voltarmos vocês continuarão nosso trabalho.
Arosco mostrou-se surpreso e receoso. Arriscou uma pergunta:
— Mas o que vou fazer lá?
— De nós três você será o mais importante e não vai ser apenas lá, pretendo também ir falar com seu povo e com outras nações.
Já nos entende muito bem e nos orientará quanto a hábitos, costumes e muito mais. Vamos dar-lhe um conhecimento muito amplo, saberá tanto quanto qualquer um de nós, somente se não quiser.
— Quero, sei que poderei aprender muito, mas também gostaria de ver minha família.
— Se você aceitar, poderá ir periodicamente visitá-los. Terá tudo o que desejar desde que possamos atendê-lo. Uma coisa lhe garanto, será nosso representante neste planeta.
Mas deixe lhe perguntar algo que me preocupa. Você como “formiga”, como vê fisicamente os humanos?
O nativo ficou nervoso e parecia não querer responder, mas Justus insistiu:
Responda com honestidade, é muito importante sabermos isto.
— Está bem! Vocês são diferentes, nos causam uma certa repulsa. São esquisitos dos pés à cabeça.
— Obrigado Arosco. O mesmo ocorre conosco com relação a vocês. O que nos revela vai ajudar a nos preparar para a viagem.
O nativo não entendeu mas não prolongou a conversa.
Jader não perdeu tempo e aproveitou o momento para dizer o que pretendia fazer ao assumir a nova posição:
— Justus, vejo que estamos presos aqui dentro, temos que sair, que iniciar pesquisas mais amplas na superfície.
As aéreas próximas à Base parecem não serem as ideais para nossa colonização. Assim, se me permitir, gostaria de enviar um grupo de trabalho para analisar ambientes propícios para a vida ao ar livre.
— Muito oportuno Jader, são tantas as coisas que venho assumindo que não consigo pensar em tudo. Faça o que achar necessário, terá minha aprovação.
Terei muitos problemas com os “formigas” e dificilmente poderei organizar o assentamento. Assim, pode começar a colocar suas idéias em prática. Para que esperar?
Depois, dirigindo-se a Právida observou:
Quanto a nós e Arosco, vamos esperar a volta de Shumatin.


Jader transferiu para Marcos suas atividades no sensoriamento e chamou Jânio para chefiar uma expedição na região. Este por sua vez convocou Oshiro, Rick, Raquel, Sabrina, Jacobin, Slakes e Mourisco para a missão.
Mourisco se fez acompanhar por vinte soldados prontos para qualquer ação.
Para a viagem foram escolhidos três grandes veículos equipados com armas, laboratório, jaulas e com acomodações para todos.


De uma decisão a uma ação o passo foi rápido. Assim, deixando os acontecimentos na fortaleza vamos encontrar os primeiros desbravadores dirigindo-se para as planícies cobertas de vegetação e em direção aos grandes lagos.
O “sol” sempre a rodear aquela cúpula do mundo oferecia uma temperatura agradável e confortável.
A todo o momento o pequeno comboio parava, era Jacobin que descia para filmar, pegar amostras de plantas ou frutos, sempre analisando possibilidades de uso como alimentos ou remédios.
A potente máquina a frente rasgava a floresta e grunhidos de animais faziam os humanos tremerem. Slakes capturou uma espécie de jacaré, depois uma grande ave, mais a frente um esquisito polvo, parecido com aranha mas grande e assim as jaulas foram sendo lotadas. Era simples, utilizava atiradores de setas paralisantes, depois auxiliados pelo grupo e com ferramentas próprias removia-os.
As duas moças, muito temerosas infiltravam-se na mata para pesquisar elementos químicos tanto da vegetação quanto dos minerais.
Oshiro observava pontos favoráveis para a instalação dos primeiros núcleos, auxiliado por Rick que verificava existência de cursos de água.
Mourisco com os soldados observavam a presença de “formigas”.
Aquela primeira entrada fora repleta de surpresas, ora a de um animal rasteiro, ora de vestígios de grupamentos nativos.
O perigo imaginário e o real estavam presentes a cada passo. A falta de uma noite fazia esquecer as horas e a irregularidade nos períodos para descanso cada vez mais acentuava-se. Olheiras profundas começaram a marcar os semblantes. Jacobin percebendo o erro em tempo, comentou com Jânio:
— Faz três dias terrestres que estamos fazendo o trabalho, dormimos muito pouco, é necessário controlarmos os horários.
— É verdade Jacobin, eu mesmo não estou agüentando. Temos que aprender com nossos erros.
Estabelecida novas regras, a expedição melhorou e o ânimo voltou.
Muito lentamente foram ganhando terreno. Até onde estavam não haviam encontrado nenhum nativo. Por vezes, bandos de estranhos animais de quatro patas saiam em disparada.
Os potentes veículos iam deixando uma estrada rudimentar. No futuro viria a ser o primeiro caminho criado pelos terráqueos.
Mais dois dias equivalentes, a topografia começou a declinar e num descampado puderam visualizar águas e praias.
Mourisco ainda não tivera muita ação e seus soldados apenas eliminavam “cobras” ou focos de espécimes vivos não classificados, tudo sob orientação de Jacobin.
Chuvas finas e neblina se misturavam a pequenas nevadas, obrigando-os a usarem roupas grossas.
Quando o “sol” aumentava seu ângulo um confortável calor aquecia seus corpos.
Tudo corria bem diante da paisagem verdejante.
Após descerem por algum tempo, serras se formaram na retaguarda mudando o panorama.
Alegres e contentes, começavam a achar o lugar um paraíso, mal sabiam que um pouco mais a frente encontrariam obstáculos.
Slakes, experimentando diversos tipos de relva e de pequenos animais aos poucos ia conseguindo alimentar suas cobaias que já lotavam as jaulas. Até soltara alguns dos animais para colocar outros mais interessantes.
Oshiro e Rick, a pé, se adiantaram e chegaram à baixada. Observaram a proximidade do “mar” e ficaram aguardando os veículos.
A bela vista, o riacho próximo e uma grande área plana marcaria o local aonde viria a se erguer à primeira cidade dos humanos.
Haviam chegado ao destino, pararam os veículos e se fecharam em círculo para um descanso ao ar livre. De repente um soldado dá um grito e cai, depois logo outro. O tumulto se generalizou.
Todos entraram num dos transportadores e levaram os feridos. Perceberam o sangue escorrendo e os dardos que os atingiram.
O silêncio se fez, Mourisco mandou seus comandados descerem e abrirem fogo em todas as direções. Os tiros acordaram as aves que saíram em bandos das copadas das árvores. Em seguida, escalou cinco de seus homens para uma patrulha na direção de onde viera o ataque.
Raquel e Sabrina apesar de mulheres, pareciam esperar aquilo e se comportaram com tranqüilidade no papel de enfermeiras, curando os rapazes feridos.
Enquanto isto a pequena patrulha voltou e um dos soldados comentou:
— Vimos homens pouco diferentes de nós, mais parecidos com índios dos filmes.
— Encontramos os habitantes da região. Observou Jacobin, continuando:
Só podem ser “formigas” que se adaptaram à superfície. Mas o informante falou mais:
— Mas não possuem pés iguais, nem barbatanas nos braços.
Jânio, que acompanhava o comentário, logo definiu:
— Não viemos aqui para voltar sem uma solução. Continuaremos justamente na direção deles, nos protegeremos dentro dos carros.
Dito e feito, as “jamantas” fechadas roncaram e foram penetrando. Pelas janelas viram “homens e mulheres” correrem apavorados. Continuaram até chegarem a uma aldeia e pararam bem no centro dela.
— E agora professor? Dê-me uma idéia do que fazer. Pediu Jânio dirigindo-se a Jacobin.
— Não se esqueça, para mim tudo isto também é uma grande surpresa. Acho que devemos imitar atitudes de nossa pré-história. Naquelas épocas cativavam aborígines dando-lhes adornos e objetos simples.
— Mas não trouxemos nada disto, comentou Sabrina.
— Peguem talheres, algum tipo de bacia, facões, roupas, panos coloridos, jóias, tudo que for brilhante e bonito, que possam dispensar.
Mourisco, depois que formarmos um bom volume espalhe as coisas distantes, mas o suficiente para vermos o que fazem.
Minutos depois, Mourisco levava o embrulho, acompanhado de uma escolta. Não viu ninguém, mas sentia que estavam observando, mas não atacaram. Feito o combinado voltou para o interior do coletivo.
— Tudo pronto, vejamos a reação deles!
Ninguém deve sair daqui, não quero intimidá-los. Observou Jânio que pensava fossem demorar a buscar os objetos.
Mal terminara de falar e lá estavam os “índios” a pegar os presentes.
— Parece que não somos novidade, vejam! Estão vindo em nossa direção. comentou Jacobin.
Eram apenas parecidos com os terrestres. Os olhos não eram pequenos, apenas menores do que os dos “formigas”.
Possuíam três dedos grandes nos pés que despontavam-se depois da sola. Uma saliência no lugar das barbatanas, o que lhes davam aspecto humano.
Foram chegando e fizeram sinais, Jânio desceu e em seguida os outros. A saudação deles era conhecida e os terrestres também juntaram as mãos.
O mais alto, de porte atlético, coberto por indumentária artesanal falou qualquer coisa que ninguém entendeu. Jânio mostrou o caminho, como a dizer de onde vinha, depois os olhos e apontou o mar. Assim, com gestos universais foi fazendo-se entender.
Aos poucos, perceberam que não eram tão ignorantes quanto pensavam. Sabiam perfeitamente o local onde a Base havia pousado e que o grupo viera dentro.
Entenderam os objetos como um sinal de paz e de abertura para um entendimento, razão de abandonarem atitudes hostis.
Danças e festa marcaram um dia tranqüilo para o grupo. Ofereceram alimento muito bem aceitos pelos terrestres. Fizeram os humanos entrarem num alojamento redondo e colocaram numa grande mesa peixes de vários tipos e cereais, tudo sem sal. Raquel solucionou, foi até um dos veículos e trouxe um pacote, que entregou aos colegas.
Os “índios” ficaram observando e viram que cada um espalhava um pouco daquele pó branco sobre os alimentos, também quiseram experimentar. Gostaram tanto, que Jânio mandou buscar mais pacotes e os distribuiu.
Bem tratados, inclusive os feridos, ficaram despreocupados, descansaram bastante e quando acordaram, um grupo de “índios” seguiu com os terráqueos para o mar.
— Veja Oshiro, é igual nos filmes. Dizem que é salgado.
Rick experimentou a água com as mãos e percebeu ser pura.
Não se surpreendeu, nas imagens do planeta as águas apareciam em formatos circulares disformes nas proximidades com os pólos, lembrando grandes lagos. Cobriam vastas extensões e se interligavam por canais naturais. Verdadeiros mares e ao que parecia totalmente desanilizados.
— É apenas água, deve ser o que chamavam de “água doce”. Por isto os índios gostaram do sal, uma grande novidade para eles. Completou Oshiro após também ter experimentado.
— Ótimo, melhor assim, sinal de que achamos nossa Terra. Pena que não estaremos sós.
Na longa praia de ondas suaves até peixes podiam ser vistos. Todos se banharam e se divertiram por horas.
Quando retornaram para a aldeia, Jânio e o grupo despediram dos selvagens e fizeram gestos dando a entender que voltariam.
Depois, já acomodados e prontos para partir, disse para o grupo:
— Esta primeira expedição termina aqui, vamos voltar para a Base. Já possuímos muita informação e agora precisamos da decisão de Justus e da CE.


Na Base, Justus, Právida e Arosco se preparavam para a visita a Marantuam quando um estranho e grande veículo, após passar pelos guardas comandados por Salermo se aproximou da entrada.
Era Shumatin acompanhado de mais dez “formigas” bem armados. Vieram para levar o “Rei”.
Justus mandou todos entrarem e recebeu com entusiasmo o nativo e os membros da polícia especial que Saluan enviara.
Shumatin, depois de confirmar o interesse de Justus falou:
— A área está praticamente cercada por pelotões de vários países. Não poderão vê-lo, assim trouxe-lhe algumas de nossas roupas e capacetes, que peço colocá-los para despistarmos os vigias.
— Mas então eles nos verão quando sairmos. Pensou um pouco e continuou:
Bem, eu vou mas Právida e Arosco irão comigo. Tudo certo?
— Claro Justus. Existem patrulhas próximas mas sei por onde ir. De qualquer forma, todo cuidado será pouco.
— Vou experimentar as roupas, bem como Právida. Se é que as trouxe de sobra.
— Tem várias, não sabíamos o tamanho.
— Enquanto isto, Jader os levará para uma refeição.
Justus poderia optar por um transporte aéreo e confortável, mas não quis. Seria contrariar a expectativa do governo de Marantuam.

Os soldados encarapuçados examinavam o ambiente e estranhavam tudo. O “formiga” conhecido os acalmava e lhes ensinava cada passo enquanto os habitantes internos corriam para vê-los. Jader mostrava-lhes o caminho para o refeitório e ao mesmo tempo dizia para Shumatin que daquela vez ficariam sozinhos e que deveria pedir o que achasse melhor para seu pessoal.
Sem terrestres por perto, exceto os que serviam, ficaram a vontade.
Právida combinou com o filho várias providências durante sua ausência.
Despediu-se já vestido com as esquisitas fardas sobre suas roupas. Os macacões improvisados deixaram-no parecidos com os antigos gaúchos. Colocou o visor que mal entrava em sua cabeça e aí não enxergou nada.
— Não posso ficar com isto. Só o porei quando estiver a caminho, é sufocante. Apanhou uma maleta com roupas e saiu para encontrar Justus, que já o esperava com Arosco.
Falando em Arosco, ele foi o único que ficou satisfeito com as roupas e acabou pedindo as que sobraram. Afinal, desde sua captura usava sempre a mesma farda, tirando apenas vez ou outra para vestir um camisolão enquanto a dele era lavada. Estava tão surrada que a jogou fora e ficou feliz com os novos trajes.
Minutos mais tarde Shumatin e a escolta chegaram e apenas os dois terrestres saíram com as máscaras nas mãos e as malas. Entraram no transportador dos “formigas” e experimentaram seu sacolejar, um verdadeiro monstro sobre rodas.
Subiram e desceram lugares sem nenhuma estrada e o “formiga” ia explicando cada detalhe que encontrava pelo caminho.
O tempo passava e a medida que iam penetrando as terras o calor aumentava. Os terrestres não estavam suportando e ainda não haviam colocado as viseiras. Shumatin os avisaria quando fosse o momento.
Depois de dois dias do planeta, dando voltas, apenas protegidos por aquela coisa, estavam exaustos e famintos. Aceitaram o alimento dos “formigas”.
Depois do calor foi o frio de uma noite curta.
O Tenente e o “Rei” não reclamavam e os companheiros de viagem acreditavam que tudo estava bem. Mal sabiam que estavam prestes a sucumbirem naquelas condições, embora se mantivessem aparentemente descontraídos. Foi quando Shumatin lhes disse:
— Agora chegou o momento de colocarem as mascaras, vamos passar pelo exército de Ascan.
Os terráqueos, muito a contragosto, colocaram os visores e nada mais enxergaram. Apenas sentiram o transporte parar e ouviram conversações sem nada entenderem. Depois a seqüência da viagem e em seguida o aviso de que podiam tirar os protetores.
O “sol” estava preste a se esconder quando divisaram um enorme portal que dava entrada para uma “gruta” gigante.
— Chegamos, mas ainda vai levar tempo para alcançarmos a Capital. Vamos parar um pouco para tirarem nossas roupas e ficarem com as suas. Aqui dentro a temperatura é quase igual a de vocês. Por isto é que vivemos dentro da terra. Comentou Shumatin.
Depois de mais de uma hora no veículo, sempre descendo na escuridão, começaram a perceber uma luminosidade ambiente bastante fosca mas o suficiente para enxergarem. Vinham do altíssimo teto que mais parecia um céu estrelado. Mesmo assim, colocaram óculos para visão noturna.
Pararam quando chegaram numa espécie de estação. Todos desceram e foram para um movimentado centro, onde tal como os terráqueos, os nativos entravam e saiam de vagões. “Formigas” de todo os tamanhos, vestidos de diversas formas se acotovelavam para ver os estranhos. Indiferente Shumatin acompanhado dos visitantes e depois dos soldados, seguia sempre em frente até entrar num daqueles meios de transporte.
Dentro do vagão havia conforto, dava até para descansarem da viagem. Reservados bem semelhantes aos dos terráqueos se encontravam dentro do compartimento, que aparentemente fora dotado de uma luminosidade maior que a do exterior. Estavam mesmo precisando daquilo e encontraram água em abundância.
Depois que se acomodaram, uma gentil “formiga” veio oferecer-lhes suas iguarias e bebidas.
Enquanto isto o estranho carro deslizava suavemente, sem qualquer poluente. Coisa que chamou a atenção de Právida, que não se conteve e perguntou:
— Como fazem para movimentar isto?
— É simples, utilizamos placas magnéticas e controlamos a velocidade com as próprias. A estrada é naturalmente magnetizada o que permite um movimento contínuo. Para parar colocamos a placa do veículo num ponto que neutraliza o fluxo. Respondeu Shumatin.
Justus que pouco conversara resolveu fazer algumas perguntas para Arosco:
— O que você está achando de tudo Arosco?
— Por enquanto normal, espero que continue assim.
Pelo tempo que já estavam no ambiente, mesmo sem os óculos podiam enxergar quase normalmente o que se passava dentro e fora do transportador. Assim, pelas janelas e pelas aberturas do teto iam acompanhando o estranho mundo.
Um “céu” altíssimo por vezes se abaixava e se afunilava e a amplidão dava lugar a estreitas passagens onde apenas parecia caber o veículo. Túneis ora extensos e ora curtos, em seguida planícies com pequenos horizontes e nelas muitas construções e “formigas” transitando. Em alguns pontos, odores de poluição estavam no ar que respiravam, eram de fábricas.
Num desses lugares Shumatin comentou:
— Temos muito cuidado com o ar aqui, mas existem fábricas que não cumprem tratados. Todas que queimam matéria tem que fazer canalizações para as chaminés que vão até a superfície, no entanto algumas não possuem condições de construí-las. Já foi pior e vidas foram perdidas com isto.
— Mas como podem construir tais chaminés, pelo que percebo, a distância daqui até a superfície é grande?
— É um pouco complexo Justus. Aproveitamos canais que se elevam muitos próximos ao lado externo. De acordo com mapas, sabemos onde perfurar pelo lado de fora, depois construímos um terminal para evitar o desmoronamento.
Justus olhava as paisagens e a medida que penetravam as entranhas do planeta sentia que o local realmente era bom e quanto mais se distanciavam da entrada melhor e mais aconchegante ficava o ambiente. Curioso, comentou com Arosco:
— Na sua terra também é assim?
— É a mesma coisa, apenas somos prejudicados pelo frio e por não termos os recursos que muitos povos possuem.
— Qual o maior perigo de viver aqui em baixo?
— São os desmoronamentos que por vezes sufocam regiões inteiras, depois são inundações. Existem também grandes precipícios.
— Como assim?
— São canais que vão para o centro do planeta.
— Mas a população é enorme, não devem ser freqüentes as catástrofes.
— Para ser sincero, nunca fiquei sabendo de um caso calamitoso durante minha existência. Só através de nossa história e nossos registros abrangem cinqüenta mil anos. As ocorrências mais graves aconteceram em épocas remotas. A pior delas foi quando um asteróide gigantesco caiu na superfície e quase exterminou nossa raça a cerca de dez mil anos.
— Por dentro do planeta vocês conseguem chegar em todas as nações de seu mundo?
— Estamos totalmente interligados por terra e por vias aquáticas. Também nos comunicamos pelo que vocês chamam de rádio, veja, um deles está ali naquele canto.
— Depois continuaremos nossa conversa, agora me diga o que devemos fazer?
— Apenas coloquem as melhores roupas que trouxeram e aguardem, o Shumatin vai orientá-los. A Capital deles não é muito longe da entrada e breve estaremos chegando.
Justus falou com Právida e dentro do “ônibus” foram se preparar para a visita. O “Rei” abriu sua mala, a maior, retirou o bom terno e sapatos, depois um pacote de grandes livros. O militar o imitou, exceto que nada trouxera alem das roupas.
O Chefe terrestre depois de vestir-se saiu com os volumes e pediu a Arosco ajudá-lo no transporte, que por sua vez mostrou-se muito atencioso e contente em fazer aquilo.
Depois de algumas horas e novas refeições o veículo aproximou-se de uma grande cidade movimentada e cheia de vida. Para Justus e Právida, a primeira impressão era a de um aglomerado humano, onde sons de todo tipo se misturavam. Havia música e muito barulho em muitos pontos.
Finalmente o grande carro entrava por ruas, quebrava esquinas, ultrapassava ou seguia outros enquanto nas laterais prédios grandes e menores se intercalavam, muitos com grandes portas que mostravam produtos e aglomerações de nativos. Havia brilho limitado e até posters. Por outro lado percebia-se a presença constante de soldados.
Shumatin descrevia os cenários para os terrestres, aqui é um centro de compras, ali é uma escola, lá é o que vocês chamariam de bar e assim continuava, mostrando com certo orgulho a sua cidade. Mas foi interrompido por uma pergunta de Právida totalmente fora do assunto:
— Vocês dormem?
— Claro, toda vez que nosso corpo exige.
— Como assim?
— Nosso organismo regula períodos para descanso iguais ao de vocês, só que não temos o que chamam noite.
— Então, quando um dorme o outro está acordado e assim por diante.
— Não Tenente, temos nossos marcadores de tempo e regras coletivas que aprendemos desde a infância. Por exemplo, todos nós estamos precisando de um bom sono, mas antes vou levá-los a presença de Saluam, que apenas os cumprimentará e depois os encaminhará para aposentos especiais. Depois de o equivalente a um dia de vocês, serão chamados para as conversas.
O carro girou por mais algum tempo e por fim parou frente a um edifício de grande porte e luxuoso.
— Pronto Justus, aqui é a sede do Governo.
Quando desceram, um grupo dos formigas “elegantemente” vestidos vieram e fizeram o gesto que conheciam e que foi repetido por eles. Indicaram a escadaria e subiram-na com os visitantes, adentrando para um grande salão onde o governador os aguardava.
Saluam, sério mas hospitaleiro os cumprimentou da mesma forma conhecida, disse algumas palavras de boas vindas, traduzidas por Shumatin. Justus agradeceu e depois com Právida e Arosco foram encaminhados para belas acomodações, ornamentadas com flores nunca vistas pelos humanos.
Justus, ao sair, pediu a Shumatin:
— Vocês por acaso têm um mapa do planeta? Gostaria de conhecer mais, enfim de entender como podem viver desta forma.
— Temos sim, vou até a biblioteca do palácio e lhes trarei tudo que encontrar.
Dizendo isto, o formiga saiu e em poucos minutos trazia folhas e livros que entregou ao “Rei”, pediu licença e voltou.
Mesmo diante da luminosidade fraca, Justus foi até uma mesa e abriu a folha maior. Právida também se aproximou para ver.
Dois grandes círculos ovalados mostravam as centenas de países existentes no interior da terra. Uma outra folha mostrava o planeta com as formas internas e externas, de um lado e de outro.
— A impressão que se tem é de uma massa que inchou muito, com muitas bolhas internas. Observou o Tenente.
— É isto mesmo. Provavelmente quando estava em formação e prestes a explodir, por algum motivo se resfriou, os gases saíram e deixaram grandes ocos. Não existe marcação de nenhuma atividade vulcânica, o centro deve ser gelado. O Calor da superfície e o frio das noites equilibra a temperatura aqui.
— Quando passamos pelos túneis observei que os paredões são lisos e em muitos lugares vitrificados. Isto naturalmente seguram as grandes abóbadas que se formam. Pelo mapa pode ser notada a regularidade das bolhas. Concluiu Právida.
— Que mundo mais estranho! Já vimos o suficiente, precisamos dormir. Vou pedir a Shumatin exemplares para levar.

Enquanto Justus e Právida se inteiravam da vida nas profundezas, Na Base Jader já havia recebido a expedição de volta e um relatório detalhado com filmes, fotos e o resultado das primeiras análises sobre a área visitada.
Estava partilhando da euforia do grupo quando Marcos o procurou:
— Jader, nossa patrulha aérea registrou grande progressão de tropas em direção à fortaleza. Estão portando máquinas de guerra iguais aos grandes canhões antigos.
— Marcos, transmita minhas ordens a Júlio para destruir tais equipamentos utilizando nossos aviões e que não perca tempo. Morrerão alguns formigas, mas será necessário, não podemos deixá-los aproximar. Precisam saber que nunca conseguirão nos derrotar. Salermo deverá orientar os pilotos para não errarem os alvos e utilizarem mísseis “convencionais”.
Marcos saiu e procedeu conforme a ordem recebida.

Salermo pensou em Oshiro e Rick, para chefiarem a ação mas mudou de idéia, acabavam de chegar da exaustiva viagem.
Chamou Roger, muito experiente. Em vôos sobre a região também já havia observado a progressão militar. Pediu para escolher seis bons colegas e que procedesse ao ataque, destruindo as armas pesadas e evitasse perdas de vida.
Na plataforma sobre a base os caças reluzentes pareciam apenas esperar o momento da partida. Carregados com as bombas, só aguardavam seus pilotos.
Roger orientou o grupo e foi o primeiro a entrar, depois os outros. Numa rapidíssima decolagem saíram em formação sob o céu nublado, desaparecendo das vistas dos que acompanhavam aquele ato de guerra.
Em grande velocidade logo divisaram as companhias dos “formigas”. Milhares e milhares deles cobriam de negro a terra ressequida da superfície. Na frente os “tanques” com seus longos e enormes canos.
— É agora companheiros! Vamos destruí-los! Vamos ver como isto funciona! Disse Roger, comandando a ação.
Um após outro, os monstrengos foram sendo transformados em montes de ferros retorcidos. Os formigas corriam para todos os lados, utilizavam seus “fuzis” e tentavam atingir as naves que destruíam suas forças. Acabaram tendo sorte, um dos aviões foi atingido em ponto vulnerável e espatifou-se no solo, explodindo e o piloto não teve tempo de escapar.
Centenas de “canhões” foram destroçados. Nos primeiros os “formigas” próximos tiveram o mesmo fim, mas logo os demais perceberam o risco e saiam correndo dos veículos, o que tornou mais fácil para os atacantes. Quando tudo terminou, Roger viu o grande exército em retirada e deu ordem para retorno.

Právida e Justos acordaram descansados, mas nem bem haviam levantado, ouviram o sinal do telefone de bolso. O Tenente atendeu e logo informou:
— Recebi um comunicado de Jader enquanto estava no banheiro. Nossos aviões atacaram um grande exército que caminhava na direção da Base. Destruíram todas as grandes armas que levavam.
— Mas justamente agora! Queira a Deus não venhamos a ter problemas. Mas se Jader tomou tal atitude é porque foi necessária. Quando voltarmos, se isto acontecer nos inteiraremos melhor do fato.
— Realmente é perigoso para nós. Conforme Shumatin eles se comunicam por rádio e a esta altura Saluam já deve ter recebido a informação.
Tensos se trocaram, chamaram Arosco e contaram a ele o que havia acontecido.
— A sorte de vocês é que Saluam desligou-se da aliança, mas provavelmente já deverá ter recebido algum ultimato.

Dali para frente, houve cortes nas etiquetas habituais das visitas programadas e não demorou para que Shumatin os levasse para a audiência.
Sem muitas formalidades, Saluam auxiliado por Arosco e Shumatin comentou sobre o acontecido e disse que várias nações cortariam relações com Marantuam e a atacariam se não prendesse os chefes alienígenas. Justus ouviu, pensou e respondeu:
— Você possui duas opções, atendê-los e correr o risco de uma destruição total, porque temos armas que provocaria até a extinção da sua raça. No entanto, isto não queremos e a guerra não está em nossos planos. Precisamos conviver pacificamente com todas as nações existentes.
A outra opção é dizer-lhes que se aliaram a nós e que se tentarem qualquer coisa contra vocês também estarão nos agredindo e que você sabe que temos condições de destruí-los totalmente.
Saluam era idoso mas muito lúcido e não se mostrou temeroso. Limitou-se a dizer:
— Eu os convidei, verdade que comuniquei o fato aos demais povos e não estou atrelado a nenhuma das nações. Como anfitrião, serão bem recebidos. Quanto ao episódio, vamos dar tempo ao tempo, nesta altura dos acontecimentos todos devem estar com muito medo e por enquanto nada farão. Mas vamos deixar este assunto de lado, não sou ignorante, entendi o tratamento que deram aos nossos soldados e compreendi possuírem alto senso de justiça.
Gostaria de conhecê-los melhor.
Justus deu um sinal a Arosco e este entregou ao Chefe de Estado o pacote de livros que segurava.
Com os longos dedos finos, começou a folheá-los e a pedir explicações sobre as fotos. Arosco entrou em ação e foi explicando tudo o que sabia.
— Então vieram realmente do espaço, de outro mundo?
— Sim, respondeu Justus, nosso planeta foi destruído e ficamos por gerações vivendo dentro de uma nave na procura de um lugar para vivermos e é só isto que queremos.
— De nossa parte, vocês terão todo apoio, mas que garantias teremos de que mais cedo ou mais tarde não nos destruam?
— Nunca foi esta a nossa intenção, respeitamos a vida em todas as formas, tivemos de eliminar as máquinas de guerra para dissuadi-los e evitar mortes desnecessárias. Temos muito a oferecer, uma ciência que nunca pensaram existir. Se quiser poderemos auxiliá-los e em troca vocês também nos ensinam.
Perfeitamente traduzido por Arosco, a conversação tomou muitos rumos. O resultado foi satisfatório e no término Saluan prestou homenagens aos terrestres através de danças e representações teatrais.
Právida até então não participativo, pediu a Shumatin fosse apresentado a algum chefe militar. Estava muito curioso em saber detalhes sobre a parte que comandava.
Shumatin explicou a Saluan e este fez a concessão. Próximo a eles estava Cardun, que representava o poder bélico da nação.
Um “formiga” alto e magro, muito bem trajado se aproximou de Právida e o reverenciou.
Ambos se distanciaram dos chefes. As palavras vieram a tona e o interprete Shumatin tornou-se peça fundamental.
— Gostaria de conhecer nossa Base?
— Sim, respondeu Cardun. Conversarei com Saluan e quando me autorizar terei muito gosto. No entanto é importante que saiba que terei de levar uma escolta.
— Acredite Cardun, não temos o menor interesse na guerra. Em nosso planeta ela existiu por milhares de anos, mas acabou extinta nos últimos oitocentos anos de existência da Terra.
— Mas porque ainda possuem armas tão poderosas?
— Apesar de todas as garantias de que uma nação nunca entre num conflito sempre estará enraigado o receio de que isto ocorra.
— É verdade, infelizmente não há como dispensá-las. Ninguém sabe qual o pensamento de um governante.
A ambição por um poderio cada vez maior já levou muitas nações ao caos.
— Apesar de nossas características físicas se divergirem, vejo que estou diante de um “colega” de armas muito consciente.
O papo ficou animado e ambos passaram a trocar informações militares. Na realidade um queria saber mais que o outro e nunca paravam. Shumatin que agüentasse e assim foi por horas.
Quando voltaram para os aposentos estavam cansados, no entanto Justus queria maiores detalhes e chamou Arosco dizendo-lhe:
— Ao passar pelas ruas e avenidas observei limpeza total, bem como tudo aqui. Não vi detritos em nenhum lugar; como é o sistema de saneamento que utilizam?
— Acredito que limpeza nunca será problema para nós. Lembra-se que falei dos abismos, pois bem, é para eles que tudo vai.

Enquanto a visita corria bem, na fortaleza Jader mantinha-se na chefia e procurava organizar todos os setores.
Depois da volta da expedição e do excelente resultado, o caminho para o interior começava a ser traçado. A perda de mais um terrestre no ataque aos canhões não abalou o ânimo das famílias.
Jader não gostava de meio termo e não pensava muito para ver realizado o plano colonização.
Examinou cuidadosamente os relatórios da expedição e decidiu iniciar os primeiros assentamentos.
Antes mesmo de Justus voltar, utilizando a TV, convidou os agricultores para iniciarem a vida ao ar livre. Começaria com três casas pré-fabricadas e três famílias seriam selecionadas.

— * — * —

Já estava em andamento a execução do plano de Jader quando Justus voltou. O “Rei” ficou preocupado, mas não contrariou a decisão tomada.
O comparecimento dos agricultores foi total, o que não era esperado. A escolha foi difícil, todos queriam ser os primeiros. Foi preciso Jader explicar que naquele momento seria feita uma experiência, cujo resultado não era previsível. Mesmo correndo riscos, queriam sair, sentiam-se presos, não era a mesma vida que levavam na Roda.
Foi então que os chefes deram conta de que nem tudo ia bem, que estavam apenas suportando ficarem nos imensos pavilhões.
O interesse foi tamanho que ao invés de três seriam colocadas cinco residências.
A população estava calada a mais de ano e bastou esta primeira iniciativa para que houvesse uma reivindicação geral.
Joseph e Sherman resolveram falar com Jader. Encontraram-no em sua mesa de trabalho explicando detalhes das primeiras transferências para Justus.
Jader e o “Rei” pararam para dar atenção a eles.
Após pedirem desculpas pela intromissão, Sherman foi o primeiro a falar:
— Foi ótima a iniciativa tomada, mas muito pequena. Será preciso agilizar os assentamentos. Estou mais em contato com a população do que vocês. Digo isto porque tenho ouvido os fiéis, de uns meses para cá estão sofrendo muito.
Justus que ainda não havia aderido totalmente ao procedimento adiantou-se na resposta:
— Veja Padre, na minha opinião ainda é cedo para iniciarmos as transferências. Por outro lado deixei esta responsabilidade para Jader.
— Bem, então Jader, qual a sua opinião?
— Partilho da sua, não podemos permanecer indefinidamente aqui dentro. É hora de iniciarmos a colonização. Podemos ter problemas, principalmente com os índios. Assim, levarmos todos para fora de uma só vez, seria uma precipitação. Temos que ir devagar, cinco famílias hoje, dez amanhã e assim por diante.
— E você Joseph, o que diz? Perguntou-lhe Justus.
— Meu motivo é diferente. Estou sentindo-me ocioso, não tenho mais o que fazer.
Tomar conta do sensoriamento é coisa que Marcos resolve sem problemas. A nave não existe mais, os transportadores e aviões de guerra ficaram a cargo de Právida. Também minha idade já não me permite a pilotagem.
Pensei muito e percebi meu desejo de viver em contato com a natureza. Para isto se me permitirem, gostaria de deixar um comando sem sentido e participar da equipe que organizará as famílias em terra.
Justus entregou a resposta a Jader.
— Vou fazer melhor. Procure Jânio e se junte a ele, preciso que o ajude a encontrar soluções pois vou entregar a tarefa para vocês dois.
— E os “formigas”? Interrompeu Justus.
— Se formos esperar que eles nos aceitem vamos perder tempo. Se atacarem, teremos que revidar, lógico que tudo deverá ser feito para ser evitado isto. Explicou Jader.
— E a fortaleza? Será abandonada? Perguntou Sherman.
— Claro que não Sherman. Sempre haverá pessoal suficiente para mantê-la.
Právida e seu filho não estão presentes, mas espero que façam um círculo de apoio.
Temos equipamentos para os mais diversos fins e agora será o momento de utilizarmos tudo o que for necessário. Por exemplo, poderia ser criada uma central de socorro. Qualquer problema comunicado receberia ajuda imediata.
Pelo sensoriamento a área a ser construída e toda a região pode ser monitorada.
Chegou o momento de fincarmos o pé no planeta.
A liberdade de natalidade é total, todos poderão ter quantos filhos quiserem e isto não poderá ser dentro destas paredes de ferro.
Quero dizer que logo os humanos serão muitos e temos a obrigação de permitir as condições iniciais de subsistência. Com o passar do tempo cada indivíduo terá de resolver seus problemas, seja ao lado dos “formigas” ou não.
— Concordo, apesar de ser Padre, nas horas de folga dedico-me ao estudo dos antepassados e pelo que percebi, em nenhuma das conquistas deixou de haver lutas.
Justus mais ouvia do que participava da conversa.

Um primeiro relacionamento oficial com os “formigas” fora conseguido.
Cumprindo o prometido, Justus concedeu a Arosco visitar sua família e lhe deu muitos presentes para distribuir.
Um pequeno avião o levou até à entrada de seu país. Os guardas do portal se surpreenderam, mas no final acabaram auxiliando-o a carregar os pacotes.
O “Rei” encarregara-o de fazer chegar às mãos de sua Rainha Jano um documento idêntico ao que Saluan recebera.
Justus considerando-o como membro da CE, lhe fornecera um comunicador.

Na grande sala de informática, Marcos coordenava a atenção de seus auxiliares nas imagens e sons do planeta; acompanhava movimentos militares na superfície e intercalava levantamentos dos sinais de radiodifusão.
Com a existência do dicionário e da pronúncia gravada dos “formigas” montou uma equipe para traduzir as mensagens de Marantuam e de outros países.
Os resultados logo apareceram e o palavreado antes desconexo passou a ter sentido. O processo era idêntico ao utilizado pelos humanos: músicas, notícias e comentários.
Embora ainda faltassem alguns termos, fora possível observar que Marantuam estava sendo pressionada e que cortes de relações haviam sido decretados após a visita dos terráqueos.
Marcos informou Právida mostrando-lhe a origem dos sinais, uns próximos, outros da área central e até do outro lado de Épsilon. O Tenente pensou durante alguns minutos, depois pediu a presença de Samuel, que não demorou a chegar.
— Samuel, você já sabe falar a língua dos formigas?
— Creio que Sim tenente.
— Marcos, você seria capaz de montar um transmissor forte o suficiente para abranger todos os recantos deste mundo na freqüência dos “formigas”?
— Podemos realizar transmissões com os próprios equipamentos existentes e não haverá nenhum receptor que não nos capite, podemos até envolver e cobrir todas as freqüências deles.
— Como assim Marcos?
— Por exemplo, não importa a estação que qualquer formiga estiver escutando, nem que ele mude, nosso som continuaria.
— Então poderemos contatar o mundo todo. Que fantástico!
Bem Samuel, você será nosso locutor, mas antes falarei com Justus e prepararemos as mensagens.
Dois dias depois desta conversa foram escritos os textos, aprovados pelo “Rei” e Samuel entrou no ar:
— Nossas saudações aos habitantes deste planeta. Viemos em paz, somos de um planeta muito distante cujo povo vivia da mesma forma que vocês. A diferença é que habitávamos a superfície. Uma catástrofe o destruiu e por muito tempo ficamos vagando no espaço até encontrarmos este lugar.
Não se preocupem conosco, não temos nenhum interesse em dominá-los, apenas precisamos viver da mesma forma que vocês. Nunca invadiremos seus domínios. As regiões próximas aos pólos são os únicos lugares onde nosso organismo pode se adaptar. Poderemos auxiliá-los e também precisamos de ajuda.
Referida mensagem e outras passaram a ser transmitidas diariamente. A CE passou a ter reuniões diárias, sempre no aguardo dos resultados.

A colonização era prioritária, mas nem todos partilhavam do objetivo comum.
Scaler estava a voltas com hostilidades aos bens públicos. Não bastassem os problemas, Ascânio estava arregimentando amigos e conhecidos para sua absurda causa e vinha se utilizando de um procedimento antiquíssimo. Não queria nada com os “formigas” e fundou uma organização oposicionista a Justus.
A pequena comunidade estava a voltas com atos que nunca haviam presenciado, pichações por toda parte: abaixo Justus, morra os “formigas”, limpem o planeta.
Scaler não teve alternativa e foi se orientar com Justus, que simplesmente lhe disse:
— Prenda-o com todo o grupo e os obriguem a limpar tudo que escreveram. Isto você pode fazer dentro da lei, apenas não poderá impedi-lo de continuar a falar. Faça isto com urgência, antes que Arosco volte.

Enquanto isto Arosco chegava em sua cidade. Foi recebido com muita alegria pelos pais, deu presentes para a família e amigos e contou sobre os humanos.
Estava com saudades da namorada Jaci e foi encontrá-la, temeroso em vê-la com outro. Ficou feliz, ela ainda esperava-o e chorou de alegria.
Passava parte do tempo com a jovem.
Numa das visitas enquanto rádio embalava músicas ornamentando o romance, de repente o som original desapareceu e no lugar surgiu a voz de Samuel com a primeira mensagem.
Jaci e os familiares da “formiga” surpresos, pediram explicações a Arosco. Prontamente informou sobre tudo, só não esperava utilizarem tal processo para alcançarem o povo.
Naquele dia ficou ainda algumas horas em companhia da moça, depois despediu-se e prometeu breve retorno.
No dia seguinte foi para a sede do governo falar com a Rainha.
A altiva e autoritária “formiga” recebeu-o de imediato, queria saber tudo sobre os alienígenas.
Depois do interrogatório lhe confidenciou:
— Parte de nosso povo está morrendo, uma epidemia que não conhecemos começou a dizimá-los, não sei o que fazer. Nosso departamento de ciência vem trabalhando mas sem resultado. Pela capacidade dessa raça imagino que possam fazer algo, nas mensagens que estão transmitindo oferecem ajuda.
— Alteza, talvez possam resolver, possuem um conhecimento além de nossa imaginação. Veja, com isto posso falar com eles, mostrando o micro telefone.
— Não sou orgulhosa. Peça auxílio, quem sabe possam salvar nosso povo.
Arosco não esperou, ali mesmo acionou o aparelho e chamou Jacobin. Explicou o que estava acontecendo na frente da Rainha, falando o dialeto que ela não conhecia. O cientista então lhe disse:
— Arosco, traga com você um médico especialista no assunto e que já venha cuidando da doença. Além disto, um pouco de sangue recente de alguma vítima. Também alguns roedores ou animais domésticos de vocês.
— Farei isto Jacobin.
Explicou para a Rainha e esta mandou chamar Raruque, dando ordens ao médico para voltar com Arosco e com o material necessário.
O “formiga” de confiança de Justus nem continuou o período de férias, voltou rapidamente para sua localidade só para se despedir.
Sem nenhuma demora os dois foram levados até a base por um veículo militar. Arosco durante a viagem avisou que estava retornando e o motivo.
Mal chegaram, os portões se abriram e os dois entraram carregando gaiolas com pequenos animais. Jacobin, Juneida e Gilson já estavam esperando e correram a pegar o sangue que traziam para colocá-lo no congelador. Em seguida levaram os roedores, só então cumprimentaram Raruque.
Arosco atravessara o grande corredor da Base com Raruque e os médicos, passara pela “avenida” interna e não percebera os escritos de Ascânio. Mas depois das providências iniciais, ao mostrar para o outro “formiga” as instalações recebeu um choque diante das frases maldosas.
Juneida e Gilson já haviam iniciado as providências para detectar o vírus. Jacobin procurou Raruque e o levou ao laboratório junto com Arosco. Apresentou-lhe as instrumentações e mostrou-lhe procedimentos.
O médico de Lacrin ficou boquiaberto ao perceber como os humanos conseguiram descobrir tão rapidamente a causa da doença. Mal havia chegado e o problema já havia sido solucionado. Naquele mesmo dia aprendera como fabricar a vacina e alem disto, todo processo foi lhe dado por escrito.
Como precisava permanecer no mínimo dois dias com os terrestres, para obtenção do soro, foi convidado a participar de uma reunião da CE.
Nas exposições, Arosco se mostrava distante, não participativo. Samuel vendo o modo do “formiga” tornou-se interprete para o cientista de Lacrin. O ambiente estava pesado e Justus sabia a causa e num dado momento interrompeu:
— Arosco, sei porque você está assim. O que você viu foi obra de Ascânio e de seu grupo, mas todos foram presos e serão obrigados a limpar tudo. Não se preocupe com isto, todos daqui gostam de você. Na sua terra também deve haver este tipo de gente.
— Existe Justus, queira me desculpar mas fiquei triste.
— Dei ordem para que os fizessem limpar antes de você chegar, mas não contava que viesse.
— Tudo bem Justus, entendi e não vou levar o fato em consideração. Disse Arosco, já descontraído.
No final dos dois dias a vacina estava pronta e nenhum dos escritos nas paredes existiam mais, a polícia fez o grupo trabalhar dia e noite como castigo.
Arosco voltou a ter a expressão alegre de sempre e auxiliava o médico “formiga” em tudo. Raruque se entusiasmara tanto que parecia não querer voltar, naturalmente devia sonhar em ter um laboratório igual.
Entendera com perfeição o que devia fazer.
Arosco foi o cobaia da primeira vacina, aplicada por ele e em seguida o próprio.
Antes de sair Raruque não agüentou e pediu a Jacobin para voltar. Foi presenteado com moderníssimos materiais para laboratório e um belíssimo microscópio. Não se fez de rogado, levou tudo. Ganhou muitos livros de medicina e uma cópia gráfica do dicionário que fora criado. Na volta foi pensando no grande benefício que seu povo teria e falou para Arosco que o acompanhava:
— Que inteligência possuem. Como chegaram a tanto?
— Ora Raruque, se conseguiram viajar no espaço, o que você quer? Eles vêem de uma civilização avançadíssima, somos primitivos diante deles.
— Mas não somos ignorantes, podemos aprender. Com os livros que recebi e com o dicionário garanto-lhe que vamos mudar nossa medicina. Logo voltarei, quero aprender como você a falar a língua dos terráqueos.
— Agora Raruque você tem que curar nosso povo. Quando tudo estiver bem e se isto ocorrer, na minha próxima visita retornará comigo passará um bom tempo com os humanos.
— Pensei que fosse ficar.
— Ainda tenho alguns dias de folga Raruque e pretendo aproveitá-los em minha cidade.
— Porque você não fica definitivo?
— Não posso, sou membro da Comissão Épsilon.
— Comissão Épsilon? O que é isto?
— Seria o mesmo que Comissão Grimuan.
— Entendi Arosco, então você é muito importante.
Assim, até Lacrin os dois foram conversando.
Logo que chegaram Raruque foi providenciar as vacinas e organizar a população sob apoio da Rainha.
Nos poucos dias que Arosco ainda permanecera, os resultados positivos do tratamento já se faziam sentir. A Rainha mandou chamá-lo e tratando-o como autoridade, lhe fez um pedido:
— Gostaria de agradecer os terrestres pela ajuda que nos deram.
— Se quiser Alteza poderá falar com eles pelo telefone.
— Telefone?
— Sim Alteza, o mesmo objeto que utilizei quando estive aqui.
— Então faça a ligação.
— Sim, espere um pouco.
Chamou Samuel e pediu que atendesse a Rainha. Esta apresentou os agradecimentos de Lacrin pelo auxílio prestado à nação. Disse que havia recebido a carta e que oportunamente iria visitar os humanos.
Contente por ter demonstrado sua gratidão, devolveu o aparelho a Arosco que antes de desligá-lo conversou com Samuel.
Justus, informado sobre o contato, chamou Myriam e acompanhara a conversação. Assim, pediu a Samuel para autorizar Arosco a deixar com a Rainha o comunicador.
Arosco deu a Jano o aparelho ela sentiu-se honrada. Orientou-a sobre o uso e que quando fosse ligá-lo o chamasse ou então Samuel.
O nativo retornou para Maura, sua cidade, permaneceu mais alguns dias com os pais e a namorada e depois voltou para sua rotina.

Jader como era de seu feitio não tolerava entraves, além de Jânio e Joseph escalou também Sabrina, noiva de Marcos, para organizar famílias para o transferência.
Pediu aos participantes da expedição, inclusive aos soldados, para auxiliarem nas orientações.
Sabrina queria tornar o ato num evento, num marco inicial da história de Nova Terra, como foi batizado o local. Estabeleceu um sorteio para escolher o casal representativo do homem no planeta.
Ninguém dera muita importância, mal sabiam que eles seriam sempre lembrados. Stasnilau, Walquíria e os filhos Ivan e Selena deixariam seus nomes para a posteridade.
Vinte e três pessoas, homens, mulheres e crianças com mais de doze anos, estavam no salão de treinamento.
Jânio e Joseph coordenavam os trabalhos mas deixaram a cargo da moça a execução. Filmes, fotos, tudo fora mostrado e explicado.
Enquanto eram treinados, máquinas seguiram para as proximidades com o “mar”.
A região era muito bonita e havia espaço para erguer-se o primeiro núcleo.
As casas estavam todas guardadas, o trabalho era só montá-las e dotá-las de geradores solares. O conforto seria maior do que quando estavam na Roda.
Fora tudo rápido, numa semana já podiam levar os pertences e iniciarem a vida na superfície.
Durante os trabalhos de instalação nada de anormal ocorrera, nem os índios foram vistos. Um acampamento para soldados também fora edificado.
Os exércitos dos “formigas” deixaram a superfície, assim os vôos de reconhecimento também diminuíram.
As mensagens pareciam ter alcançado o objetivo e também deixaram de ser transmitidas embora o rastreamento continuasse através da Roda.
A destruição em massa das armas dos nativos deixaram-nos sem opções de ataques.
Algum tempo depois, Saluam, Cardun e a Rainha Jano visitaram a Base e assim ocorreram as primeiras uniões formais dos terráqueos com as Nações Marantuam e Lacrin. Grande passo na aproximação com os povos de Épsilon.
Os benefícios começaram a surgir. Lacrin através de Raruque passou a ser um grande exportador de remédios e Marantuam garantia cada vez mais o seu poderio na região, auxiliado por Právida que se tornara muito íntimo de Cardun. Raruque era o visitante mais comum na fortaleza, um “aluno” potencial de Jacobin e da equipe médica.

À medida que novas casas aumentavam em Nova Terra a Base ia se tornando uma grande escola onde até “formigas” de ambas as Nações vinham aprender.
Jader continuava a ser um executivo nato e colocara para Tanaka a responsabilidade de controlar o fluxo monetário que passara a surgir com o intercâmbio crescente.
Tudo começou a ser cobrado e o dinheiro dos formigas aos poucos também passou a ser o dos terrestres.
Uma unificação necessária diante dos bilhões de habitantes do subsolo. Neste aspecto o padrão de troca passou a ser o de Marantuan.
Outros povos também se aproximaram, mas algo estava errado. Foi Lavínia quem alertou Justus dizendo:
— Num futuro breve vamos ter dificuldades, as reservas energéticas estão diminuindo, no máximo suportaremos vinte anos, depois muitos equipamentos terão que ser desligados. Outra coisa, com a grande venda de produtos os estoques permanentes estão na metade.
— Lavínia, quero uma relação de todas as coisas apreciadas pelos “formigas”. Temos que estudar formas de fabricá-los.
— Quanto a alguns produtos até acredito não seja difícil, poderemos até instalar pequenas indústrias. Mas e quanto ao sal e guloseimas?
— Bem Lavínia, traga a relação. Reunirei o Conselho e quero que esteja presente.

Em Nova Terra, ruas já davam sentido à pequena cidade. Quanto aos índios não foi difícil a aproximação. Walkíria montara uma escola onde as crianças da cidade e muitas da tribo indígena passaram a freqüentar. Cada vez mais a união com eles tornava-se evidente e alguns até levantaram cabanas próximas. Aprenderam a falar um pouco do idioma e passaram a negociar objetos que faziam, frutos e peixes.
Stanislau ao invés de dedicar-se a agricultura preferiu montar um armazém que estava sempre movimentado.
Sherman mandou fosse erguida uma igreja e periodicamente ia dar conforto ao já cerca de um milhar de pessoas que compunham a aldeia.
Graças a Jader o processo de transferência corria tranqüilo.


Justus estava muito preocupado com as informações da Chefe de Controle de Produtos e Equipamentos. Marcou a reunião com urgência e pediu que ninguém faltasse.
Todos atenderam e se postaram ao redor da grande mesa.
— Mandei chamá-los porque quero que ouçam o que Lavínia tem a dizer.
A senhora de meia idade de postura muito sadia se levantou e relatou com detalhes o que ocorria. Justus a seguir explicou:
— O fato é muito sério. Não podemos esquecer de que tudo o que temos foram produzidos por nossos ancestrais. Por sorte muito das coisas que apreciamos não tem sido de interesse dos nossos compradores. O item que mais me preocupa é o da alimentação. Por exemplo, o sal não tem substituto e o planeta parece não possuir reservas. O grande “mar” de Nova Terra é de água doce. Será preciso encontrarmos reservas do produto talvez no subsolo.
Arosco que ouvia com atenção seu chefe, tomou a palavra e observou:
— Então o produto é obtido de água salgada?
— Sim Arosco, porque? Você sabe de alguma reserva?
— Nunca utilizamos qualquer processo para obtê-lo mas este tipo de água que não existe na superfície é bastante comum no interior do planeta.
— Arosco, comunique-se com sua Rainha e peça que nos envie um grupo interessado em produzi-lo, ensinaremos como consegui-lo.
— Bem, com relação ao sal, parece estar solucionado. No entanto outro produto muito procurado é o açúcar que também é produzido muito em pequena escala pelos “formigas”. Gostaria de saber a opinião de Macarius.
— Justus, dediquei-me ao estudo e levantei algumas possibilidades para aplicar neste solo. A cana de açúcar não é uma delas, as mudas em suspensão são relativamente poucas e não poderão ser desperdiçadas aqui. Talvez a melhor região seja a que está próxima à entrada de Marantuan onde o clima é mais quente e até existe um período de noite, mas será preciso muita água.
— Estou vendo que também iremos perder este comércio.
— Porque perder Justus? Atalhou Ramos continuando:
Poderemos montar uma indústria aqui e trazer o produto de lá.
— E a energia para isto?
— Se bem sucedida, utilizaremos um pouco da vegetação no início e depois os próprios bagaços do vegetal.
Já pesquisei sistemas primitivos terrestres e podemos produzir muitas coisas através de métodos até artesanais. Noutro aspecto, levantei o que temos de moderno e para pronta instalação, na realidade são micro-fábricas, nossos ancestrais só pensaram em nós. Se temos pretensão a nível planetário, somente com a colaboração dos habitantes daqui.
— Conversarei com Saluam, terá que ser uma grande fábrica na superfície, composta de humanos e formigas.
— Justus, lembre-se de que para uma grande produção o processo terá de ser rudimentar, o que lembrará antigas fábricas da Terra.
— Não estou gostando do rumo que está tomando isto. Observou Právida continuando:
Vamos ensinar o que sabemos aos “formigas”, que me perdoe o Arosco aqui presente. Meu papel é a segurança do nosso povo, portanto temos que tomar cuidado. Ficaremos vulneráveis se nossa tecnologia for transferida.
— Tem razão Právida. Sei que estou parecendo até um renegado ao dizer isto, mas lembre-se de que mesmo aqui dentro existe o Ascânio que continua com suas idéias. Tanto em minha nação quanto nas outras a sede de poder é constante e muitos vivem a criar problemas. Seria uma maravilha se todos os meus iguais pensassem como eu, mas garanto-lhe que não é bem isto que ocorre.
— Está vendo Justus? Esta é a realidade.
Antes que Justus respondesse, Jader tomou a palavra:
— Concordo em parte, quanto ao caso do açúcar e do sal será uma boa forma de expandirmos nossas “fronteiras” e não vejo porque não deixar as coisas acontecerem. Nunca iremos fornecer tecnologia de nossas armas e elas existem numa quantidade muito grande. Precisamos de aliados, de integrarmos as duas nações próximas e amigas. Elas representam uma boa parcela dos habitantes deste planeta. Se pensarmos que não teremos problemas nos enganaremos.
Se tivéssemos chegado a um planeta onde fossemos os únicos ou mesmo tivéssemos encontrado habitantes no estágio de simples trocas de bens, poderíamos iniciar a existência num processo muito simplificado. Acontece que os povos daqui já se encontram plenamente evoluídos. Podem não possuir nossa tecnologia mas não divergem em termos de interesses. Resumindo, nossa coexistência vai depender muito de parcerias.
— Hoje é dia de colocarmos tudo em ordem. Gostaria de saber de Turibus e Slakes sobre os animais.
— Tudo bem Justus, foi muito difícil o controle deles devido ao dia constante, mas estão se adaptando e já está havendo renovações de rebanhos e as crias nada sofrem. Comentou Turibus.
— Estou cuidando das espécies nativas e já tenho conseguido bons resultados, falou Slakes.
Justus ouviu Samuel, Jacobin, Myriam e todos os outros mas quando chegou no Chefe de Polícia observou:
— A vida mudou Scaler e você continua o mesmo, não alterou nada. Já estabeleceu um posto em Nova Terra?
Encabulado e apertando as mãos respondeu:
— Não Justus, honestamente não pensei nisto.
— Pois trate de mandar construir uma sede lá e nomeie um representante seu para cuidar dos assuntos ou querelas locais.
Falando nisto, até hoje o nosso Juiz César nunca participou de nosso grupo, justo quem deveria ser a segunda maior autoridade. As leis devem ser aplicadas daqui para frente.
Também em Nova Terra deverá haver um representante público que funcione como prefeito. Sem organização nada funcionará. Está tão falha esta parte que quem está fazendo o papel de apaziguador de ânimos é o Padre Sherman, único a escutar os problemas de cada um.
— Não pode continuar desta forma, adicionou Jader.
Justus continuou:
— Situações de toda ordem estão acontecendo e está havendo muitos braços cruzados. Chegou o momento de cada um batalhar pelo seu ganho, não estamos mais a procura de uma estrela.
O “Rei” havia feito um roteiro para aquela reunião, nada fora deixado de lado. Se pensavam que o trabalho estava concluído os participantes se enganaram. Com o interrogatório quis dizer que precisava de cada um e que tudo fosse organizado. Que os chefes fossem responsáveis e não deixassem para uma única cabeça a resolução de tudo.


No dia seguinte, o Juiz de Direito tomou conhecimento do que fora comentado na reunião. Aborrecido foi falar com Justus e tentar se justificar.
— Veja doutor, o que vem fazendo em todos estes últimos anos?
Com perdão da palavra, nada. Está gordo e apenas o vejo passeando. Será que não lhe passou pela cabeça estudar a implantação do Direito em Nova Terra. Abrir as portas de seu escritório para a população procurá-lo. Parece que até ninguém o conhece!
O homem avermelhava, amarelava, sentia as palavras como punhaladas. Tentou numa última vez fazer uso de sua autoridade, o que foi pior.
— Ao invés de querer se desculpar, trate de arregaçar as mangas e trabalhar organizando toda área jurídica. Caso contrário encontrarei alguém para ganhar seu belo salário. Sabe que tenho poder para destituí-lo. Mais ainda, não quero vê-lo dentro da base, já é hora de mudar-se para a vila e faça isto com urgência. Também é importante que saiba que estará obrigado a comparecer em todas as reuniões da CE.

Enquanto os terráqueos se organizavam, em Camapro a maior e mais poderosa nação de Épsilon era tramado um plano para erradicar os alienígenas. Localizada na área central do planeta, detinha as maiores plantações de sarume, controlava o comércio do produto e possuía a maior indústria do mundo.
Godoin, chefe da nação e líder militar reunira num grande salão todo serviço de inteligência do país.
— Sabemos do que são capazes esses vermes do espaço. Nosso exército é o melhor que existe, o mais corajoso e temido e eles são irrisórios perante nossas forças. Por sua vez suas armas são extremamente letais e devem possuir tipos piores ainda das que destruíram nossos canhões. Num combate poderemos ser dizimados. Mas se pensam que nos entregamos estão muito enganados.
Uma coisa é certa, garanto-lhes que vamos exterminá-los.
— Como vamos fazer isto? Perguntou um dos comandados.
— Simples, vamos dar um jeito de nos infiltrarmos em suas instalações e até pensarem que somos amigos. Pelo que sei, mentalmente não são diferentes dos “formigas”. Temos que fazê-los acreditar em nós. Vocês são especialistas nisto. Não quero nada precipitado. Sei que estão ensinando muita coisa a Marantuam. Vou me aproximar de Saluan e mostrar-me temeroso em relação a essa raça. Vai demorar para obtermos resultados, mas conto com vocês para encontrarem a fragilidade deles.

O cotidiano na Base era cada vez mais movimentado e os formigas após se identificarem estavam sempre procurando coisas para comprar, principalmente Shumatin e os ex-companheiros. No entanto outros começaram a aparecer por indicações convincentes.
Arosco zelava pelos interesses da Base como se fosse um terráqueo, por vezes até se esquecia que pertencia ao subsolo. Sabendo da aproximação que Godoin vinha tentando com Saluan, alertou Justus sobre os Camaprenses:
— São perigosos, não confie neles. Virão aqui para bisbilhotar. Já fizeram isto e depois atacaram nações.
— Obrigado Arosco, mas deixarei que venham. Talvez possamos inverter a situação. Você entende a língua deles?
— Um pouco, o suficiente para continuar meu trabalho.
— Pois quero que os trate muito bem, sem demonstrar qualquer receio. Deixe por nossa conta o resto.

Aconteceu o previsto, um grupo de Camapro chegou, representado por “homens” e “mulheres” , sorridentes e muito expansivos. Foram bem recebidos e acomodados em ótimos compartimentos. Demonstraram muita facilidade para contato, diferente dos habituais “formigas” que vinham de Marantuan e Lacrin.
Enquanto isto, Justus reunia a CE.
— Meus amigos, temos um grupo de espiões aqui dentro. Podemos prendê-los ou mandá-los de volta, mas isto poderá ser pior. Arosco sabe que o problema é sério.
— Na minha opinião deveriam ser enxotados, eles irão assimilar tudo que for ensinado. Serão capazes de se mostrarem os melhores que vieram para cá. Por traz disto estarão levantando dados e formas de acabar com vocês. Até hoje nunca perderam guerras, são capazes das piores coisas.
— O que você acha Jader?
— Deixe-os aqui. Já foram revistados e não trazem armas ou qualquer objeto que possa denotar perigo imediato. Logo que assimilarem um pouco o idioma e passarem a entender-nos seria oportuno mostrar-lhes terríveis filmes de guerra dos antepassados, principalmente onde eram usadas armas nucleares. Transporão as imagens para seu povo e se perguntarem se temos tais armas diremos existir muitas.
— Talvez seja uma forma de dissuadi-los de qualquer tentativa. Comentou Právida.
— Vocês não estão entendendo. Nenhum exército virá atacar-nos. Oferecerão ajuda e procurarão por todos os meios conviver aqui e os humanos começaram a morrer. Adiantou Arosco que sabia como agiam.
— O problema á muito sério Justus, o melhor será mandá-los de volta. Estou acreditando em Arosco, não devemos nos arriscar. Atalhou Právida.
A votação foi unânime, inclusive de César, que pela primeira vez participava da reunião. Permitiriam apenas que descansassem e depois os colocariam fora da fortaleza.
Passado o tempo necessário Justus mandou chamá-los e pediu a Arosco ser o interprete:
— Descobrimos que todos vocês são membros do serviço de inteligência em seu país e que estão aqui para nos observar e encontrar nossa fragilidade.
— Estamos aqui para iniciarmos uma amizade com os humanos. Disse o líder.
— Temos meios de saber quem são e para que vieram, apenas os deixamos entrar para que pudessem descansar e não sermos grosseiros. Diga ao seu governo que isto não adianta e que nós escolheremos nossos amigos.
Os dezesseis “formigas” não viram outra alternativa senão a de darem a volta e saírem. Tomaram seus veículos e rumaram para o deserto.

Era a segunda batalha perdida, Godoin quase morreu de raiva. Considerou tudo na estaca zero, mas não estava vencido. Pensava:
— Deve existir alguma forma de acabar com os alienígenas, que são mortais já sei. Encontrarei alguma maneira de aniquilá-los.

Justus por sua vez raciocinou melhor e concluiu que agira corretamente, embora por ele até os tivesse acolhido na Base. O que seria um enorme erro e foi graças a Arosco que não cometera tal idiotice. Percebeu como era importante ter um aliado no planeta e o chamou.
O “formiga” logo atendeu-o e se apresentou-se.
— Quer falar comigo Justus?
— Sente-se, precisamos ter uma longa conversa.
Curioso o nativo sentou-se e pôs-se a escuta.
— Arosco, em primeiro lugar quero agradecer-lhe por se preocupar conosco.
— Sou muito grato por ser membro da Comissão e da confiança que depositam em mim.
— Bem Arosco, entendo sua lealdade, mas você conhece muito além do que imaginava. Existe algo mais que gostaria de saber.
— Pergunte-me Justus, direi-lhe tudo que quiser saber.
— Você já foi membro do serviço de inteligência em sua nação ou em outra? Senti que sua intercessão na Comissão era de alguém que sabia com exatidão o que estava falando.
— Nada lhe disse até agora porque ninguém perguntou-me. Na realidade, quando cheguei aqui estava a serviço de meu país, não para investigar vocês mas para conhecer o exército em que vinha prestando serviços.
— Isto explica até uma certa antipatia de Shumatin. Mas ainda faz parte do serviço secreto.
— Não Justus, nesta volta que fiz desliguei-me do trabalho.
— Mas aceitaram? Não pediram para fazer o mesmo conosco?
— Pediram Justus, mas não aceitei. Familiarizei-me muito aqui e sinceramente pode ficar despreocupado, quero acompanhá-los enquanto aceitarem-me.
— Mais uma vez lhe agradeço. Mas conte-me o que sabe sobre Camapro.
— Quando estava na ativa e Camapro nos ameaçava efetuamos análises de todo tipo sobre o comportamento do seu governante. Sei com bastante profundidade sobre a forma de agir de Godoin.
Quando não consegue o que quer de um jeito ele espera, vai experimentando tudo o que pode até conseguir vitória. Não é só perigoso, é desleal e capaz de atrocidades sem limites. Governa várias nações, principalmente as que fazem limites com o País. Domina sua nação a ferro e fogo.
— Que bom estar conosco. Precisaremos planejar alguma coisa. Já sei o que devo fazer, mas preciso contar muito mais com você.
— O que pretende Justus?
— Por enquanto Arosco peço aguardar, pode ser que me engane em minhas deduções. Peço apenas que vá até Lacrin e consiga-me duas pessoas conhecedores de línguas, principalmente a de Camapro. Se tiverem dicionários ou coisa parecida que tragam. Deverão ficar aqui por um bom tempo. É difícil?
— Espero que não? Mas da mesma forma que usam o dinheiro, nós também e eles vão querer remuneração.
— Ofereça-lhes qualquer valor que julgar necessário, já temos boa reserva do dinheiro de vocês e será o suficiente para pagar salários muito altos, não se preocupe com isto.
— Está bem Justus, devo ir quando?
— Imediatamente se não tiver outros compromissos.
— Então vou me preparar e partirei.
— Arosco, peça para o Jader e Právida virem até meu gabinete.
O “formiga” saiu pensando qual seria o plano de Justus. Mas realmente vestia a camisa terráquea e se limitou a fazer o que o “Rei” pedira.
Jader e Právida foram ver o que Justus queria.
— Mandei chamá-los porque diante da atitude de Godoin mandando espiões aqui, a situação tornou-se mais grave do que pensava. Precisamos ter uma carta nas mangas. Tive uma longa conversa com Arosco e agora sei do que o chefe de Camapro é capaz. Tenho certeza que está revolvendo céus e terra para descobrir uma forma de acabar conosco. Foi ele quem organizou o ataque para nos destruir e também planejava fazer infiltrações para o mesmo fim.
É um ditador que para alcançar seus objetivos é capaz das piores coisas. Tenho certeza de que vai tentar uma nova investida.
— Seria um idiota em fazer isto, atalhou Právida.
— Pelo contrário, se não possui respeito pela vida é bem provável que envie uma parcela de seu exército para nos atacar.
— Repito o que disse Justus. Seria uma atitude imbecil. Sabe perfeitamente que poderemos dizimá-los.
— Právida, raciocine, suponha que não se importe em sacrificar seus “formigas”. Que pelotões suicidas marchem contra nós e que tenhamos de eliminá-los. Mesmo assim, ele prepara outra força e tenhamos de fazer o mesmo.
— Não entendi Justus, atalhou Jader.
— Mas eu entendo. Com os formigas morrendo por nossas armas ele conseguirá levantar a população do planeta contra nós e seus soldados granjearão fama de heróis.
— Fantástico Justus! Atalhou Právida.
— Ele não possui nenhuma alternativa a não ser um tipo de coisa assim. Para chegar a este raciocínio me coloquei no lugar dele. Quer nossas armas e para isto será capaz de jogar o mundo contra nós. Honestamente acabaríamos sucumbindo.
Supondo que realmente venha a agir dessa forma, conclui que devamos nos prevenir.
— Como assim Justus? Perguntou Jader.
— Quem você conhece que tenha muito interesse por línguas que não seja a Psicóloga nem o Samuel?
— Já ouvi falar que Raquel, ex-noiva de Jânio, se interessava muito por idiomas antigos.
— Pois bem, peça para vir falar comigo.
— Mas Justus, se você estiver certo e não passar de uma hipótese, o que deveremos fazer? Perguntou Právida.
— Por enquanto aguarde, se for confirmado o que pensei, você será o primeiro a saber. Os possíveis ataques ainda não serão agora, mantenha apenas os homens muito atentos.
Por hoje vamos parar por aqui e esperar.

Raquel se surpreendeu com o pedido de Justus e foi atendê-lo.
— Raquel, desculpe-me perguntar, está presa a algum compromisso pessoal no momento?
— Não, porque pergunta-me?
— Sei que estava noiva de Jânio, por isto quero saber, depois lhe explico.
— Já lhe disse, não possuo nem sequer um namorado.
— Pois bem, estou fazendo-lhe esta pergunta porque preciso de você totalmente desimpedida de quaisquer outros problemas, pessoais ou não.
Porque Justus? Voltou a perguntar a elegante moça loira.
— Fiquei sabendo que no seu tempo de estudante se interessava muito por línguas.
Vou receber um ou dois “formigas” especialistas no assunto e preciso que você domine totalmente o idioma de Camapro.
Deve utilizar-se dos equipamentos a disposição e procurar outros que possam estar em conservação. Encontre tudo que puder ser aplicado para conseguir em pouquíssimo tempo o domínio total da língua.
Seu primeiro passo antes que cheguem os professores é inteirar-se até de processos esquecidos. Preciso que venha a ser uma perita total no assunto, se necessário forme uma equipe. Será importante que também saiba a língua de Arosco.
Posso deixar isto a seus cuidados?
— Justus tenho um pouco de receio, mas vou tentar oferecer o melhor de mim e espero vencer a batalha.
— Então vá Raquel e comece ainda hoje a preparar-se, levante tudo o que puder ser útil.

Právida e Jader, tal qual Arosco ficaram sem saber o que pensar, não atinavam qual o propósito real de Justus. Enquanto caminhavam, Právida observou:
— Justus deveria ter sido mais objetivo, poderia ter nos informado sua real pretensão.
— Também acho. Afinal seremos nós que executaremos suas ordens. De qualquer forma tem a haver com a saída de Arosco que foi buscar professores de línguas. Será que vai tentar uma dissuasão coletiva através da palavra, via rádio?
— Não sei, se for isto, estará muito enganado. Mas porque será que não se abriu conosco?
E assim continuaram fazendo deduções.

Ainda naquela semana Justus chamou novamente Raquel e lhe perguntou:
— O que você descobriu de interessante para agilizar a aprendizagem Raquel?
— Descobri equipamentos fantásticos. O principal deles permite a introdução da linguagem diretamente ao cérebro através de chips temporariamente fixados. Ligados a um processador é capaz de registrar sistematicamente tudo que for programado. A única coisa necessária é a idéia do objeto ou coisa ligada à palavra ou termo. Segundo entendi, depois de aplicado o processo, a pessoa é capaz de falar qualquer língua ou escrevê-la, bem como formar novas idéias.
Terminado o “tratamento” é só retirar os contatos eletrônicos.
Basta dizer Justus que o sistema eletrônico adotado e que forneceu o primeiro dicionário é obsoleto perto do que encontrei.
Já conversei com o Dr. Gilson para logo que os professores chegarem e passarem para o sistema a linguagem completa, introduzir os chips em mim e se possível no Arosco.
Com isto, saberemos o resultado. É uma experiência mas estou disposta a ser cobaia. Por sinal, quero ser, não vejo a hora de aprender o máximo de línguas. Acredito que Arosco não venha a se opor.
— Você está de parabéns Raquel, me surpreende, encontrou realmente aquilo que desejava. Se der certo vai ser muito útil no futuro.

Passado mais alguns dias Arosco voltou trazendo dois “formigas” muito bem vestidos.
Altivos e com porte de professores entraram no gabinete de Justus:
— Estes são Lening e Gastin. Disse Arosco.
Ambos apresentaram seus cumprimentos, o “Rei” disse-lhes palavras de boas vindas e em seguida:
— Arosco, leve-os para Raquel que será a aluna imediata deles e também coordenará os trabalhos. Ela já está a espera e saberá o que fazer. Mais uma coisa, quero que você também aprenda totalmente o idioma de Camapro.
Raquel, muito gentil os levou primeiro para uma boa refeição e um descanso, marcando para o dia seguinte o início das aulas.
Os professores ficaram perplexos diante do que viram.
Desde o início quem mostrava o que fazer era Raquel e os professores, sob orientação de Arosco, tinham apenas de dar nomes em língua Camapro às coisas que viam no vídeo. Por exemplo, a palavra paisagem era repetida tantas vezes quanto necessária a medida que várias cenas representativas eram mostradas. As abstratas por vezes eram explicadas por Arosco e assim, termo por termo iam compondo o processador.
Durante dias de intenso trabalho, dois dicionários completos acabaram sendo construídos e prontos para serem transmitidos. Um para o idioma de Camapro e outro para o de Lacrin e Marantuan.
Raquel dispensou temporariamente Lening e Gastin e pediu a Jader segurá-los por uns três dias. O assessor de Justus compreendeu e os levou para conhecer as instalações, os membros da CE, etc..

Arosco até então nada havia entendido e pensava que iria receber aulas dos mestres. Raquel que não tivera tempo de lhe dar explicações, lhe falou:
— Descobri um equipamento terrestre capaz de permitir assimilação instantânea de linguagens. Micros peças eletrônicas serão introduzidas em meu cérebro, não há nenhum perigo e vai me possibilitar falar o idioma Camapro em dois ou três dias.
— Bem que estava estranhando os equipamentos, quando aprendi a falar a língua de vocês eram diferentes.
— Certo Arosco, mas atendendo pedido do Justo, gostaria que também participasse da experiência. O processador está composto com três línguas, a nossa, a sua e a de Camapro.
Arosco se assustou e ficou sem nada dizer.
— Está com receio Arosco?
Vou participar disto de qualquer forma, não tenho paciência de ficar memorizando coisa por coisa. Por outro lado o que Justus mais conta é com você para conversar com eles.
— Conversar com eles?
— Também não entendi.
— Bem Raquel, tenho medo sim, não vou negar, mas vou acompanhá-la.
Após obter a adesão do companheiro foi chamar o Dr. Gilson que já estava com a sala preparada. Este os levou e os fez deitarem sobre camas de enfermagem. Com a utilização de robôs fixados próximos às cabeças procedeu o implante.
Um a um os chips foram sendo introduzidos tanto em Raquel quanto em Arosco. O Dr. Gilson seguiu um esquema aberto em sua mesa e através de um visor cerebral controlou o ato cirúrgico. Concluída a operação perguntou:
— Sentiram dores?
— Nada. Responderam.
— Pois bem, agora podem ir para o processador.
— Já sabe o que fazer Doutor. Conforme estudei, logo após a transferência, tudo parecerá confuso para nós. Comentou Raquel.
— Não se preocupem, estarei acompanhando todas as etapas.
Arosco saiu do consultório descontraído e desabafou:
— Puxa que alívio! Esperava passar por uma tortura, mas nem senti aquelas coisas serem colocadas na minha cabeça.

Não havia tempo a perder, dali mesmo voltaram para o centro de processamento onde auxiliares previamente instruídos por Raquel já esperavam.
Ambos abriram um invólucro e tomaram uma poção contida num pequeno frasco, sentaram-se e sob suas cabeças foram colocados capacetes. Em seguida ela mesma acionou o transmissor cerebral. Tão logo fez isto, entraram em letargia.
A máquina funcionou por horas e horas seguidas. Os auxiliares haviam sido orientados para só retirarem os capacetes quando um pequeno visor na aparelhagem anunciasse o fim das mensagens. Em seguida deviam ministrar-lhes dois medicamentos que ficaram expostos.

Raquel e Arosco acordaram já livres das armaduras cerebrais e com dois rapazes dando-lhes água e os comprimidos.
Para ambos tudo estava turvo e esquisito, foi difícil entenderem o que estavam fazendo ali. Mas aos poucos foram ganhando forças e recobrando a memória, bastante misturada.
O Dr. Gilson os levou para acomodações hospitalares para o tratamento previsto.
No dia seguinte Arosco e Raquel ficaram juntos. Sabiam o que havia acontecido mas quando tentavam coordenar as frases as palavras saiam trocadas.
Aos poucos melhoravam o raciocínio.
No terceiro dia distinguiam claramente os idiomas e podiam conversar normalmente um com o noutro.
O médico estava atento e efetuou um teste programado. O resultado foi positivo, levou-os então para a cirurgia e efetuou a retirada dos chips de forma muito cuidadosa, pois podiam ser reaproveitados, embora houvesse boa quantidade deles em estoque.
Tudo terminado, foram liberados e Justus foi avisado.

Os professores de Lacrin bisbilhotavam tudo e aproveitavam muito bem a estadia. Curiosos estavam na central de distribuição de produtos conhecendo os artigos terrestres quanto o “Rei” foi ao encontro deles.
— Senhores Lening e Gastin por favor queiram me acompanhar, disse Justus sob interpretação de Samuel.
E os quatro entraram na sala onde Raquel e Arosco os esperavam.
— Peço aos senhores, dirigindo-se aos professores, testarem seus alunos.
— Mas como, se ainda não lhes ensinamos nada? Perguntou Gastin.
— Mesmo assim, conversem com eles na linguagem de Camapro. Observou Justus.
Lening descrente e receoso de estar fazendo papel de bobo, dirigiu-se para Raquel naquela língua:
— Quem é Godoin?
— É chefe militar da Nação Camapro e possui um exército de um milhão de soldados.
Ficaram estarrecidos com a resposta. Tentaram com Arosco e o resultado foi o mesmo. Dai em diante passaram para uma conversação normal com os “alunos”. Depois não se contendo e falando no idioma normal de Lacrin Lening perguntou a Arosco:
— Como conseguiram isto? Levei muitos e muitos anos para dominar a língua Camapro e vocês a aprendem da noite para o dia.
— É a tecnologia dos terrestres. Eles precisavam apenas associar as palavras numa máquina e daí transferi-las para o cérebro.
— Espantoso! Inacreditável! Exclamou Gastin.
— Não temos nada mais a fazer aqui, são capazes até de nos ensinar.
— Quero agradecer a vocês, disse Justus.Serão recompensados. Depois dirigindo-se a Arosco pediu para levá-los a Tanaka e que ele lhes pagassem o equivalente a quatro meses de trabalho. Mais ainda, que fossem presenteados com artigos terrestres.
Os professores ficaram apenas três semanas na fortaleza e satisfeitíssimos voltaram para sua nação.
Era o que Justus queria e o sucesso fora total.
Contentíssimo com o resultado novamente convocou os cobaias:
— Como se sente Arosco?
— Nem sei o que dizer, estou muito mais inteligente. Parece até que nasci falando o Camapro. Quanto a linguagem de vocês também ocorre a mesma coisa. É uma confusão saber falar três línguas ao mesmo tempo.
— E você Raquel?
Digo o mesmo, a experiência é surpreendente. Calculo como foi para os professores que vieram aqui pensando passarem meses nos ensinando.
— Bem, quero que guarde muito bem o equipamento e tudo que se relacione a ele. Tenho um plano de emergência, se necessário vai ser de muita utilidade.
Por ora não será utilizado em nenhum de nós. Quero apenas que tudo seja conservado e preparado para uso.
Arosco estava pronto para interrogar Justus, mas não o fez, se limitou a perguntar apenas o que deveria fazer dali em diante.
— Voltará à sua rotina, auxiliando no encaminhamento dos “formigas” que chegam aqui.
Quanto a você Raquel, continue a levantar tudo o que temos para auxílio na lingüística. Você passa a ser a Chefe de Línguas e quando for necessário a chamarei. O processador fica sob sua responsabilidade.
Quero agradecer muito pelo trabalho que fizeram. Vocês nem calculam como foi importante o resultado apresentado.
Quando Raquel e Arosco saíram sentiram-se na mesma posição de Právida e Jader.

As curtas estações foram se revezando e mais de dois terços dos que habitavam a fortaleza já estavam estabelecidos em Nova Terra.
Até Samuel e Myriam já possuíam sua residência e ela estava tornando-se dona de casa. Feliz, esperava o primeiro filho. D. Antônia embora tivesse aceitado o casamento ainda se mantinha desconfiada com relação ao genro. Tanto ela quanto Juliano receberam uma casa próxima a da filha. O marido por vezes se encabulava com a atitude da mulher e lhe dizia:
— Porque não acaba com isto? Eles vivem bem.
— Não adianta explicar Juliano, nunca vai conseguir me entender e queira Deus que permaneça assim.
Ascânio, continuava o mesmo mas não voltou a perturbar. Preferiu continuar na Base.
Sabrina depois de algum tempo auxiliando na transferência das famílias optou por trabalhar no sensoriamento e ficar perto do noivo, era comum vê-los aos beijos e abraços.
Joseph e Jânio dedicavam-se tenazmente na construção da cidade, comandavam as obras de engenharia e distribuíam as famílias.
Scaler mantinha-se na Base mas construíra uma delegacia em Nova Terra.
Salermo, Oshiro e Rick eram os eternos vigilantes do povo que aos poucos iam deixando o antigo lar.
Mourisco mudou de profissão, passou a ser um intermediário com os índios, aprendeu a falar o idioma deles e cuidava da aproximação pacífica.
Walkíria, em pouco tempo teve de aumentar a escola e contratar várias moças para o ensino. Além das crianças terráqueas, as nativas também começaram a freqüentá-la.
Tudo corria bem, os humanos em pouco mais de um ano ao ar livre, não queriam outra vida.
Periodicamente freqüentavam as praias ou faziam pescarias. Criaram esportes e até os índios participavam. Era o início de uma existência feliz para os humanos. Mal sabiam que em Camapro se tramava a extinção deles.
“Formigas” de Marantuam ou de Lacrin já não eram novidades para a população. Não causavam mais nenhum receio, e todos passavam primeiro por Arosco para depois ficarem livres dentro da vila.
O Padre Sherman também passara a residir na primeira igreja do local.

Um ano, dois anos e a vida em Épsilon tornara-se rotina, até Justus estava descontraído, quando em meados do terceiro ano um alerta nos sensores. A varredura constante mostrou formações militares de médio porte. Marcos logo foi avisar o “Rei”, que mandou convocar a CE.
Na reunião, Justus abriu o Jogo:
— Tempos atrás disse a alguns de vocês sobre a possibilidade de sermos novamente atacados pelo exército de Godoin. Elaborei um plano, mas nada quis adiantar porque tratava-se de uma hipótese. Tomei as providências e fiquei esperando.
Pois bem, agora chegou o momento.
Tenho certeza de que Arosco concordará comigo depois de me ouvir.
— Mas então nos diga Justus, afinal que plano é este?
— Calma Právida e preste bem a atenção.
Godoin nunca se dará por vencido e como já tive oportunidade de dizer para você e Jader, ele vai investir contra nós tantas vezes que se deixarmos, um dia irá nos destruir.
— Vamos acabar com eles então! Exclamou Právida.
— Será que você se esqueceu o que já lhe disse? É justamente o que ele quer.
Nas imagens enviadas pela Roda, vinte mil “formigas” estão se deslocando, sem canhões ou de outras armas de porte.
— Se ele pensa assim, vamos ajudá-lo varrendo todos de uma só vez.
— Mas Právida, será que não pode pensar um pouco?
O Tenente ficou até irritado com a resposta, mas se aquietou. Sherman e Arosco pareciam entender onde o líder queria chegar. E ele continuou:
Pois bem, deixaremos chegarem na metade do caminho. A distância ainda é grande, estão progredindo ora pela superfície, ora pelas vias subterrâneas, provavelmente levarão umas duas semanas ou mais.
Právida, agora você vai entender.
Quando estiverem na superfície e chegarem no ponto que disse, deverá providenciar um transportador de grande porte, levando o maior número possível de soldados e máscaras contra gases. Sei que temos bombas de gás paralisante, despeje-as sobre eles, de forma que ninguém fique em pé. Desça o transportador, retire de todos as armas que tiverem.
Agora você Arosco, deverá ir com Právida, acredito que deva saber quais os símbolos de comando deles.
Quero que todos os chefes de regimentos que calculo seja em torno de uns cinqüenta ou pouco mais sejam seqüestrados e trazidos para cá imediatamente.
— Mas Justus, ainda não entendi. Voltou Právida a observar.
— É o seguinte, agora não há mais necessidade de segredo e também nunca houve, apenas precisava confirmar minhas suspeitas.
Conversei muito com Arosco, é bom que saibam que ele já foi Agente no país dele. Conhece com profundidade Godoin e sabe que é um “formiga” da pior espécie, capaz de coisas incomuns para obter o que quer. Certo Arosco?
— Perfeitamente Justus, poderia contar coisas dele de arrepiar até vocês que não são deste mundo. Mas não vem ao caso, por favor continue.
— Vou resumir, ele está enviando estes soldados para morrer, propositalmente. Com isto, se viesse a ocorrer e é o que pensa que vai acontecer, tais soldados seriam heróis. As nações do mundo subterrâneo se revoltariam e com milhões e milhões de soldados nos atacariam tantas vezes quanto necessário até um dia nos alcançarem. Godoin não pensa no seu povo nem respeita a vida. Portanto vamos apenas retirar as armas deles e trazer os cabeças que dirigem os pobres soldados.
— Agora entendi Justus. Então era isto? Disse Jader.
— Mas para que trazê-los para cá? Perguntou Sherman.
— Esta é a outra face da moeda. Poucos sabem o motivo porque trouxe dois professores de Lacrin para ensinar a língua de Camapro. Na realidade era para colhermos os sistema lingüístico, escrito, falado e visualizado. Raquel aqui presente descobriu nas ferramentas armazenadas um processador cerebral capaz de em três dias transferir linguagens diretamente para os neurônios, dotando quem o utilizasse o conhecimento completo de um determinado idioma. Hoje Raquel e Arosco falam e conhecem todo dicionário de Camapro, tanto quanto o da nossa língua.
— Já sei, vamos inverter para que os seqüestrados aprendam o nosso idioma. Completou Samuel.
— Muito correto. Isto feito, vamos contar a eles o plano de seu chefe, fazendo-os ver que estavam caminhando para a morte. Para convencê-los vamos mostrar-lhes filmes e algumas de nossas armas até entenderem que não teriam nenhuma chance. Faremos uma doutrinação completa até compreenderem o principal, que Godoin sabia disto. Depois de uma conscientização completa e quando acharmos totalmente preparados para voltarem, os devolveremos como pessoas capazes e prontas para darem um basta no Tirano.
— E se ele mandar novas tropas?
— Continuaremos a tomar as armas deles até esgotarmos nossas bombas.
— Justus, é bom saber que máscaras contra gases também existem no mundo subterrâneo. Observou Arosco.
— Se isto acontecer, temos armas que agem na epiderme e provocam a mesma coisa, só que estas não devem ser usadas no momento, teremos que estar preparados para sempre surpreendê-los sem matá-los. De novo tomaremos as armas e colheremos mais comandantes.
— Tem razão Justus. Está conhecendo mais sobre armas do que eu. Observou Právida.
— Acho que sei tudo sobre elas, efetuei levantamento e li sobre cada coisa existente. Basta dizer que se quiséssemos poderíamos até destruir o planeta. Futuramente quando tudo terminar pretendo colocá-las num carregador e enviá-las para dentro da estrela, são tão perigosas que a única solução será esta.
— Interessante! E dizer que a Terra viveu quase mil anos sem guerras. Será que tais armas foram benéficas, cada nação deveria ter a sua e o medo de serem utilizadas levaram a humanidade a evitar conflitos? Observou Jader.
— Mas o assunto não é este. O importante é o que temos que fazer agora. Gostaria de saber se todos estão de acordo com o plano?
Como ninguém se pronunciava Právida falou:
— Concordo plenamente com a ação proposta, mas gostaria de ouvir Arosco.
— Justus está no caminho certo, conheço bem o modo de agir de Godoin e acredito firmemente que é o que está fazendo agora. Mais ainda, para colocar vinte mil vidas para a morte, não pensa duas vezes. Frustração para ele vai ser quando os “formigas” voltarem, é capaz de até serem maltratados.
— Você pinta ele muito negro. Tem algum motivo Arosco? Perguntou Sherman.
— Quem não o tem em nosso mundo? Ele domina todo alimento produzido, escraviza os trabalhadores. Sempre ameaça com mão de ferro o nosso mundo. Porque uma nação tão afastada como a nossa pode sofrer as conseqüências? Perguntariam, mas se não podemos utilizar as grandes e extensas áreas centrais onde o sarume vegeta, somos obrigados a comprá-lo a peso de ouro.
— Mas não possuem outras formas de alimento? Perguntou Macários.
— Claro, senão morreríamos de fome. Ocorre que no subsolo a maior parte dos vegetais são destituídos de clorofila e de nutrientes fortes. Utilizamos pequenos rebanhos de alguns animais que também convivem conosco.
Ainda Macários:
— Mas porque não utilizam a área externa nos pólos como estamos fazendo.
— Você esquece Macários que a maioria de meus irmãos de raça não possuem condições de possuir sequer uma máscara para vir a tona. Em casos raros como no meu, posso enxergar sem visores, mas a grande maioria tem que viver em baixo da terra.
— Justus, sei que estou fugindo do assunto, mas tem sido tão difícil conversar com Arosco, assim peço permissão para lhe fazer mais uma pergunta:
— Como podem sobreviver as plantações de sarume em áreas quentíssimas ou então geladas e desérticas, sem água.
— Bem Macárius, quanto as plantações elas só proliferam em tais regiões e apenas um entendido poderia explicar, mas existe irrigação constante sobre as raízes feita mecanicamente com águas retiradas das profundezas.
Justus vendo que as conversações estavam seguindo para outro rumo resolveu encerrar a reunião.

Após quinze dias e sob informações constantes de Marcos, as tropas de Godoin progrediam, desapareciam por entradas subterrâneas e reapareciam periodicamente.
O momento havia chegado e o exército estava em campo aberto.
O transportador levantou e através de seus propulsores foi deslizando em direção ao grupamento. Durante bom tempo, quatrocentos homens mascarados mantinham-se prontos. Právida e Arosco compunham a tripulação e Júlio Chefiava o grupamento armado.
Ainda havia um bom pedaço de dia quando surpreenderam os inúmeros formigas pisando a quente e alaranjada terra, sem vegetação e poeirenta.
As bombas começaram a descer e nas explosões uma fumaça azulada ia cobrindo os batalhões.
Quando pararam de jogá-las, nenhum “formiga” estava em pé. O transportador desceu e um intenso trabalho começou.
Com carretas auxiliares, os humanos iam desarmando e rapidamente colocando os objetos letais dentro da caçambas. Iam e voltavam, numa ação que não parecia ter fim.
Arosco orientara os soldados e todos estavam informados de como encontrar os chefes das companhias. Assim, vez ou outra um deles gritava e imediatamente para lá iam mais dois e levavam o “formiga”. Algemavam-no e o colocavam num compartimento da nave.
Os últimos a perderem as armas já começavam a acordar quando a noite já se anunciava.
O Transportador cheio de soldados cansados finalmente ergueu-se e já estava tomando altura quando viram os “formigas” desnorteados, procurando seus fuzis ou retornando sem rumo.
— Quantos chefes conseguimos? Perguntou Právida para o filho.
— Sessenta e três, todos usando a tarja vermelha com o símbolo de Camapro na farda.
— São mesmo chefes Arosco?
— Claro Právida, somente eles podem utilizar a marca de comando impressa no fundo vermelho.

Quando chegaram na Base, Justus parecia tão tranqüilo que até chamava a atenção. Mandou que os “formigas” fossem colocados num compartimento seguro e confortável, com água e alimentos a vontade, tudo já preparado.
Právida não agüentou e perguntou:
— Justus e se não tivéssemos obtido resultado na ação?
— Não havia como errar Právida, somente se o transportador explodisse ou se as bombas não fizessem efeitos sobre eles, o que sabemos não ia ocorrer.

Novamente Godoin perdera e desta vez quase enlouquecera.

Raquel já havia organizado uma equipe com soldados e um grupo de enfermagem capacitado para aplicar nos nativos o método de transferência imediata de linguagem. Justus previra tudo e através de suas instruções parecia até rotina o que deveriam fazer.
De quatro em quatro, os “formigas” confinados iam sendo retirados e imobilizados para a cirurgia. Passavam os três dias necessários e acordavam entendendo mais dois idiomas.
Embora surpresos, tornara-se fácil fazê-los compreender as intenções dos humanos. Aceitavam alimentos e passaram a entender o que acontecia à volta deles.
Assim, dia após dia o objetivo inicial ia sendo concluído.
Apesar de saberem além do que nunca haviam imaginado, mantinham no espírito os ensinamentos recebidos em sua nação.
Quando tudo terminou, Justus os colocou num amplo salão com um grande telão à frente.
Cercado por saldados terrestres fortemente armados seria iniciado a doutrinação.
Em primeiro lugar O “Rei” lhes explicou o que ia acontecer, informando-os sobre tudo que viam ou ouviam. Sempre auxiliado por Arosco que o auxiliava. Depois continuou:
— Vocês foram enviados por Godoin para morrerem através de nossas mãos. Ele sabia perfeitamente que temos armas que poderiam transformá-los em cinzas. O único objetivo de seu chefe era o de conseguir através de suas vítimas uma aliança mundial no sentido de nos eliminar.
Ouve um zum-zum geral, demonstrando descrença nas palavras que ouviam. Mas o terráqueo insistiu:
Pois bem, não acreditam mas esta é a realidade. A partir de agora irão conhecer um pouco de nossa história, de onde viemos, como era nosso mundo e principalmente enxergarão a capacidade de nossas armas.
Munidos dos visores habituais e com imagens preparadas para que percebessem claramente os mínimos detalhes dos filmes, a cenas começaram a serem projetadas.
Primeiro o espaço, o mundo de Épsilon, as conhecidas entradas para Camapro, as plantações de Sarume, o movimento dos “formigas” trabalhando e depois o distanciamento gradativo até aparecer o planeta, o “sol” e o satélite.
A distancia foi aumentando até perceberem claramente como era visto o mundo deles no espaço.
Tudo era explicado e vez ou outra a cena era paralisada e Justus perguntava:
— Entenderam até aí o que estamos mostrando?
E sempre, pelo menos alguns deles, respondiam afirmativamente. E o filme continuava.
A viagem no espaço e os enormes navios. As Rodas por dentro e por fora e as cidades internas. Em seguida a visão do infinito e por fim o Sol, seus planetas e a Terra.
Até este ponto houve uma demora grande e uma parada para descanso. Foram levados para suas acomodações e muito bem alimentados. Tratados com cortesia, diminuíram o receio e até conversaram com soldados da guarda.
Músicas e um intenso trabalho para descontrai-los foram sendo associados sob orientação de Arosco, que bem sabia sobre as necessidades de cada um. O “formiga terrestre” acabou sendo o coordenador, embora vez ou outra recebesse o nome de traidor mas não se importava e procurava sempre ir orientando o grupo de inimigos.
No dia seguinte ao voltarem, pareciam interessados em ir para o salão e já estavam mais a vontade. Até algumas brincadeiras entre eles foram notadas.
Justus presidia a sessão e queria manter sua presença constante, justamente para que eles o fixassem bem.
Antes de continuar as exposições visuais, resolveu insistir no diálogo:
— Nenhum de vocês está interessado em me fazer alguma pergunta?
Esperou um pouco e tornou a repetir, até que um dos elementos se levantou e falou:
— Porque fizeram isto conosco?
— Isto o que?
— Estou entendendo tudo que falam e até coisas de minha própria língua que não sabia. Mais ainda estou sabendo também o idioma de Lacrin, Marantuan e das nações a oeste da nossa. Conversei com meus colegas e também eles estão de posse da mesma sabedoria. Queria uma explicação de vocês.
— Qual é o seu nome?
— É Morambe.
— Pois bem Morambe, pode sentar-se, vou explicar a todos. E continuou:
Pensem bem, como poderíamos trazer vocês para cá e não podermos comunicar? Temos meios para conseguir isto e o fizemos. Todos vocês passaram por um processo de aprendizagem imediata de linguagem. Nosso interesse é o de mostrar a todos os “formigas” deste planeta o motivo porque viemos parar aqui. Sei que tudo o que viram até agora é novidade e muito mais lhes serão mostradas.
A última coisa que queremos é uma guerra, acreditem nisto. Não pensem que ficarão presos aqui, logo que mostrarmos a vocês nossas intenções poderão voltar, ou melhor, nós os levaremos para o local mais próximo de uma das entradas de seu país.
Podem ficar despreocupados, ninguém será maltratado. Verdade que sairão muito mais capacitados daqui e isto deverá ser bom, pois foi muito conhecimento que colocamos em suas cabeças. Bem entendido, não introduzimos nada além dos idiomas.
Em seguida no grande telão houve um rápido retorno das cenas até chegar ao ponto onde havia parado.
A Terra então apareceu e todo o processo da vida deste o início. Do tempo dos dinossauros às primeiras conquistas humanas, depois a evolução gradativa através dos tempos. As guerras com lanças, depois com espadas, a seguir com armas de fogo e assim por diante. O sofrimento, as misérias e as riquezas.
Desta vez, quando as cenas paravam e Justus perguntava sempre haviam respostas que mostravam perfeitamente que estavam entendendo tudo.
Justus queria mostrar tudo e naquele segundo dia de exibições as imagens terminaram quando o homem estava iniciando o processo de industrialização.
Nos corredores, no refeitório eles conversavam e muitos já faziam comparações com a vida que conheciam.
Raquel anotava tudo e acabou relativamente se familiarizando com eles.
O “Rei” não parava, diariamente após as exibições fazia a reunião do conselho e sempre definia mais coisas para mostrar.
— Amanhã terminaremos as exibições no telão.
Quero que com o máximo cuidado retirem ainda hoje exemplares das armas mais perigosas que temos e as coloquem num grande pavilhão. Disponham-nas de forma a causar impacto, a impressionar a primeira vista. Que causem temeridade só de serem vistas. Quero uma exposição bélica perfeita. É um detalhe importante, comentei mas que deixei de providenciar.
— Mas Justus para que tudo isto? Perguntou Sherman.
— Ora Padre, sabe que nunca utilizaremos aquelas coisas, mas eles estão num estágio em que o poderio bélico é o que vale. Na minha opinião, será uma advertência necessária que não esquecerão, muito mais do que lhes mostramos até agora.
Preste bem a atenção Lavínia, organize e acrescente à programação, com muita urgência, vários filmes onde sejam exibidas as mesmas armas que serão expostas. Peça ajuda, faça cortes e os introduza nos documentários finais.

Foi um corre-corre tremendo, mas tudo acabou sendo feito.
No penúltimo dia Justus não falou muito, deixou rodar as cenas desde o início da industrialização até a saída das naves para o infinito.
Conforme a intenção do “Rei”, as imagens de guerra foram enfatizadas, com as poderosas armas sempre a mostra. O trabalho de Lavínia fora intenso, mas valera a pena, atingira o objetivo.
Quando o telão foi apagado, Justus fez o comentário final:
— O que lhes mostramos foi a história de nosso planeta chamado Terra. Depois das últimas coisas que viram a civilização que lá existia desapareceu e o astro foi destruído. Razão da procura de outros mundos para vivermos. Mas a exposição ainda não terminou, quero que procurem lembrar das armas que viram.
Agora, quando sairmos, vou levá-los para vê-las em realidade, assim peço que me acompanhem.
Dito isto, o grupo mais uma grande escolta foram para um enorme pavilhão. Lá os “formigas” demonstraram-se estarrecidos e temerosos. Logo reconheceram uma a uma as poderosas peças de guerra.
— Então é verdade, vocês possuem estas coisas. Disse um deles para Raquel, que imediatamente concordou.
Depois de retornarem para o alojamento, durante muito tempo ouvia-se o vozerio deles sobre as armas.
Justus estava esgotado, mas tinha de coordenar também o último dia de instruções para aqueles soldados. Como de costume reuniu a CE e pediu a colaboração de todos dizendo:
— Amanhã vou aplicar a doutrina final, depois os liberarei aqui dentro sob vigia dos seguranças, lógico que não poderão entrar no salão das armas que será trancado, bem como em todo lugar que possa servir para alguma sabotagem. Acredito não façam, mas por vias de dúvidas é melhor nos resguardarmos.
Marcos, quero que oriente a população pelo serviço televisivo para que dêem a eles um tratamento especial, como se fossem amigos.
Padre, o senhor também. E os demais procurem conversar com eles sobre tudo que quiserem, façam-nos sentir importantes. Os deixarei mais trinta dias para conviverem conosco.
— Não estou entendendo bem este seu passo. Comentou Právida.
— Será que não entenderam que quero criar em Camapro uma célula a nosso favor? Que quando lá chegarem comecem a fazer analogias de nosso modo de vida com a deles? Que sejam capazes de iniciarem a corrosão do sistema Godoin?
Portanto, todos daqui devem procurá-los, falar e mostrar-lhes nosso lado positivo.
Raquel deve anotar os nomes de cada um e onde moram, o que fazem e a família. Precisamos de um levantamento completo de como vivem em seu país. Perguntem sobre a liberdade de falar, de escrever ou de dizerem o que pensam.
Temos que deixá-los revoltados com o regime deles, sem no entanto mostrarmos que os estamos levando a isto.
Cuidado para não estragarem tudo, basta sempre considerá-los inteligentes mesmo que alguns pareçam não ser.
Jacobin, César, mostrem aspectos da ciência e das leis. Da mesma forma, Ramos e Justino do comércio e da indústria. Bem, é muito importante, quero todos se empenhando neste projeto; o que estou fazendo é criar uma oposição a Godoin.
— Não me citou Justus, mas entendi perfeitamente o que pretende e já estou colaborando nisto. Observou Arosco.
— Não esqueci de você, já vem trabalhando nisto com muito sucesso.
Temos que nos lembrar que os “formigas” que aqui estão devem ser pessoas comuns, soldados comuns, senão Godoin não os teriam enviados para a morte.
Estou cansado mas não vou parar e peço a Lavínia para trabalhar comigo depois da reunião.
Ela já idosa, mas muito ativa, se prontificou a atendê-lo e o “Rei” terminou os trabalhos ali.
— Lavínia, vamos para a distribuição, quero separar alguns filmes e preciso de você.
Durante um bom tempo ficaram revendo cenas que Justus ia escolhendo.
Naquela noite (interna) o descanso se fazia necessário para o “Rei” e para todos que o auxiliavam, que não eram poucos.
No dia imediato, descansado, demorou um pouco para reiniciar as atividades. Foi ao refeitório onde estavam os “formigas” e se alimentou com eles. Percebeu então que o estavam respeitando e mesmo o admirando. Não interrogou nenhum deles, mas respondeu as perguntas que lhe faziam.
Propositalmente procurava um máximo de descontração e um crédito para quando fosse falar no salão. Para se familiarizar ainda mais, procurava lembrar de alguns nomes e procurava se portar quase igual a eles.
Depois da refeição saiu e encontrou com Jader que lhe disse:
— Justus, porque não reparte um pouco o que está fazendo? Dessa forma acabará ficando doente.
— Não se preocupe Jader. É a primeira vez e quero pessoalmente colocar em prática o que pensei nesses últimos anos. O que está acontecendo já havia imaginado, não havia como repassar minhas idéias, poderiam parecer fantásticas.
Agora falta pouco e vou sair do cenário. Nos trinta dias que restam, o trabalho será de todos porque vou descansar.
Passeou um pouco com o amigo até perceber que os “formigas” haviam sido levados para o salão.

Em frente ao grupo, já até habituado com ele, disse:
— Hoje será o último dia de nossa conversa, depois ficarão algum tempo convivendo conosco em liberdade, bem entendido, apenas não poderão sair da fortaleza, mas aqui dentro terão acesso livre e muitas coisas lhes serão mostradas. Quando terminar o prazo, lhes daremos alguns presentes e os levaremos para as proximidades de entradas de seu país.
Foi um momento de alegria para aqueles “formigas”. Sorrisos estamparam. Isto era bom e o “Rei” sabia. E continuou:
Hoje vocês vão mais me ouvir do que ver filmes.
Mas de início voltarei a mostrar-lhes algumas cenas que já viram, selecionei as dos homens que tentaram dominar nossa raça na Terra e das barbaridades que cometeram, desprezando a preciosa vida.
Apresentou Hitler e suas chacinas, as vítimas e a revolta dos humanos contra ele. E assim foi mostrando um a um todos os tiranos que alcançaram o poder, os crimes e no final os castigos que receberam.
Por várias vezes falou e fez comentários contra tais ditadores, opressores impiedosos do povo.
Esgotadas as transmissões, passou a fazer perguntas à pequena platéia, sendo Morambe um dos inquiridos:
— Morambe, você foi o primeiro a fazer perguntas no início das exibições, agora eu gostaria de saber: você acredita no que viu até agora?
— Sim. A princípio pensava ser uma montagem para nos enganar, mas quando vi as armas expostas, não tive dúvidas. Vocês são capazes de coisas terríveis.
— Mas Morambe, não é esta nossa pretensão. Durante todo o tempo, principalmente hoje estou condenando as atitudes ditatoriais, ou melhor os atos que só tiranos praticam.
— Compreendo e sei como isto é feito.
— Você acredita que temos meios para saber até os pensamentos de Godoin?
— Pelo que vi, pelas “ferramentas” que possuem, não duvido nem um pouco.
— Pois bem, agora vou tentar explicar-lhes o que realmente aconteceu.
Estamos até cansados de dizer que viemos em paz e nunca, mas nunca mesmo teremos intenção em dominar qualquer uma das nações deste mundo e não temos nenhum interesse nisto.
O primeiro ataque a nós ocorreu logo havíamos chegado e tivemos que ferir alguns soldados, cinco perderam a vida, contra dois dos nossos.
Depois Godoin entrou em cena e armou um grande exército com muitas máquinas de guerra. Nesta altura já estávamos organizados e fizemos o possível para apenas destruir os canhões
Com a perda das máquinas militares, ele sabia perfeitamente que nenhuma outra poderia nos destruir. Pensou então em acabar conosco com infiltrações e mandou para cá agentes treinados e nós não os aceitamos, pois já sabíamos das intenções dele.
Ficou muito irritado com isto e ficou procurando formas de conseguir seus intentos. Agora vai entrar vocês.
Vejam bem e entendam. Sendo ele um militar nato que não admite derrotas ficou pensando numa maneira de mais cedo ou mais tarde conseguir nos destruir. Esperou o tempo passar acreditando pegar-nos desprevenidos.
Como puderam ver, somos poucos milhares de seres em comparação a bilhões deste planeta.
O que fez Godoin então? Convocou uma pequena parte do exército que pertencem.
Receberam apenas armas de mão e discursos inflamados dizendo que nos surpreenderiam e assim nos destruiriam. No final foi acrescentado para lutarem até a última gota de sangue.
— Como sabe disto Justus?
— Já lhes disse, temos nossas “ferramentas”. Mas espere um pouco, ainda tem mais. Ele queria que todos fossem mortos por nós. Endenderam?
No seu pensamento, se todos morressem as nações se revoltariam.
Continuaria a enviar soldados de seu país ou de outros e um dia acabaria conseguindo sucesso. Cuidaria para que ninguém destruísse as nossas armas e as tomaria para ele, que pensa poder fazer uso. Quer vocês queiram ou não esta é a verdade.
O grupo todo ficou pensativo e foi ainda Morambe quem quebrou o Silêncio.
— Falando por mim, acredito, mas o que poderemos fazer?
— Isto é com vocês. Podíamos apenas paralisá-los e desarmá-los mas nunca saberiam do que foram vítimas. Assim, resolvi trazê-los. Sendo comandantes de regimentos são dotados de um conhecimento maior em relação a tropa.
Daqui para a frente serão vocês a decidirem.
Se pensam que seu chefe vai parar estarão enganados, vai enviar mais e mais soldados até nos cansar, mas nisto ele também se engana. Quer queira ou não estamos monitorando todos os seus passos e saberemos com antecedência sobre as atitudes que tomar.
No momento ele está descontrolado de raiva, principalmente sabendo que os soldados voltaram sem nenhum arranhão mas desarmados.
— Então nossas armas estão todas aqui? Perguntou um dos outros comandantes.
— Iremos estocando-as, tantas quantas forem necessárias. Querem que lhe adiantemos mais, agora Godoin está pensando em dotar seus soldados de máscaras contra gases, mas garanto-lhes isto não adiantará.
Viram e assistiram sobre o efeito de uma parte de nosso material bélico, mostrei-lhes isto porque precisavam saber. Por outro lado, se quiséssemos destruir os habitantes deste mundo poderíamos, mas em nenhuma hipótese faremos algo assim. Se tivéssemos um tipo de pensamento semelhante ao dele não hesitaríamos em feri-los. Pelo contrário, duas nações já recebem nosso auxílio na cura de doenças, no comércio e nas ciências. Estamos comprando e vendendo produtos e quem sabe um dia poderemos fazer o mesmo com sua nação.
Justus continuou falando e ouvindo o grupo já muito descontraído.
No final, agradeceu e pediu desculpas por trazê-los e os avisou que a partir dali estavam livres dentro da fortaleza.
Quando o “Rei” saiu, sentiu-se aliviado, havia cumprido uma grande tarefa.

Dos membros da CE, Samuel havia diminuído muito sua colaboração, mesmo sabendo falar a língua de Marantuan, deixava muitas vezes de oferecer uma cobertura como até bem pouco tempo vinha fazendo. Gostava mesmo era de ficar em Nova Terra no armazém de Stanislau bebendo e conversando.
Myriam estava percebendo que o homem de sua vida estava mudando, tendo chegado ébrio por várias vezes.
Sendo psicóloga logo imaginou algo errado com o marido. Tentou uma abordagem simples num momento que estava bem lúcido:
— Samuel, nossa filha vai nascer e quero que seja um pai carinhoso e que possa lhe dar segurança.
— Porque está dizendo isto? Você sabe que amo você mais que tudo neste mundo.
— Tem chegado bêbado em casa, coisa que nunca pensava fosse acontecer.
— Eu bêbado? Você me ofende! Só por causa de ontem? Estou cansado da rotina na fortaleza e tirei uns dias para me descontrair. Será que nem isto mereço?
— Está bem Samuel, mas não é preciso exagerar.
E a discussão demorou algum tempo com ele sempre querendo ter razão.
Magoada acabou por comentar com a mãe, que até levou um susto mas nada disse contra o rapaz, apenas se limitou a falar:
— Minha filha, são coisas do casamento, logo isto passa. Afinal já fazem mais de dois anos que se uniram.
No íntimo ela começava a confirmar o que temia: Samuel não era um bom companheiro e a felicidade da filha estava comprometida. Nem comentou com Juliano, guardou para si seus pensamentos.

Voltando para a Base, vamos encontrar Macárius, Ramos e Justino num sério debate.
— Vamos pedir então a Justus para passarmos pelo processo de linguagem. Disse Macarius.
— Vamos sim, concordou Ramos.
— Se queremos levar a frente nossos projetos sem utilizarmos para tudo o Arosco, devemos aprender o idioma de Lacrin e Marantuan. Campos experimentais de produtos agrícolas terrestres terão de ser construídos com o auxílios deles para futuramente alimentar nosso comércio e a indústria.
— Lembram-se de que numa das reuniões falamos da cana de açúcar, mas não podemos simplesmente utilizarmos as mudas conservadas sem uma prévia produção adaptada ao solo.
— Mas não vai ser só a cana, sabem disto.
— É verdade, pretendo selecionar e aplicar na terra deste planeta as sementes que temos. Minha preocupação era quanto ao processo de chuvas, períodos dos dias e noites e das estações pouco diferenciadas. No entanto, como fiquei sabendo, nas grandes plantações de Sarume, a irrigação é contínua, portanto levam água do subsolo. Com o auxílio dos “formigas” e numa área de temperaturas não exageradamente quentes e mesmo com noites ainda um pouco curtas, principalmente na região de Marantuan, acredito que nossas plantas possam dar resultados. Disse Macárius.
Conversaram um pouco mais e se dirigiram para o gabinete de Justus.
— Podemos falar com você Justus? Pediu Macárius.
— Entrem e sentem-se. O que desejam?
Explicaram tudo para o “Rei” e este dizendo concordar pediu:
— Chamem o Samuel, diga a ele para vir aqui.
Um olhou para o outro, permaneceram frente ao chefe e por final esclareceram:
— Ainda não sabe Justus. Quase toda vez que o encontramos ultimamente ele está embriagado e dizendo coisas desconexas.
— Não me digam! É inacreditável.
Por ora deixemos ele, peça para a Raquel vir aqui. Vá um de vocês e esperem ela chegar.
Justino foi procurar a moça e a encontrou junto ao grupo de “formigas”, disse que Justus a chamava e ela foi atendê-lo.
Minutos depois os dois entraram na pequena sala.
— Raquel, os três aqui querem aprender o idioma de Marantuan, aplique neles o processo completo.
— Está bem Justus, mas me disse que por enquanto não era para ser utilizado.
— Tudo bem Raquel, mas para eles tenho interesse imediato, estão com um projeto muito interessante. Providencie substitutos para ficar no seu lugar, por exemplo a Sabrina, o Jacobin ou quem desejar. Agora os “formigas” entendem nossa língua e não haverá nenhuma dificuldade.
— Está bem, então venham comigo.
— Mas já Raquel? Observou Ramos.
— Não podemos perder tempo, vamos começar agora.
Os quatro saíram e foram procurar o Dr. Gilson.

Enquanto Raquel levava os três para o processo, os “formigas”, na maioria, ficavam frente às Tvs acompanhando as programações e filmes que eram mostrados. Numa daquelas rodas, um deles comentou:
— Como será que fazem isto. Já pensaram se pudéssemos ter coisas iguais em nossas casas? E um outro respondeu:
— É extraordinário, acho que não sairia mais para a rua. E as máquinas onde podemos jogar? A boa comida, diferente, mas que sabor! Quando tiver que ir embora vou sentir falta de tudo isto. Por mim ficaria aqui.
— Será que um dia no futuro poderemos ter tais aparelhos? Perguntou um terceiro.
— Quem sabe possam nos ensinar. É momento de pensarmos um pouco na vida que levamos. Até hoje não pensava que pudesse existir o que já vimos. Mais ainda, parece que têem boa vontade em nos auxiliar.
Vocês já conversaram com o Arosco, eles já contou o que fizeram por Lacrin?
— Acabaram com as doenças de lá e hoje já ganham dinheiro vendendo remédios para o resto do mundo. Aquele povo vai ficar rico. Observou um outro.
— Só o idiota de nosso governo é que está deixando passar esta oportunidade.
— Cuidado Morambe! Sabe que se disser isto lá, será condenado ao precipício.
— Meus amigos, depois do que ia nos fazer não vou nunca mais aceitar as absurdas regras que nos impõem. Posso até morrer por isso, mas ele tentou nos matar e a todos os soldados.
— Quer saber de uma coisa Morambe, concordo com você.
Um pouco distante, mas atento Arosco anotava tudo através de transmissores gravadores e organizava um relatório completo. Sorria sozinho de satisfação, o plano do “Rei” começava a dar certo.
O que estava acontecendo era no primeiro dia de liberdade e havia muito tempo para fazer as cabeças deles.

Assediados constantemente por terráqueos, foram cada vez mais se entrosando no dia a dia humano. Sempre com as máscaras, mas não mais assustavam nem as crianças.
Nos últimos dias que faltavam para completar a estadia na Base a Comissão os levou para Terra Nova, onde puderam sentir como seriam as instalações alienígenas.
Não mais precisavam serem vigiados, o relatório de Arosco mostrava ser radical a mudança de comportamento.
Estava na hora de devolvê-los ao seu povo.
Justus então reapareceu e pessoalmente cumprimentou um a um e os presenteou. Depois pediu ao filho de Právida, Júlio, que os colocassem num transportador e os levassem para locais próximos as entradas de seu país.
Quando foi para entrarem na máquina ficaram com medo, mas foram aquietados e depois de algum tempo planando sobre as áreas de seu território sentiam-se seguros e mostraram onde queriam descer.
Morambe acabou por aliciar o grupo e induzi-los a entrarem num único local.
O transportar aterrissou e todos saíram.
O veículo ficou vazio e apenas com os tripulantes voltou para a Base. Justus não se preocupou nem em adicionar soldados para a viagem e tudo correu muito bem.

Em Nova Terra cada família começava a desvincular-se da Base e a iniciar um processo de vida autônoma.
Na Roda existia a convivência comunitária mas as pessoas eram conduzidas a manterem atividades apenas para evitar a ociosidade. Existia a tutela do comando da Nave o que lhes garantia uma segurança permanente. Já na adaptação em terra firme, a vida estava predestinada a seguir as ordens naturais. Assim, na medida que iam sendo assentados, cada um estava livre para traçar seu destino.
A Base viria a ser por muito tempo a sede da organização social e política da nação que estava se formando. Trabalho existia de sobra para todos e muitas crianças começaram a nascer, seriam o alicerce dos terráqueos naquele novo mundo.
No entanto, naquele início da época humana as aventuras através do território ainda eram muito limitadas, mas uma surpreendente aproximação indígena começou a influir no dia a dia dos habitantes.
Perderam totalmente o receio e cada vez mais iam construindo suas rústicas habitações ao redor do lugarejo e ainda nem três anos se distanciavam da primeira construção.
Alguns agricultores aprenderam a falar a linguagem deles e com isto associaram plantios de produtos da região, bem como intensificaram a pesca. E tudo começou a dar lucro. Os “formigas” de Lacrin e Marantuan eram os compradores.
Maquinarias foram retiradas e pequenas indústrias já funcionavam.
A única nuvem negra era o perigo de um ataque sempre pendente. Mas depois da última derrota de Godoin um bom tempo passou sem novidades
A associação idealizada por Macarius, Ramos e Justino deu resultado. Visitaram as nações vizinhas e conseguiram a instalação de um campo experimental. Os “formigas” sabiam como proceder irrigações e traziam água por meio de uma técnica que dominavam, muito eficiente e com isto as experiências foram um sucesso, principalmente na área de Marantuan. Cereais da Terra e principalmente a cana de açúcar já poderiam ser plantadas em conjunto.

Os meses passaram e o comércio com os “formigas” ganhou novas fronteiras.
Somente Camapro continuava a ameaçar a vida naquele polo e já não envolvia apenas os terráqueos, também a nação indígena muito mais numerosa, cerca de trezentos mil ou mais “homens” dispersos em todo círculo norte.
Para que não ficassem ignorantes do perigo que corriam, o “Rei” mandou fosse construída uma grande escola para eles e um ensino pacencioso começou a mudá-los. O objetivo era a formação integrada de um futuro país único e inteligente. Até uma bandeira foi criada.

Em Camapro, Godoin depois de ter recebido seus soldados desarmados, procedeu alguns castigos sem fundamento o que não deixou de irritar seu povo.
Embora destituído de todo e qualquer caráter se preocupou com a repercussão dos atos e parou as repressões.
Os comandantes devolvidos entraram furtivamente no país e combinaram não se apresentarem a Godoin, sabiam que seriam executados para exemplo. Escondidos, se misturaram com a população simples e começaram um trabalho de difamação do ditador.
Godoin não mandou procurá-los pensava que pelo menos aquele grupo fora executado pelos alienígenas.
Fez alguns alardes mas não ganhou a simpatia de ninguém. Assim, parou temporariamente, para dar tempo ao tempo. Certo dia porém teve uma idéia que achou genial. Pensou:
— As armas deles são terríveis mas na primeira vez com tiros de fuzis derrubamos uma daquelas coisas. Toda vez que coloco os “formigas” em campo, parece que eles sabem. Bem vou utilizar isto contra eles mesmos.
Imediatamente convocou seus “formigas” de confiança e ordenou:
— Mais ou menos na região onde atacaram meus homens, quero que mandem instalar secretamente e durante a noite nossos canhões de forma que ninguém perceba ou saiba. Utilizem a própria terra para camuflá-los. Levem as peças desmontadas nos veículos que utilizamos para o transporte de Sarume. Por cima delas complete com o vegetal. Se eles nos enxergam pensarão que estamos transportando o produto.
— Bem pensado! Exclamou um seu general.
— Pois bem, vou dar-lhes o troco desta vez e vocês têm que fazer tudo isto sem que nenhum de nossos soldados saibam.

Na Base, Marcos em vigia constante, observava e anotava todo e qualquer movimento. Percebeu veículos carregando o que achou ser suprimentos e nem avisou Justus. Os “caminhões” vinham lotados e voltavam vazios, deviam ser sementes ou frutos que estavam transportando, assim pensou.
Cerca de um mês depois, a Roda registrou movimentação de tropas na região onde foram capturados os “formigas” anteriores.
Imediatamente avisou Justus, que por sua vez reuniu a CE para providências.
— Vejam amigos, está acontecendo o que previa, o “formiga” é teimoso. Podem se preparar Raquel e Arosco.
Marcos estava presente na reunião e Arosco lhe fez uma pergunta:
— Através das imagens você viu se estavam utilizando máscaras contra gases? É um tubo frente ao nariz, além do capacete e das viseiras.
— Não, estavam do mesmo jeito.
— Bem Justus, tome cuidado tem mais coisa. Ele não dispensaria as máscaras depois daquele ataque.
— Será Arosco? Mas não duvido, vamos fazer o seguinte:
Právida, diga a seu filho para levar o mesmo número de soldados como da vez anterior. Agora importante, coloquem no transportador equipamentos militares sensíveis para busca em solo, principalmente de armas. Um grupo de caças ficará de prontidão na Base e também deverá portar sistemas de sensibilidade suficientes para encontrarem quaisquer objetos e destruí-los.
Minha decisão é a de que no caso de encontrarem obstáculos, avisarem a base, e afastarem-se apenas para os caças fazerem a limpeza. Depois voltarem, jogarem as bombas paralisantes e o resto já sabem.
— Justus, acho que cometi uma grande falha. Disse Marcos tentando se desculpar.
— Porque Marcos?
— Entendendo o que Arosco quis dizer, só percebo agora que havia algo de errado. Veículos deles ficaram bom tempo transportando o alimento que plantam; as “carretas” passavam carregadas e depois voltavam vazias. Paravam, pareciam descarregar o produto e isto ocorreu durante todo um dia do planeta.
— Está confirmado! Concluiu Justus.

Sob o comando de Roger, o grupo de caças ficou em alerta máximo. Equipamentos sofisticados foram colocados no transportador. O soldados e as pequenas carretas completaram a carga e a grande peça aérea saiu do cimo da fortaleza.
Os sensores foram ligados e tão logo foram avistados os exércitos dos “formigas” também foram detectados diversos e enormes canhões camuflados com a própria terra do local.
O transportador retornou e os caças foram avisados. Frente aos abobados “formigas” de Godoin, a terra era sulcada e enormes labaredas mais uma vez destruíam os canhões. Nada sobrou deles, foi um espetáculo inesquecível para os milhares de soldados que marchavam e não conseguiram entender o que acontecia.
Depois de algum tempo a quietude voltou, as tropas continuaram o caminho e aí chegaram as bombas que as paralisaram.
O processo foi o mesmo, as armas foram retiradas e mais cinqüenta chefes foram levados para a Base.

Tudo aconteceu tal e qual a vez anterior, só que desta vez Justus entregou a Jader a tarefa de doutriná-los e somente no final apareceu para mostrar as armas e em seguida fazer a última palestra demonstrativa. Ficaram também trinta dias na fortaleza e depois foram colocados próximos às entradas de seu país.
Desta vez Godoin ficou doente realmente, foi preciso até uma substituição no poder. Queria matar os soldados que voltavam sem as armas. Apesar de seus executores sempre acatarem suas ordens acabaram interferindo e evitaram um massacre.
Em diversas partes da nação os levantes começaram a surgir.
Morambe entendera o caminho a seguir, tornara-se um informante e um aliado dos terrestres. Por duas vezes voltara à Base para pedir orientação. Justus entregou a Právida o papel de auxiliá-lo na orientação militar. Na segunda visita recebeu um comunicador.

A repressão interna era cada vez mais violenta. Muitos dos “formigas” que abraçavam a causa eram sumariamente eliminados. Mas quanto mais isto acontecia, mais líderes iam aparecendo a clamar contra Godoin e sua turma.
Quando os cinqüenta outros comandantes estavam para chegar, Morambe foi avisado por Právida. Colocaram vigias disfarçados próximos às entradas e evitou que eles também se apresentassem ao chefe. Com isto engrossou o grupo de ataque à tirania.
Enquanto isto, os humanos teriam um longo período de paz. Justus acertara em cheio na sua política, agora era só esperar resultados.
Tranqüilos, os terráqueos passaram a pensar quase que exclusivamente na construção social. E sempre Justus dava o primeiro passo. Chamou César para uma audiência.
— César, vejo que agora você está se integrando às nossas ações. Terá uma função muito importante.
Neste início de colonização há muita coisa a ser feita e para um futuro seguro é necessário a erradicação de falhas das Leis.
Os códigos terrestres poderão não se adequar para este mundo. Seu trabalho será intenso, ou seja, uma completa retificação jurídica.
Peça a Jacobin levantar um grupo dos melhores ex-alunos com aptidão para as Leis, o suficiente para auxiliá-lo.
Deverá deixar o cargo que ocupa e fazer nomeação de seu substituto. Quero seu tempo livre para apenas cuidar das normas que regerão nossa Nação.
Analise os erros da sociedade terrestre, elimine tudo que possa prejudicar os filhos dos filhos nossos. Um dos aspectos que mais influem negativamente ou positivamente na evolução dos povos é o dinheiro. Ele bem distribuído sempre trará tranqüilidade e harmonia na população, assim cuidados especiais e leis rígidas deverão acompanhá-lo.

César apesar de ter ficado longo tempo ocioso tinha na profissão a realização total.
Já estava com cinqüenta anos e na Roda passara o tempo estudando os códigos terrestres. Não seria muito difícil para ele elaborar as regras de vivência para a nova sociedade. Entendera muito bem o que Justus falara e partilhava da mesma opinião.
Os profissionais jurídicos, excetuando-se o próprio Juiz, eram poucos, não mais que três advogados, sendo dois ainda jovens e Lutércio com quarenta e sete anos. Escolheu ele para substituí-lo e chamou os jovens Denis e Jacob que ainda não haviam alcançado os trinta para auxiliá-lo no trabalho. Conversou com Jacobin que lhes indicou quatro rapazes e cinco moças que haviam concluído o superior com destaque no conhecimento das leis.
Antes de utilizar o grupo selecionado por Jacobin, iniciou um levantamento da matéria.
A meta idealizada por César envolvia o aproveitamento das leis existentes. Seguiria a mesma linha de objetivos, adaptando alterações necessárias.
Imaginou Códigos Penais, Comerciais e Civis que pudessem acompanhar a evolução naquele planeta. Seriam leis que antecipariam realizações futuras.
Faria uma grande revisão, acertando ou eliminando itens conflitantes com interesses reais. Assim, nem tudo ficaria como estava.
Terminada a primeira parte, seriam retiradas as normas que pudessem ter aplicação imediata e adicionadas as regras de conduta com os demais povos existentes. Daí então seriam organizados sub-códigos que deveriam reger os primeiros humanos.
César ao definir o trabalho expôs a Denis e Jacob seu projeto. Convocou o grupo de jovens indicados por Jacobin e partiram para os acertos.
Antes de iniciar as revisões, resolveu testar o grupo. Reuniu-os numa sala e começou a fazer várias perguntas, que foram respondidas corretamente dentro do que haviam estudado.
— Estou satisfeito, não haverá muita dificuldade em me auxiliarem no que pretendo. Mas agora, situando-se em Nova Terra, quero que me respondam: Quais os grandes erros que já estão acontecendo lá?
Olharam uns para os outros e ninguém se propunha a uma resposta. No entanto Juréia arriscou:
— Falta uma Prefeitura.
— Não é sobre isto que estou falando, lógico, o processo de transferência ainda não foi completado, mas isto logo será feito. Quero saber o que já existe de errado juridicamente no momento.
Esperou, ouviu algumas opiniões mas nenhuma correta.
Continuou então:
Por exemplo, falta o Sr. Stanislau pagar impostos, pois está lucrando gratuitamente com tudo o que vende.
Falta uma organização trabalhista para enquadrar funções e salários e ainda garantias futuras para empregados quando envelhecerem.
Falta estabelecer regras de punições para os abusos com índios.
— Mas na parte com os índios, ainda não existem casos.
Comentou Denis.
— Será que não existem? E as panelas que muitos trocam por pedras preciosas ou outras coisas?
Nós estamos aqui para criarmos regras justas para tudo e nada vai ser esquecido. Preparem-se para um trabalho árduo.
Por enquanto vamos estudar todas as leis que já foram criadas, quatro de vocês se encarregarão dos códigos penais, três mais o Denis dos códigos comerciais e Jacob com os três últimos com os códigos civis.
Terão que ler linha por linha, raciocinar e procurar erros. Quando digo erros, quero dizer favorecimentos inadequados. Por exemplo, na Terra muitas Leis foram adicionadas visando interesses próprios, dos constituintes ou de grupos. Aparentemente pareciam destinadas ao bem estar popular, mas quando aplicadas logo uma outra derrubava a primeira e os advogados se aproveitavam disto. Portanto, o que irão fazer é descobrirem a boa regra e separar os adendos e leis complementares que acabam deixando a melhor sem efeito.
Também irão encontrar casos ao contrário, podem crer que nestes o grito popular teve efeito. Houve épocas em nosso planeta em que um indivíduo condenado logo era solto pelos argumentos de um advogado.
Temos que eliminar todas as coisas erradas que encontrarmos.
— Porque então não fazermos nosso próprio código?
— Será feito Juréia, mas nem que fossemos os mais hábeis juristas que existissem não conseguiríamos levantar todas as leis que já foram feitas. Precisamos e devemos aproveitá-las. Vai ser demorado, mas conto com todos para isto.
Depois que terminarmos, Leis gerais regerão até um futuro muito distante. Retiraremos sub-códigos que atendam as necessidades atuais por um espaço mínimo de cem anos. Adicionaremos regras de convivência com os povos que dominam este mundo. Tudo será transcrito para livros básicos para uso comum.
— Segundo soube o senhor é um fanático na ciência jurídica, passou anos e anos pesquisando leis. Falam até que dormia diante do visor. Portanto, certamente já sabe quais os maiores erros cometidos.
— A pergunta é pertinente Jacob, mas não gosto de ser chamado de fanático, mas não vem ao caso.
Na minha opinião o maior dos erros nunca teve punição. No entanto foi um dos crimes que considero hediondo.
Primeiro é preciso que saibam que entre as formas de vivência que adotaram, o capitalismo demonstrou ser a mais perfeita. O dinheiro permite a formação de riquezas e conseqüentemente dá a quem o consegue manter usufruir uma existência tranqüila. Quem paga pode conseguir o que quiser. Isto gera o interesse pessoal e conseqüentemente faz uma nação progredir.
Enquanto o homem utilizava seu esforço individual, quer mental ou físico para obtê-lo, os mais inteligentes conseguiram até fortunas e a vida seguia conforme a capacidade de cada um. Existiam pobres, mesmo assim alguns ainda conseguiam vencer as dificuldades. Até aí seria normal mas a ganância de grupos e principalmente de Estados gerou desequilíbrios terríveis e povos inteiros sofreram miséria total.
Aquilo que poderia ser contido por regras que evitassem o caos acabou tendo soluções tremendamente erradas, ou sejam, intervenções governamentais que permitiam até vida sem trabalho.
— Ainda não entendi porque isto aconteceu. Comentou Jacob.
— Muito simples Jacob, enquanto todas as nações utilizavam suas mãos para extrair ganhos o homem trabalhava e se sentia digno, mas vieram as máquinas e a automação, assim tudo que antes produziam, em todos os sentidos, passaram a ser manipulados por grandes grupos econômicos.
— Honestamente isto não me parece um erro. Afinal a ciência atingiu um estágio avançadíssimo, a ponto de nos colocar numa rota estelar.
— Concordo Denis, mas isto poderia ter acontecido da mesma forma com toda as sociedades atuando. A participação ativa nos processos poderia sempre ter sido mantida, não a retirada de mão de obra, causando desempregos em massa. Onde a máquina chegava o homem saia e ficava por isto mesmo.
Ainda ha pouco me disseram que era um fanático por leis. Querem saber de uma coisa, não só pelas leis mas pela história em geral. Através dela pude ver as razões dos grandes conflitos. Sempre lá estava ele, o dinheiro, retirado por grupos ou nações com o sufocamento das economias.
— Do jeito que fala, voltando à automação, só uma pequena parte humana ficou com o dinheiro. E se a grande maioria não o possuía, então como sobreviveram? Perguntou Lívio.
— Fundaram sociedades alternativas, regrediram, foram retirar alimentos da terra com as próprias mãos, a ordenhar vacas, a fazer seus sapatos. Começaram a tecer abrigos e esqueceram do consumo. Roubavam para o sustento, enfim os ricos começaram a sentir os efeitos da ganância exagerada. Os produtos fabricados se estragavam e não eram consumidos. Empresas faliram e muitos dos que pertenciam a grandes grupos acabaram engrossando as fileiras arcaicas.
Num grande período da humanidade, tais erros foram percebidos e acabaram sendo corrigidos através de sistemas “patriarcais”, ou sejam, os governos passaram a distribuir rendas gratuitas para erradicação das misérias, mas não mudou os processos comerciais e industriais.
— Mas como poderíamos evitar que isto venha a ocorrer em nosso futuro?
— Juréia, é por isto que estamos reunidos. Vamos introduzir e reformular leis. Vamos cortar pela raiz os grandes erros, ou melhor dizendo, façamos nossas leis com justiça plena.
— Gostaria de saber em linhas gerais, qual a lei que poderíamos fazer para evitar acontecer a mesma coisa.
— Muito simples Lívio, uma lei controladora da riqueza em todos os aspectos, seja individual, de grupos ou para o Estado em formação. Para isto, ainda analisaremos o percentual. O objetivo não será evitar o acumulo, mas a distribuição gradativa NA FORMA DE TRABALHO humano, físico ou mental. O desenvolvimento técnico não será impedido e quanto mais uma empresa ou um indivíduo levantar recursos mais valores terá que aplicar em mão de obras.
Um sistema bancário terá de ser criado, mas INEXISTIRÃO RENDIMENTOS SOBRE PAPEIS.
— Também li algumas coisas. Se os bancos não comprarem dinheiro, como sobreviverão? Argumentou Lívio.
— Boa pergunta, muito boa. Sobreviverão dos depósitos que o povo vier a fazer, simplesmente. Emprestarão o dinheiro com taxas suficientes para manter a administração e os empregados, apenas isto.
— Também já fiz uma verificação histórica. Um dos maiores perigos que os antigos enfrentaram foi o que chamavam de inflação. E se isto acontecer? Foi a vez de Denis.
— Isto não vai acontecer, nosso dinheiro terá que ser mantido dentro do padrão original, livre de especulações. As variações de custos serão temporárias, isto é, permitidas única e exclusivamente pela falta ou excesso de determinados produtos. Quando chegarmos nesta parte, estudaremos meios seguros para a manutenção deste princípio.
Pelo que estou vendo, vocês já se integraram no objetivo de nosso trabalho.
Bem, já falei demais, vamos iniciar.

Os meses foram passando, o trabalho de César era árduo e minucioso e ainda continuaria por algum tempo.
As plantações associadas com os formigas de Marantuan e Lacrin começaram a dar resultados e satisfaziam os objetivos do grupo agricultura, comércio e indústria.
Os habitantes de Nova Terra estabeleceram períodos de sono em horários prefixados. Fechavam as casas e dormiam normalmente.
Nos vários outros setores não havia novidades.
Raruque tornara-se um freqüente visitante dos terráqueos e acabou recebendo a linguagem pelo sistema.
Tanto a Rainha de Lacrin quanto Saluan conversavam pelo comunicador com Justus e ambas as nações adotaram os Terráqueos.

Outros países começavam a mostrar grande interesse na aproximação com os humanos. Perdia-se aos poucos o sensacionalismo e era notada aceitação geral dos “formigas”.
Os únicos que ainda mantinham o princípio ofensivo era Camapro e a aliada Crats. Esta última, quase uma extensão da primeira seguia as ordens de Godoin. Jaran seu governo era um adepto das regras do tirano.
Com o último desastre militar Godoin teve sérios problemas e se ausentou por algum tempo. Quando retornou parecia pior ainda, mandou matar chefes de levantes, trucidou pessoas como exemplo, mas isto só piorou a situação.
Sendo muito esperto e sempre resolvendo seus problemas matando “formigas” logo imaginou uma forma de mudar o pensamento de seu povo.
Escolheu uma nação vítima e que fazia divisas com seu país. Era Parnávia que não partilhava dos princípios do ditador e entre as duas nações já haviam ocorrido guerras. Seu governo era Karume cujo modo de conduzir seu povo assemelhavam-se às democracias da Terra.
Parnávia não possuía um exército tão numeroso quanto ao de Camapro, mas sempre vigiava suas fronteiras. Por sua vez Godoin também mantinha soldados na região.
O Tirano como sempre, chamou sua polícia secreta para tramar suas malévolas ações.
— Quero que um grupo de “formigas” de confiança se infiltrem um pouco alem da fronteira de Parnávia e atirem para matar um bom número dos nossos que lá estão, mas não todos. A metade se puderem, estou com raiva deles, assim acabarei fazendo punição.
— E o que faço depois? Perguntou um militar.
— Ora, saiam de lá sem ninguém perceber. Deverão vestir fardas iguais as de Parnávia. Não quero erros. Se descobrirem, tudo vai p’ro brejo.
Preciso desviar a atenção do povo para eles. Depois que fizerem isto, vai haver revide e se travará uma batalha.
Acusarei Karume de atacar meus soldados, declararei guerra a ele e mandarei exércitos inflamados para lutar.


Aconteceu o que Godoin queria. Nas ruas da capital e de todas as comunidades não se falava noutra coisa. A guerra estourara e avalanches dos “formigas” seguiam para o front.
Morambe mantinha contato com Právida e ligou para o Tenente. Contando-lhe o que estava acontecendo.
Právida apenas o orientou para que ele e todo o grupo se afastassem disto. Pelo tom da resposta, percebeu que estava preocupado em praticar um ato desse, sentia-se um traidor.
O Tenente insistiu, pelo menos que aguardasse um parecer do Justus.
Právida desligou o aparelho e foi falar com o “Rei”.
Justus pensou, mandou chamar Arosco e os três analisaram o acontecimento.
Právida repetiu o que ouvira para Arosco.
— Desta vez estou um pouco confuso. As guerras entre eles acontecem e não faz muito tempo que a última terminou. Comentou Arosco.
— Depois que os grupos de Camaprenses foram doutrinados, Morambe está liderando-os. Sempre estou recebendo suas informações e pedidos de orientação.
Estão provocando muita confusão no país deles e a onda está atingindo até uma nação aliada de Godoin. Quanto mais recebem repressões mais ataques fazem e as fileiras de descontentes estão em toda parte. Portanto pode ser que para desviar a atenção, vendo que os problemas internos estão se agravando, ele tenha provocado o incidente.
Disse que você falaria com ele.
— Então o chame agora.
Právida ligou o aparelho e Morambe já esperava.
— Aqui é Justus. Como vai Morambe?
— Não muito bem, as coisas aqui complicaram.
— Právida me contou.
Você sabe que Godoin comete seus piores atos utilizando o próprio serviço de inteligência ou polícia secreta.
O mais provável é que tenha provocado a guerra.
— Como Justus?
— Matando os próprios soldados de forma a pensarem que foram os da outra nação.
Não tentou isto com vocês? Mas para terem certeza, teriam que conseguir a confissão de um dos membros que participaram da ação. Será a única forma de chegarem a verdade, se for o caso.
— Tenho que pensar Justus.
— Vocês estão causando muitos estragos para ele, tanto que provavelmente queira um desvio de atenção de seu povo. Ele é muito inteligente Morambe, tome cuidado e também seus amigos.
Justus se despediu e desligou o telefone.
— É isto Právida. Se existir o que pensamos, o grupo vai descobrir.

Em Parnávia Karume se surpreendeu com o incidente na fronteira. Mais ainda quando recebeu as agressões declaradas através do rádio por Godoin. Negou, falou à sua nação, explicou que nenhum dos seus “formigas” que protegiam a área havia iniciado o ataque. Mas isto de nada adiantava, teve de colocar o país em armas.
Godoin fazia o maior dos alardes, gritava dizendo que ia acabar com eles, que destruiria tudo e a todos, que não deixaria pedra sobre pedra.
Os grandes canhões começaram a roncar no interior. As enormes balas chegavam a alcançar as abóbadas e os desmoronamentos se sucediam sobre os inimigos, isto quando não acertavam diretamente os grupamentos ou cidades. Um inferno que o Tirano adorava. Não se importava com os revides, parecia se saciar com o sangue de suas vítimas.
Morambe desconfiou e falou com seus homens, sempre acobertado por grutas que só eles conheciam.
— Falei com os humanos, eles acreditam que Godoin tenha preparado esta guerra para mudar o pensamento de nosso povo. Me deram a idéia de seqüestrarmos algum elemento que tenha participado do ataque inicial para descobrirmos a verdade.
— Nunca nos entrosamos muito bem com os Parnavianos, mesmo antes de Godoin. Mas que no momento isto viria a beneficiá-lo é verdade. Comentou um dos ouvintes.
— Na minha opinião continuaríamos nossas atividades como se não importássemos com a guerra. Observou um outro.
— É difícil decidirmos, parece que estamos a trair nossa Pátria. Mas se formos para o front poderemos também estar auxiliando na farsa. Comentou Morambe. O que faremos?
— Tenho uma idéia. Agora muitos de nossos seguidores estão se juntando aos soldados, mas ainda podemos recrutar muitos. Se ao invés de pararmos o que estamos fazendo, quem sabe poderemos intensificar os ataques e desta vez próximos ao palácio. Ele estará muito enlevado com o conflito que criou e provavelmente terá enviado seus seguidores para ações contra Parnávia.
— Tem razão Pristo. Poderá diminuir ou até encontrar uma forma de parar a guerra. Precisará do exército para conter as atividades internas. Sabemos que ele teme pela própria vida e que não poderá cuidar de duas frentes. E a pior é a que mais lhe der insegurança. Por outro lado, se isto acontecer, nós também ficaremos sabendo a verdade. Afirmou Morambe.
— Então vamos fazer isto! Exclamou um dos integrantes e o restante aderiu.

Na Base, a escuta dos comentários radiofônicos vindos dos dois países tornara-se até habito para Raquel e Arosco. Acompanhavam e tudo informavam aos humanos.
Právida e seu filho começaram a se preparar para uma intervenção. Estudaram mapas e a região interna, levantaram equipamentos que poderiam ser usados. O Tenente pediu a Justus uma reunião da CE. Explicou a intenção de auxiliar Parnávia, mas não encontrou apoio. De qualquer forma todos concordaram oportuna uma análise para eventuais necessidades de uma ação no interior do planeta.
— Em primeiro lugar, o povo de Camapro é o que mais sofre e o mais ludibriado em tudo isto. Nunca poderemos culpá-los, são induzidos ou geralmente obrigados a aceitarem as loucuras de seu líder. Observou César.
— Concordo plenamente. Disse Justus.
Não que Právida por ser militar quisesse entrar naquela guerra, mas via uma necessidade de colocar o assunto em pauta. O que acontecia não deixava de ter o dedo dos humanos, até a aquela guerra. Não houvesse doutrinado os “formigas” e tal desatino não aconteceria.

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Samuel havia abandonado de vez a Base, sempre quando precisavam dele não o encontravam. Passara a viver num mundo pessoal, sempre irritado. Myriam já se havia convencido de seu grande erro e começava a pensar em separação. Foi então que decidiu conversar com a primeira esposa.
Marlise a recebeu e a fez sentar-se. Estava um pouco cansada, também estava enorme nos seus sete meses de gestação.
A ex-esposa de Samuel não lhe demonstrara em nenhum momento qualquer indício de ciúme. Tratando-a com delicadeza, lhe perguntou:
— Mas a que devo sua visita. É a primeira vez que estamos conversando.
— Marlize, me perdoe vir aqui tirá-la de seus afazeres, mas preciso muito conversar com você a respeito de Samuel.
— Pode perguntar Myriam, estou pronta para responder o que puder.
— Estou com problemas com ele. Diga-me uma coisa. Como ele era antes de matar o Sakura, isto é, antes da Roda colidir com o Cometa?
— Amava Samuel, casamos porque gostávamos um do outro. Nunca disse a ninguém mas emocionalmente era muito instável. Algumas vezes chegou a me agredir. Logo nos primeiros anos senti-me insegura, mas fui agüentando. Ilude as pessoas que o cercam.
— Quando soube que iam se casar, quase fui avisá-la, mas meu marido interferiu dizendo que você era psicóloga e saberia contornar o problema. Peço me desculpar por ter guardado segredo, mas não foi só de você. A não ser meu esposo ninguém mais sabe do caráter real de Samuel.
— Então você acredita que ele tenha praticado o crime devido ao próprio modo de ser.
— Exatamente e não quero deixá-la preocupada, mas me perguntou, não acho justo não dizer o que penso.
— Então eu errei, tirei um assassino da prisão e ainda casei-me com ele. Que sina!
Myriam saiu conhecendo a realidade.

Pensou em si e na segurança de sua filha que já trazia dentro de si. Dois dias depois resolveu tirar uma opinião com César. Este a encaminhou para o novo Juiz Lutércio.
A ainda jovem esposa contou-lhe tudo, não que estivesse traindo Samuel, mas por julgar-se culpada por interferir na justiça quando insistira na inocência do marido.
— Myriam, você não tem culpa alguma. Por outro lado a justiça não pode ter meios caminhos, absolve ou condena. Se conseguiu tirá-lo, a decisão foi tomada a favor de sua causa e nunca será desfeita, isto está nas Leis. Hoje ele é livre e continuará assim. Também já havia cumprido muito tempo da pena e poderia ser solto mesmo sem sua atuação, também participando do caso não encontrei nenhum registro de mau comportamento no período.
Quando voltou para Nova Terra estava com o semblante um pouco desanuviado, apesar de sua imensa tristeza.
Passou apenas a tolerar Samuel, todo amor que lhe dedicara ruíra. Por sua vez ele nem dava conta disto.

Na fortaleza houve uma radical mudança no sistema distributivo de bens, tudo foi cotado e os produtos não eram mais entregues gratuitamente. A CE estabeleceu regras até severas para a população. Somente os mais velhos teimavam em ficar na Base e entre eles o Ascânio que abandonara suas idéias.
A sede central permaneceria com as escolas superiores, atendimento médico, todos os tipos de serviços eletrônicos e principalmente a formação militar. Vários veículos foram retirados e faziam a ligação Base - Nova Terra.
A forma de energia para manter as instalações da fortaleza, dos veículos aéreos e terrestres e de inúmeros equipamentos era representada por inúmeros tipos de pilhas. O tempo de duração de cada uma era tão grande que o estoque ainda daria para atender mais de uma geração de humanos.
Quanto aos combustíveis propulsores da Base e naves auxiliares ainda existiam o suficiente para incursões espaciais ou para suprir por muito tempo caças ou outros aviões de guerra. Portanto, os terráqueos não precisavam preocupar com uma escassez imediata. No entanto uma nação não poderia ser construída para duzentos ou trezentos anos apenas e depois? Seu poder desaparecia?
Jader pensou e resolveu expor novamente o assunto:
— No momento somos temidos, nenhuma nação “formiga” poderia nos deter. Mas as condições que temos são temporárias e se quisermos manter independência teremos que estudar e desenvolver uma indústria com recursos deste planeta. Teremos de copiar ou associarmos com nações amigas.
Um bom passo que já está sendo dado, é o do acordo com Lacrin e Marantuan, merecendo parabéns nossos amigos Macarius, Ramos e Justino.
Palmas se ouviram e logo a seguir Jader continuou:
Temos estudos e planos para todos os fins mas será impossível querermos produzir a maioria das coisas que temos. Muitos dos metais utilizados, inclusive o da própria carcaça que forma a Base, foram retirados da região dos asteróides e de satélites de Júpiter e Saturno no Sistema Solar.
Se não tivéssemos encontrado nenhuma civilização e fossemos os semeadores da vida inteligente no planeta, não me preocuparia e seria o primeiro a dizer que cada um vivesse conforme a natureza encontrada.
O exemplo que mais enquadra-se para o que proponho é o de continuarmos nos associando com os povos deste planeta.
Alguns cidadãos que foram para Nova Terra estão montando pequenas indústrias com as máquinas que foram deixadas em conservação. Enquanto houver outras, tudo bem, mas a medida que se estragarem serão simplesmente lixo.
Temos tempo para realizar muitas coisas até que isto aconteça, mas se nos acomodarmos e não reinventarmos os processos tudo morrerá. Também devemos nos ater a um fato muito importante, os “formigas” detém uma tecnologia complexa, ou seja a de transportes sem uso de combustíveis.
— Gostei Jader. O que você disse tinha de ser colocado e nós temos mais que a obrigação de darmos um início sólido. Nem que for para voltarmos a processos artesanais.
Jacobin que ouvia atento o comentário do amigo comentou:
— Temos que fazer o nosso povo voltar para os bancos escolares, esta orientação é sumamente importante. Processos utilizando magnetismo natural deverão ser básicos.
Arosco que já se considerava um membro terrestre, surpreendeu-se com os comentários:
— Então não poderão refazer as coisas que possuem?
— Nem todas Arosco, muitos objetos são plenamente possíveis de serem brevemente construídos. Respondeu Jader.
— E a televisão? Continuou o “formiga”.
— Vocês possuem o rádio e conseqüentemente fábricas deles, utilizam-se do eletromagnetismo. Daí para a TV poderá ser um passo, mas os caminhos de sua ciência com a nossa são totalmente diferentes, assim em benefício mútuo, precisará haver troca de tecnologia.
De qualquer forma, se conseguirmos uma convivência pacífica neste mundo, uma infinidade de coisas poderão ser criadas em curto espaço de tempo.
Enquanto Godoin ficar criando problemas, muito tempo estará perdido.
— É Jader, há ainda muita ignorância.

Dias depois, Ramos surpreendeu Arosco amuado e pensativo.
— O que aconteceu Arosco? Nunca o vi assim.
— Assim como?
— Está quieto, parece triste.
— Não é nada Ramos. É coisa minha, não se preocupe.
— Desabafe, todos nós gostamos de você.
— Sabe Ramos, você tem sua esposa e um filho. Jader está em vias de se casar. Myriam e Samuel já se casaram. Compreendeu?
— Entendi, você se sente sozinho e precisa de uma companheira, ou já tem?
— Ela mora perto de meus pais em Maura, minha cidade.
Só a vejo quando vou lá, mas são tantas minhas ocupações que não tenho encontrado mais tempo.
— Porque você não casa, se é que também fazem este tipo de cerimônia.
— Lógico Ramos, por sinal muito bonita e com muitas festas.
— Então Arosco, o que está esperando, traga-a para viver aqui.
— Já falei com ela. Tem medo, nunca saiu para o mundo externo.
— Nossa ciência é avançadíssima e Raruque não sai daqui, está esmiuçando tudo que temos. Acredito que deva saber até mais que Juneida ou o próprio doutor Gilson. Aprendeu a mexer no processamento e não se faz de rogado. Pede, insiste e você sabe disso.
— O Raruque é um caso a parte, acho que até esquece que as informações pertencem aos terráqueos.
— Fale com ele e quando estiver lá leve-a a presença dele.
— Mas você ainda não me disse o nome de sua pretendida.
— É Jaci.
— Bonito nome, por coincidência o nome Jaci também é utilizado por nós.

Arosco levou a sério as palavras de Ramos. Resolveu tomar uma decisão. Falou com Justus, explicou e pediu autorização para trazer a “formiga” para a Base.
Dessa vez partiu muito contente, tinha muita esperança de convencer Jaci. Mas não foi para Maura e sim para Ranija Capital de Lacrin, primeiro queria falar com Raruque que passara a ser o chefe de ciências médicas do País.
Raruque o recebeu com muito entusiasmo e alegria.
— Que surpresa Arosco! O que o traz aqui? Não vai me dizer que Justus mandou você vir me chamar à atenção!
— O que é isto Raruque! Você sempre merecerá o melhor tratamento que eles podem dar. Já o estimam e quando você demora um pouco para voltar até me perguntam.
— Então Arosco. Do que se trata?
— É pessoal Raruque. Sei que está digerindo toda ciência médica dos humanos e vim tomar uma opinião com você.
Já estou no tempo de me acasalar e a “formiga” que desejo não quer me acompanhar, honestamente já me acostumei a viver na superfície. Então pensei, aliás o Ramos, você conhece, me orientou a procurá-lo. Quem sabe você possa me ajudar.
— Traga-a aqui, pode crer que isto não será um problema.
— O que vai fazer?
— Traga-a aqui e saberá.
Arosco mal visitou os pais e foi conversar com Jaci.
— Quero levá-la para viver comigo.
— Já lhe disse Arosco, tenho medo, venha você para cá.
— Então me faça uma coisa, preciso visitar um amigo em Ranija, você vem comigo.
— Quem é?
— Raruque.
— Raruque, o famoso inventor das vacinas?
— Sim, ele mesmo. Quer falar com você. Depois que conversar com ele, se ainda não quiser me acompanhar eu desisto e nunca mais toco no assunto. Concorda?
Jaci pensou e depois decidiu:
— Está bem Arosco, mas veja o que está me prometendo. Sei que gosta de mim e eu de você, estou disposta até esperá-lo das longas viagens.
Depois de um colóquio amoroso, ambos foram descansar para viagem.

Em Ranija Raruque estava as voltas com seus tubos de ensaio quando ouviu batidas na porta.
— Entra Arosco, trouxe Jaci conforme lhe pedi? Disse sem nem olhar o casal que se aproximava dele.
— Como sabia que era eu.
— Mas quem poderia ser?
Bem, sentem-se e não se assustem com esse monte de coisas que trouxe de lá.
Jaci, Arosco me contou que você tem medo de ir para lá. Você deveria ter mais medo de ficar na sua casa.
A “formiga” arregalou os grandes olhos:
— Mas doutor, lá vou ter de usar as horríveis viseiras e eu não quero aquilo em minha cara.
— Ah! Então é isto?
Ora, ora, não é que descobri uma fórmula de colírio que lhe permitirá andar normalmente lá. Até olhar para saramuan sem ficar cega?
— Doutor, não é perigoso este remédio?
— Minha filha, se fosse eu não poderia enxergar mais nada, no entanto estou aqui trabalhando normalmente. Apenas ainda não o coloquei no comércio, e também não digam nada para ninguém senão vão estragar tudo.
— Claro que não, respondeu Arosco.
— Se era só por isto, não há mais problemas, vou lhe dar uma grande quantidade e basta só uma gota por dia em cada olho.
— Doutor, também eles são...
— Alienígenas, completou o médico. Mas são os melhores seres que já encontrei em toda minha existência e já não sou tão novo.
Não tenha medo, além de tudo você irá comer coisas deliciosas que nunca imaginou existir. Verá coisas que nem em sonhos jamais pensou. Passará a conviver com uma raça que já nos ultrapassou milhares de anos. Pense nos filhos que virão a ter, pense neles aprendendo coisas de um mundo fantástico.
Ainda não percebeu que em nosso país a miséria e as doenças estão acabando?
Hoje, graças a eles estamos distribuindo ou vendendo remédios para todo o mundo. Nossa nação está sendo respeitada devido principalmente ao seu futuro marido. Você não vai querer prejudicar seu povo. Ou vai?
Jaci mantinha os belos olhos abertos, absorvia cada palavra do médico. Passou a mão nos longos cabelos escuros e resoluta disse ao namorado:
— Então vamos para lá Arosco. Mas se não for igual ao que Raruque está me dizendo, venho aqui brigar com ele.
O médico estampou um largo sorriso, o casal agradeceu e saíram.
Arosco comunicou-se com Justo e falou do casamento, convidando-o e pediu mais alguns dias. Falou ainda sobre o medicamento de Raruque e que isto facilitara a decisão. O “Rei” mostrou-se muito contente, agradeceu mas não poderia participar, em seguida disse que ele e a CE lhes preparariam uma recepção.
Após falar com Justus, ligou para Ramos.
— Ramos, prepare-se que em seis dias vou ai buscar você.
— Me buscar Arosco? Vou Sim, você vai ser meu padrinho de casamento, saiba que aqui também utilizamos testemunhas.
— Como fico contente Arosco, vou sim, só não vou levar minha família porque ainda não conhecem a vida interior.
— Ramos, quando chegar converso com Júlia.
— Está bem Arosco. Obrigado.
O “formiga terráqueo” estava feliz. Passou aqueles dias preparando-se para a cerimônia. Deixou tudo pronto e voltou para a Base, insistiu com os amigos para irem ao seu matrimônio, mas eles lhe estavam preparando uma surpresa na Base.
Foi buscar Ramos e acabou convencendo Júlia a acompanhar o marido. Apenas o menino ficou aos cuidados de Sabrina.
Júlia passou pela mesma experiência que os demais terráqueos ao viajarem pelas cidades internas.
Surpreendia-se a cada instante, acabou se familiarizando com o ambiente turvo e preferiu não usar os óculos que Ramos lhe entregara.
A chegada de ambos foi motivo de muita festa, ainda mais que Ramos falava igual a todos de lá. Só Júlia nada entendia, mas o marido lhe traduzia ou então Arosco.
O “formiga” apresentou a noiva que nunca havia visto um terrestre, a qual não se surpreendeu pois cansara de ver fotos dos alienígenas.
Os pais de Arosco estavam satisfeitos por receber os humanos, chegaram perto deles e colocaram as mãos postas em sinal do habitual cumprimento. O que também significava amizade, como viriam a saber.
Jaci até desinibida queria saber coisas femininas e chamava constantemente o noivo para repassar suas perguntas para Júlia. Algumas coisas até o futuro marido se engasgava em falar, mas a jovem insistia. Júlia sorria e explicava e assim as duas acabara sendo amigas.
A cerimônia foi bem demorada e realizada por um “formiga” de cabelos brancos. Quase nada diferente dos humanos, quando terminou o casal se abraçou e recebeu os cumprimentos. Depois os festejos e em seguida a ausência dos noivos. Boa comida, bebidas diferentes, músicas e alegria.
Os pais do noivo levaram Júlia e Ramos para descansarem.
No dia seguinte Arosco é quem foi acordar o casal, Ramos se levantou e o atendeu:
— Estamos prontos para ir Ramos, a menos que queiram ficar.
Os quatros se despediram num ambiente familiar e alegre e tomaram conduções. Arosco retirou seu veículo e partiram para a Base. Jaci pingara o colírio que Raruque dera e pela primeira vez enxergava a vida externa.
— Como é grande aqui fora, também é bonito.
— Feliz Arosco? Perguntou Ramos.
— Muito e Jaci também.
Ramos sem que Arosco percebesse chamou a base e deu o sinal de que estavam voltando.
Quando entraram na fortaleza ninguém veio recebê-los, um silêncio impressionante. Foram até o gabinete de Justus e ninguém. Os principais compartimentos geralmente movimentados estavam vazios. Jaci nada percebera, afinal pensava que era assim mesmo e Arosco também nada estava entendendo.
Ramos que sabia de tudo, começou:
— O que será que aconteceu aqui? Está tudo vazio.
— É mesmo Ramos, vamos dar uma olhada no salão de exibições.
— Mas o que iriam fazer lá? Só se está havendo alguma sessão importante. Mas se assim fosse teriam nos informado. De qualquer forma vamos lá.
Logo que chegaram à grande dependência a porta estava fechada e Arosco a empurrou. Quando fez isto, foi como se ligasse um som gigantesco, a música nupcial acompanhou sua entrada com a esposa. Palmas foram acompanhando o casal enquanto caminhavam na direção de Justus. Nova Terra inteira estava lá, quase não venciam receber os cumprimentos. Era só alegria e Jaci se sentia nas nuvens. Segundo dia de casados e segunda festa, e que festa!
Mas a surpresa não fora só esta. Mais ou menos na metade da comemoração Justus os chamou, elogiou-os muito, deu os parabéns para Jaci e entregou a ela uma chave.
Ela pegou mas nada entendera. Arosco então agradeceu muito, ficou emocionado e a jovem esposa continuava sem saber o que era aquilo. Pedia para que lhe explicassem, mas ninguém lhe dizia nada.
Arosco então saiu apenas com Jaci para o ar livre, tomou um veículo e dirigiu-se para Terra Nova. Jaci estava até ficando com raiva e quase jogou fora o objeto que lhe deram. Não reconheceu porque não parecia com as chaves usadas em Maura.
Quando chegou na vila, Arosco pediu a chave a esposa e olhou o número. Parou o carro, saíram e andaram mais um pouco. A sua frente estava uma bela casa, escolhida com carinho. Foi então que ele mostrou a Jaci o que devia fazer. Ela chorou de alegria e entendera tudo.
Estavam felizes, entraram e ela se surpreendia com as coisas terrestres. Mesas e cadeiras bastante diferentes das que conhecia, bem como armários. E o quarto então?
Seus grandes olhos brilhavam até que se deparou com a tela quadrada na parede e perguntou:
— Para que serve isto?
Antes de responder, Arosco puxou uma pequena porta corrediça atrás da qual existiam muitas pequenas gavetas e mostrou a ela o conteúdo. Várias etiquetas com títulos, numa escrita estranha para ela separavam pequenas chapas que as lotavam. E ela curiosa, disse:
— Não estou entendendo nada, isto para mim são pequenas folhas de metal.
— Espere Jaci. Isto daqui são o que os terráqueos chamam de gravações. Mas primeiro, vou ligar o aparelho para as transmissões diretas da base.
Jaci levou um susto quando a tela clareou e viu terráqueos falando ou mostrando coisas. Arosco então explicou-lhe:
— Jaci isto é uma televisão, transmite imagens. Os humanos às mantém para informar seu povo de tudo que acontece ou então para chamá-los quando necessário.
— É igual ao rádio, só que podemos ver as coisas.
— Isto mesmo Jaci. Agora, está vendo estas chapinhas?
Vou introduzir uma delas aqui neste lugar. Está vendo?
— Sim, mas que coisa mais esquisita.
Logo que Arosco procedeu o encaixe do micro-disquete a tela mostrou lugares muito bonitos, flores e frutos.
— Nossa Arosco! Que bonito!
— Quando cansar de assistir, basta apertar este botão, a ficha solta e você a guarda no lugar de onde tirou.
Jaci ficou tão encantada com aquilo, que fez Arosco colocar outras, via um pedaço e queria experimentar outras.
— Pena que não entendo nada do que falam.
— Você vai entender. Vou pedir a Justus autorização para introduzir a língua deles em você.
— Não quero isto não! Credo!
Arosco deu uma risada e completou:
— Não se preocupe. Como você pensa que aprendi a falar duas línguas a mais. Tem uma coisa, você vai ficar entendendo também a língua de Camapro.
Arosco queria que a esposa aprendesse a falar não só para assistir a filmes, mas também para se comunicar com os da vila e até com ele próprio. Enquanto pensava, viu que ela estava entretida com a TV, interrompeu-a e disse:
— Por hoje querida, vamos deixar isto daqui, você vai ter muito tempo. Esqueceu de suas coisas, vou buscar. Saiu, logo trazendo as malas.
— Aqui estão, parece que você colocou chumbo dentro, como estão pesadas! Depositou-as sobre a cama e puxou uma grande porta de correr, continuando:
Pode guardar suas roupas, vou te ajudar.
Tudo ela admirava e ainda não havia conhecido a cozinha.
Arosco que já sabia mexer nas utilidades terráqueas, teve de explicar-lhe detalhadamente o funcionamento dos objetos e para que serviam. Só o banheiro não era muito diferente.
Já naquele primeiro dia com os terráqueos, ela comentou:
— E dizer que não queria vir!
— Bem Jaci, precisamos dormir, já faz muito tempo que estamos acordados, por hoje chega.
E ambos foram descansar na macia cama. Arosco estava tão cansado que mal deitou-se, dormiu. Mas Jaci não, estava entusiasmada demais e por várias vezes o empurrava para que acordasse. Por fim também dormiu.
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Justus e Jader combinavam as formas de proceder com relação à guerra que se desenvolvia no mundo subterrâneo.
— Ficou sabendo de mais alguma coisa Jader?
— Á única novidade me foi dita por Právida. Ele entrou em contato com Morambe e segundo ele, o grupo resolveu continuar os ataques a Godoin. Disse que conforme o próprio Morambe, tratava-se de uma estratégia para levar o chefe do governo a recuar caso tenha sido ele o causador do conflito.
— O nosso “formiga” é muito inteligente. Não havíamos pensado nisto. Se eles intensificarem as ações o ditador verá que de nada adiantou forjar um conflito. Ficará com medo e trará o exército para perto. Vamos esperar.
Os dois estavam trocando suas idéias quando Arosco chegou na porta de entrada, trazendo a esposa.
— Entrem por favor. Como vai Jaci, como está sentindo-se aqui? Logo traduzido por Arosco.
— Muito bem, melhor do que esperava, estou muito feliz.
— Ótimo. Fico contente.
— Justus, vim pedir-lhe um grande favor.
— Fale Arosco.
— Gostaria que Jaci aprendesse sua língua, será muito mais fácil p'ra ela.
— Você sabe o que fazer, não poderia negar-lhe isto. Entre em contato com a Raquel.
Jaci estava temerosa, mas confiava no marido. Conheceu a chefe do sistema que a tratou muito bem. Depois o Dr. Gilson e no mesmo dia foi iniciado o processo.
Passados os três dias, ela já estava preparada totalmente para viver entre os humanos.

O tempo não para, Jaci se entrosou rapidamente na recém-formada sociedade.
Quase não saia de sua casa, gostou tanto da TV, que nem Arosco a tirava da frente da tela.
Apenas um casal não ia bem, Myriam bastante adiantada na gravidez passava por momentos difíceis.
O marido parecia não dar conta de que iria ser pai, continuava a beber, tornara-se um arruaceiro, não trabalhava mas foi receber seu salário na Base.
Observando que aquilo não era justo, Tanaka que já não gostava dele e ainda chefe das finanças, lhe disse:
— Samuel, você sabe que não morro de amores por você, mas uma coisa não tem nada a ver com outra, quero que fique bem claro. Nunca tive de falar a alguém o que vai ouvir.
Você não está trabalhando, não comparece para exercer nenhuma das atividades que lhe foram confiadas. Nem da CE tem participado. Como quer receber por trabalhos que não faz?
— Mas tenho feito sim, você é que cismou comigo! Respondeu rispidamente ao “banqueiro”.
— Só vou pagar-lhe se trouxer uma autorização escrita por Justus.
Samuel irritado tentou agredi-lo querendo forçá-lo ao pagamento. Como nada conseguiu o ameaçou:
— Já matei seu irmão, não custa fazer o mesmo com você. E saiu repetindo a ameaça.
Tanaka havia comprado briga, muito maior do que pensava. Era um homem pacífico, engolira por muito tempo a mágoa que sentia. Adorava Sakura, representantes das únicas famílias orientais naquele novo mundo.
Depois de algum tempo refletindo, resolveu contar a Justus o acontecido.
— Parece nervoso Tanaka.
— E não é para menos Justus. Samuel ameaçou-me de morte.
— Não precisa dizer-me mais nada Tanaka. Ligou o comunicador e chamou Scaler, que em minutos entrou na sala:
— Scaler, mande prender imediatamente o Samuel.
— Prendê-lo?
Isto mesmo, prendê-lo, trancafiá-lo. Ele está causando problemas em Nova Terra e ameaçou de morte o Tanaka.
— Não me diga Justus. Não sabia.
— Mas eu sei e antes que faça alguma loucura, quero-o atrás das grades. Não o solte em nenhuma hipótese, somente sairá quando eu decidir.
— Mas Justus, será preciso? Disse Tanaka.
— É Sim Tanaka, não trata-se apenas de seu caso, já sei de reclamações de Myriam, de Stanislau e de outras pessoas.
Scaler saiu e foi tomar as providências. Tanaka continuou no escritório, um pouco atônito. Não esperava uma ação tão rápida.
— Sobre Myriam, o Lutércio confidenciou-me alguma coisa, mas de Stanislau não sabia.
— Ele mesmo nada denunciou, foi Sabrina quem fez o comentário para minha mulher. Passa quase o dia todo no armazém, fica bebendo e insultando as pessoas. Tem conhecimento excelente, sabe a língua de Marantuan e poderia nos estar ajudando muito, mas está tomando um rumo perigoso.
— É sobre isto que vim lhe falar Justus, foi hoje para receber o salário e como sei que não trabalha, pedi que viesse até você pedir uma autorização.
— Que negaria evidentemente.
— Eu sei Justus. Mas ao invés de procurá-lo ele tentou me bater, como não conseguiu me ameaçou, dizendo que faria comigo o mesmo que fez ao meu irmão.
— Que cafajeste! Ele vai mudar e se não mudar vai mofar atrás das grades. Isto garanto.
Não foi fácil a prisão de Samuel, reagiu com uma faca e os guardas tiveram problemas para imobilizá-lo. A cena foi em frente ao armazém de Stanislau, que deu graças por levarem tão importuno freguês.
Myriam ao invés de ficar triste com a prisão do marido, sentia-se aliviada, poderia pelos menos viver um pouco. Nem foi a Base para visitá-lo, também desejava vê-lo recluso, fora de circulação.


Justus foi até a prisão da Base falar com Samuel. Este parecia transtornado, resmungava, xingava e não recebeu bem o chefe.
— O que veio fazer aqui rei de merda?
— O que me disse, vai ser mais uma acusação. Pode acreditar, você vai ficar muito tempo aqui. Respondeu também irritado Justus. Desta vez você não vai ter nenhuma atenuante.
— Também conheço um pouco das leis e sei que não vai poder me segurar aqui por muito tempo.
— Você é que pensa Samuel. César está organizando novas Leis que já valem para todos. Os códigos já estão sendo editados. Vai ter julgamento sim, mas dentro dessas normas, enquanto isto ficará aqui.
Samuel branqueou, entre as grades podia ser visto um novo homem a surgir. Sentar-se na pequena cama e colocar a mão na cabeça.
— Ora Samuel, não vai me xingar mais?
— Justus, é que estou muito nervoso. Compreenda, reconheço que tenho agido mal...que não devia ter falado...
— Pode parar Samuel, você não engana mais ninguém. Digo-lhe mais, dentro das novas regras, foram retiradas as facilidades jurídicas de inocentar quem quer que seja, de esperar em liberdade o julgamento, etc..
Tirou as mãos da grade, mas antes de sair observou:
Você mostrou quem é ao me receber. Minha intenção era escutá-lo e procurar entendê-lo, afinal Joseph o elogiava tanto que acreditei nele e depois confirmei observando sua capacidade, seu trabalho com os “formigas” e no sensoriamento. Sua classificação era ótima, mas você não conseguiu segurar sua personalidade. Pensava que até estivesse com algum problema mental e para isto haveria cura. Mas não, sua mudança repentina quando soube das novas leis evidenciou seu verdadeiro caráter. Portanto, não merece ficar na sociedade, e ainda, alem de já ter cometido um crime grave ameaçou o irmão de sua vítima?
Samuel abaixou a cabeça e Justo saiu.

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Em Camapro o conflito era de nação contra nação, as primeiras mortes, o ódio e a vingança pessoal em campo de batalha estavam juntos, favorecendo o que Godoin manipulara.
Estava ele na empáfia que sempre o caracterizava quando uma enorme explosão abalou a espetacular sala de onde comandava suas operações, uma coluna que sustentava o teto ruiu e quase o atingiu.
Só havia poeira à sua frente, mas levantou-se sem nenhuma arranhão. O general que lhe dava cobertura jazia sobre os escombros, ensangüentado e sem vida.
Procurou se comunicar mas nada encontrou, correu para uma parede muito sólida e acionou uma alavanca, uma porta se abriu e ele penetrou para um esconderijo que sempre deixara preparado para uma emergência.
Enquanto descia as escadarias ouvia o barulho de novas detonações. Em vários pontos de Contag, Capital de Camapro, prédios do governo eram destroçados. O Palácio ruíra totalmente e os rebeldes comemoravam a façanha.
Dentro do abrigo, Godoin encontrou e acionou um rádio de campanha chamando o coordenador dos ataques na frente de batalha.

Os “formigas” de ambos os lados lutavam ferozmente e Camapro ganhava terreno. Com os canhões e toda força que Godoin possuía estavam vencendo. O sangue era derramado por todos os regimentos em nome de uma honra que achavam justa.
Corino o Capitão chefe da operação acompanhava o desempenho de seus soldados quando seu rádio chamou.
— Capitão Corino.
— Corino, volte com todas as tropas imediatamente para Contag, estou sendo atacado, estão destruindo tudo aqui.
— Mas não são soldados de Parnávia, disto tenho certeza.
— É claro Corino! O que está esperando?
— Mas chefe, como vou parar as operações é o mesmo que rendermos.
— Não tem mas nem mais! Faça o que estou dizendo. Você sabe, são os rebeldes, nosso plano não deu certo. Entendeu?
— Sim Senhor. Vou mandar hastear bandeiras de trégua em todas as frentes.
— Faça isto rápido?
Os comandantes de regimentos de Parnávia ficaram espantados quando viram as bandeiras e o cessar fogo. Pelas leis internacionais, quando isto ocorria, a vitória estava confirmada e os “formigas” de Karume gritavam, insultavam e o enorme exército de Camapro voltava as costas para o inimigo e deixava o campo de luta. A mesma regra nesse caso também impedia prisioneiros ou um único tiro por parte da nação vitoriosa. Era a maior humilhação que poderia acontecer para um povo, mas fora feita e os formigas saiam chorando, até gritando pela dor que sentiam.
Enquanto a cidade estava desprotegida, o grupo liderado por Morambe continuava a destruir tudo que pudesse revoltar Godoin, principalmente suas estátuas arrogantes dispostas nos mais diversos pontos da capital.
Quando Morambe percebeu que o momento era para a retirada, reuniu todos os seus adeptos e retornou para seu esconderijo, muito distante das ações que praticara.
Para não serem reconhecidos, durante todo tempo utilizaram máscaras e somente os que participaram do ataque sabiam do plano, que fora mantido em segredo total.

Muito seguros no local onde estavam, festejaram a valer. No entanto Morambe fez uma observação:
— Por enquanto não podemos cantar vitória. Somente se a luta contra Parnávia terminar. Isto ainda não sabemos. Pode também ser que Godoin tenha morrido na destruição do Palácio, o que não acredito, principalmente se a guerra terminar. Temos que ficar quietos aqui.
— Concordo, mas alguns de nós tem que ir lá fora saber o que aconteceu, disse Pristo.
— Maleng, sabe que estivemos com os terráqueos e somos considerados mortos por Godoin. Quanto a você, pode voltar para sua casa, dizer que esteve viajando, enfim invente uma desculpa. Fique atento, descubra o que aconteceu e volte para nos dizer.
— Vou Sim, espero que aquele maldito tenha feito o que pensamos. Pode deixar comandante, trarei as notícias o quanto antes.
— Entrarei em contato com os terráqueos e pedirei para acompanharem o resultado, as vezes antes de você voltar já tenhamos a resposta.
Morambe descansou no espaço de uma noite, após acordar, a primeira coisa que fez foi acionar seu comunicador que levava para todo lugar.
Právida atendeu:
— Morambe, que novidade me diz?
— Destruímos o palácio de Godoin, suas estátuas e seus departamentos. Podemos até tê-lo matado, o que espero não tenha ocorrido. Estamos escondidos, não temos como saber o resultado. Quem sabe, vocês com seus aparelhos possam descobrir e me informar.
— Logo que saiba de alguma coisa lhe comunico.
Právida correu a contar a novidade a Justus. E ambos foram para o setor de sensoriamento.
— Marcos, procure encontrar alguma transmissão de Parnávia. Chame Raquel Právida, a língua de lá é a mesma de Camapro.
Com Raquel presente, ela identificou as transmissões na linguagem que conhecia entre vozerios de diversas freqüências. De repente, disse:
— Pode parar nesta. O locutor está dando vivas. É uma transmissão de Parnávia. Pelo que se percebe o povo de lá está nas ruas cantando vitória. O Exército deles está voltando. Camapro retirou as tropas e o povo espera seus soldados.
— Só isto basta Raquel. Avise Morambe Právida, ele vai sentir que tínhamos razão e ele também.
Dali mesmo, Právida ligou para Morambe.
— Morambe, aconteceu o que prevíamos. Parnávia está em festas, o exército de Camapro está voltando.
— Sabe Právida, isto é maior vergonha que uma nação poderia sofrer, nem esperava que fosse tão rápido o apelo de Godoin. Quer dizer que ele está vivo e que temos de continuar nossa luta. Pena que vai arranjar um jeito de punir muitos “formigas” inocentes se não nos encontrar. Fará isto para fazer-nos sair do esconderijo. Vamos ter que continuar a agir em pontos diversos para que ele não invente culpados.
— Boa sorte Morambe. Mas espere um pouco, só demos o seu comunicador, precisará de mais para poder coordenar melhor seus ataques. Vai ter que mandar alguém aqui para pegar os aparelhos, veja de quantos vai precisar.
— Vocês farão isto por nós?
— Claro Morambe.
— Não podemos aparecer nem ficarmos andando encarapuçados, seriamos presas fáceis logo que os soldados voltarem. Mas uma boa parte dos rebeldes não despertam suspeitas, vivem normalmente nas comunidades.
Tenho um elemento muito esperto e que sabe despistar em quaisquer circunstâncias, garanto que ele trará os aparelhos. Chama-se Maleng e sei que dará conta do recado. Mas tem um problema Právida, à distância até a fortaleza é muito grande, gastaria muito tempo para chegar.
— Morambe, estou na sala de sensoriamento onde temos tudo, inclusive imagens de toda a região. Fique na linha, que vamos localizar juntos um ponto onde ele deverá ir, nós jogaremos os aparelhos dentro de um saco que cairá bem perto dele, só deverá pegar e voltar.
Estamos focalizando as entradas de seu país. São ao todo dez. Qual delas é mais fácil para ele sair e entrar sem problemas.
— Na terceira, muito difícil de ser utilizada.
— Na terceira ao sul ou para o norte?
— Para o sul. Veja que logo a frente existe uma colina e também que não há plantações na área.
— Marcos, focalize a terceira entrada ao sul e veja se tem uma colina.
Marcos movimentou os controles e trouxe as imagens muito próximas, era tal qual Morambe estava dizendo.
— Está na tela Morambe.
— A colina é formada por terra seca, sem qualquer arbusto, no cimo existem muitas pedras, mas duas grandes se salientam à distância.
— Já vimos Morambe.
— Será um bom local, poderá ir lá e voltar que ninguém perceberá. Só preciso esperar ele retornar com notícias, foi colher informações em sua cidade. Logo que chegar lhe aviso Právida.
— Parabéns Morambe, tenho certeza de que vencerão sua guerra.

Os rebeldes ficaram tristes com a notícia da derrota, afinal era a sua nação que se entregava vergonhosamente, mas por outro lado confirmaram plenamente a maldade de seu governo. Mais que nunca estavam dispostos a levantar todos os irmãos contra o ditador.
Enquanto isto, César alheio aos acontecimentos de Camapro dedicava-se ao árduo trabalho de levantar as milhares de regras codificadas, examinando-as, deixando-as como estavam ou alterando-as.
Seus discípulos eram os melhores que poderia ter conseguido. Acabaram pensando da mesma forma que o coordenador e aos poucos tudo era definido. Mas ainda, faltava muita coisa e ainda teriam que levar mais três ou quatro meses para a organização final.

Myriam dera a luz a uma linda menina e Jaci foi visitá-la. Ficaram muito amigas, ambas falavam as duas línguas e a “formiga” também já estava grávida. Sempre curiosa, queria saber como os humanos faziam.
— É a mesma coisa, não somos diferentes? Disse-lhe Myriam.
Enquanto Arosco trabalhava na Base, ela passava a maior parte do tempo descobrindo o que continha os milhares de disketes. Já entendia tudo sobre os humanos e as vezes queria saber coisas que ainda não havia visto nas gravações, como no caso da pergunta que fizera. Nos momentos que cansava da TV e depois de cuidar da alimentação e da casa, colocava sua melhor roupa e ia para a casa de Júlia ou de Myriam.
Em Nova Terra todos já a conheciam, passaram a gostar dela, tanto que faziam-na esquecer que pertencia ao mundo subterrâneo. Diariamente utilizava a gota que Raruque lhe dera e enxergava tão bem quanto os humanos. Sua fisionomia era bonita e seus enormes olhos lembravam alguns tipos de bonecas dos humanos. Sabia se compor muito bem e nem suas hastes que acompanhavam os braços, nem seus pés em forma de cascos ofereciam o mínimo de repulsa aos olhos terrestres. Possuía elegância e uma simpatia que cativava.
Certo dia Arosco lhe perguntou:
— Quer visitar seus pais.
— Quero Arosco, mas vamos deixar passar um pouco mais.
— Eles devem estar com saudades Jaci.
Um pouco egoísta, queria ir porque amava a família, mas sentia desligar-se dali, mesmo que fosse por pouco tempo.
— Se você quiser ver sua família vá Arosco, eu espero. Encontre meus pais e lhes dê notícias, leve as fotos que temos. Eu escrevo uma carta para minha mãe e você leva.
— Está bem Jaci, eu vou sozinho desta vez, mas na próxima você vai comigo, disse sorrindo.

Quanto a Myriam, acontecia o mesmo que com Marlize, não queria nem ver Samuel, decepcionara-se tanto que a única coisa que desejava era o divórcio.
Ficou com medo de que a filha viesse a ser igual ao pai. Assim, antes de nascer conversou com Jacobin e Gilson. Não queria erro genético e que no seu caso os processos fossem revistos. Mesmo lhes garantindo que a menina era perfeita ela ainda, vez ou outra, ficava pensativa.

A primeira moenda de cana utilizando processos mecânicos comuns na técnica de Marantuan começara a funcionar. As plantações se estendiam e ganhavam muita força na terra escolhida. Eram iguais as antigas que existiam na Terra. Nos cortes os braços dos formigas.
A usina foi construída com materiais de Épsilon através de estudos de sistemas primitivos localizados nos arquivos terrestres.
O projeto foi enquadrado no princípio realista, ou seja, máquinas que poderiam ser melhoradas e não exemplares sem condição de reposição.
E o açúcar jorrou. Era o grande primeiro passo da associação.

Saluan por trás de sua figura idosa possuía uma sensibilidade e um raciocínio lógico muito aguçado.
Logo percebeu que os humanos não teriam condições de um domínio permanente sobre os povos de Grimuan. Poderiam naquele presente serem imbatíveis, mas o tempo passaria e toda fantástica estrutura existente acabaria mais cedo ou mais tarde. Por mais que proliferassem, o volume físico da nação que estava se formando seria incomparável com qualquer outra. Teve certeza justamente pela iniciativa terrestre de implantar a primeira fábrica em seu território externo.
Antecipando-se ao tempo comunicou-se com Justus e pediu uma audiência. O “Rei” como não poderia deixar de ser, mais que imediatamente aceitou e mostrou-se grato pela visita.
Saluan foi recebido com honras de estado. A CE de Justus formara o comitê de recepção.
Depois das solenidades preparadas, a pequena comitiva, na qual se destacava a presença de Raruque, foi levada para os alojamentos.
Após descansarem, iriam conhecer as instalações do engenho de açúcar e formalizarem a inauguração. Em seguida voltariam para a Base e se reuniriam para debaterem assuntos de interesses mútuos.

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Quando Maleng voltou informou sobre a angústia que abatia os Camaprenses. Mas aproveitando a raiva incontida do povo fez chegar ao conhecimento da população a versão real dos fatos. Foi como por fogo num rastilho de pólvora, o comentário se alastrou rápido e logo quase metade da nação se manifestava contra o ditador.
Morambe procedeu conforme combinara com Právida e o próprio Maleng foi buscar os comunicadores.
Com o ambiente propício organizou suas forças.
De posse dos aparelhos cedidos pela Base, comandou uma grande ofensiva.
Godoin acuado tornara-se mais violento ainda, obrigava o exército a proceder extermínios até de inocentes.
Morambe e seus principais seguidores saíram da surdina e abertamente gritavam a verdade, formando levas de guerrilheiros para combater as forças do governo.
Montaram estações clandestinas de rádio, convidavam os soldados de Godoin a aderirem a causa e incitavam todos para o movimento.
Por sua vez, o ditador nunca se dava por vencido e chamava os lideres do movimento de traidores, de serem responsáveis por tudo que acontecia, utilizando toda sua astúcia e facilidade de convencer. Mentir para ele era tão fácil que os incautos poderiam jurar que era ele a grande vítima. Fazia menções ao grande general morto a seus pés, herói de inúmeras batalhas e defensor patriótico do território.

Dias antes dos acontecimentos em Camapro, a visita de Saluan era um marco importante na vida dos humanos. Assim, na fortaleza, depois da visita à fábrica, a CE e a cúpula de Marantuan entraram para uma grande sala enfeitada com requintes. Com Saluan na ponta da grande mesa e Justus na outra, aconteceram os debates.
Justus elogiou o Chefe da nação amiga e depois passou a ouvi-lo.
— Muito me honra vir aqui e estar com vocês. Meu tempo de vida e minha experiência me oferecem condições de lhes dirigir com honestidade e confiança. Contudo devo esclarecer que nunca escolhi meios termos em toda minha vida e quando decido colocar um plano, ou expor um pensamento que vejo necessário, não espero envelhecer mais ou caducar a idéia. Assim, se me permitem minha sinceridade vou esclarecer sobre o principal motivo de minha vinda. Antes porém, devo observar que a Rainha Jano não pode comparecer, mas aqui presente está Raruque que já conhecem.
Não sou ingênuo, muito menos vocês, extremamente evoluídos, no entanto percebi que tudo o que possuem são frutos de uma civilização avançada milhares de anos. No entanto, em breve, referindo-me às próximas gerações, poderão perderem suas máquinas e toda estrutura existente. Vim então em nome de Marantuan e de Lacrin propor-lhes um acordo formal:
Primeiro - estabelecermos fronteiras para o território que desejarem na superfície, com direito ao interior, visto tratar-se de área inexplorada.
Segundo - Colaboração de vocês no desenvolvimento tecnológico de minha nação.
Terceiro - Nosso respeito ao território delimitado e nosso apoio incondicional ao seu povo em caso de ataque por parte de qualquer nação de Grimuan.
— Concordo plenamente Saluan, teremos nosso espaço e consideraremos ambas as nações como uma grande extensão da nossa e espero que ocorra o mesmo do lado de vocês.
— Evidentemente Justus, é o tópico do terceiro item de nosso propósito, o qual não se resumirá apenas ao fim mencionado, isto é, terão acesso livre em nossos territórios. Sabe perfeitamente que cada uma das condições que observei serão dimensionadas, em conjunto criaremos todas as regras necessárias.
— Ótimo Saluan, mas quero deixar bem claro o seguinte.
Nossos ancestrais viveram muito tempo esperando uma destruição total, numa agonia que só nós sabemos. A causa disto estão nas terríveis armas que possuímos, objetos que servem apenas para matar a vida inteligente. Ainda não conhecem nosso outro lado, mas hoje vamos lhes mostrar.
Já percebi que a guerra está em todas as raças, que a sede de poder é incontrolável, veja bem, não estou me referindo às suas nações. No pouco tempo que o conheço e também a Rainha percebi quão honrados são, que só pensam no bem estar e felicidade de seus povos. Por outro lado, em qualquer nação, até aqui nestes poucos milhares de seres existem aqueles que se embrenham para o lado do mal.
Como já lhe disse, concordo com seus propósitos, é a melhor oportunidade que já tivemos, mas tudo que se referir à tecnologia de destruição, inclusive nossos registros. Melhor dizendo, nossas terríveis bombas e armas de eliminação maciça serão colocadas em transpordores espaciais e enviadas para o “sol”.
— Mas não destruirá Saramuan?
— Não, porque ele já é o resultado natural do processo que elas contém. Seria o mesmo que jogar uma pequena brasa numa fornalha chamejante. Compreendeu Saluan?
— Sinceramente pensava em poder fazer frente à muitas nações que pudessem nos agredir.
— Hoje, sob seu poder fariam apenas isto, mas quem garante o futuro, amanhã poderiam querer subjugar, pisar e a arrogância tomaria o lugar da sensatez. Não Saluan, vocês assistirão a história da Terra e verão que tenho razão.
Lavínia, por favor prepare a sessão. Após o almoço iremos para o salão de exibições.
— Deixarei pronto o filme que preparamos recentemente, correto?
— Sim Lavínia, aquele mesmo. Se quiser poderá sair para as providências.
Lavínia pediu licença e se ausentou. E Justus continuou:
Saluan, será um acordo que terá muito significado. Praticamente seremos irmãos na sociedade de vocês. Para mantermos uma afinidade permanente, gostaria de ter entre nós um embaixador de sua nação. Mais do que isto, um membro fixo que participaria de nossas decisões até internas.
O Chefe de Marantuan ia dar sua opinião, mas Justus, com muita delicadeza pediu-lhe mais um pouco de atenção e continuou:
Arosco aqui presente, já é um embaixador de Lacrin, é membro de nosso conselho e participa de todas as nossas sessões. Integrou-se em nossa sociedade e vive no momento em Terra Nova. Pretendemos apenas formalizar o ato com a Rainha. Só existe uma condição, a permanência definitiva conosco.
Quanto a Marantuan, pensamos em Shumatin, vem sempre aqui e já o conhecemos. O que me diz Saluan.
— Não concordo em ser Shumatin, não o vejo com os mesmos olhos que vocês. Tem se demonstrado mais comerciante do que um “formiga” que possa zelar pelos interesses de sua nação. Está enriquecendo muito. Resumindo, pensa mais em si do que no resto.
Do grupo que aqui esteve, o que mais me agrada é Utuam. É discreto, honesto, um “formiga” em que podemos confiar plenamente. Bem entendido, quando disse podemos, quero dizer eu e você. Tenho certeza de que seria uma escolha melhor.
— Então concorda em que ele venha viver conosco, como um embaixador permanente?
— Perfeitamente Justus, somente se ele não quiser. Dei-lhe um cargo no Palácio, falarei com ele, se concordar.
— Claro Saluan, não havia pensado no que me disse, mas na realidade Shumatin tem comparecido muitas vezes aqui somente para fazer compras. Quanto aos outros, raramente os vejo.

Terminada a reunião, as condições gerais dos acordos seriam concretizadas no dia seguinte.
Justus levou todos para o almoço.
Depois da refeição, descansaram por algum tempo. Quando o “Rei” percebeu o momento conveniente, convidou-os para irem para o salão.
Dos “formigas” presentes, somente Raruque e Arosco não usavam viseiras.
Logo após se acomodarem, Justus pediu a Arosco fazer o papel de interprete e ao mesmo manter todas as explicações utilizadas para os camaprenses.
Lavínia retirara muitas cenas, para limitar a exibição no máximo em quatro horas. Sabia o que Justus pretendia mostrar e procurou evidenciar coisas que pudessem explicar a inconveniência das guerras.
Arosco, até mais que um terrestre deu ênfase às palavras. O começo foi igual, o planeta, a viagem no espaço, a terra, depois bem rápido o processo de evolução até chegar às grandes guerras e a visão das armas sendo desenvolvidas e a capacidade delas.

Quando terminou, Justus agradeceu a paciência e através da CE todos os integrantes “estrangeiros” foram levados para aposentos previamente preparados com muito gosto.
No dia seguinte, logo após se alimentarem junto com os terrestres, Justus pediu ao grupo:
— Antes de irmos tomar as decisões gostaria que me acompanhassem para ver uma exposição que temos.
Todos seguiram o anfitrião que dirigiu-se para o grande compartimento onde todas as terríveis armas que viram nos filmes estavam expostas.
Até Raruque se surpreendera, não esperava ver aquelas coisas terríveis e confidenciou para Arosco:
— Então tudo aquilo é verdade? Pensei que fosse algo apenas preparado pela técnica que possuem.
— Entende agora Raruque porque eles querem destruir tudo isto?
Justus percebeu em todos as expressões de espanto. Respondeu a algumas perguntas, mas evitou prolongar conversas.
Quando entraram na sala para debates, o silêncio falava mais alto que palavras. Um medo generalizado tomava conta dos “formigas”. Justus foi quem o quebrou e procurou dar vida aos visitantes.
— Saluan, o que viu não foi em nenhuma hipótese uma exibição de força. Quer saber porque estou pedindo dois embaixadores permanentes, vivendo com nosso povo? Eu respondo:
É para serem testemunhas da inutilização de tudo o que viram, do desmantelamento completo das armas e das fórmulas registradas. Nada, nada mesmo ficará aqui. Mais ainda, aquilo que está na amostra, é uma parte insignificante do estoque que temos. Agora, Saluan lhe pergunto?
Gostaria de ter em suas mãos tudo o que viu e colocar em risco toda a população deste mundo?
— Não precisa dizer mais nada Justus. Tenho medo até em pensar que um dia num futuro muito distante possamos desenvolver tal tecnologia da morte. Fico sinceramente envergonhado de ter pensado em poder militar.
— Não está errado Saluan, que nação não quer a sua segurança. Armas terão que ser desenvolvidas? Digo que sim. Poderemos auxiliar? Também digo que sim. Mas para tudo há um limite e deve ser o da justiça.
— Não entendi Justus.
— Quando cinco “formigas” desarmados atacam apenas um, o que diria?
— Um ato covarde, lógico.
— O certo seria um contra um, correto?
— Evidente Justus.
— Pois bem, e se este um portar uma arma que pudesse eliminar cem, duzentos, mil formigas ou um milhão?
— Não há nem explicação. Entendi perfeitamente onde quer chegar. Agora concordo mais do que nunca no seu propósito.
— Saluan e Raruque, estamos escolhendo suas nações para integrarmos nossa sociedade. Evidente que após destruirmos nosso arsenal nos tornaremos iguais, tão vulneráveis quanto os habitantes deste mundo.
Queremos formar uma sociedade feliz e que encontre unicamente no trabalho a forma de seu poder e do seu existir.
Para que façamos tal destruição será preciso sentirmo-nos em segurança com todos os povos. As boas coisas que temos serão mantidas e ensinadas para que este mundo seja o melhor de todos.
Ganância e sede de poder só ocasionaram misérias e tudo de mal que viram. Teremos soldados sim, que engrossarão as fileiras de suas nações. Se um dia nossos filhos tiverem de lutar, que seja numa guerra justa.
— Guerra justa? Existe tal coisa?
— Existe Saluan, lembre-se do exemplo que dei. Nem sempre o entendimento é possível e as brigas continuarão.
Para colocarmos em prática nosso plano precisamos de segurança. Somos muito poucos, uma minoria das minorias. Vamos manter condições de defesa com material bélico dito convencional pelos nossos ancestrais. Nada que seja capaz de retaliação de exércitos ou de cidades.
— Precisarão manter alguma força, pelo menos suficiente para rechaçarem ataques. Infelizmente a harmonia não é uma rainha indestrutível. Observou Saluan.
— Era o que devia honestamente informá-los. Agora devemos nos ater às condições de nosso acordo.
Arosco estava mais que contente. Ser promovido a embaixador era algo que nunca sonhara. Não via a hora de sair dali para contar a Jaci.

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A vida dos terráqueos mudava gradativamente. O medo de ataques indígenas desaparecera logo, a tribo demonstrava amizade e até se misturava com os humanos. O solo verdejante, a topografia acidentada, mostrando serras, lugares planos, trilhas sobre a relva macia e a frente o mar de água doce lembravam filmes terrestres.
O local escolhido poderia até ser chamado de Paraíso, só que o homem ainda não usufruía dos frutos da terra.
Os índios sabiam onde encontrá-los e aos poucos as famílias começavam a saborear catumas, rarixe e morobas, ou sejam, raízes e caules de plantas, muito saborosas. As frutas, um tipo de coco que davam o nome de samua; gamuci, que se apresentava na forma de cachos, lembrando a uva terrestre, preferida pelas crianças. Associado a esses produtos eles traziam peixes de muitos tipos. Nesse tipo de comércio, aos poucos os “selvagens” iam levando as mais diversas utilidades: bacias, copos, talheres, facas e roupas.
Nos fins de semana, dentro do padrão terrestre, os humanos desciam para as praias. Ficavam muitas vezes sobre a areia procurando o fim das águas muito calmas que se perdiam na imensidão, misturando-se com o azul muito escuro do firmamento.
No período que poderia ser chamado de pequeno verão, nenhuma tempestade, apenas uma brisa suave e a temperatura quase imutável. Por vezes as nuvens cobriam e uma chuva fina ocorria, obrigando-os a se agasalharem diante do frio.
Sherman recebia seus fiéis e repetia textos da antiga bíblia que lembravam o início dos tempos na Terra. A força de Deus e o destino que reservara ao povo que ali estavam era ponto principal em seus sermões.
O Padre tinha uma grande curiosidade, queria saber como os formigas interpretavam a parte espiritual. Seu maior desejo era conhecer um líder religioso deles, caso existisse. Deixara escapar muitas oportunidades de esclarecer um pouco este seu desejo, era amigo de Arosco e nunca lhe perguntara nada sobre o assunto. Pensando nisto, após um dos atos litúrgicos semanais, decidiu-se, iria procurar o amigo.

Arosco e Jaci receberam-no efusivamente, gostavam de visitas.
— Entre Padre. Por favor sente-se. Indicando-lhe o sofá.
— Muito obrigado. Sentou-se, acomodou-se, mas estava tão preso ao que desejava saber que nem esperou interrogações, logo foi dizendo:
Vim aqui por curiosidade, me desculpem a intromissão, mas desejo saber algo que ha muito vem martelando minha cabeça.
— Diga Sherman, se pudermos ajudá-lo o faremos com o maior prazer.
— Arosco, você sabe que sou um ministro religioso, que cuido das almas das pessoas. Vocês tem algum tipo de religião?
— Claro que sim Padre. Inclusive já li muita coisa nos registros da Base sobre a forma que adotam. Por coincidência muito parecida com a nossa.
— Parecida, como assim?
— Em sua seita, vocês dizem que o Filho de Deus foi a Terra para salvar os humanos. Aqui também, aconteceu a mesma coisa a cerca de sessenta mil ciclos do Planeta.
— Meu Deus!! Meu Deus! Então aqui é mais uma casa do Senhor. E todos acreditam?
— Ha muitos tipos de pregações do mesmo episódio, mas todas as seitas acabam atingindo o mesmo fim. Não é Jaci?
— Padre, nós rezamos, freqüentamos cultos, única coisa que nos falta aqui.
— Depois do que me revelaram, poderão ir a minha igreja porque estamos falando do mesmo Deus.
— Isto estava alem de minha imaginação, é maravilhoso, faz-me prostrar-me diante do Senhor Nosso Deus. Após dizer isto Jaci se abaixou e também Arosco. E o Padre se ajoelhou.
— Mais do que nunca gostaria de revelar aos outros este nosso encontro, mais ainda, faço questão de que estejam presentes. Pedirei a Justus autorização para marcar nossa primeira data de comemorações, dez de maio, como o Dia da Revelação.

O tempo passou, novas fisionomias muito jovens se misturavam no dia a dia, o ano era o 43 do calendário terrestre. As novas leis foram implantadas, Samuel mofava entre as grades na fortaleza. A cadeia em Nova Terra fora melhorada e também definido um sistema policial permanente. Oshiro se casara com Sabrina e era o respeitável delegado da pequena cidade.
Sabrina namorava Marcos, mas seu coração acabou pendendo para o filho de Tanaka. O responsável pelo sensoriamento por algum tempo ainda a procurou, mas acabou percebendo que ela não o amava de verdade e procurou esquecê-la.
Jânio também residia no local e seu trabalho continuava o de explorar o território delimitado para os humanos. Continuava solteiro, assim preferia, seu romance com Raquel também não havia dado certo. No seu caso gostava de chefiar expedições e quase sempre estava em viagens, assim não queria vínculos mas acabou se apaixonando por Selma, que sempre o seguia nas expedições que realizava.
Rick e Roger chefiavam o pequeno exército sempre atento na proteção das fronteiras. Salermo passou a ser o assessor direto de Právida. Júlio integrava o poder militar e Jader governava a pequena nação. Justus continuava sendo o “Rei” e era o supremo conselheiro de todas as coisas.

Em Camapro a guerra civil já durava anos. A sagacidade de Godoin e seus planos malévolos eram bases de sua sustentação. O país estava arrasado, os “formigas” de lá sofriam. Morambe era o líder declarado e propenso a tomar o poder. Parte do grande exército aderira a causa e as vitórias pendiam a favor dos rebeldes. Mais da metade dos “formigas” que estiveram na fortaleza haviam morrido em combates.
Godoin gastava a imensa fortuna que acumulara com favorecimentos ilícitos, com isto ia mantendo-se no poder. Reconstruíra o Palácio e ainda visava as armas dos humanos.
O governo de Crats, Jaran, percebendo o rumo da situação, mudou de lado, mas a população revoltada com a atitude indigna do chefe o destituiu. Não que estivessem a favor de Godoin, pois o novo “formiga” Muritan passou a enviar tropas para auxiliar Morambe.
A maioria das nações queriam o fim dos conflitos naquela grande região, o fornecimento de sarume estava sendo prejudicado. A produção conjunta dos demais povos não era suficiente para o sustento básico. Assim, todos estavam se preparando para intervirem, estava chegando o momento de se por fim à situação.
As enormes distâncias dificultavam uma rápida aproximação com os humanos, mas por rádio ou pelo sistema de correio que possuíam faziam chegar às mãos de Justus o reconhecimento da integridade nacional terrestre. O grande homem teve que organizar um comitê permanente para recepção de Chefes de Estados e praticamente dedicar-se ao relacionamento com os povos do planeta. Também pudera, seus principais aliados se despontavam na liderança econômica e a fartura sorria para os habitantes de Lacrin e Marantuan. Lacrin pela venda de remédios e Marantuan pela de açúcar e cereais.
Raruque tornara-se Primeiro Ministro e Shumatin ganhara as eleições passando a ocupar o lugar de Saluan.
Tanaka acabou sendo gênio das finanças. Os produtos conservados ainda eram os grandes responsáveis pelo saldo sempre positivo na balança comercial, mas as associações com a raça nativa tendiam a crescer cada vez mais. Uma grande escola fora construída para ensino de estrangeiros o que também rendiam divisas. A língua falada e o dinheiro adotado passaram oficialmente a ser iguais a Lacrin e Marantuan.
Os terráqueos não mais usufruíam gratuitamente de benefícios, passaram a ganhar o “pão de cada dia” e a ter que pagar bens e benefícios, trabalhos não faltavam.
César iria deixar o nome na história. Arosco fora o primeiro a levar para sua Rainha a idéia de uma justiça plena e Jano alterando somente o que se referia ao sistema político adotou para o povo as mesmas regras. A mesma coisa fez Shumatin, em seu caso sem modificações imediatas. Os Chefes de Parnávia e Crats visitaram a fortaleza, assinaram acordos e também levaram os códigos terrestres para estudo.
Raruque, o mais familiarizado com os humanos mantinha suas idas e vindas freqüentes e com isto sua nação progredia na ciência. Seu colírio vinha sendo utilizado no mundo todo e este ele não fornecia a fórmula. Construíra muitos laboratórios e formara muitos cientistas, mas não se limitara aos remédios. Não dava sossego para Jacobin, levou um grupo de especialistas visando a transferência de tecnologia para implantação da televisão. Também assinara acordos para outros itens, como veículos e utilidades diversas.
Shumatin não ficava atrás em nada, sempre querendo mais, até preocupava Justus que passou a ver nele um aproveitador incontrolável. O “Rei” arrependera de ter-lhe repassado ciência bélica, mesmo dentro do convencional.
Com a insistência do “formiga”, seu plano de destruição total do arsenal ficou comprometido, embora estivesse esperando apenas o término do conflito em Camapro para colocá-lo em prática.
Conversou com Právida e ambos ficaram receosos de uma escalada desenvolvimentista militar da nação “irmã”, no futuro isto poderia até gerar uma sublevação contra os humanos, era uma hipótese remota mas que não poderia ser descartada. Assim decidiram que somente as ogivas nucleares e todas as superiores a ela seriam retiradas.
Mudou o propósito inicial ao perceber esta tendência humana nos “formigas”, optou então em manter outras armas devastadoras.
O erro havia sido cometido, e com isto um desequilíbrio provável no futuro. A única solução, repassar para outros países que pedissem os mesmos favorecimentos.
Para desgosto de Justus, infelizmente era o que mais procuravam os “formigas” do planeta. Pensando nisto, chamou Jacobin:
— Estou preocupado, não devia ter auxiliado Shumatin no desenvolvimento de armas. Mas o que está feito não se pode mudar. Encontre uma forma de lacrar toda e qualquer forma de informações militares além da que foi transferida.
Somente até o estágio que Marantuan já conhece ficarão livres.
Fale com Právida e Marcos, combine maneiras de conter acessos ao sistema. Pode acreditar, logo teremos espiões tentando desvendarem nossos segredos. Em nenhum momento poderemos subestimá-los.

Há anos que Utuan e a família viviam em Nova Terra, se integraram totalmente à sociedade. Tão bem quistos quanto Arosco. Tornara-se também um “formiga terrestre”. Karine sua esposa era feliz ao lado do marido e dos filhos adolescentes Lirina e Josco.
Participava da CE tanto quanto Arosco e ambos tornaram-se amigos. Justus respeitava Saluan e percebeu quanta razão havia nas palavras dele. Depois da saída do antigo Chefe, Utuam diminuíra seu relacionamento com o governo de seu país. Não aceitava as pressões e mandos do ex-comandante que sempre visava informações consideradas confidenciais.

Parnávia foi a terceira nação a enviar representante fixo e depois várias outras. A diferença em relação as primeiras era total, a não participação nos assuntos internos, ou nas decisões dos terrestres.
A cidade aumentava com a adição de “formigas” de toda Grimuan. A presença deles era puramente comercial e política.
O topo do planeta passara a ser foco de interesses. O colírio de Raruque permitia a eles viverem na superfície.
A tendência de um fluxo migratório para aquela região do pólo norte foi contida por normas estabelecidas pela CE, apenas poderiam ficar no território delimitado e reconhecido os que se naturalizassem.
O número de terrestres aumentara, mas ainda não passava dos dez mil, considerando todas as crianças nascidas. Diante da excessiva proliferação o apoio da fortaleza ainda permitiria uma longevidade muitíssimo acima da média dos “formigas”, fator que não iria durar para sempre, mas que favoreceria a afirmação terráquea em Épsilon.

Godoin e seus executores estavam nos últimos dias, perdiam batalhas após batalhas. As forças do governo se entregavam ou passavam para o lado dos rebeldes. Era a derrocada final.
Não demorou em que o palácio reconstruído ruísse, dessa vez pelos mesmos canhões que antes sustentara o tirano.
Utilizando passagens secretas o “formiga” odiado e seus comparsas conseguiram safar para grutas desconhecidas.
Morambe em vão tentou caçá-los, o interior do planeta oferecia condições de fuga, ele sabia disto, mas não descansaria enquanto não os localizasse.
Toda nação o aclamava, seu nome era mencionado em todas as regiões. Queriam-no como Chefe Supremo e com isto se viu tão atordoado que não sabia o que fazer.
Era um guerreiro e não um político, quase não dormia depois disto. Sempre se orientava com Právida, mas neste assunto resolveu ligar para Justus.
O “Rei” atendeu ao chamado e Morambe comentou sobre o fim das hostilidades, informando detalhes das operações e em seguida comentou:
— Estou com um sério problema Justus e preciso de sua ajuda. O horror que tivemos de enfrentar foi mais fácil de resolver do que aquilo que o povo quer de mim. Exigem que assuma o poder e não me sinto capaz, ou melhor, não tenho nenhuma aptidão política. Quando muito poderia assumir comandos militares, nada mais que isto.
— Morambe, ninguém nasce sabendo e as vezes é necessário fazermos algo que não queremos.
Compreendo sua situação e o que posso lhe aconselhar é no momento não fugir da responsabilidade. Reuna um grupo de “formigas” em que possa confiar, mas que tenha conhecimento político.
— Mas conheço apenas dois que me deram cobertura.
— Se confiar chame-os, converse com eles e peça para convocarem outros que sejam honestos e não parentes deles. Lembrando sempre aos mesmos que a organização será provisória. Faça este sacrifício aceite o comando de sua nação.
— Terei mesmo de enfrentar tal situação?
— Sim Morambe, se conseguiu levantá-la contra a tirania, vai conseguir também iniciar uma época de justiça e paz.
— O problema é que nada entendo, será que saberei dirigir meu povo?
— Claro Morambe, posso auxiliá-lo se concordar com o que vou lhe dizer. Como sabe, passamos por todos os estágios da civilização e acabamos construindo formas de governar corretas. Posso lhe enviar um ou dois terráqueos conhecedores do assunto. Não será muito simples. Terá que se manter no poder no mínimo por quatro ciclos, ou um ano nosso. Nesse período terá o auxílio. Poderá perguntar qualquer coisa e será instruído no que deve fazer, seja o quer for, isto lhe garanto. O que me diz?
— Sabe que confio em vocês e agradeceria tudo o que puder fazer.
— Está bem Morambe. Mas pensando bem, governar uma nação é uma tarefa difícil. Também preciso me orientar para lhe dar uma resposta concreta e definitiva. Considere o que já lhe disse, mas não tome nenhuma atitude, vou conversar com um amigo conhecedor profundo dessa parte e ainda hoje entro em contato com você.
Justus após desligar o comunicador chamou César em seu gabinete.
— César, preciso de dois homens capazes de ensinar o sistema democrático da política, principalmente como organizar eleições para os “formigas” de Camapro, mas no país deles, terão de residirem lá por um bom tempo.
— Nesse caso Justus, seria melhor o envio de um casal.
— Denis e Juréia ainda não tiveram filhos, são advogados e acredito que estando juntos poderão viver no mundo subterrâneo, vai depender de ambos. Mas antes de falar com eles, gostaria de saber como está a situação daquele país.
— Morambe venceu, mas não quer o poder. Disse Justus, demonstrando aborrecimento.
— Falou de uma forma triste. Não está contente por ele ter conseguido a vitória?
— Não é por isto, na realidade sinto-me responsável direto pelos extermínios que lá ocorreram.
— Mas não tem culpa alguma, deve considerar o estágio deles. Coisas semelhantes aconteceram na Terra.
— Esqueceu que idealizei e coloquei em prática o plano de seqüestro dos comandantes militares? Que foram doutrinados por mim, visando justamente alertá-los e ainda foram auxiliados por Právida?
Para completar, a maioria eliminada eram inocentes, até os que lutaram iludidos ou obrigados ao lado de Godoin. Foi uma guerra fratricida de proporções que nunca imaginei.
—Se soubesse disto, teria mudado o rumo dos acontecimentos?
— Não poderia, ele iria jogar o mundo dos “formigas” contra nós e em nome de nossa sobrevivência teríamos sido obrigados a utilizar nossas armas e acabaríamos sendo os carrascos de Grimuan.
— Então, deixe de se julgar culpado.
— São vidas que se perderam. Portanto César tenho a obrigação de auxiliar Morambe e devemos dar a ele condições de construir uma nação que seja exemplo de justiça neste mundo.
— Nesse caso, só o casal não será suficiente, será preciso muito mais. Não devemos esquecer que existe uma cultura enraizada por milhares de anos. O melhor no momento, querendo ou não, será Morambe assumir a direção com a ajuda de conselheiros.
— Foi a orientação que lhe dei, mas acabei pedindo para que esperasse uma confirmação. Queria antes falar com você.
— Pelo que percebo, ele será um líder sem precedentes na história deles. Sou da mesma opinião, terá de fazer o sacrifício de chefiar o país, pelo menos temporariamente.
Denis e Juréia poderão ir para auxilia-lo no começo e ao mesmo tempo triarem elementos capazes. Logo que conseguirem um bom número de “formigas” responsáveis, deverão ser trazidos para cá para aprenderem as regras de governar que lhes ensinaremos. Posso me responsabilizar pelos ensinamentos; organizarei auxiliares para este fim.
— Parece que viemos para mudar este mundo César.
— Temos de fazer isto Justus para que nossos filhos possam ter um futuro feliz. Ensinar a justiça é o melhor dos caminhos.
Naquele dia ainda conforme a promessa de Justus, Morambe foi informado dos procedimentos. Confiante nos terráqueos aceitaria o governo e faria conforme lhe fora comunicado.
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Na penumbra das galerias desertas Godoin e seu bando marchavam como fantasmas. Era a maldade que fugia em Camapro e dava lugar ao bem.
O ódio nas entranhas de Grimuan fora rechaçado mas não eliminado.
O ex-mandante de tropas corria delas mas continuava a fazer planos.
Parte dos agentes que representavam a extensão de seus braços e do torpe modo de seu pensar acompanhavam-no na fuga, mas nas comunidades, vestidos de entusiastas aparentemente fanáticos de Morambe existiam seguidores eternos em muito maior número.
Eram especialistas no crime e donos de grandes fortunas. A simulação, principalmente naquele momento era a maior arma que possuíam.
A imensa fortuna do facínora encontrava-se sob a guarda de muitos desses fiéis companheiros do mal. Mais ainda, ao abandonar o palácio, porque não havia outra saída, levou consigo o que podia carregar, portanto dinheiro não lhe faltava.
Escondido e sempre colocando o cérebro para funcionar, acabou encontrando uma saída, dizendo ao seu grupo:
— Precisamos dar a Morambe o que ele quer. Mas logo um dos adeptos retrucou:
— Nossas vidas?
— Sim, nossas vidas.
— Mas isto é um absurdo.
— Morambe terá que pensar que estamos mortos para podermos agir.
— Como assim?
— Temos que conseguir “formigas” parecidos conosco, pelo menos um que possa mais ou menos passar por mim. Os imobilizaremos e colocaremos roupas e pertences nossos.
Em Carma, aqui perto o comandante da segurança é um dos nossos. Tenho certeza de que fará o resto.
Godoin explicou detalhadamente os procedimentos.

Passado algum tempo, Morambe recebeu a notícia vida de Carma. Godoin e seu grupo foram mortos em uma ação local, comandada pelo próprio chefe de polícia. Haviam descoberto o grupo numa galeria próxima à comunidade, foram recebidos a bala, revidaram até com bombas. Entre os corpos que estavam nos escombros encontraram o de Godoin. Macerado mas com as características do ex-chefe foi exibido à população.
Para o ex-comandante de regimento, a luta estava terminada. Seu único pensamento dali em diante seria o da reconstrução.
No mundo dos “formigas” ainda nem se imaginavam formas de identificações além das visuais e o fato foi aceito sem nenhuma contestação.
Morambe ligou para Právida para comunicar a ocorrência e este esquecendo-se da distância que separava aquele povo dos terráqueos, perguntou:
— Mas você mandou fazer o exame de DNA?
— DNA? O que significa?
O Tenente então caiu em si da pergunta.
— Esqueça Morambe, é que as vezes esqueço de que ainda não alcançaram tal ciência. Agora você está livre para dirigir sua nação.
Morambe estava tão feliz que demorou bastante tempo fazendo comentários com o homem que admirava.
Právida até se cansara de ouvi-lo, mas não diminuíra a atenção. Depois foi à sala de Justus.
Contou ao “Rei” tudo que o “formiga” lhe dissera.
— Godoin é muito esperto Právida, muito mais inteligente do que até podemos pensar. Não iria permitir tamanha facilidade, tenho minhas dúvidas. Por enquanto não perturbará, talvez até saia do país.
— Devemos colocar isto em pratos limpos Justus.
— Não Právida. Se estiver vivo, o país viverá sempre numa guerra interminável. Ele não poderá ressurgir para tomar o poder. Por outro lado o país precisa seguir a ordem natural. O mal e o bem sempre existirão, é preferível que Godoin se mantenha na clandestinidade. Não acredito que tenham encontrado o verdadeiro.

As atividades humanas em Épsilon começavam a tomar rumos dentro das regras definidas pela Justiça e pelo objetivo de iniciarem um processo real de afirmação futura. Para isto adotaram a utilização dos recursos do próprio planeta, ou melhor, dos produtos que o mesmo podia produzir. Como toda evolução se baseia na energia, em Épsilon ela era escassa. A inexistência de petróleo e de carvão mineral logo foi detectada.
Jader se preocupava, como poderiam reiniciar um processo de evolução sem tais produtos básicos. Os grandes rios não estavam na superfície e a energia elétrica não poderia ser obtida por hidrelétricas. Os “formigas” estavam mais avançados, apesar das rústicas máquinas que possuíam. Utilizavam o magnetismo e conseguiam movimentar seus veículos. Queimavam substâncias desconhecidas para alimentarem os fornos de suas fábricas e para manter ritmo ativo em suas comunidades. A poluição existia mas não o suficiente para causar quaisquer danos. Os sistemas radiofônicos eram permanentes sem uma aparente não utilização de fontes.
O assessor de Justus estudara muito, fora um aluno quase gênio, mas não conseguia entender como que um povo tão atrasado conseguira chegar a tanto. Foi então falar com Jacobin. Explicou tudo ao chefe da ciência e este lhe disse:
— Jader, já pensei em tudo isto. Fiquei dias examinando o passado e concluí que nada se move sem um fator energético. A ciência como a vida tomam os rumos mais favoráveis, de acordo com o ambiente. Foi isto que aconteceu aqui.
Para exemplo, nos primórdios do rádio na terra chegaram a ser construídos pequenos receptores sem auxílio de fonte elétrica, apenas pela exploração simples do campo, ou sejam com simples bobinas. Mas para que continuarem nesta linha se havia muita energia para ampliarem o som?
Por outro lado, as fontes elétricas são as mesmas dos formigas.
— Não entendo Jacobin.
— Simples Jader, toda energia elétrica origina-se do magnetismo, da canalização dos elétrons que escapam no corte dos campos formados. É o que faz girar motores e conseqüentemente movimentar uma infinidade de máquinas.
Ao entrarmos neste mundo confirmei o que já sabia, os processos energéticos são os mesmos para o Universo. Os elementos, comparativamente com a Terra, existem em maiores ou menores quantidades, bem como substâncias naturais.
Neste planeta, o centro ao invés de ser líquido e em fusão é solidificado. Os “formigas” não vivem realmente nas profundezas, suas cidades e territórios estão no que chamaríamos ainda de crosta. Quando estava em formação, bolhas de ferro líquido expandiram internamente, principalmente próximas à superfície, o que provocou imensos arcos internos. Terra e ferro se misturaram, as águas desceram e isto permitiu a existência de dois mundos.
— Mas toda a superfície externa é arredondada, não há vestígios do que está me dizendo, nem de vulcões.
— Isto deve ter acontecido a um ou mais bilhões de anos Jader, nada então existia, nem o processo da vida. Com o passar das eras a superfície se ajeitou. Para ter ocorrido isto a estrela deve ter sofrido quase um apagão. Quanto aos vulcões, teriam existido se as lavas tivessem chegado à superfície, mas resfriavam antes disto. Muitas aberturas, atuais entradas dos países foram provocadas pelos gases, ou pensa que elas foram obras deles?
— Mas Jacobin, conversamos muito e acabamos abandonando o verdadeiro motivo porque vim falar com você.
— Já sei Jader, fiz questão de abordar primeiro sobre a formação do planeta justamente para dar-lhe uma resposta.
Este astro na realidade é um imenso imã. Compreendeu?
— Correto, por isto é que eles utilizam uma eletricidade natural. É muito fácil extraírem blocos extremamente magnetizados, descobriram as forças de repulsão e atração e sabem aplicá-las, aí está o segredo.
— Provavelmente conhecem os princípios a milhares de anos e progrediram. Nós partimos para outras formas, mas aqui precisamos trocar nossas experiências.
— Raruque enviou alguns técnicos para aprenderem o princípio da TV, inclusive levei-os para estudarem nossos princípio fundamentais, até agora foi em vão, não conseguem entender. Agora que estamos conversando é que estou refletindo. Será uma ótima oportunidade de analisarmos seus procedimentos para a radiodifusão, consequentemente o resto. Se assimilarmos talvez seja possível misturarmos as técnicas.

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Esqueçamos um pouco guerras e tecnologia e vejamos o íntimo de Myriam, a especialista em línguas que tanto auxiliou a CE.
Depois que casara e tivera a enorme decepção com Samuel, se isolara e cuidava da filha, já adolescente. Passava a maior parte do tempo no lar, saia apenas para lecionar, pois se tornara professora na escola mista de Walquiria.
Atendendo as regras da nova lei, vez ou outra permitia que a filha visitasse o pai, geralmente em companhia de Júlia. Ela mesma, tal qual Marlise não queria nem ver o ex-marido. Ha anos que se divorciara e também não havia se interessado por outro. A menina se mostrava parecida com ela e seu temor tornara-se infundado. Antônia e Juliano adoravam a mocinha.
Durante todo o tempo que passara, quase que diariamente via Mourisco a lhe espreitar.
O já maduro homem deixara as armas para cuidar de uma associação que beneficiava os índios, atendendo pedido da CE. Muito correto quando assumia uma função dedicava-se ao que fazia. Com o auxílio dos jovens da tribo que se formavam com os terráqueos montou uma escola para adultos.
Na época da prisão de Samuel ele fora um dos soldados que o capturaram e por pouco não foi morto por ele. Desde então Myriam não lhe saia do pensamento, sua timidez o impedia de se declarar, claro, no começo por respeito, depois pela falta de coragem.
Queria se aproximar daquela mulher que já havia ultrapassado os quarenta mas de uma beleza resplandecente.
— Myriam, preciso falar com você. Por fim a parou no seu caminhar para a escola.
— O que quer Mourisco. É bom mesmo que conversemos. Estou cansada de vê-lo a me vigiar.
Quase caiu, chegou a ver o chão fugir de seus pés. Avermelhou, mudou de cor como um adolescente e gaguejando:
— Sabe, é, é, que montei uma escola para os índios.
— E daí Mourisco? Disse Myriam em tom indiferente.
— É que preciso, preciso... Chega Myriam. A verdade é que amo você desde muito tempo e tenho que lhe dizer. É isto. E saiu sem esperar resposta dela.
Myriam continuou o caminho bastante confusa:
— Alguém se interessou por mim, e até que é simpático.
Naquele dia até brincou com as crianças, saiu até fora das lições. Quando saiu da escola até o procurou com olhar, mas não o viu.
Antes de ir para sua casa, resolveu fazer uma visita para a mãe. Contou a ela o que havia acontecido.
— Minha filha, conheço o Mourisco, este sim merece sua atenção.
— Mãe, sabe que não quero me envolver com mais ninguém.
— Para mim, você nunca casou, sabia que aquele traste nunca ia dar um bom marido e não tive razão?
— Vamos deixar este assunto, não gosto nem de pensar. A única coisa de boa que restou foi a Karen.
— Minha filha, ouça sua mãe, garanto que não irá se arrepender. Procure colocar em seu coração esse homem.

Mourisco estava tão envergonhado de sua atitude que passou a evitar os habituais encontros. Na sua cabeça ela não lhe queria e fizera um papel ridículo.
Myriam, nos dias que se seguiram achou falta do olhar que sempre a acompanhava, chegou até a mudar o itinerário afim de provocar um encontro.
Mourisco passou a evitá-la, se a via procurava se esconder e assim o tempo foi passando.
Em um novo encontro com a mãe, esta lhe perguntou:
— Falou com Mourisco.
— Não mãe, que insistência.
— Então vá ao local onde deve encontrá-lo, na associação ou na escola. Pelo menos se desculpe pela grosseria que fez.
— A senhora acha que devo fazer isto. Não fica bem para uma mulher procurar um homem.
— Ah! Minha filha, quanta ignorância. Parece até não possuir a cultura que demonstra.
Myriam, pensou muito e resolveu seguir o conselho da mãe.
Foi até uma pequena casa onde funcionava o prédio da associação e não o encontrou, mas lhe informaram que estava na escola da tribo.
Chegando lá, o viu de livro em punho a transmitir para os índios um pouco de sabedoria. Quando a viu somar à porta, quase teve outro ataque, mas conteve-se e com o coração palpitando foi atendê-la:
— Myriam, você aqui?
— Vim conhecer a sua escola Mourisco.
— Entre por favor. Apresentou o chefe e vários outros. Em seguida entregou para dois jovens a tarefa de continuar a aula, e saiu com ela.
— Mourisco, naquele dia você nem aguardou minha resposta, saiu até sem se despedir.
Aquele homem forte, ouvia mas quase não entendia, tão entusiasmado estava por ter ido encontrá-lo. Mais seguro de si explicou-lhe:
— Achei ter cometido uma leviandade, mais ainda, não pensava que a estivesse magoando quando olhava para você. Não tenho dormido de tanto me recriminar.
— Mourisco, eu é que lhe devo desculpas. Você sabe que depois que deixei o Samuel não tive nenhum namorado, nem pensava em me envolver novamente. Vivo com minha filha e ela me bastava, mas depois daquele dia, pensei melhor. Foi até bom não ter esperado minha resposta. Tenho certeza que não seria a mesma de agora.
— Então você aceita Myriam? Disse Mourisco abrindo um sorriso que tomava toda a face.
— Sim Mourisco, vamo-nos conhecer, nos encontraremos e com o tempo espero que consiga amá-lo. Veja bem, só se isto acontecer.
— Espero o tempo que quiser Myriam, só de poder conversar com você já me sinto um homem feliz.
Quando Myriam voltou para casa, Karen estava nervosa.
— Como você demorou mãe.
— Estava conversando com um amigo.
Karen olhou-a desconfiada e pensou:
— Um amigo? ou .... Mas nada perguntou.

—————————

O avião ganhou altura e pouco depois a vegetação começou a rarear. Denis e Juréia olhavam para o grande deserto lá em baixo, nada vivo entre dunas de areia. Depois a região de pedreiras e o calor que ia aumentando. Quase cinqüenta graus, foi preciso ser acionado o ar condicionado para que agüentassem a viagem. O céu azul escuro da área polar dava lugar a um esbranquiçado firmamento, era a claridade refletida. Muitas vezes as pedras ofereciam um espetáculo que nunca haviam visto, brilhavam como se fossem grandes diamantes.
— Será que agüentaremos viver lá? Perguntou Juréia.
— Só quando chegarmos em Contag é que saberemos. Pelo menos já recebemos a implantação da linguagem deles.
De repente a paisagem mudou e os grandes quadrados verdejantes começaram a aparecer.
— Não entendo como esta vegetação sobrevive em tal temperatura. Deve haver uma explicação lógica.
— É a base alimentícia deles, por sinal são grãos muito saborosos e de nutrição incomparável. Já experimentou?
— Sim, Arosco levou um pouco do produto para a fortaleza.
Mas está demorando a chegarmos.
— Estamos próximos da entrada que Morambe nos explicou, está nos esperando.
O piloto desceu o avião e acionou os propulsores para aterrissagem.
O casal saiu sob o intenso calor e logo foram recebidos pelo próprio Morambe, que os convidou a entrarem num carro especial e confortável internamente. A frente estavam os grandes portais da entrada com símbolos do país.
Enquanto o avião decolava o veículo já os atravessava e penetrava na escuridão. Para os dois que nunca haviam visitado qualquer país interno, aquilo era novidade.
Morambe não se cansava de agradecer a ida deles, e o carro sempre descia, parecia que não ia terminar nunca, e a velocidade não era pequena.
Percebendo a preocupação deles, Morambe explicou:
— Tão logo entrarmos em nosso mundo, começarão a enxergar um pouco. Não trouxeram óculos para ver no escuro?
— Bem que Arosco nos avisou, até Jacobin. Mas esquecemos. Respondeu Juréia.
— Quando estive com vocês, me deram muitos presentes e eu trouxe alguns comigo, quando chegarmos lhes darei.
Mas conforme Morambe lhes havia dito e também já haviam sido informados, o panorama começou a mudar, era como se estivessem numa noite muito estrelada e de lua cheia. Isto queria dizer que suas vistas começavam a se adaptarem ao ambiente.
Também chegaram a uma espécie de estação e depois entraram num vagão especial e muito confortável, com tudo que precisavam. O calor ficara para trás e uma temperatura amena os acolhia.
Morambe explicava detalhe por detalhe tudo que ouviam ou viam, um anfitrião super dedicado que nem deixava seus auxiliares prestarem os serviços. Quando chegaram em Contag praticamente conheciam o sistema de vida do povo, de tantas explicações que o militar lhes fornecia.
Morambe preparara tudo com muito cuidado, conseguiu até uma residência especial para eles. Levou-os até ela e os fez entrar pela magnífica porta. Mostrava-se preocupado, queria que sentissem como se estivessem na fortaleza. Aliviou-se quando Juréia disse:
— Que linda casa, quantos enfeites. Mas aqui é bem mais claro, não será preciso nem os óculos.
— Gostou então?
— Sim Morambe, não precisa melhor que isto. Mas porque é mais claro aqui?
— Mandei aumentar as camadas fosforescentes do teto. Trouxemos conosco até holofotes para nosso uso, mas não vai ser preciso utilizá-los.
— Venham conhecer os cômodos.
Abrindo um a um e fornecendo orientações, mostrou-lhes os quartos, a cozinha, os banheiros, o local para trabalharem e um grande quintal. Em seguida continuou:
Estão satisfeitos, ou necessitam de mais alguma coisa que porventura tenha esquecido.
— Só uma coisa Morambe, não trouxemos alimentos e não sabemos como utilizar os produtos de vocês. Quanto ao resto está excelente.
— Obrigado Da. Juréia, mas não se preocupem com isto, uma serviçal tem a chave e virá todos os dias para cuidar da alimentação e limpeza.
— Estou surpreso, não esperava que fosse assim o seu País. As cidades onde passamos, as casas, não são muito diferentes das nossas. Vamos poder ficar aqui pelo tempo que precisar.
— Nem sabem quanto alívio me dão com suas palavras. Sei que estão cansados, faz muito tempo que estão viajando. Amanhã ou no momento que acharem conveniente conversaremos sobre a situação de meu povo e outras coisas. Agora vou deixá-los para que possam ficar a vontade.
O formiga saiu e ambos foram ver mais de perto tudo que existia na casa. Na cozinha, um pano cobria uma mesa, ergueram-no e uma farta refeição os esperavam.
— Experimente isto Juréia, é muito gostoso.
— Isto também Denis.
Dormiram como pedra. Nem sabiam quantas horas ficaram na confortável cama. Quando acordaram, uma serviçal muito educada, fazendo o gesto habitual de cumprimento de Grimuan mas bastante receosa se apresentou.
Juréia, falando a língua dela procurou acalmá-la:
— Está entre amigos, não se assuste com nossa aparência, apenas nisto é que somos diferentes. Qual é o seu nome:
— Mirna.
— Pois bem Mirna, vou precisar muito de você e quero ser sua amiga.
— Vou preparar-lhes o lanche e depois faço a limpeza.
Dizendo isto, saiu para os afazeres.
Enquanto a empregada saia Juréia olhou para o ambiente, passou a mão na cadeira envernizada e ovalada, depois na mesa grande e que refletia seu belo rosto. Olhou os copos de cristais, as formas bonitas de todos objetos daquele cômodo. Notou então uma caixa muito bem feita, com mostradores e alguns botões. Curiosa apertou um deles, uma música suave penetrou o ambiente. Nisto Denis se aproximou:
— Dormiu bem, descansou Juréia?
— Sim, mas você olhou bem o lugar onde estamos? Deve ser o que chamaríamos de luxo, e esta bela caixa musical?
— É o rádio deles, pelo jeito já dominam a técnica a bastante tempo. Honestamente pensava que íamos entrar num mundo primitivo, de moradias toscas. Naturalmente já devem possuir uma boa organização.
— Fui lá fora, nem parece que estamos debaixo da terra. Devem ter até times de futebol.
— Nem tanto Juréia, provavelmente praticam algum tipo de esporte que desconhecemos. Mas vamos ter tempo mais que suficiente para entender o modo de vida deles.

—————————

Em Nova Terra Arosco começava a ter problemas com os filhos, um casal. Não gostavam de ir para o subsolo nem para visitar os avós. Se adaptaram ao ambiente externo, enxergavam normalmente mesmo sem o uso do colírio. Não aceitavam pertencerem à raça dos “formigas”.
— Meus filhos, nossos amigos terráqueos são excelentes pessoas mas eles é que vieram para este mundo. Na realidade são alienígenas, diferentes fisicamente de nós. É importante que não confundam as coisas. Ainda são crianças mas devem começar a compreender isto.
Talvez a culpa do que estava acontecendo fosse de Jaci que não escondia sua preferência. Sua amizade com os humanos estendia-se por toda comunidade, não havia quem não gostasse dela. Meiga, participativa, tornara-se uma figura destacada da pequena sociedade. Poucas vezes fora a Lacrin e quando isto acontecia não via a hora de voltar. Quanto a ela Arosco não se preocupava, sentia-se até feliz por isto, por sinal fora o que permitira estarem vivendo felizes. Mas esta tendência se propagara nos filhos Ramon e Wilma que receberam nomes terrestres.
Arosco, preocupado com o futuro deles chegou a falar com Jaci:
— Eles precisam visitar mais freqüentemente nosso povo, estão crescendo e um dia terão que assumirem responsabilidades.
— Não sei porque se importa com isto Arosco, eles vivem bem aqui, nada lhes falta. São inteligentes, depois outra, quanto ao resto o destino os guiarão. Ainda mais, já existem aqui muitas famílias de “formigas” e os filhos freqüentam as escolas da fortaleza. Veja por exemplo a Lirina e o Josco, sempre aparecem em nossa casa, são amigos de nossas crianças. Utuam é seu amigo e eu de Karine, porque então essa mania? Quem está começando a ficar preocupada sou eu Arosco.
— Você não entende Jaci. Serei mais claro, trata-se do comportamento, parecem desprezar a própria raça e não quero isto.
— Raça Arosco? Somos todos filhos de um único Deus e nós mesmos comprovamos isto.
— Bem Jaci, não adianta, vamos mudar de assunto.

Não muito distante ficava a casa de Myriam e ela não conseguia ser inteiramente feliz. Karen se opunha ao namoro dela com Mourisco, detestava-o e fazia grosserias quando ele vinha buscar a mãe para saírem.
— Sua filha me detesta Myriam. O que posso fazer para que não me trate tão mal?
— Não sei, já vimos tendo muitas brigas por isto. Ela diz que ninguém pode substituir o pai. O que posso fazer? Está cada vez mais rebelde.
— Já era para estarmos casados, estou protelando para ver se as coisas melhoram. Por vezes tento me aproximar mas ela me vira as costas.
— Só tenho uma saída, pedir auxílio a minha mãe, embora saiba que também já tentou fazê-la entender. Por outro lado, tanto ela quanto meu pai adoram a neta e por isto acho que ainda não falaram mais firmemente.
Depois desse encontro Myriam teve uma longa conversa com a mãe e disse-lhe que haviam resolvido se casarem.
— Minha filha, Karen ainda não sabe toda verdade sobre o pai? Se não souber vai ser preciso dizer-lhe.
— Mas já lhe contei mãe e não foi só uma vez.
— Myriam, ela se posicionou contra você, tem ciúme e não quer repartir seu lugar com ninguém, deixe comigo.
Myriam saiu menos despreocupada mas ao mesmo tempo censurando mentalmente a si própria:
— Sou psicóloga e do que adiantou isto para mim? Teria que solucionar isto e não minha mãe, mas já apliquei os métodos que conheço e a situação é a mesma.
Karen como sempre, passava parte do tempo na casa da avó.
D. Antônia esperou o momento oportuno. Havia terminado os trabalhos de rotina e se preparava para ir para o divã frente ao quadro de TV. Convidou a neta:
— Vamos assistir alguma coisa na TV?
— Vamos vó, vou escolher um filme.
— Não, não, sempre é você que escolhe! Hoje vai ser eu quem vai pegar. Disse para a menina brincando.
— Ara vó! Só pega coisas que não gosto. Já sei, vai pegar uma daquelas fitas sobre a roda.
— Era uma desta mesma, mas já que não quer, pegarei alguma outra, mas hoje vai ser eu.
D. Antônia, premeditadamente abriu uma das gavetas e deslizou os dedos sobre o arquivo até onde se lia “relacionamentos humanos”, mais precisamente nas placas sobre o casamento. Escolheu uma delas e introduziu-a no Aparelho.
Não disse nada para a menina, apenas deixou as cenas falarem por si. No vídeo os casais se abraçavam, se beijavam, andavam juntos, dançavam, sorriam e mostravam alegria.
Karen, a medida que via o desenrolar do filme não deixava de associar a imagem de sua mãe com Mourisco. Foi se irritando, até que disse:
— Vamos pegar outra coisa vó! Isto está me chateando.
— Porque Karen?
— Por que Sim. Porque não gosto e pronto!
— O que está vendo é a natureza, é a vida. Não entendo esta sua reação. Disse, como se nada soubesse.
— Não gosto mesmo vó. Porque... e interrompeu o que ia dizer.
A avó não forçou, nem voltou a fazer perguntas.
— Minha neta, o que está vendo é a melhor fase da vida, quando nos preparamos para gerar outras. Mas se não gosta vou mudar o ship. Dizendo isto, foi até o arquivo e trocou o filme, colocando algo diferente, mas que não prendia a atenção.
A menina sentiu-se aliviada:
— Deste eu gosto vó.
— Está bem Karen. Mas me diga uma coisa, o que você me conta da Escola. Faz tempo que nada me diz.
— Estou com notas boas, gosto de estudar. Meu maior problema é a matemática.
— Aposto que todos falam a mesma coisa.
— Não vó, o Gustavo sabe tudo.
— O filho da Júlia, conheço, é um belo mocinho.
— Não acho!
— Porque você não pede a ele para lhe ensinar?
— Eu não vó, ele é muito chato.
— Não tem nenhum outro que também saiba matemática.
— Tem sim, o Noripa, também é muito inteligente. Sabe tratar a gente. Sempre me dá algum presente.
— É um “formiga?
— Bem vó, mais ou menos, mas é muito bonito. As meninas adoram ele.
— Mas é um “formiga”, não convém. Disse isto para testar a menina.
— Ah! vó, a senhora está com preconceito. Tem muitas garotas que querem namorá-lo. Saiba que ele é filho do Xerengue.
— O chefe indígena! Pelo amor de Deus! Cuidado minha neta, não quero ter bisnetos com pés de pato.
— O que é isto vó? Que preconceito! Não vejo nada de mais.
— Está bem Karen, convide-o para ajudá-la na matéria, mas aqui perto de mim. E nada de namorico, senão...
— Vó, a senhora é um amor!
— Ficamos conversando e não assistimos a filme algum.
D. Antônia percebera claramente a direção que os sentimentos da menina estavam tomando, mas naquele momento o importante era desviá-la de sua obsessão com relação à mãe, estava dando o primeiro passo.
Quando a Myriam voltou da escola, quase como de hábito passou pela casa da mãe.
— E então mãe, tem alguma novidade? Falou com a Karen.
— É minha filha, você como psicóloga é um fracasso. Então acha que iria falar de supetão com ela? Se fizesse isto só iria colocar mais fogo na fogueira. Cuidado você também, não fique querendo que ela aceite seu romance com Mourisco, engula por enquanto tudo que possa lhe falar.
— Mas mãe, não é fácil.
— Escute Myriam, ela está entrando no tempo dos príncipes encantados. Por sinal, não duvide que seus netos venham a gostar de açúcar.
Myriam escutou as últimas palavras e fechou o senho:
— Não me diga que ela tem namorado e ... um “formiguinha”? Ela vai ver comigo!
— Não queria dar razão a Karen, estou trabalhando ela a teu favor, mas acho que vocês se merecem.
Quanta ignorância! Depois outra, se realmente isto acontecer você não poderá fazer nada, será uma conseqüência natural com o tempo. Um dia no futuro, todos os nossos parentes irão ter pés de patos com dedinhos ou cascos com dedinhos.
— Meu Deus, meu coração não vai agüentar isto.
— Ah! Quer saber de uma coisa, você já está me enchendo! Vai querer ou não que eu acabe com o problema seu?
— Claro mãe, mas o que está insinuando está mexendo com meus nervos.
— Então se quer ajuda, fique quieta, não fale nada com a Karen, senão vai estragar tudo.
Estou desconhecendo você Myriam, por certo este planeta deve estar provocando uma involução na sua cultura.
— Credo mãe, até parece que estou ficando burra.
— É minha filha, e não seria a primeira vez.
Não percebe que se ela se interessar por um nativo, nada vai mudá-la de opinião? Não vai ser por coisas da adolescência que você irá criar um caso. Mais ainda, se falar do menino para você, ouça apenas, faça de conta que trata-se de um terrestre, entendeu Myriam?
— Sim mããe! Entendi! Não vou dizer nada a ela e nem me interpor no namorico.
— Ótimo filha, garanto-lhe que assim você irá encontrar a felicidade que deseja. Vai por mim, espere.
Uma semana depois, o rapazinho bastante intimidado chegou na casa de Juliano com Karen e este começou a ensiná-la os caminhos para resoluções das difíceis equações.
Com isto, Myriam sentiu que a menina parecia ter-se esquecido um pouco das implicâncias com Mourisco. Por outro lado uma nova preocupação começava a tomar-lhe o sono. No íntimo não aceitava a aproximação da filha com um nativo.

——————————

Em Contag Denis e Juréia começavam a se adaptar àquela nova forma de vida. Morambe encontrara os óculos e os presenteara com eles, o que lhes facilitava o dia a dia.
— Agora entendo porque eles vivem nas profundezas Juréia. A temperatura, o ar, a água, enfim aqui existem todas as condições adequadas para até nós que somos humanos.
— Ainda não vi nenhum animal doméstico, nem muitos insetos. Tudo me parece muito limpo.
— Por duas vezes que saí com o Morambe vi um tipo de cachorro no portão de uma casa. Aves e pássaros parecem não existirem, acho que elas só se adaptaram aos pólos.
Conversavam enquanto caminhavam em direção à sede provisória do Governo. A rua estava movimentada, os transeuntes já não os encaravam como nos primeiros dias. Ouvia-se mais o vozerio dos “formigas” do que barulhos dos veículos. Passaram perto de uma escola:
— Veja Denis, as crianças daqui. Quantas!
São bonitinhas, veja os grandes olhinhos. As meninas usam vestidinhos, que interessante! Os meninos penduram as mochilas nas barbatanas e parecem fazer questão de as exibirem.
— Que algazarra, são iguais as nossas, até no vestir.
Não vai ser difícil morarmos aqui. Uma coisa notei, eles possuem regras de etiqueta. São educados e pelo que percebi são bem organizados. Comentou Denis por sua vez.
No fim da avenida um prédio se sobressaia entre os demais. Portas e janelas grandes, uma espécie de jardim na frente com muitos bancos e uma escadaria.
Denis e Juréia subiram os degraus e no topo dois guardas postaram-se em posição de sentido, um terceiro abriu a grande porta e ambos entraram. Morambe já os esperava como de hábito:
— Venham, vamos para nossa sala de trabalhos.
Desde o primeiro dia das reuniões, lá estavam alguns dos “formigas” escolhidos pelo novo Chefe: Pristo, na qualidade de chefe do exército, Maleng para justiça e segurança interna, Krang para finanças e Rocan para escolas, saneamento e obras. Os elementos de maior confiança de Morambe e que realmente se propunham a fazer de Camapro um exemplo naquele mundo. Denis iniciou as conversas daquele dia:
— Gostaria de saber se já conseguiram os formigas para enviarmos para a base.
— Sim Denis, estão na sala ao lado.
— Vocês têem certeza de que são os melhores, os mais honestos. Vejam bem, mais cedo ou mais tarde serão eles que irão dirigir a nação e é para isto que serão preparados.
— Sabemos e colocamos nossa mão no fogo por eles. Disse Pristo sob confirmação de Morambe.
— Juréia e eu os entrevistaremos, se passarem por nossos testes, seguirão para lá. Quero falar com cada um em particular, isto ocupara o dia todo, portanto podemos começar agora?
— Claro Denis, se quiser poderá utilizar esta sala. Nos retiraremos enquanto fazem as entrevistas. Dizendo isto, Morambe e os demais se levantaram e iam saindo, mas Denis pediu ao chefe para aguardar:
— Morambe, nossa entrevista não tem segredo algum, mas se ficarem o resultado poderá não ser o que imagino. Eles precisam sentirem-se sem nenhum apoio, com isto poderei observar nas respostas o que pensam realmente. Se estiver presente poderão falar muita coisa só para agradá-lo. O processo será demorado e individual, portanto se quiser reparti-los em grupos seria oportuno, serão duas horas de interrogatório para cada um. Mais uma coisa, após cada entrevista, o candidato não deverá em nenhuma hipótese conversar sobre o que respondeu ou ouviu, com pena de perder direito ao cargo se aprovado. Quando tudo estiver terminado vou falar com você sobre cada um e mostrar-lhe os resultados.
— Compreendi Denis, fique a vontade.
Denis e Juréia já haviam esquematizado as linhas das perguntas.
Independentes dos procedimentos que Morambe e seus auxiliares já tivessem tomado, começariam da estaca zero.
Autorizada a entrada do primeiro, iniciaram perguntando o nome, a cidade, o estado civil, tipo de trabalho, grau de conhecimento e em seguida: O que acha de Morambe? Você acredita que possa dirigir a nação? O que pensa de Justiça? O que falta para a nação? Sabe o que é corrupção? ... Haviam estabelecido cerca de cem itens, além de comentários intercalados.
Foram necessários dez dias para a conclusão do trabalho, dentre os entrevistados oito foram considerados inaptos e dentre eles um chamou a atenção do casal. Chamava-se Ravino, chefe da polícia de Carma, justamente o que simulara o ataque a Godoin.
Tudo terminado, foram apresentar a Morambe o prometido resultado e no comentário sobre os escolhidos ou desclassificados chegaram em Ravino.
— Este daqui, Ravino não é elemento de confiança Morambe. Precisa tomar cuidado com ele. Disse Juréia.
— Porque Juréia?
Nossa argüição foi planejada para colocá-los em contradições e também para verificarmos as reações a cada uma de nossas perguntas. Quando entramos na parte sobre Godoin atacou exageradamente, o que nos deu a impressão de uma articulação proposital. Quando os agentes dele estiveram na Base tentando aproximação, agiram da mesma forma, isto é, excessos desnecessários.
Não possui naturalidade, as respostas foram exageradamente pensadas.
— Mas foi ele que acabou com o maldito.
— Bem Morambe, não vou discutir isto. O fato é que não serve e deve ser afastado de posições de confiança. Dentre os desclassificados somente ele requer cuidado, como já sabe os outros não possuem aptidão política simplesmente.
Sobraram vinte e cinco, que é um bom número e, se quiser pode entrar em contato com o Justus ou Právida para a remoção deles para a fortaleza. Devem ser avisados de que ficarão um bom tempo lá.
Denis, pegou as duas pastas continuando:
Esta contém os que devem ir, nela existem muitas observações. É necessário que seja enviada para César, para que fique ciente sobre o comportamento individual do seu pessoal. Portanto, será preciso mantermos cópias, precisaremos de escreventes de confiança para nos ajudar. Quanto a esta outra, você guarda, observe os nomes e leia bem as anotações que colocamos e mais uma vez, tome cuidado com Ravino.
— Logo que tudo estiver pronto, avisarei Justus. Completou Morambe.
— Mais uma coisa, explique a eles que a primeira coisa que irá acontecer quando chegarem, será a transferência da nossa língua, para facilitar as explicações. Observou Denis.
— Irão fazer o mesmo que fizeram comigo e com os demais que lá estiveram?
— Perfeitamente Morambe, isto irá facilitar o treinamento. É bom que saibam, para ficarem preparados, você já passou pelo processo e pode explicar. Uma última tarefa, devem levar todos os códigos de leis daqui para serem entregues a César.

Denis e Juréia terminaram a primeira fase da tarefa, dali em diante apenas dariam suporte a Morambe e aguardariam o regresso dos “formigas” escolhidos.

A CE foi reunida e Justus pediu a Júlio para providenciar a remoção dos escolhidos de Morambe para a Base. Raquel, Arosco e César ficaram encarregados de coordenarem os trabalhos, competindo aos dois primeiros a organização e transferência da língua. Para o ex-Juiz o processo de ensino previsto.
Vinte e cinco “formigas” chegaram, receberam tratamento especial. Arosco levou-os para conhecer as instalações e acomodações. No prazo de quinze dias todos já haviam absorvido a nova linguagem. Como os demais que lá chegavam, se surpreendiam com tudo. Não esperavam encontrar o que viam, de qualquer forma acabaram se habituando com a vida na fortaleza. Foram levados para Nova Terra e conheceram o modo de existência dos humanos. Com a utilização do colírio puderam perambular livremente sem as máscaras, era a diferença com Morambe e os outros.
Descansados, dominando o idioma terrestre, estavam prontos para o início das aulas. Assim, foram reunidos no salão de projeções e César ocupou a tribuna.
— Bem vindos à nossa primeira aula. Antes de começar as explicações vou lhes mostrar nossa origem e o modo de vida no planeta chamado Terra.
Dizendo isto, foram iniciadas as já conhecidas imagens preparadas para as instruções anteriores. Vez ou outra ele parava o filme para perguntar ou explicar o que viam.
Durante alguns dias, tudo foi repetido, inclusive a visita ao salão das armas. No entanto o intuito de César era outro e as exibições não pararam. Aos poucos foi mostrando a organização política e social, detalhadamente.
Terminada todas as exposições necessárias, para que pudessem entender o que viria, César passou para o ensino real. Assim iniciou:
— Tudo o que viram até agora foram cenas de uma época vivida pelos terrestres ha mais de mil anos. Não existe diferença da vida lá como aqui, apenas residem no interior deste planeta mas possuem suas nações. Falando nisto, quem de vocês pode me dizer o que é Nação?
Logo um deles respondeu:
— É o território de Camapro, por exemplo.
— Não, o território é onde se encontra a nação. Tanto você quanto qualquer uma criança que esteja nascendo lá neste momento faz parte dela. Portanto nação são vocês e todo o povo de seu País.
Obviamente não eram ignorantes, possuíam suas leis e as conheciam. O processo de César e de seus auxiliares era o de melhorá-las, ou se necessário introduzir as normas terrestres.
No correr dos debates, o que mais foi mostrado foi o tema da responsabilidade política, da correta utilização do dinheiro público, da honestidade e da justiça.
Depois de meses de instruções, de anotações, de estudos constantes, o grupo se enquadrara nos moldes do pensamento correto humano. Assim, na penúltima reunião com o grupo, César fez uma pergunta:
— Quem de vocês sabe o motivo real por que vieram?
Sanato um dos mais participativos levantou-se e respondeu:
— Pelo que entendi, nossa vinda era para conhecermos o sistema de vida dos humanos, as leis e forma de vida.
— Sanato, isto fazia parte de nosso acordo, mas não é bem isto. Foram escolhidos por Morambe para serem os dirigentes de sua nação.
— Mas como? Morambe é quem dirige o País.
— Até voltarem e realizarem eleições pela primeira vez.
— Agora estou entendendo o motivo de tanta orientação política, de como um chefe deve se portar, como deve se organizar e assim por diante.
— Por isto mesmo Sanato. Iniciarão a democracia, colocando fim ao absolutismo. Dentre vocês deverá sair quatro candidatos, cujos nomes serão escolhidos aqui. Portanto, um de vocês governará a nação após voto popular. Lembram-se como estudamos o assunto?
— Se lembro, sou capaz de repetir tudo de tanto que ouvi sobre o assunto. Comentou Moralo.
— Pois bem, trata-se de uma escolha oficial e seríssima, não vale votar no próprio nome. Amanhã cada um receberá uma folha para colocar o nome do seu candidato e dizer porque vota nele. Também deverá escrever sobre qual função gostaria de executar para auxiliar o governo que for eleito.
Entre os nomes mais votados estavam Sanato e Moralo e as folhas entregues foram colocadas numa pasta para serem entregues a Morambe.
César falando com Justus comentou que o trabalho fora um sucesso e que atendera plenamente o objetivo. Todos do grupo estavam aptos para liderarem.
No princípio fora difícil entenderem o erro de muitos caminhos que compreendiam como certos, principalmente com relação às leis deles. Alterações foram introduzidas, iriam voltar com novas regras e principalmente conscientes do papel que deveriam representar.
Os deslizes humanos foram mostrados através dos próprios filmes e auxiliaram no pensamento coletivo. Marcantes ficaram as vias que levam a miséria de um povo: falta de escolas, de trabalho, industrialização com técnicas devastadoras de mão de obra, riquezas concentradas e até de hábitos individuais nocivos; também a saúde esquecida, prevenções contra epidemias não existentes, enfim todas as falhas que podem existir numa organização social.
Justus aparecera muito pouco para os “alunos”, mas na despedida estava presente e antes de deixarem o salão no último fez uso da palavra:
— Quero parabenizá-los pelo ótimo resultado que obtiveram, li o relatório de cada um e até me surpreendi, gostaria de homenagear um primeiro colocado mas sinceramente não há como fazê-lo, todos merecem nota dez.
Elegeram quatro nomes para a presidência da nação, o que for eleito manterá o restante nas diversas pastas identificadas e distribuídas durante o treinamento. Portanto sairão daqui sabendo o que devem fazer e como fazer.
Sigam os princípios que orientamos, não estamos visando lucro nem domínio com isto, mas apenas benefícios para sua nação. Poderão perguntar para si mesmos: - qual o interesse dos humanos então?
A resposta é simples, já passamos por todos os estágios da evolução social, aprendemos com falhas e mais falhas. Na Terra os homens viviam brigando ou usurpando oportunidades do indivíduo e o futuro de época para época era incerto. Não queremos que isto aconteça neste mundo, viemos para cá e desejamos que nossos descendentes tenham existências felizes, sem o peso de conflitos que colocam em risco a vida no planeta.
O momento é este, o melhor para se iniciar um processo de paz muito duradoura. Depende de vocês o primeiro passo, pertencem à mais respeitada nação do planeta, se derem o exemplo as demais seguirão.
Justus ainda falou por bom tempo, no final Sanato fora escolhido para representar a turma. Após agradecer e tecer comentários sobre o treinamento, adicionou:
— O que aprendi aqui será o alicerce da nova nação que iniciaremos, quase tudo está errado lá. Nosso empenho será total e incansável. Formaremos políticos e dirigentes dentro do processo que aprendemos. O que recebemos foi a maior dádiva que podíamos almejar. Mas Justus, se me permitir gostaria de fazer-lhe uma pergunta?
— Esteja à vontade Sanato.
— Sinto que estão utilizando da maior boa vontade conosco e de sinceridade. No entanto existe algo que contradiz todo o bom senso da orientação. Nos fizeram crer no caminho pacífico, porque então ainda existem as terríveis armas que nos mostraram? Revelo que isto me preocupa e creio que a todos os demais.
— Está coberto de razão. Primeiro quero observar que tudo foi proposital de nossa parte. Elas representam a insanidade dos humanos. Vocês viram a tecnologia da morte até onde chega.
Um país deve se proteger? Sem dúvida. Para isto são necessárias armas? Também digo que sim. Mas é justamente nisto que está o ponto chave da felicidade global; um limite de capacidade de destruição tem que ser imposto a elas e acordos deverão ser dignamente respeitados. Se isto não acontecer agora, no futuro todos os habitantes pagarão, e o preço é muito alto. Afirmo a vocês que Godoin não queria nos destruir por sermos alienígenas. A verdadeira intenção dele era tomar posse de nosso arsenal.
As armas que temos é o resultado da ignorância humana, da bestialidade científica de nossos ancestrais. Já selamos acordos com Lacrin, Marantuan, Parnávia e antes de saírem, também assinarão o mesmo. Portanto Sanato, as armas expostas representam apenas uma pequena parte do que temos armazenado.
Alem das que tiveram a oportunidade de conhecer existem outras de poder destrutivo muito além do que possam imaginar. Todas elas serão colocadas em transportadores e levadas para o espaço, em seguida as enviaremos para saranuan ou saran na língua de vocês.
— Mas isto não vai destruir nossa estrela? Perguntou um dos participantes.
— Interessante, certa vez Saluan me fez a mesma pergunta. Mas o importante é que também saibam que o conteúdo das bombas é o mesmo que existe na superfície do grande astro.
Quando formos executar este trabalho, vamos querer um representante de cada nação para testemunhar nosso ato.
— Mas se acabarem com suas armas, ficarão indefesos. A nação de vocês se eqüivale apenas a qualquer de uma de nossas cidades menores. Observou Moralo.
— Não ficaremos indefesos, conservaremos as que eram chamadas convencionais. Quanto as que mencionei, nem os registros de como produzi-las serão conservados.
Justus continuou por muito tempo e finalizou entregando a cada um o certificado de conclusão do treinamento.

Nova Terra progredia rapidamente e as leis de César organizaram os mais diversos setores.
No ainda pouco tempo em contato com os terrestres a tribo indígena próxima a pequena cidade praticamente já a integravam. Mourisco era um dos responsáveis por aquela união natural, sem nenhum processo sofisticado. Era tratado como um chefe. Myriam por vezes o auxiliava e passara a admirar sua dedicação.
Karen esquecera um pouco do casal, passara a se interessar mais pelas aulas de Noripa.
D. Antônia fazia de conta que não percebia o namoro dos adolescentes, deixava correr. Com sua perspectiva de realidade muito aguçada não sentia nada de anormal.
Por várias vezes conversara com o mocinho. Sempre observando as respostas dele. Nas intencionadas argüições que fazia, entendeu que se desse certo no futuro sua neta teria escolhido a pessoa certa para repartir a existência. Myriam era totalmente contra e queria acabar com aquele relacionamento, esquecera dos conselhos da mãe e começava a pressionar a menina:
— Não quero mais esse “formiga” a sua volta!
— Mãe ele está apenas me ensinando matemática. A senhora está pegando muito no meu pé por causa disto. Até parece que estou de namoro com ele!
— Que seja somente isto minha filha.
— Quer saber de uma coisa mãe? Não estou mais importunando-a com seu namoro com Mourisco. Até já aceitei, porque não deixa que eu resolva meus problemas?
— Mas é muito diferente Karen, ele é humano e você ainda é uma criança.
E a pequena discussão tornava-se quase diária. Quanto mais a psicóloga com sua falta de psicologia interferia mais a mocinha se apegava e defendia o parceiro de estudos.

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Voltemos à Base, Justus estava querendo um posicionamento geral dos membros da CE.
Fez uma convocação geral, incluindo os ausentes, deixando apenas Samuel de lado. Para ele aquela conversa geral era de necessidade urgente, tudo teria que ser colocado em pauta.
Precisava ouvir cada um e como estava funcionando os setores a que pertenciam. Devido ao número de participantes, o local fora o mesmo onde houvera o treinamento dos representantes de Camapro, no salão de projeções.
Além dos membros efetivos chamou também Roger, Rick, Jacob, Lutércio, Stanislau, Oshiro, Walkiria e Mourisco. Começou argüindo os mais idosos:
— Que eu saiba Delano, Juneida, Joseph e até Sherman ainda não morreram, ou isto aconteceu e não sei? Delano e Juneida por exemplo só vieram ao nosso habitual encontro apenas no início. A opinião de um idoso é importante demais para não ser aproveitada. O que me dizem?
Todos abaixaram a cabeça e sentiram-se irresponsáveis, mas Sherman se levantou:
— Tenho cuidado muito da parte espiritual de nosso povo e faço isto sem descanso.
— Reconheço Padre, mas deixou de nos ajudar na solução de muitos problemas.
Joseph, o mais atuante dos participantes da CE também tentou se justificar:
— Justus, realmente tenho faltado ao compromisso por julgar já ter feito tudo o que estava ao meu alcance... O Rei não o deixou terminar:
— Então se aposentou! Não é isto Joseph? Tivemos que solucionar as mais intrincadas situações com os “formigas” e você não estava aqui.
Joseph não respondeu e sentou-se acuado. Juneida e Delano nem tentaram se defender. E Justus continuou:
Entre os jovens, temos o Dr. Gilson, Myriam e Lavínia.
— Mas eu tenho vindo Justus. Reclamou Lavínia.
— Somente quanto peço sua presença, caso contrário está sempre ausente.
— Justus, realmente não tenho participado, mas somente agora é que estou percebendo que devo considerar-me membro da Comissão, honestamente não me lembro de ter sido convidado. Defendeu-se o Dr. Gilson.
Justus pensou um pouco, conversou com Jader a seu lado e depois disse:
— Realmente Dr. Gilson, devo-lhe desculpas, mas a partir de agora considere-se integrante da CE. Mas aproveitando sua presença, gostaria de saber sua opinião sobre nossa posição em Épsilon.
— Justus, uma coisa me preocupa. Chegamos num planeta habitado, por sinal populoso. Sinto representarmos um percentual insignificante no planeta. Como apenas conheço a área biológica, penso que precisamos aumentar mais rapidamente nosso número.
— Como assim Gilson?
— Clonando humanos. As técnicas estão ao nosso alcance, posso fazer isto até com certa facilidade.
Todos no recinto se entreolharam e Justus não prolongou o assunto:
— Doutor você por certo não está ao par das leis criadas por César. Isto está banido totalmente, inclusive ficou proibido qualquer tipo de manipulação genética. Houve erros gravíssimos na Terra, exércitos foram criados através da ciência e o horror perdurou por gerações. Forjaram seres destituídos de bons instintos, que aceitavam e cumpriam ordens de insanos governantes. Não fosse ainda um resto de bom senso, nosso povo no planeta de origem não teria nem alcançado o próprio fim cósmico.
Nesse sentido, a única permissão ficou no plano genético vegetal, desde que não tragam conseqüências danosas para o organismo. Você estudou os processos, mas não se inteirou das conseqüências.
— Apenas pensei numa imediata solução para o problema Justus e em nenhuma hipótese pensei em mudar características do clonado.
— Você, acredito que não, mas outros virão e um dia a nação será maior, preconceitos e outros problemas poderão resultar em danos irreparáveis. Por outro lado, você se engana muito, se pensa que daqui a quinhentos anos ou mais nossa forma física seja a mesma. Queiramos ou não, seremos mestiços, com pouca diferenciação dos nativos. Possuem traços muito fortes, se identificam conosco, não são diferentes na maneira de agir. Lembro-me que você mesmo já verificou que fisicamente são praticamente idênticos aos humanos, portanto nada vai impedir a mutação.
— Pensando desta forma Justus, realmente nada vai impedir a mudança.
— A única coisa que poderemos preservar será o espaço que ganhamos, nosso território. Todos que nascerem dentro dele farão parte da nação. Como não participa de nossos encontros não sabe de nossos planos. Por exemplo, gostaria que Mourisco nos dissesse alguma coisa:
— Faço no momento a aproximação das tribos indígenas, estou procurando a integração deles. Nas excursões realizadas, foram detectadas a presença de cerca de duzentos ou trezentos mil nas terras da região polar. Nenhum problema foi registrado, cada vez mais vem aumentando a participação deles. Querem aprender e os filhos não faltam na escola de Walquíria e também ensinam os pais. Acredito que em pouco tempo, teremos uma associação total de humanos e Sunamambes, nome que dão a si mesmos.
— É isto mesmo que eu quero, você está de parabéns Mourisco.
Esta é a linha que devemos seguir, não só com os Sunamambes mas também com os demais povos.
Myriam que não estava gostando do rumo que estava tomando o comentário, interrompeu:
— Não concordo Justus, não aceito que devamos nos unir com índios ou “formigas”, que para mim é a mesma coisa.
Um certo clamor se ouviu, alguns aplaudindo e outros não concordando.
— Bem Myriam, você além de não comparecer, de nada ficar sabendo sobre nossas decisões ainda quer discordar?
Bem, é seu direito, mas parece que não ouviu o que a pouco disse. Vou repetir: os terráqueos desaparecerão no correr dos anos, não representaremos quase nenhuma anormalidade nas características fisionômicas dos povos agora existentes.
Seu noivo acabou de dizer, apenas índios são duzentos mil e sabe que existem dez bilhões de “formigas” no interior do planeta. Não haverá nenhuma possibilidade de nos individualizarmos neste mundo. Goste ou não goste Myriam, esta é a realidade. A nação Terra é o que podemos formar, mas não pense que sozinhos.
Myriam ficou quieta e engoliu a explicação. Mourisco aproveitou a pausa para dizer um pouco mais sua opinião;
— Justus, quanto aos índios, parece que entendem nosso objetivo real e estão aceitando nossa liderança, para ser honesto não compreendo a razão de agirem. Venho tentando obter de Xerengo uma resposta para tal tipo de posicionamento, mas ele só fornece evasivas, dizendo que gosta dos terráqueos e coisas assim, mas sinto que existe algo mais.
— Precisamos doutriná-lo, quero que o traga aqui. Já o entende bem, assim me servirá de interprete.
Gostaria de parabenizar nossa grande líder em Terra Nova, Walkiria, que a partir de agora também fará parte da CE. É notável o trabalho que vem executando. É a pioneira no ensino e merece nossos elogios.
Uma salva de palmas acompanhou as últimas palavras. E Justo continuou:
Hoje vou falar muito, se preparem.
Stanislau, você foi muito esperto. Sabe como ganhar dinheiro, não é mesmo?
— Bem senhor Justus, quando fui para Terra Nova, ia me dedicar à lavoura, mas surgiu-me a idéia de iniciar um comércio e fui bem sucedido.
— Tão bem, que aumentou seu armazém, fez de sua casa uma mansão e já pode ser considerado o mais rico da cidade. E ainda mais, pretende ampliar e até abrir uma filial, não é isto?
— É Justus, tive sorte nos negócios.
— Você sabia que as leis de César colocam limite na riqueza?
— Não Justus, não estou entendendo.
— Quando uma pessoa se enriquece é sinal de que outras deixam de ganhar ou perdem. Precisa haver um controle agora para que você e seus descendentes não venham a monopolizar o consumo neste país nascente. É necessário ceder oportunidades para que todos vivam bem.
As novas leis são claras neste sentido. Uma empresa somente poderá ser ampliada com adição de sócios não parentes, dependendo do capital de giro, ou depois de seis meses após edital para o público informando a intenção. Se no período não for aberto o tipo de comércio ou indústria pretendido, então terá o direito adquirido.
— O que li sobre o capitalismo, forma adotada na Terra, as pessoas podiam progredir livremente, sem limites. Era o que chamavam de democracia.
— Democracia também é o direito de todos e não apenas de uma facção. Nosso desejo não é construirmos uma nação de ricos e pobres mas de uma média financeira. Portanto aqui não haverá lugar para o capitalismo selvagem que gerou guerras na Terra. Somente não terá dinheiro aquele que possa trabalhar e não o faça.
Jânio e Selma haviam regressado da última expedição e também estavam presentes. Trouxeram filmes e comentaram os fantásticos lugares mostrados. Os mais interessantes foram os das ruínas de uma antiga civilização, dos grandes animais mamíferos e o das numerosas aves.
Justus ouviu cada um dos participantes. Quando chegou em Justino, o assunto foi o da sociedade na produção de açúcar. Este então fez uma observação:
— Poderíamos produzir muito mais açúcar se utilizássemos máquinas para corte da cana.
— E deixaríamos quantos “formigas” sem trabalho?
— Será que ainda não entendeu Justino? O emprego é a melhor forma de distribuir rendas. A máquina só poderá ser utilizada se faltar mão de obra.
— Nesse caso o progresso tecnológico ficará emperrado.
— Quem lhe disse? A ciência poderá desenvolver-se normalmente e todo tipo de equipamento poderá ser construído, apenas as regras da aplicação serão as mais rígidas possíveis. É crime grave substituir o homem pela máquina.
Arosco e Utuam, gostaria que comentassem sobre esta regra.
— As novas leis já estão sendo aplicadas em Lacrin e toda população de meu país as acolheram. Em muitos lugares houve festas para a introdução da nova justiça. Finalmente a inteligência foi aplicada em favor da vida. Mais ainda, acompanhei o treinamento do pessoal de Camapro e a acolhida deles durante as instruções mereceu integral apoio, tenho certeza de que também lá elas serão introduzidas.
— Não posso dizer o mesmo de Marantuan, nosso Presidente parece não apoia-las integralmente, por outro lado ele está sofrendo pressões e provavelmente virá a perder o cargo se não aderir às regras.
— Mas já não foram introduzidas? Perguntou Justus.
— Sim, mas Shumatin vem procurando modificá-las, principalmente com relação às normas de riqueza.
— Espero que o empenho dele seja em vão. César fez um excelente trabalho, o melhor que poderia imaginar. Se neste mundo todos o seguirem, os litígios internos de cada povo poderão inexistirem. Com a ganância, com o poder do dinheiro limitado, com uma corte internacional de justiça para as desavenças externas, as guerras poderão ficar apenas na história.
— Também penso assim, disse Utuam continuando:
Mas como impedir a proliferação de idéias radicais?
— Na Terra, apesar dos inúmeros erros cometidos, seus últimos séculos foram de perfeição; com uma distribuição equilibrada de rendas, de trabalho e de controle da natalidade o homem usufruiu de bem estar coletivo. No entanto cada governo agia de forma patriarcal, sempre cobrindo as deficiências porque as grandes riquezas continuaram existindo. As normas criadas para nossa nação e livres para utilização mundial, por si revelam o segredo do viver digno.
Quanto a impedir os maus caminhos, basta que as bases dos direitos individuais sejam levadas a público através dos meios de comunicação e das escolas. Uma vez enraizadas como normas de vida, a grande maioria fará o resto.
Bom, já falei muito, faremos uma pausa para descanso pois hoje ainda há muita coisa a ser dita.

Cerca de duas horas depois, após almoçarem todos voltaram para o recinto. Aparências de fastio já haviam desaparecido de alguns participantes.
Justus, por estar ainda cansado, passou para Jader a continuidade da reunião. Sabia perfeitamente a linha de pensamento do “Rei” e reiniciou chamando Joseph.
— Joseph, continua trabalhando no assentamento?
— Sim Jader, mas os que ficaram na Base não pretendem sair, já estão em idade avançada e não querem enfrentar o mundo externo. Com relação a nós, posso dizer que não há mais nada a fazer. No entanto, muitos vem querendo ampliar suas instalações e tem me procurado.
— Você sabe Joseph que nada mais será doado. Os interessados devem economizar e comprar. Fora disto, nada impedirá de possuírem bens.
— Está aumentando também o interesse indígena nas moradias humanas.
Justus interrompeu e entrou no assunto:
— Resolverei o problema indígena, já pedi a Mourisco trazer o chefe da tribo aqui. Farei concessões visando a união com nosso povo, mas ainda vou estudar.
— Também estamos recebendo “formigas” de diversas partes do planeta. Com a utilização do colírio de Raruque, não estão encontrando dificuldade para viverem aqui. Estou ao par da lei de imigração e apenas permitindo a permanência definitiva se naturalizados. Concluiu Joseph.
— Júlio, o que me diz da segurança? Perguntou Jader.
— Ainda estamos mantendo nossos homens preparados, se bem que no momento não haja registro de guerras nem de qualquer atitude hostil que nos coloque em risco. Portanto, para aproveitar o tempo deles, a maior parte vem executando trabalhos diversos no auxílio da coletividade.
Justus, ouvindo isto, novamente tomou a palavra:
— Não faça isto Júlio, quero todos em vigia permanente, examinando cada centímetro de nossas fronteiras. Algo me diz que não devemos abrir brechas em nossas fileiras. Godoin poderá estar reunindo “formigas” para nos atacar.
— Mas Justus, Godoin já morreu. Comentou Právida.
— Não acredito, conversei com Denis. Tudo pode não ter passado de uma encenação. Tenho certeza de que está esperando apenas o momento certo. Honestamente não pensava ter de dizer isto principalmente a você Právida.
— Ora! Pensava que tudo estivesse solucionado. Morambe confirmou a morte dele.
— Ele pensa como você, mas não acredito que corra risco. Godoin quer nossas armas e poderá ter até espiões plantados aqui dentro. Portanto Joseph, analise cada imigrante e encontre suspeitos.
— Mas quais os que podem ser suspeitos? Perguntou Júlio.
— Geralmente aqueles que queiram saber muito sobre nós, principalmente sobre armas.
— Rick e Roger poderão formar um pequeno grupo de inteligência para investigarem. Observou o chefe militar.
— Hoje mesmo poderemos começar, não é mesmo Roger?
— Claro Rick, posso incluir aviadores e você alguns de seus melhores elementos.
A seguir Tanaka comentou sobre a instalação do primeiro Banco na cidade. Slakes, Turibus e Makários se interessaram pela genética de animais e plantas, ou seja, a miscegenação das espécies terrestres com as de Épsilon, contrariando o pensamento de Justus.
Ramos e Justino comentaram sobre os acordos com “formigas” de todo o planeta. Marcos sobre o sensoriamento e Lavínia sobre os estoques de produtos existentes.
Justus terminou a reunião dizendo:
— Ainda não podemos ter uma organização política ampliada, vocês aqui presentes é que representam todas as forças que temos. Até nossa nação aumentar, a reunião da CE será o único meio de resolvermos nossos problemas. Todos os incluídos fazem papeis de ministros de diversas áreas. Faltar a ela será o mesmo que renegar nosso povo.
As últimas palavras pesaram para Myriam, que saiu bastante pensativa. Afinal relegara a último plano sua bem sucedida participação inicial, que ora era comandada por Raquel.

Mourisco, de braço com ela, sentiu-a distante e perguntou:
— O que ocorre Myriam?
— Estou envergonhada, esqueci de minha obrigação.
— Entendo, mas a culpa não é sua. Passou por momentos dolorosos e que só agora parece estar saindo. Porque não entra para o trabalho com os índios?
— Seria bom, quem sabe com isto possa me redimir. Afinal não vou me desculpar, o erro foi meu.
— Quem vai ficar contente sou eu, afinal poderei estar a seu lado todos os dias.
E assim, continuaram a pé o caminho que os levava para Nova Terra.

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Em Contag Denis e Juréia haviam concluída a missão e estavam se preparando para a volta. Morambe fora bem escolhido por Justus, um líder honesto, seu real interesse era ver seu povo viver em paz.
No interior da nação, disfarçado, Godoin continuava a tramar. Vivia em Carma, deixara o cabelo e barba crescerem, mudou de nome e se portava como uma pessoa pacata. Seus fiéis comparsas espalharam-se pela região, mas sempre se encontravam com o chefe em algumas das inúmeras grutas. Percebendo que chegara o momento de agir os reuniu para colocarem em prática mais um plano diabólico.
— Chegou o momento de recomeçarmos. Ainda pretendo ter este mundo nas mãos. Soube por Ravino que os terráqueos vão destruir as armas perigosas que possuem. Eu as quero para mim.
— Mas não sabemos nem como tocar naquelas coisas. Disse um dos asseclas.
— Que importa isto? Será que não percebem que só o fato de as termos em nossas mãos será o suficiente para deixarmos todas as nações de joelhos? Elas significam o domínio total.
— Mas como vamos fazer isto? Não temos mais exércitos.
— Desta vez não vão escapar. Introduziremos uma epidemia que irá dizimar a todos. Pensam que vim para Carma para me esconder? Se assim pensam estão enganados.
Lembram-se da doença que dizimou Crats e nossas regiões vizinhas? Aquilo foi obra de um único “formiga”, o saudoso General Urato. A perspectiva da guerra não estava a meu favor. Na época, lembrei que nesta área muitos formigas morriam de uma doença estranha e sem cura. Pesquisadores descobriram que a origem estava num pó amarelado, que ao ser tocado provocava morte irremediável. Pois bem, contei a Urato e ele mandou um grupo de soldados retirar uma grande quantidade daquilo. Colocamos em muitos potes e espalhamos nas cidades de Crats. Até aqueles que apenas tocaram no vasilhame morreram. Eliminei os pesquisadores e todos os envolvidos no plano. Depois disto, mandei fazer um grande paredão impedindo qualquer entrada para o local.
— Até já sei onde é! Fica a vinte quilômetros daqui, ninguém vai lá. É conhecido como Moradia da Morte. Comentou mais um dos companheiros.
— Isto mesmo. Pretendo fazer o mesmo com os Terráqueos.
— Nunca mais vou por a mão naquilo. Não sabia nada disto, arrisquei muito. Não quero nem chegar perto! Exclamou um dos presentes.
— Seu nome é Barino não é isto?
— Sim senhor.
— Calma, você é um dos nossos e muito importante para nossa causa.
Sabe que foi um dos bravos sobreviventes que atravessaram a fronteira com o produto?
Quero que nos conte, sem esquecer o mínimo detalhe, o que fez a partir do instante em que recebeu seu pote. Disse Godoin com voz amigável, para inspirar-lhe confiança.
E Barino contou:
— Sabia que a operação era muito secreta, assim nem minha família soube que ia participar da missão. Meu pai fabricava bisnagas, dessas que ainda existem como invólucros para tintas e outras pastas. Vi quando colocaram o garrafão na entrada que dava para as máquinas. Para ninguém perceber peguei um folhão de malgave e coloquei por cima, depois embrulhei a vasilha e escondi.
A ordem que recebera era para contaminar a água de Salcin que fica na fronteira. Sabendo que devia ser algum veneno muito perigoso, nem abri para ver. Do jeito que havia embrulhado, peguei o pote sem que ninguém visse e rumei para cumprir minha missão. Viajei bom tempo para chegar na localidade. Quando lá estava procurei o veio d’água que abastecia a população, sempre levando aquela coisa com cuidado. Do alto de uma elevação avistei uma cachoeira com muitas pedras. Atirei o embrulho do jeito que estava e percebi que se despedaçara e a correnteza levara tudo para baixo. Retornei e dias depois cheguei em casa.
Todos queriam saber por onde havia andado. Inventei muitas coisas e nada revelei.
Não podia imaginar que por minhas mãos toda uma cidade iria morrer.
Ao dizer as últimas palavras lembrou-se da angústia que vinha sofrendo e explodiu:
Nunca vou perdoá-lo por isto Godoin, você é um monstro! Nos colocou numa guerra que nunca acabou para mim. Sou um covarde, nunca tive coragem de contar a ninguém!
— E nunca vai mesmo, leve-o para o abismo.
Imediatamente dois “formigas” muito fortes seguraram Burino e saíram com ele, minutos depois apenas se ouviu o grito surdo do infeliz.
Godoin continuou a palestra como se nada tivesse acontecido:
— Então minha gente, entenderam porque Barino não foi contaminado?
— Claro, ele enrolou o garrafão em folha de malgave e não tocou na vasilha. Respondeu o mais próximo do malvado.
— Até que enfim!
Era justamente o que queria saber. Me faltava apenas isto. Lamento apenas não ter me ocorrido esta idéia antes, mas ainda há tempo.
Para que entendam mais é importante que saibam que pedi a Ravino que localizasse Barino e o introduzisse na reunião, o resto vocês viram.
Vamos precisar de folhas de malgave e de pequenas meias bolas ocas de argila.
— E quem vai encher as bolas?
— Contratem secretamente a mão de obra, dêem dinheiro adiantado e prometam o restante para depois do trabalho. Digam que será para um serviço numa mina. Procurem “formigas” sem vínculos. Não será preciso muitos, no máximo seis. Colocarão o pó numa parte da bola e cobrirão com a outra e lá mesmo enrolarão com o malgave. Depois jogarão os embrulhos para fora e nós, antes de pegá-los, os envolveremos com mais pedaços da folha e nossas armas estarão prontas.
— Mas e o paredão que mandou construir? Perguntou Stefana a mais servil das integrantes daquela máfia.
— Você me perguntar isto Stefana? Será que imagina ter lacrado totalmente a entrada? Deixei uma passagem secreta para uma emergência.
Quando o pessoal em baixo tiver nos enviado uma boa quantidade do material, apenas fecharemos a passagem.
— Ah, ah, ah, ah! Que maravilha! Riu a selvagemente Stefana.
Godoin já havia mentalizado todo o plano e continuou:
— Desta vez quero ver se escaparão das nossas bolotas. Nosso ataque vai ser a distância, nenhum de nós sairá daqui. Os presentes serão colocados nas sacarias que forem enviadas para os terráqueos.
Godoin foi aplaudido pelos comparsas e Stefana até gritava em sua demente euforia.

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Denis e Juréia depois de meses no interior do planeta estavam encontrando dificuldades para se adaptarem à superfície. O Dr. Gilson e sua equipe analisando o comportamento visual de ambos notaram pequena alteração no globo ocular. Por dias tiveram de usar lentes escuras. Por pouco não aplicaram o colírio de Raruque.
Justus os chamou para uma prestação de contas. Acompanhado de Jader ficaram ao par de todos os acontecimentos em Camapro.
— Morambe seria o ideal para comandar a nação. Possui alto senso de justiça e tem a população a seu favor.
O comportamento geral assemelha-se aos registros terrestres. Possuem, um bom sistema de radiodifusão com noticiários constantes. Utilizam-se de jornais, livros e revistas e têem transportes coletivos aperfeiçoados. Plantam e colhem produtos em vastos campos. Conservam animais domesticados e para corte, bem diferentes das espécies que conhecemos. Nesse aspecto, encontramos em cativeiro aqueles que enviamos quando ainda estávamos na roda, proliferaram e pertencem a um instituto de estudos de Contag.
— Denis, o que está nos contando já conhecemos. Queremos saber é se realmente não existe indício de Godoin estar vivo. Observou Justus.
— Pois é Justus, o sistema de vida dos “formigas” não difere do padrão humano e o relato que fiz se enquadra no panorama de nossa primitividade média, quando as diferenças sociais marcaram as grandes guerras. Percebemos o começo das convulsões e dos antagonismos. Devem ter lido sobre isto nas observações individuais dos que vieram estudar aqui.
Tudo bem Denis, mas vamos ao que interessa.
— Denis apenas está querendo posicioná-lo na realidade que observamos em Contag. Disse Juréia intercedendo a favor do marido, continuando:
Queremos dizer que nem tudo está a favor de Morambe, apesar da grande aclamação popular. Existem os que perderam, exploradores das classes pobres, os corruptos e os que usufruíam de benefícios de Godoin. Ele soube se alicerçar numa grande gang nacional, numa verdadeira máfia que se esconde mas continua atuando nos bastidores.
— É isto mesmo. Observou Denis, comentando:
Morambe e seu grupo é uma nata da honestidade. Na minha opinião deveria continuar no poder, mas os “formigas” que indicou e que analisamos não são diferentes. No entanto, entre eles encontramos um de nome Ravino que preenche plenamente a condição de perigo. É tido como herói nacional por ter acabado com Godoin, o que deve ter sido uma grande farsa. Não passa de um hábil manipulador e tentou nos confundir.
— Se realmente está vivo, com certeza está tramando alguma coisa ruim. Disse Jader.
— Posso continuar a contar com vocês? Perguntou Justus.
— Claro. Respondeu Denis.
— Pois bem, falarei com Morambe. Preciso que voltem para lá, algo me diz que a segurança de nosso povo está em vocês.
— Voltar? Interrogou Juréia.
Mas fiquei grávida, tenho receio de quando chegar o momento não encontrar as condições médicas daqui.
— Se for por isto, levaremos o Dr. Gilson até vocês, só precisam nos avisar.
— Então não haverá problema. Até gostei de viver com eles.

Os dias passaram, Justus falou com Morambe que aceitou com muito entusiasmo o retorno do casal. Assim, partiram e voltaram a viver na mesma bela casa em Contag.

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Na comunidade humana a vida corria normal e os primeiros falecimentos por idade avançada inauguraram o cemitério da localidade. A cremação habitual fora banida em comum acordo decidido pela CE.
Na Base, Scaler até se familiarizara com Samuel, único detento nas grades de sua delegacia. Mantinha apenas um guarda a seu dispor, todos os demais haviam sido transferidos para Terra Nova. Sua ociosidade era de chamar a atenção e para livrar-se da monotonia, muitas vezes jogava xadrez com o prisioneiro.
Tudo corria sem novidades, a rotina começava a imperar. Os soldados que garantiam a colônia permaneciam atentos, bem como os freqüentes vôos sobre a região, mas nada de anormal se registrava.
A fortaleza transformara-se em centro do governo, das visitas de “formigas”, das escolas superiores, do hospital, do pequeno exército, da distribuição alimentar e abrigava os idosos que não quiseram sair. Assim se definia o papel do grande bloco metálico que podia ser avistado a quilômetros de distância.
No centro de distribuição alimentar além dos produtos que eram retirados da conservação permanente começavam a serem adicionados os importados dos “formigas”. O Sarume recebido em sacas era depois despejado num grande silo para conservação. Onze trabalhadores cuidavam do manuseio dos materiais.
Depois da desconfiança de Justus, Marcos não deixava o sensoriamento, analisando constantemente as imagens recebidas da roda. A varredura era completa e nada ficava sem observação.
Para os “formigas” nenhuma novidade havia mais com relação aos alienígenas. Uma aceitação total marcava a fixação dos humanos em Épsilon. Todas as nações internas se comunicavam ou negociavam com os terráqueos. Este era o quadro após doze anos do início da colonização.

Mourisco e Myriam levaram Xerengo e Janina, mulher dele, para conhecerem Justus. Falavam mal a língua dos humanos, mas o suficiente para se fazerem entender. Demonstraram alegria e satisfação em serem recebidos pelo “Rei”.
Xerengo comentou sobre a grande mudança de seu povo com a chegada dos “formigas” do céu. Sentiu-se importante quando Justus lhe disse que construiriam uma única nação e que ele teria o comando de todas as tribos. Mas a certa altura da conversação virou-se para Myriam e perguntou:
— Posso contar com você Myriam?
— Claro que Sim Justus. Por não comparecer as reuniões da CE peço desculpas. Deixei-me envolver por sentimentos pessoais que me prejudicaram.
— Isto não vem mais ao caso, esqueça disto. Quero que dedique tempo integral a Xerengo e Janina. Receberá um bom salário. Deverá se inteirar de hábitos e costumes deles e associá-los aos costumes da Terra. Demorará algum tempo, mas deverão alcançar alto nível de cultura.
Sei que você será capaz disto, para tanto, deverá trazê-los diariamente e utilizar de todos os recursos que possuímos aqui dentro. Se ainda não tiver um veículo retire-o com Lavínia.
Quanto a você Mourisco, dará apoio a ela mas não quero que se envolva no modo de ensinamento que adotar para o casal. Por outro lado, preciso que continue a instruir os indígenas adultos, adicione professores, o que quiser, terá todo apoio que necessitar. Se quiser, utilize também algum dos salões vazios desta Base.
Quero que saibam, meu objetivo é a formação de uma única nação pois são muito parecidos fisicamente conosco.
— Pode ter certeza, faremos tudo o que for preciso para isto. Disse Myriam.
Xerengo ouvia a conversação mas pouco entendia. Então Justus, dirigindo-se ao casal, perguntou:
— Janina, Xerengo, gostariam de saber tudo o que sabemos, aprender coisas que nunca imaginaram?
Mourisco ajudou-os a entenderem a pergunta e foi Janina quem respondeu:
— Queremos entender sobre tudo, não somos ignorantes, apenas nunca tivemos qualquer oportunidade de aprender.
Respondeu e Myriam que também já conhecia um pouco daquele idioma misto traduziu para o “Rei”.
Xerengo concordou e então Justus mostrando a terráquea informou que ela ficaria muito tempo com eles e que os ensinaria.
No caminho de volta, Mourisco explicou a eles que Myriam iria diariamente buscá-los para as instruções e que não deviam se preocupar com alimentos. Também que Xerengo colocasse alguém em seu lugar.
A crença de que os humanos eram criaturas do céu, auxiliou muito no propósito de Justus. Nem o forte “homem” tão pouco a jovem esposa se negaram a fazer o que sentiam ser uma ordem vinda de cima.
Myriam não deixava de se preocupar, afinal Karen vivia as voltas com o filho deles e ela não apoiava a aproximação. Estava num grande dilema, principalmente quando Janina fazia questão de dizer que o filho gostava da menina. Sorria, mas nada respondeu.
Depois que deixaram o casal indígena na aldeia, Mourisco, muito delicadamente, observou:
— Myriam, não leve tão a sério o relacionamento das crianças. Ainda há muito tempo para um dia se unirem, se for o caso. Quando Janina lhe falar sobre o menino, diga que sua filha fala bem dele, que é muito estudioso. Se não fizer isto vai correr o risco de perder todo seu trabalho.
— É Mourisco, tenho que acabar com isto, esquecer os dois. Você tem razão, tentarei mudar e fazer amizade com ela.

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Denis e Juréia novamente estavam na rotina de Contag. Auxiliaram Morambe a explicar a população como seria escolhido o Presidente da nação. Nunca haviam votado, assim até como deveriam fazer era mostrado. O sistema radiofônico era o meio de sua voz chegar em todos os recantos do país.
Os quatro candidatos passaram a divulgar seus nomes. Em seguida a viajar e a fazer comícios, tipo de atitude ainda desconhecida, mas muito bem aceita pelo povo. Planos de governo foram elaborados por eles mesmos.
O casal terrestre analisou cada uma das metas propostas e julgou todas oportunas, o resto a nação decidiria.
No contato diário com Morambe, Denis aproveitava para instruí-lo sobre sua postura e entre outras coisas observou:
— O que você queria está sendo feito, logo deixará seu cargo e ficará no comando de todos os exércitos. Mas deve saber que acima de você sempre estará o presidente eleito pelo povo, do qual receberá ordens e deverá cumpri-las.
— Estou ciente disto Denis.
— Pois bem Morambe, de qualquer forma você é na realidade o detentor do poder militar. No momento vai ser criado um parlamento sem votação mas futuramente os representantes das províncias deverão integrá-los. Mas não é bem isto que quero dizer. O Justus pediu para transmitir-lhe um recado muito confidencial, ou seja, deverá permanecer sempre atento aos atos públicos e se perceber irregularidades deverá fazer-se ouvido ou em último caso até intervir militarmente.
— Não havia pensado nisto.
— Ele está bastante preocupado, não está acreditando na morte de Godoin. Convém você preparar uma boa investigação pois Ravino não me pareceu nada confiável e comentei isto na Base. Em conversa com Právida, ele acha que você deve chamá-lo dando apenas a entender que irá ocupar alguma função. Eu e Juréia fomos instruídos de como procedermos para descobrirmos se houve ou não a farsa. Desta vez vamos precisar de você quando ele chegar.
— Se vocês acreditam nessa hipótese, vou convocá-lo imediatamente. Carma fica bem no sul e ele deverá demorar para chegar.

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Na fortaleza o dia era normal, os índios ocupavam uma grande sala e o ensino era ministrado por Mourisco e outros professores.
Em outro setor, Myriam cumpria com dedicação o seu trabalho. Xerengo e Janina já estavam até se habituando com ela.
Nas demais áreas a rotina dominava. De repente um dos empregados que trabalhavam na Base atravessou correndo a grande plataforma que intermediava os principais departamentos e foi direto para a delegacia:
— Seu Scaler, Seu Scaler, aconteceu uma coisa horrível! Estão todos mortos, eu vi!
— Fale homem! Onde?
— No Centro de Distribuição de Alimentos. Ia entrando lá para pegar um fardo.
— Mas você chegou perto, colocou a mão neles para confirmar?
— Não, nem entrei.
— Está bem vamos resolver.
Scaler telefonou para o Dr. Gilson e este mandou que ele segurasse o informante até que chegasse.
Não demorou para o médico aparecer munido de alguns equipamentos. Pediu para o rapaz levá-lo até ao local, mas antes de sair ligou um pequeno medidor de radiatividade e teve uma surpresa. Voltou-se para Scaler e pediu:
— Utilize todas as sirenes e avise para todos saírem imediatamente daqui e ficarem distantes, está havendo vazamento de radiatividade e o nível é alto.
Ninguém deverá ficar e também ninguém deverá ir para Nova Terra. Eu e este rapaz vamos vestir roupas especiais para investigar o que aconteceu.
O corre-corre foi grande, mas não demoraram a sair da base.
Júlio foi avisado e trouxe todos os soldados para circundarem a fortaleza. Ninguém sabia o que estava acontecendo. Právida encontrou Justus também do lado de fora e observou:
— Será que é o que estou pensando?
— Pode ser Právida, não existe condição para vazamento dentro da nave a menos que alguma das armas expostas tenha sido violada. Vamos esperar o Dr. Gilson ele está efetuando as primeiras análises.
— Os índios estão inquietos, sem nada entenderem.
— Fazer o que Právida? Agora temos que esperar, todos nós podemos estar contaminados.
A confusão estava se generalizando quando Gilson Saiu ainda munido da proteção, bem como Luciano o jovem que o acompanhou. Despiram as vestes e foram ter com Justus.
— A situação é gravíssima Justus. O índice radioativo é dos maiores. Trouxe bastante comprimidos para descontaminação e todos devem tomá-lo imediatamente.
— Descobriu a origem Gilson?
— Não vai acreditar se disser. Fomos vítimas de sabotagem. Alguns dos homens que morreram estavam despejando sacas de sarume. Dentro de cada uma estavam várias bolas revestidas com folhas de chumbo que se abriram ao desamarrarem as sacas. Mas antes de continuar, peça a alguns para irem administrando o antídoto.
— Pode deixar, eu faço isto. Disse Jader, pegando o pacote de pílulas.
— Tome você uma agora Justus, não há tempo a perder.
Justus e Právida engoliram as drágeas e continuaram na escuta.
— Continue Doutor.
— É Material nuclear puro. Não sei como podem ter conseguido, mas a verdade é que a natureza não cria por si mesma o que encontramos. Trata-se de plutônio ultra enriquecido.
— Mas como pode? Os “formigas” não possuem tecnologia para isto. Alguma explicação deve haver e tenho certeza, isto é obra de Godoin.
Dizendo isto, tirou o comunicador do bolso e ligou para Denis, que atendeu:
— É Justus Denis. Quero informá-lo que acabamos de ser atacados por Godoin.
— Mas como Justus? Daqui ele não saiu.
— Escute bem o que vou lhe dizer. Godoin está vivo, está de posse de armas nucleares. Sabotou sacarias de sarume que vieram daí. Colocaram plutônio em bolas revestias com folhas de chumbo e nos contaminaram, peça a Morambe para agir. Vou desligar, tenho muita coisa a fazer.
Voltando-se para Gilson continuou:
Trouxe vestimentas protetoras Gilson ?
— Muitas Justus.
— Vamos vesti-las Právida. Mas antes Gilson, quanto tempo teremos de segurar o pessoal?
— Vou medir o grau de cada um, acredito que a maioria poderá voltar para Terra Nova.
Por sorte, Luciano avisou a tempo e a evacuação foi rápida. Morreram quinze pessoas lá, entre trabalhadores e os que foram buscar alimentos. Só não entendi porque a ação do produto foi tão letal, quero dizer, ao ponto de provocar morte quase imediata, ou seja, num espaço de menos de um dia.
Todos os habitantes daqui terão de passar por um exame minucioso.
Os índios estavam numa área bastante oposta ao local do incidente e pouco ou quase nada foram afetados. Assim, foram liberados. Mourisco e Myriam cuidaram em explicar-lhes o que havia acontecido e que por alguns dias ficariam sem as aulas.
As paredes metálicas especiais impediam a proliferação radioativa, mas o material era tão concentrado que mesmo assim alguns teriam que ser internados.
Justus, Právida e Júlio entraram na imensa Base totalmente vazia. A primeira coisa que o “Rei” fez foi acionar o sistema televisivo para solicitar aos habitantes de Nova Terra não ingerirem qualquer alimento recém tirado do Centro de Distribuição até serem analisados.
Právida conversando com seu filho:
— Júlio, convém reunir uns cem homens com proteção e limpar a área, levando as bolas que encontrarem para o laboratório. Nos artigos em conservação existem aparelhos para descontaminação ambiental, retire-os e leia como aplicá-los.
O filho nem parou para responder, voltou-se para a entrada e foi tomar as providências.
— Právida nunca pensei em algo semelhante. Desta vez Godoin ganhou, conseguiu eliminar quinze homens. Mas como? Como? Repetia a pergunta.
— Quem sabe estejam mais evoluídos do que parecem.
— Se assim fosse, teríamos detectado no sensoriamento. Pelo menos se utilizassem algum tipo de máquina hospitalar ou coisa semelhante, mas não, em todo lugar aparentam um estágio bem anterior ao estudo do núcleo atômico. Não tenho a mínima idéia.
Bem, por ora vamos nos cuidar, vejamos os corpos. Deve haver instruções de como procedermos neste caso. Depois iremos para o Centro de Processamento.
Enquanto estavam examinando a tragédia, Júlio chegou com os soldados protegidos por escafandros e iniciaram a retirada dos corpos e das bolas mortais.
Depois, no setor de informática o “Rei” ligou os registros e fez a pergunta. Právida o acompanhava e observando as respostas fornecidas comentou:
— Não sabia que até isto estava previsto.
Na tela do visor lia-se: primeiro - limpar a área afetada retirando os objetos que causaram ou estão causando o problema. Segundo - ministrar pílulas de anti-radiação para os contaminados e separá-los, se possível, dos que não foram envolvidos. Terceiro - retirar captadores de partículas nucleares e instalá-los em diversos pontos, mesmo em lugares de baixa incidência, acioná-los, se afastarem e só os retirarem quando o medidor existente em cada um marcar zero, o que quer dizer descontaminação procedida. Nenhum alimento próximo ao local deverá ser ingerido. Quarto - terminado o processo, os equipamentos deverão ser colocados nas capas de captadores e expelidos para o espaço.
— Nossos ancestrais pensaram em tudo. Só que não estamos no vazio sideral.
— Mas podemos utilizar uma sonda para fazer isto.
— Perfeito, vamos agir!
Uma semana após, não havia nem vestígio do problema, os terráqueos e os índios estavam salvos.
Ao invés de uma sonda, foi utilizado um transportador adaptado com controles remotos. Além dos equipamentos utilizados foram colocados todos os produtos alimentícios que estavam livres para utilização, tanto os do Centro de distribuição quanto aos que existiam nas cozinhas da Base.
Marcos dirigiu o perigoso equipamento rumo a Épsilon. Em Terra Nova o primeiro lugar a ser vistoriado foi o supermercado de Stanislau, mas nada de anormal foi detectado.
Justus reabriu os grandes portões da fortaleza e tudo voltou ao normal. As vítimas foram os únicos passageiros da nave sinistra.
Jader convocou a CE para discutirem o acontecido. Estava comprovada a suspeita de Justus. O ex-tirano ainda estava em plena ação e precisava ser eliminado.

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Em Contag Denis e Juréia acompanhavam o desenrolar dos fatos. Contou a Morambe mas pediu não informar a ninguém. Enquanto isto Ravino chegava no prédio do Governo.
O casal foi avisado e partiu para lá. Sem nenhuma formalidade, junto com Morambe, começaram o interrogatório:
— Queremos saber onde está Godoin, se não disser não sairá vivo daqui. Disse Denis dirigindo-se ao Chefe de Polícia.
— Mas está morto.
— Morambe, chame um grupo de seus soldados, vamos fuzilá-lo. Nós procuraremos o facínora, não precisamos dele e não temos tempo para ouvir mentiras.
O Presidente chamou dois “formigas” que faziam a guarda na entrada da sala e mandou que imobilizassem. Depois Denis fez sinal a Morambe e todos saíram do recinto, deixando o traidor trêmulo e amarrado a uma cadeira.
Passados alguns instantes, um grupo fortemente armado entrou e aí Ravino começou a gritar implorando piedade.
Do lado de fora, Juréia comentou:
— Ele está pronto, acho que devemos entrar.
E assim fizeram.
— Ravino é sua última chance de ficar vivo. Diga logo onde ele está.
— Numa gruta ao sul de Carma.
— Era só isto Ravino. Agora podem levá-lo! Disse aos soldados sob confirmação de Morambe.
— Mas me prometeram a liberdade.
— Não prometemos nada disto, apenas que ficaria vivo. Você está preso, vai ser julgado e condenado. Complementou Morambe. Por mim, o levaria pessoalmente para o abismo e só não o faço porque os terráqueos aqui me pediram para aguardar.
Dizendo isto, Morambe pediu licença e ia saindo para convocar o exército, mas antes que o fizesse, Denis o chamou e junto com Juréia pediram para conversarem no gabinete dele. Fecharam as portas e sentaram-se nas poltronas que se dispunham na pequena sala e Denis explicou:
— Morambe, ele está de posse de uma terrível arma, quase igual a uma das que mostramos nos filmes.
— Como ele conseguiu tal coisa, será que roubou de vocês?
— Não Morambe, é daqui mesmo e não sabemos como isto foi parar nas mãos dele. Não diga a ninguém, converse com soldados que estavam presentes e peça o máximo de sigilo sobre o que viram. Não divulgue nada e não deixe que isto aconteça.
Se enviar o exército contra ele poderá acontecer uma catástrofe. Utilizará o material que possui e não só seus homens morrerão como possivelmente parte de sua nação.
— É tão terrível assim Denis?
— Mais do que você possa imaginar Morambe.
— Então o que posso fazer?
— Os humanos terão que intervir, somente nós poderemos evitar maiores conseqüências, mesmo assim teremos de ter muito cuidado. Por acaso há registro de alguma doença que dizimou muitos “formigas” em Camapro ou em alguma parte deste mundo?
— Quando estávamos em guerra contra Crats possuíam fortes exércitos e a luta deveria ter sido muito grande, mas uma epidemia até hoje desconhecida acabou com a nação, atingindo nossas fronteiras. Depois disto, até hoje as pessoas da região afetada são fracas, os filhos nascem defeituosos e vivem pouco.
— Quem dirigia o governo na época?
— Godoin, que por sinal prestou muito auxílio ao povo de lá. Declarou anistia total e foi tido como amigo a partir de então. É o único ato bom registrado para ele.
— Depois de arrasar com o país. É um especialista do mal.
— Mas se estava de posse de arma tão perigosa porque não aplicou noutras guerras?
— Muito simples Morambe, ele não deixa de temer pela própria vida e sabe claramente quais os efeitos da radiação. Observou Juréia que ouvia a conversa dos dois.
— Radiação Juréia? O que é isto?
— Esqueceu dos filmes? Mostramos isto para você e o grupo quando estiveram na Base.
— Tem razão, mas se não roubou de vocês, onde terá conseguido?
— Quanto a isto temos de investigar e se nada conhecem sobre o assunto, será necessário que alguns humanos venham para cá para encontrarem nosso “formiga”.
Há mais uma coisa que precisa estar preparado. Se Godoin enviar um emissário ou até pessoalmente aparecer exigindo o poder, não discuta. Logo que souber que os humanos escaparam do atentado ele fará isto. Portanto, devemos também lhe pregar uma farsa. Informe para o sistema interno de comunicação que os terráqueos estão sofrendo de uma doença estranha e que quinze já morreram. Isto será o suficiente para não tomar nenhuma iniciativa imediata, ficará aguardando nossa eliminação completa. Enquanto isto nosso pessoal agirá e que Deus nos ajude.
— Mas logo desconfiará Denis.
— Para isto, você continuará a afirmar pelo rádio que os humanos continuam doentes e que sabe do esforço que estão fazendo para se livrarem do mal. Diga que estão utilizando todos os tipos de recursos de que dispõem, mas que não estão conseguindo muito resultado.
Temos de iludi-lo ao máximo, para ganhar tempo.
Quanto a Ravino, deve parecer que está aqui porque foi promovido. Na pasta dele, quando fez o teste, encontrará o endereço, nome dos familiares e a letra. Faça-o escrever uma carta para a família dizendo que ficará aqui por algum tempo. Também que foi promovido a Comandante Geral das Polícias. Com tudo normal, até o endereço para resposta.
— Mas assim logo descobrirão.
— Acontece Morambe, que deverá realmente colocá-lo no posto.
— Não estou entendendo Denis.
— Ele terá uma sala própria e um auxiliar que você escolherá; na verdade será este quem dirigirá tudo. Um grupamento de seus melhores soldados deverá vigiá-lo em tempo integral.
Pelo que percebemos, Ravino é um dos principais agentes de Godoin e este deverá estar acompanhando os passos dele.
— Agora compreendo, deveremos forçá-lo a representar um papel, uma grande farsa. Mas e se aparecer algum elemento do grupo para conversar com ele, por exemplo?
— Deixe-o avisado que sempre haverá uma arma apontada para a cabeça dele e que a mínima manobra que faça, um sinal, qualquer coisa, ele morrerá e também a visita. Para ser mais claro, ou ele nos ajuda ou deverá ser eliminado, não poderá haver meio termo.
— A situação é muito crítica Morambe. Nenhum erro poderá ser cometido e isto tem que ser feito justamente para ganharmos tempo.
Pensando possuir um fiel seguidor próximo ao poder, Godoin se sentirá seguro para uma ação futura. Prepare uma entrevista na rádio governamental, nos escreveremos o texto que deverá ler. Adicionou Juréia.
— Do jeito que estão fazendo, estou ficando com medo.
— Garanto-lhe que não é para menos. Precisamos saber onde conseguiu aquilo, basta uma pequena quantidade para matar ou contaminar milhares de pessoas. O estranho é que sabe como manusear o produto sem risco. Continuou Juréia.
— Já ouviu falar em usina atômica, ou coisa semelhante Morambe? Perguntou Denis.
— Nem sei o que é isto.
— Sabe onde existem livros sobre a história antiga de seu povo?
— Na biblioteca do governo existem muitos deles, estão caindo aos pedaços, muitos estão escritos numa língua que não conhecemos.
— Isto não adianta agora, será mais fácil pegarmos Godoin do que desvendarmos o mistério. Se conseguirmos prendê-lo chegaremos à origem do veneno.
— Mas com tantas grutas que existem, nunca o pegaremos.
— Não será tão difícil agora Morambe. Temos aparelhos que nos levarão a ele, pode crer. Observou Juréia.

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Ainda escondido Godoin continuava na sua infernal trama, desta vez com reuniões quase diárias com o grupo. Sempre querendo saber notícias dos humanos. Soube da ida de Ravino à Capital e aliou os fatos, mas acabou se surpreendendo quando o ouviu falando de seu plano para com o sistema policial. Conseguiu fazer chegar às suas mãos a carta que a família de Ravino recebera e disse para seu grupo:
— Ravino foi promovido, isto é muito bom para nós. Começamos a ganhar a luta, logo tomarei o poder. Mas antes quero assistir a morte dos alienígenas. As notícias são boas, mas por enquanto apenas poucos já deixaram de existir.

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Na Base, Justus voltara a jogar. Denis o mantinha diariamente a par dos acontecimentos, bem como o sensoriamento nas escutas de rádio.
Entendendo a atitude do casal, mandou colocar no sistema informativo mensagens de que estava acontecendo um terrível desastre e que provavelmente pagariam um preço muito alto por terem vindo para Épsilon. Conversou pessoalmente com cada “formiga” que residia em Terra Nova. Fechou as fronteiras e expediu avisos para todas as nações para que não enviassem ninguém para Terra Nova. Enfim, fez o alarde que Godoin queria ouvir. Após tais providências, chamou Jacobin, Gilson e Oshiro para uma ação em Camapro.
— Confio plenamente em vocês, chefiarão nossa guerra contra Godoin e seus agentes.
Já sabem o que tem nas mãos. Se o capturarem ou destruírem-no deverão ter a máxima certeza de tratar-se de nosso inimigo. Levem todo tipo de armas ou equipamentos que acharem necessário, sem qualquer restrição.
Oshiro deverá deixar por ora a delegacia e levar apenas alguns dos melhores soldados. Denis e Juréia os auxiliarão, já conhecem muito bem o país.
Não vai ser fácil, mas com os medidores que levarão logo encontrarão na cidade de Carma o esconderijo. Todos do grupo já devem estar apresentando alguma contaminação pequena.
— Estou muito curioso, é a maior surpresa que já tive. Não sei como, mas deve existir algum depósito nuclear nos subterrâneos. Observou Jacobin.
Ao todo, o exército humano não passava de quinze pessoas levando uma grande quantidade de equipamentos. Morambe foi avisado e recebeu-os com muita esperança, pois representavam para ele a solução do grave problema. Lotaram a residência do casal, que os receberam com alegria.
Após uma farta refeição, passaram a se organizarem para a missão. Ficando estabelecido que Denis seria o guia.
Para não causar suspeitas, Juréia ficara encarregada de informar sobre a estranha visita dos terráqueos. Assim, em comum acordo com Morambe, outra farsa fora preparada e a entrevistada na rede nacional era a própria.
— Juréia, ficamos sabendo que um grupo de humanos está em sua casa.
— Sim, o mais velho chama-se Jacobin e é meu tio. Dois deles, o Dr. Gilson e Oshiro são amigos da família. Os demais honestamente não conheço.
— Você não acha estranho virem para cá quando cortaram todas as comunicações com o resto do mundo. Parece que seu povo está passando por grandes problemas de saúde.
— Eu sei, é lamentável o que está acontecendo lá. Disseram que muitos já morreram e que nada está impedindo o desastre.
— Mas estes que vieram não estão doentes?
— Não. O Doutro Gilson me garantiu que não foram contaminados.
— Mas então eles estão fugindo.
— Não posso responder, mas a impressão que tenho é que vieram para cá porque somos os únicos humanos que vivem fora da superfície e devem estar procurando abrigo.
— Obrigado Juréia, voltaremos a conversar.

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No esconderijo Godoin nem sabia do grupo de humanos que havia chegado, e tapeado sentiu verdadeiras as palavras de Juréia e não deu muita importância. Mas sentiu-se feliz, seu plano não falhara e aquilo era uma prova.
Denis, acompanhado de Morambe, três outros “formigas” disfarçados e dos terrestres seguiram para Carma. Para penetrarem a densa penumbra os estreantes na viagem interna utilizavam-se de óculos apropriados.
Até próximo a Carma foram de veículos, depois camuflados e a pé entravam e saiam de grutas.
O Presidente sabia muito bem como utilizar os inúmeros esconderijos e a função de guia tornou-se dele.
Gilson, desde que chegara a Contag ligara o medidor de radiação e sempre estava a observá-lo. Mesmo naquela região, o índice continuava dentro da normalidade.
Sempre esquivando de serem vistos, vasculhavam labirintos. Num determinado ponto, onde o teto se bifurcava como se fossem dois funis, o mostrador oscilou.
— Parem, disse Gilson. Aqui tem alguma coisa, venham ver. Era o que precisávamos, agora deveremos apenas seguir o aparelho.
A oscilação aumentava e uma luz no painel indicava a direção. Não demorou a encontrarem o paredão.
— Está aqui a fonte utilizada por Godoin.
— Vejam as pegadas no solo, muitos estiveram aqui. Observou Oshiro.
— O índice é bastante anormal, a radiação não é fatal, mas devemos colocar os escafandros. Disse Jacobin.
— Vou trazer os veículos o mais próximo possível.
Enquanto Oshiro saia acompanhado de seus soldados, Jacobin observava o ambiente.
— Estamos sobre uma plataforma muito retilínea, não parece obra da natureza, concorda Gilson?
— Não havia reparado. Deixa-os trazerem ferramentas. Cavaremos um pouco.
— Agora não Gilson, nosso tempo é muito importante, numa outra oportunidade vocês farão as pesquisas. Disse Denis, mudando o caminho do trabalho.
— Se conseguirmos prender o “formiga”, vou querer voltar aqui. Falou Jacobin um tanto decepcionado.
— Tudo haverá de dar certo e você poderá passar dias aqui se quiser. Completou Morambe, que entendera a intenção do cientista.
Nesse meio tempo Oshiro chegou com os escafandros, ele e seu grupo já estavam preparados. Os demais também se enfiaram nas grossas roupas e com holofotes iniciaram o exame da muralha, logo encontrando o sinal da pequena porta giratória e não foi difícil encontrarem o sistema de abri-la.
Morambe e até Denis tiveram necessidade de se protegerem da claridade. Atravessaram o portal e entraram no túnel, a medida que caminhavam inúmeros esqueletos atrapalhavam a estreita passagem. Por todos os lados a morte estava presente. Sobre muitos deles Morambe reconheceu a farda esfarrapada de seu país. Abaixou-se para retirar de um deles a identificação, mas foi impedido por Jacobin.
No final do corredor encontraram um salão bem delineado e grossas caixas metálicas lacradas. Numa delas a tampa se rompera ou fora retirada. Dentro o pó amarelado.
Gilson alertou:
— Vamos sair urgente daqui, nem estas roupas são capazes de suportar tamanha radiatividade. Meu Aparelho não sai do máximo.
Rapidamente deixaram o local, fecharam a entrada e Gilson observou a queda numérica no mostrador.
— Ninguém ainda deve tirar o escafandro, procuremos um outro local, quando disser que o ambiente está livre, aí nos livraremos dos trajes.
Assim foi feito e Jacobin foi o primeiro a falar:
— Não vai ser preciso vir aqui Morambe, já sei o que é isto. Nada mais, nada menos do que um depósito de lixo atômico. Algum vazamento provocou mortes por aqui. Godoin ficou sabendo e mandou investigar. Descobriram as caixas e por ordem dele abriram uma delas. Tais soldados ou não morreram quando tiveram contato com o pó. Com isto acabou descobrindo uma arma muito letal.
— Agora tudo faz sentido mesmo. Ele utilizou “formigas” do próprio exército para retirarem o pó e depois outros para transportarem para as cidades de Crats.
— Isto Mesmo Morambe, mas como ele descobriu que utilizando folhas de chumbo vedaria a radiação? Perguntou Denis.
— É difícil saber, mas deve ter sido obra do acaso. Comentou Gilson, enquanto despia o escafandro.
— Tenho certeza de que ele está por perto e nesta área. Não ficaria muito longe de sua mina. Coloquem as mascaras contra gases.
Já sabemos qual a origem e agora temos de caçá-lo. Precisamos surpreendê-lo. Disse Oshiro levantando-se de uma pedra onde estava sentado e entregando os protetores de narinas. Deu sinal para seu grupo que se juntou a ele e foram retirando os equipamentos que utilizaram.
Os holofotes foram desligados e tiveram de aguardar novamente para habituarem a visão.
Jacobin que continuava a procurar indícios de civilizações anteriores reclamou, mas Morambe advertiu:
— Estamos com muita claridade e de longe ela poderá ser vista, não convém abusarmos da sorte.
— Mas como vamos encontrar as pegadas que podem nos levar a Godoin? Perguntou Gilson.
— Deixe isto para mim. Sou daqui e enxergo normalmente, vou à frente. Mas antes me digam como pretendem eliminá-lo ou prendê-lo?
— Trouxemos granadas de gás paralisantes e outras de extermínio, se nos surpreenderem utilizaremos as letais, mas se for ao contrário simplesmente os imobilizaremos e os levaremos para Contag. Mostre-nos o caminho Morambe.
Alguns minutos depois tateavam o enorme paredão que parecia segurar uma abóbada estrelada. Estavam do lado externo e Morambe voltou a observar:
— De agora em diante todo cuidado é pouco, estamos em campo aberto, não façam nenhum barulho temos ouvido muito aguçado. Pisem com muito cuidado.
— Caso tenhamos que utilizar o gás paralisante, vistam o nariz com o tubo e não respirem pela boca, toda comunicação terá que ser feita por sinais. Completou Oshiro.
O “formiga” fazia o grupo ziguezaguear, ora para um lado ora para outro. Uma vegetação estranha, formada por diversos tipos de plantas, na maioria parecidas com hastes entrecortadas, de cores variadas exceto o verde se entrelaçavam e muitas vezes impediam a passagem. Galharias de grandes árvores estendiam-se por várias direções.
Estavam dentro de uma floresta totalmente desconhecida para os humanos. Animais rasteiros e alguns saltitantes vez ou outra assustavam os andarilhos. Aves ou grandes morcegos sobrevoavam o grupo. Barulho de água e ruídos de animais compunham o panorama.
Morambe deu sinal e parou a caminhada.
— Encontrei a trilha, as marcas são recentes, são muitos, vejam os sulcos aqui e os galhos quebrados.
Seguiram naquela direção. Vejam que lá na frente existe uma elevação e provavelmente a entrada de uma gruta. Tenho certeza de que estão lá neste momento. Não sabem que estamos aqui.
— Como pode ter certeza Morambe? Perguntou Oshiro.
— Conheço muito bem o modo de agir de meu povo. Estão lá. O único problema, se não formos fazer um ataque direto para extermínio será o de silenciarmos as sentinelas.
— Você conhece melhor eles, segure esta arma. Olhe aqui, veja o que enxerga.
Morambe pegou o objeto de Oshiro, apontou e exclamou:
— Nossa, traz tudo perto, estou até vendo eles!
— Quando o formiga estiver bem no centro, basta apertar o gatilho e ele cairá paralisado imediatamente.
— Entendi, deixe comigo.
Falando para todos, Oshiro comunicou:
— Está na ora de colocarem os protetores, todo cuidado será pouco. Morambe irá na frente, preparem as granadas paralisantes, vamos atacar.
Silenciosamente os terráqueos foram chegando e logo que as sentinelas caíram imobilizadas se aproximaram da entrada e ouviram vozes, era Godoin a inflamar os ânimos de seu pessoal.
Não tiveram tempo para qualquer reação, os petardos começaram a explodir dentro do salão e logo um a um foram se estatelando no solo.
Foi grande a surpresa de Morambe quando entrou na Gruta. Queria falar, mas fizeram sinal para ele. Junto com o “formiga” chefe haviam mais de cem seguidores.
As amarras que levavam não foram suficientes. Acabaram utilizando as próprias roupas dos marginais.
Morambe não cansava de apontar para um deles, querendo dizer:
— É este aqui! Erguia os braços e juntava as mãos em sinal de agradecimento a Deus. Não queria sair de perto daquele demônio.
Com a fumaça dissipada, os protetores foram retirados e Morambe colocou para fora seu grito:
— Alkazeeeem!! Vitória na linguagem de Camapro.
Vencemos o mal, vamos acabar com eles em praça pública.
— Espere Morambe! Não vai querer dar o mesmo exemplo de seu inimigo. Disse Oshiro.
— Mas é a nossa lei, respondeu até um pouco ríspido o “formiga” que se sentia totalmente livre daquele imundo ser.
— Se agir assim, nada do que fizemos agora adiantará. Completou Denis, continuando:
Vamos levá-los para Contag, trancafiá-los num lugar onde não possam fugir e depois iniciarmos um julgamento para cada um deles. Contei noventa e seis machos e vinte e duas fêmeas. Primeiro, não sabemos se todos merecem a morte, segundo, ninguém poderá ser executado sem ordem da justiça. Os “formigas” que foram treinados sabem disto e estão preparados para fazer tudo dentro da lei.
— Está bem, está bem! Mas quando Godoin acordar vou esmurrá-lo. Eu não agüento!
Todo o grupo estava totalmente amarrado e vigiado. Um a um foram despertando e encarando os doze que os haviam dominado. Olhares de medo somavam-se às fisionomias. Stefana gritava histérica e Gilson aplicou nela uma injeção que a prostrou novamente. Denis ligou o comunicador, chamou Juréia e o passou para Morambe, dizendo:
— Peça a ela solicitar o envio de veículos para o transporte dos prisioneiros. E assim ele falou:
— Juréia, está me ouvindo?
— Sim Morambe, pode falar.
— Prendemos Godoin e seu bando. Peça a Pristo para trazer urgente para cá quatro carros para transporte dos marginais. Deverá também vir com dois pelotões de soldados bem armados e o pessoal da inteligência. Anotou tudo Juréia.
— Sim Morambe.
— Pois bem, diga a ele para destituir Ravino e prendê-lo normalmente. Fale também que hoje é dia de festa para Camapro.
— Correu tudo bem Morambe? Há feridos?
— Não Juréia, foi bem mais fácil do que pensava. Estamos livres dele. Dizendo isto, desligou o telefone.
Jacobin, andando de lá para cá, dizia irritado:
— Não estou vendo, não acho, também não enxergo neste escuro nem com estes óculos!
— Mas o que você quer Jacobin? Perguntou Gilson.
— Vocês estão esquecendo das bolas nucleares, elas devem estar por aqui.
Morambe ouviu e interferiu:
— Pode deixar comigo Jacobin, já as encontraremos. E foi direto na direção de Godoin:
— Onde estão suas bolas?
Godoin nada respondeu e ainda fez um ar de riso, mas levou um tremendo murro de Morambe, que fazia aquilo com prazer. Tornou a perguntar e ainda o malévolo ser continuava a não dar resposta. Novos murros e o verme acabou desmaiando sem dizer o que desejavam saber.
— Não é assim Morambe, desta forma não vai conseguir nada. Disse Oshiro.
Mas ele sorridente e satisfeito, sentindo dores na mão, observou:
— Pelo menos tive o gosto de dar alguma coisa que ele merecia.
— Está bem Morambe, agora faça o seguinte. Diga a todos eles que aquele que souber onde estão as bolas terá a vida poupada. Enquanto você fala, nós apontaremos nossas armas para eles.
Oshiro reuniu seus soldados e mandou disparassem as armas de forma a não ferir nenhum deles. Pedras se estilhaçaram ao redor dos famigerados assassinos. Em seguida deu sinal para Morambe.
— Vocês viram o que vai lhes acontecer, serão transformados em pó se não revelarem onde seu chefe escondeu as bolas. Mostrem logo o local.
Boa parte deles indicaram com a cabeça um dos cantos do salão e outros disseram:
— Estão debaixo do piso, é só retirar aquela pedra maior.
Gilson caminhou para o lugar e com seu medidor, observou:
— Estão aqui mesmo, o grau de radiação é grande. Temos que colocar a roupa protetora para retirá-las.
Oshiro imediatamente mandou dois de seus homens para buscá-las. O veículo onde foram guardadas estava um pouco distante, assim teriam de esperar voltarem.
Godoin voltou a si e ficou tremendamente irritado pela traição de seu pessoal, xingou, blasfemou, e Morambe ria de gosto por vê-lo tão infeliz.
Um olhar de intenso ódio era a resposta dele. E pela primeira vez falou:
— Você ainda vai me pagar Morambe. Não perde por esperar.
— Só se for na outra vida, pois nesta você não vai mais ter o prazer de permanecer.
— Veremos Morambe.
— Será que ele tem algum trunfo confidenciou Denis no ouvido de Morambe.
— Não Denis, logo que meus soldados chegarem, vamos descobrir todas as suas ligações e cortar todos os possíveis focos de adeptos que possam existir neste país. Ele pensa que é o mais inteligente, mas se engana. Com ele fora do caminho o resto se desmorona. Respondeu Morambe após sair de perto do bandido.
— Você acredita que ainda existam muitos seguidores aqui?
— Infelizmente Denis. Ele beneficiava “formigas” que hoje detém o poder econômico em muitas cidades, quer na administração, na distribuição de alimentos, etc..
Por exemplo, como pensa que as bolas foram colocadas nas sacarias, conforme fiquei sabendo? Só pode ter sido com o auxílio desse pessoal.
Não vai ser fácil limpar esta nação. Só com o desaparecimento dele é que vamos ter condições de alcançar suas ramificações. Uma coisa é certa, o dinheiro deles é muito grande e isto me preocupa. Também são hábeis simuladores, tanto que caí na história de sua morte.
Trapaças e sujeiras é o lema desses vilões que estão por toda parte. Preciso estudar um meio de dar-lhes insegurança, ao ponto de fazê-los ressurgir. Conto com você para isto.
— Você ainda não se comunicou com Justus, não quer fazê-lo agora?
Morambe ligou o seu antigo comunicador e chamou Justus que logo o atendeu:
— Justus, tenho uma boa notícia. Prendemos Godoin e seu bando.
— Estão vivos Morambe?
— Sim Justus.
— Então vou até aí, quero surpreendê-lo. Pode lhe parecer um absurdo, mas quero falar com ele.
— Acabamos de amarrá-los, vamos levar todos para Contag. Dentro de uns três dias já estaremos lá.

Oshiro voltou com as roupas contra radiação. Ele mesmo e seus homens, as vestiram e ergueram a pedra que se salientava no canto do salão. Encontraram o depósito coberto com folhas de chumbo e debaixo cerca de uma centena das bolas que procuravam.
Utilizaram-se dos ecafrandros vazios para enchê-los com as mesmas e depois lacraram o traje, que ficou parecendo um boneco. Em seguida, dirigindo-se a Jacobin perguntou:
— O que fazemos com isto Jacobin?
— Por ora devem levar tudo para o local de onde retiraram o pó. Oportunamente estudaremos o que fazer.
— Morambe, vamos ter de esperar cerca de dois dias aqui, esse pessoal vai ter necessidade alimentares e fisiológicas. Somos poucos para atendê-los. Observou Gilson.
— Por mim poderiam até morrerem do jeito que estão, mas vou até Carma providenciar ajuda. Preciso ir com mais um pelo menos.
— Vou com você. Disse Denis.
Não esperaram, saíram e foram na direção onde estavam os veículos. O “formiga” tomou o volante e seguiram para a localidade. No caminho, Morambe quase falando consigo mesmo argumentou:
— Onde vou conseguir este pessoal?
Na delegacia, tenho receio, Ravino provavelmente liderava o bando dele e provavelmente todos sejam adeptos de Godoin.
— Quer uma idéia Morambe? Peça isto em praça pública.
— Em praça pública Denis?
— Isto mesmo, paremos num local movimentado. Logo irão reconhecê-lo. Haverá aglomeração e aí você dirá ter uma comunicação importante. Conte sobre a fraude e peça ajuda a eles, diga que por enquanto não haverá execução e que ela será feita na capital.
— Se fizer isto vão querer o linchamento deles.
— Se souber conduzir as palavras nada disto vai ocorrer. Por exemplo, diga confiar na população de Carma e que espera nada de mal fazerem a eles, pelo contrário, que no momento precisam de ajuda. Fale que necessita deles vivos para poder descobrir todos os envolvidos.
Alguns vão parecer exaltados, acredite, podem ser justamente adeptos de Godoin.
Lembre-se que o momento não será para prisões, mas para simples colaboração de um grupo que ajudarei a escolher.
Mesmo assim, se alguns continuarem, faça uma ameaça séria, diga que se estão tão interessados no desaparecimento é porque querem se livrar de serem descobertos, que sendo assim também serão presos para averiguação. Isto os fará calar, garanto.
— Obrigado Denis, já lhe disse e confirmo, não tenho nenhuma tendência política. Mesmo quando estiver falando, me oriente se necessário. Não quero cometer nenhum erro.
— Pode deixar Morambe, estamos chegando. Você conhece Carma?
— Um pouco.
— Sabe o nome de alguma praça no centro.
— Me parece que é...., me lembro, Praça da Vitória. Foi inaugurada quando pensávamos ter acabado com ele.
— Praça Alkazem. Vamos então começar a avisar o povo para ir para lá.
As primeiras casas dos “formigas” começaram a surgir nas laterais da via que trafegavam. Alguns transeuntes logo surgiram, Morambe parava o carro, se expunha e os convocava para irem para referida Praça. E assim foi fazendo, deu voltas pelas ruas e foi se anunciando. Quando chegou ao local, um bom grupamento já o esperava.
Subiu junto com Denis uma escadaria que dava para um chafariz, onde podiam ficar no alto.
Muito ovacionado pela multidão que se aglomerara, teve de pedir silêncio. Logo autoridades começaram também a colocarem-se ao lado dele, mas antes que aquilo se transformasse num ato político pediu que nada dissessem e foi atendido.
Segurou Denis a seu lado e começou:
— Pedi para virem porque tenho a comunicar-lhes que a morte de Godoin não passou de uma farsa preparada por ele e Ravino chefe de polícia de vocês, por sinal confinado em Contag.
Um início de tumulto ocorreu na multidão, logo contido por Morambe, que continuou:
O verdadeiro Godoin e mais de cem comparsas foram presos agora pouco numa gruta perto daqui.
Mal acabara de dizer tais palavras e alguns dos presentes começaram a incitar o povo.
— Vamos linchá-lo, morte ao malfeitor.
— Calma, calma! Preciso de todos eles para descobrir toda a rede que montou. Todos aqueles que estiverem envolvidos também serão presos.
Mas os incitadores continuaram, como previra Denis.
— Morte a Godoin! Morte a Godoin e seu Bando!
Morambe não esperou a repetição e disse logo:
— Não tenho tempo a perder. Vocês que estão incitando o povo para o linchamento devem fazer parte do bando, portanto se continuarem serão levados e terão de explicar muitas coisas.
A resposta foi o silêncio, assim Morambe pode continuar:
Preciso da ajuda de alguns de vocês para cuidar dos prisioneiros e de alimentos. Meu amigo alienígena vai me ajudar na escolha. Por favor quem se dispuser a prestar auxílio a partir de agora, façam fila e subam as escadas.
Imediatamente um grande grupo de “formigas” de ambos os sexos foram se encaminhando para o alto.
Denis fazia algumas perguntas, dispensava ou separava.
Cerca de trinta foram selecionados para seguirem com o líder. Depois de resolvido o problema, Morambe voltou para a multidão:
— Agradeço a colaboração de vocês e agora podem voltar para suas casas. Dentro em breve, voltarei para festejarmos nossa verdadeira vitória. Obrigado a todos.
Palmas e vivas finalizaram o improvisado “comício”.
As autoridades continuavam ao lado de Morambe, mas este agradeceu a presença deles e pediu que também voltassem para suas ocupações, excetuando-se o Prefeito, para quem pediu providenciar alimentos e transporte para o grupo que sairia imediatamente com ele.
Morambe e Denis puderam então conversar.
— O que me diz Denis.
— Foi ótimo Morambe, não poderia ser melhor.
— Será que não há nenhum ou nenhuma entusiasta de Godoin no grupo que escolheu.
— Pode ficar totalmente descansado Morambe. Escolhi vinte rapazes e dez moças, estão capacitados para prestarem o serviço que necessitamos. Só uma coisa, prometi a eles uma boa gratificação.
— Já falei com o prefeito e ele deverá estar preparando os carros para levá-los.

Dos que ficaram mantendo os prisioneiros, Jacobin era o único que falava a língua deles. Mas ao invés de agredi-los ficou fazendo-lhes perguntas científicas que nada entendiam.
Oshiro se encabulou com o palavreado que não compreendia e perguntou ao cientista:
— Afinal, porque conversa tanto com eles?
— Quero saber se entendem de química.
— Ora Jacobin, você tem cada uma. Então acha que vão entender alguma coisa?
— Oshiro, estou sendo mais objetivo que você. Já sei até porque utilizaram o papel de chumbo para enrolar as bolas. Na realidade nem sabem que tipo de material estiveram manuseando, pensam apenas tratar-se de um veneno muito forte. Entendeu Oshiro?
— Entendi Jacobin! Você tem razão, eu é que estou sendo burro. Mas então me conte como foi.
Jacobin obtivera a confissão de Stefana, que não fez nenhuma questão de guardar segredo ao falar do sobrevivente do ataque a Crats. No final completou:
— Ela vai contar tudo o que sabe. É uma desprezível exemplar feminina, sem escrúpulos e tudo fará para nos auxiliar, contando ficar viva.
— E sobre Godoin, o que ela diz.
— Falou que a irrita e o que aconteceu é uma lição para ele que sempre pensa ser o tal. Para tanto, prometi que se houver julgamento vou testemunhar a favor dela.
— O que isto Jacobin? Está apaixonado por ela?
— Para de brincadeira Oshiro! Acontece que temos na mão alguém que não esconderá nada. Por outro lado não posso ser tão desonesto a ponto de não dar uma paga pelas informações.

Enquanto estes acontecimentos se desenrolavam em Camapro Justus recebera com imensa satisfação a notícia da prisão de Godoin e não falava noutra coisa.
Entusiasmou-se tanto que convocou a CE. Para ele era a mudança que esperava para colocar em prática seu plano final. Todos reunidos, ele imediatamente iniciou:
— Agora estamos livres. Falo isto com segurança pois desta vez não trata-se de uma farsa.
Raquel, gostaria de saber se você com o Arosco poderão transferir para mim a linguagem de Camapro, sem a participação de Gilson.
— Podemos sim Justus.
— Me desculpe perguntar Justus, mas porque tanto interesse?
— Arosco, quero ir até lá falar com Godoin.
— Posso ir com você Justus?
— Claro Arosco.
Právida que apenas ouvia, interrompeu:
— Também gostaria de conhecer esse carrasco.
— Está bem vamos os três. Você também quer a transferência da língua.
— Se não fizer objeção, sempre quis conhecer as línguas do planeta.
— Como está o material Raquel? Para quantas transferências calcula poderem ser feitas?
— Olha Justus, acredito que para umas cinqüenta.
— Bem, minha viagem era a principal informação.
Agora quero saber de Myriam, como anda o ensino para o casal indígena.
— Estão aprendendo com facilidade devido ao grande interesse que demonstram. Quando passo para pegá-los sempre estão a minha espera e me tratam como se fosse da família.
— Quanto tempo ainda levará para completar os conhecimentos.
— Acredito que em dois anos estarão totalmente enquadrados. A fase elementar já foi ultrapassada e já estão utilizando nossos sistemas de processamento.
— Que ótimo Myriam. Quanto a Mourisco, sei que está progredindo muito e o número de índios está aumentando.
Quando estiverem todos prontos, vou liberar os materiais de construções e propiciar-lhes viverem na comunidade. Não os quero diferentes de nós, já disse que pretendo manter aqui uma única nação, sem divisões de qualquer espécie, principalmente a racista.
Myriam se enrubesceu, não pleiteava muito a idéia, mas já havia se habituado tanto com o casal que quase não o distinguia dos terrestres.
Justus continuou:
Agora é sua vez Jader. Nenhuma novidade?
— Por enquanto estamos vivendo uma rotina.
E assim, o “Rei” argüiu a todos e deu-se por satisfeito.
A presença dos humanos estava sendo benéfica para aquele mundo, principalmente no tocante às epidemias. Não só Raruque visitava o centro, mas cientistas de todos os lugares vinham buscar informações nunca negadas nessa área.
Na agricultura, as pesquisas genéticas conseguia aos poucos adicionar os alimentos humanos na produção mundial.
Os terráqueos deixavam de representar uma ameaça e passaram a ser conhecidos em todas as camadas sociais dos povos.

Cinco dias após a reunião, Justus e Právida estavam prontos para seguirem para Contag. Denis foi avisado e aguardava na Capital a ida do “Rei”.
Não houve mais problemas, os prisioneiros foram bem tratados e levados para um presídio especial onde encontraram Ravino.
— Você nos denunciou Ravino. Disse Godoin ao vê-lo.
— Eu não, não fui eu. Eles descobriram sozinho.
— Vai ser o primeiro de minha lista, só não o mato agora porque quero fazer isto depois que sair.
— Sair? Sair como?
— Tenho muitos ricaços que providenciarão minha fuga.

Morambe convocou todos os escolhidos para comandar e expôs a situação:
— Vocês serão em breve os responsáveis pelos destinos desta nação. Sei que já conhecem muito mais que eu, portanto temos que julgar urgentemente Godoin. Ele vivo me incomoda, quero este país livre dele. Só não fiz o que devia fazer com minhas próprias mãos porque Denis me aconselhou.
— Denis tem razão Morambe. Para começarmos com justiça temos de aplicá-la dentro das regras. O fim poderá ser o mesmo, mas não podemos fugir deste tipo de responsabilidade. Disse Sanato.
— Mas então façam isto rápido.
Morambe ainda continuou por bom tempo conversando com o grupo.

——————————

Justus, Arosco e Právida chegaram em Contag e foram recebidos com muitas festas, inclusive pela população que saiu as ruas para conhece-los e aplaudi-los.
Morambe preparou uma residência só para eles. Gilson e Jacobin foram ficar com eles.
Denis e Juréia já não sabia onde instalar tanta gente e Mirna não estava de boa cara. Chegando a reclamar para a patroa.
A advogada compreendeu e pediu socorro a Morambe.
— Morambe, preciso de sua ajuda. Minha casa ficou pequena com tanta gente, será que não pode me conseguir mais uma serviçal.
— Porque não me disse antes, estou tão envolvido com os fatos que nem me dei conta de outras coisas. Hoje mesmo vou mandar alguém para lá.
Com a situação resolvida, falou com Mirna que ficou mais tranqüila.
Justus não parava de andar nos cômodos daquela boa casa, chegando a incomodar os demais, tanto que Jacobin lhe disse:
— Calma Justus, vai dormir um pouco. Amanhã você fala com o “formiga”.
Právida que se acomodara numa poltrona perguntou para o cientista:
— O que me diz sobre a existência do produto nuclear?
— Pretendo ficar um bom tempo aqui para descobrir. Na sede do Governo existe uma biblioteca com livros muito antigos, vou estudá-los. É possível que uma civilização anterior tenha alcançado uma tecnologia muito avançada e o que encontramos é a resposta. O que teria acontecido, não tenho a mínima idéia. Meu receio é de que hajam mais depósitos deste tipo no planeta.
— Vai ficar aqui só por isto Jacobin?
— Não. Devo um favor a uma das piores representantes femininas que já nasceu aqui.
— Mas que favor Jacobin?
— Ela me contou muita coisa e sei que continuará abrindo-se. Era muito unida a Godoin e está ao par de tudo, deve saber quem é quem. A única coisa que quer é ficar viva e eu vou depor a seu favor. Não para inocentá-la é claro, mas para pedir apenas uma prisão perpétua para ela.
Jacobin contou tudo para Právida completando:
Uma coisa é certa, não sabem nada sobre o material, pensam que é veneno.
Depois de conversarem por mais algum tempo foram dormir.

Justus, como era de se esperar foi o primeiro a levantar-se. Trocou-se e ficou insistindo para que os outros fizessem o mesmo. Assim, quando estavam tomando uma pequena refeição, Denis, Morambe e Oshiro também chegaram, menos Juréia que ficou para atender os soldados.
Após os cumprimentos, Morambe os encaminhou para dois veículos que já os esperavam na bonita via frente à residência.
O presídio ficava fora da cidade e dentro de uma das pilastras naturais que se erguiam até ao altíssimo teto que cobria a cidade e a região. Esculpido na pedra, se alongava pelas entranhas do paredão, formando celas que se completavam com grossas grades de ferro. Era o que se podia chamar de penitenciária de segurança máxima, de onde não havia qualquer registro de fuga.
Na entrada, uma fachada caprichosamente elaborada propiciava a impressão de uma construção feita pela inteligência dos “formigas”. Portões e janelas também gradeadas ofereciam uma sinistra visão.
Jacobin, curioso, não percebendo entrada de ar, perguntou a Morambe:
— Como podem sobreviver aí dentro, não vejo nenhuma abertura para o ar a não ser as janelas de frente.
— Disto eles não morrem Jacobin, todas as colunas que sustentam o país possui muitos canais naturais e o vento corre por eles, vai sentir quando entrar.
— Então poderão fugir.
— Não no caso deste lugar, os vãos são estreitos e alem disto, todos estão gradeados.
Enquanto conversavam caminhavam para o grande portão, que foi aberto logo que chegaram. Guardas armados receberam a comitiva e Morambe levou o grupo para uma grande sala muito bem decorada. A iluminação interna era maior que a do exterior visto a adição de camadas fosforescentes nas paredes.
O ambiente mostrava uma organização completa, mesas cadeiras, funcionários trabalhando tanto no compartimento maior como nos demais.
Morambe apresentou alguns dos “formigas” e pediu a eles providências para a visita do grupo a Godoin. Nisto, Justus se aproximou dele:
— Morambe, gostaria de falar a sós com ele.
Então o presidente pediu ao grupamento de soldados que se postaram para atendê-los que colocassem o bandido em separado.
Esperando a remoção, ficaram na sala de recepção olhando arranjos exóticos e quadros que se dispunham como se fosse numa galeria de arte.
Minutos depois vieram avisar que tudo estava pronto. Morambe então, dirigindo-se a Justus convidou:
— Vamos, tudo já foi providenciado.
O grupo seguiu por um corredor onde as celas se dispunham de ambos os lados. Guiados por um grupo de soldados, pararam ao lado de uma delas e o “Rei” viu pela primeira vez aquele ser que mais parecia um bicho com a longa e barba e cabelo muito pretos. Lá estava ele, todo amarrado. Então Justus voltou a pedir:
— Agora, por favor, quero ficar a sós com ele. Abram a cela e desamarrem-no.
— Desamarrar Justus, surpreendeu-se Morambe.
— Sim, não se preocupem, não vai acontecer nada. Também, peço que nem vocês nem os guardas fiquem aqui perto.
— Mas Justus, é perigoso. Observou Denis.
— Sei o perigo que corro, mas façam o que peço. Tenho certeza de que ele também quer falar comigo.
Morambe, a contragosto mandou libera-lo das cordas e fechar a porta da cela com o “Rei” dentro.
Logo que isto foi feito, todos saíram e deixaram Justus frente a ele. O terráqueo puxou um banquete e sentou-se. Godoin não fez qualquer ato agressivo, apenas encarou seu visitante e disse:
— Então você é o chefe alienígena.
— Sim, pena que não possamos conversar amistosamente. Vim para conhecer meu inteligente inimigo.
— Esperava que fizesse isto, já o aguardava. Sabia que não ia perder esta oportunidade.
— Está vendo Godoin, como somos parecidos? Apesar de suas ações não combinarem com as minhas devo lhe dizer que acabei admirando você pela esperteza.
— Como acompanhava meus passos? Quando esperava surpreendê-los acabava me frustrando. É aparelhagem que usava ou coisa semelhante?
— Nada disto Godoin, apenas minha cabeça. Simplesmente me colocava no seu lugar e ficava imaginando o que devia fazer se fosse você para conseguir as armas.
— Tem lógica. Assim, você utilizava minhas próprias ações em seu benefício. Mas como sabia que pretendia as suas armas?
— Todo seu poder está no uso delas e quanto mais devastadoras fossem mais atenderiam a seus propósitos.
Destrui seus canhões e fiquei esperando sua reação. Percebeu então que o caminho não era aquele, me antecipei ao seu pensamento e me precavi. Mas você soube esperar o momento certo e enviou seus agentes, por sinal muito capacitados. Voltei então ao meu jogo e sabia que ia tentar novamente quando camuflou os canhões, até isto adivinhei.
— Tenho que admirá-lo também Justus, este é seu nome?
— Sim.
— Bem Justus, você venceu esta batalha, mas haverá outras. Mas honestamente pensei que estavam morrendo, souberam me enganar muito bem.
— Você seria vitorioso não fosse nosso conhecimento sobre o produto que colocou nas bolas.
— Mas que veneno é aquele? Utilizei-o porque todos os “formigas” que entravam naquele buraco não saiam vivos.
— É o produto mais perigoso já criado aqui e também no meu planeta.
— Criado? Não é de mina ou coisa parecida?
— Não Godoin. Basta dizer que para chegarem a produzi-lo a ciência de vocês teria de evoluir por uma centena de anos ou mais.
— Mas como foi parar lá?
— Ainda não sabemos, foi uma surpresa para nós também. Tão grande que nunca esperava ser atacado com aquilo. Por muito pouco não entrou triunfante em nosso território.
— Pelo menos assustei vocês. Disse com ar de sorriso.
A conversa se prolongava e a distância o grupo ficou preocupado, vez ou outra Morambe mandava um dos soldados dar uma sondada.
Quando todo assunto havia se esgotado, Justus chamou e despediu-se do ex-tirano:
— Já conversamos muito Godoin, agora preciso ir. Mas devo lhe ser franco, gostaria que fossemos amigos, mas estamos em lados opostos.
— Justus, sabe que digo o mesmo. Finalmente alguém me entendeu embora nunca aprove meu modo de agir.
Todos os demais só se limitaram a olhar o marginal e voltaram com o chefe terráqueo. Na saída do presídio, Oshiro perguntou a Justus:
— Correu tudo bem Justus?
— Sim Oshiro, como eu esperava.
— Mas havia assunto para demorar tanto?
Justus sorriu e continuou a caminhar. Guardaria para ele aquele encontro que apenas os dois entendiam.
Morambe que intimamente não aprovara a entrada de Justus na cela e temendo algum pedido em benefício de Godoin perguntou:
— Justus, tem algo a dizer com respeito a ele?
— Não Morambe, continue o processo normalmente e se for condenado deverá ser executado.
Právida ficou curioso, aliás todos que o acompanharam, davam indiretas, mas o “Rei” manteve as evasivas.
No dia seguinte, Denis foi para o seu encontro habitual com Morambe e os “formigas” preparados por César. Juréia novamente não o acompanhou.
O trabalho em pauta era justamente sobre os processos de Godoin e dos demais.
O Presidente queria uma solução rápida, mas dentro das normas recém criadas haveria demora.
No salão de reuniões, os aprovados por César discutiam o assunto em volta de uma grande mesa redonda, quando Denis e Morambe entraram e tomaram seus lugares.
Moralo pediu licença e se pronunciou:
— Senhor Presidente, estávamos aguardando sua presença para definirmos sobre o julgamento de Godoin e dos outros. E numa votação geral opinamos por chamarmos César para ser o Juiz neste caso, lógico, se ele concordar.
— Temos bons juizes aqui Moralo, não seria melhor utilizarmos um dos nossos.
— Pensamos muito sobre isto. Ninguém sabia que nosso inimigo estava vivo e agora preso. As leis foram alteradas recentemente. Nossos representantes certamente ainda não conseguiram assimilar as normas. Por outro lado concordamos que devamos agir com muito critério.
— Mas trata-se de Godoin e ele tem que morrer.
— Somos da mesma opinião, mas será que todos os membros precisam ter o mesmo fim? Nossas leis anteriores simplificavam tudo com a morte e não deve ser assim. Será necessário um inquérito, confissão dos culpados. Haverá defensores e acusadores e muito trabalho a executar.
— Se acham que deve ser assim, não vou discutir. Mas será bom que nossos Juizes e advogados estejam presentes. Vai ser uma boa oportunidade para entenderem as regras.
— Mais que isto, Dois ou mais de nossos juizes poderão fazer parte da mesa.
— E se ficarem indignados por trazermos um terráqueo para sentenciar esses bandidos?
— Não ficarão Senhor Presidente. Atalhou Sanato, continuando:
As ultimas ações criminosas foram todas visando o extermínio dos humanos. Portanto é um direito deles e garanto que não serão tolerantes. Este argumento por si mesmo justifica a presença de César.
— Denis, deixo para você convidar César, ou faço eu mesmo.
— Convém que fale diretamente com ele, mas pode aproveitar a presença de Justus.
Nessa decisão não posso intervir, deve pensar, conversar com os integrantes desta mesa e depois definir com segurança.
Sendo um terráqueo, não posso me envolver e mesmo ficar presente, peço então licença para me retirar.
Denis deixou os “formigas” debatendo o assunto e se retirou.

Na casa de Juréia Mirna recebeu uma auxiliar e voltou a ser a eficiente serviçal que atendia o casal desde quando chegaram a Contag. Estava tão familiarizada com Juréia que contava seus problemas pessoais para ela. Ambas tornaram-se confidentes, Juréia por não ter ali nenhuma amiga humana e ela por sentir-se tratada com carinho.
Sabia da gravidez da terráquea e assim redobrava seu zelo para com a humana.
Parecia nem perceber mais a diferença física, mesmo com relação aos soldados. Entre estes Ronan lhe dava muita atenção e ela se mostrava envaidecida e a todo momento pedia para Juréia traduzir o que lhe dizia. E numa das perguntas, Juréia sorrindo lhe respondeu:
— Disse que você é muito bonita, que gosta de ver seus olhos grandes. Por certo quer namorar você Mirna.
A jovem, muito branca, se enrubesceu, mas depois ficou entusiasmada e daí em diante não falava noutra coisa.
— Mas Juréia, será que daria certo? Somos tão diferentes.
Juréia percebeu que Mirna estava levando aquilo a sério e resolveu conversar com Ronan num momento em que ela não estava presente.
— Ronan, precisamos conversar.
— Pois não Senhora, respondeu o moço educadamente.
— Você está iludindo minha empregada?
Um tanto envergonhado, o rapaz confessou:
— Acho que não estou certo da cabeça Da. Juréia. Ela é tão diferente de mim, mas desde que a vi, tudo mudou. Já tive namoradas em Nova Terra, mas nunca pensei numa aproximação definitiva. Justamente aqui está acontecendo isto.
— Pensava que estivesse brincando com ela, mas também está levando a sério.
— Como sabe disto Da. Juréia, ela não me entende e eu não entendo ela.
— Acontece Ronan, que cada mínima coisa que diz ela guarda o que falou e repete para que traduza.
— Nossa! O que não vai pensar de mim!
— Penso que ambos estão apaixonados e que o final disto será o primeiro casamento de um humano com uma “formiga”. Disse Juréia dando uma risada.
Da cozinha Mirna espreitou a patroa de conversa com o rapaz e quando ela entrou logo perguntou:
— O que ele disse?
Está apaixonado por você Mirna, mas cuidado, faz muito pouco tempo que ele chegou, deixe amadurecer o namoro.
— Não se preocupe Juréia, aqui também sabemos nos cuidar, o relacionamento só é permitido com o casamento.
— Ainda bem Mirna, não quero problemas.
— Mas como vou fazer para conversarmos.
— Simples Mirna, ensine-o a falar sua língua e ele ensina a dele. Devagar se entenderão, me parece um bom rapaz. Agora vá fazer o lanche.

A ordem que Justus dera a Oshiro era para que ficasse em Contag até o final do julgamento. Assim, telefonou e avisou a família e também solicitou avisarem os familiares dos soldados.
Morambe continuava tão enlevado com os últimos acontecimentos que esquecera por completo sobre o item acomodações e a casa de Denis permanecia lotada.

Na outra casa os cinco moradores temporários estavam contentes e resolveram tirar o dia para passear pela cidade.
O “Rei” muito satisfeito via beleza em tudo. Admirava monumentos, a forma de vida e caminhava com os amigos. Visitaram muitos lugares, sendo que cada um deles se interessava por um setor.
Somente para Arosco não havia novidade, não dizia, mas sua vontade era voltar para ficar ao lado de Jaci. No íntimo se arrependera de ter acompanhado Justus.
Jacobin não observava o panorama, logo que começaram a percorrer as avenidas manifestou interesse em conhecer a biblioteca, o que na realidade era um museu.
Os demais concordaram e foram procurá-la no próprio local onde Morambe dirigia seu povo. Não quiseram chamar o Presidente. Entraram no majestoso edifício e com o auxílio de Arosco logo chegaram ao salão, onde viam-se estátuas e uma infinidade de objetos.
Jacobin, farejando livros não demorou para encontrá-los em grandes estantes. Funcionárias do local logo se colocaram à disposição dos visitantes, principalmente do cientista, que pediu uma banqueta e permissão para tocar nos volumes. Assim, foi descendo aqueles velhos livros e colocando-os sobre uma mesa, folheava-os e voltava a guardá-los.
Právida se entretia analisando armas e objetos militares. Justus as obras artísticas, Gilson procurava tudo que pudesse estar relacionado à sua profissão. Arosco mantinha-se ao lado do “Rei” e vez ou outra lhe oferecia explicações.
No final de algum tempo já haviam examinado tudo e se aprontavam para sair, menos Jacobin que continuava a dar trabalho para as moças. Por fim encontrou o que lhe interessava, guardou o restante e fez um pedido à jovem que estava mais próxima:
— Seria possível levar este como empréstimo até amanhã?
A moça, sorridente mas preocupada lhe respondeu:
— Espere um pouco, vou perguntar para o responsável. Este por sua vez saiu e foi procurar Morambe que autorizou a entregar a Jacobin o que desejasse.
A resposta demorou, mas a jovem voltou alegre com a autorização.
Depois de uma quase estafante espera, o cientista saiu eufórico com o grosso e carcomido livro debaixo dos braços.
— Até que enfim Jacobin, como você dá trabalho! Disse-lhe Právida.
— Acho que neste livro vou encontrar o que desejo.
— Hoje você não come, não dorme, eu te conheço.
— Tem razão Justus, este será meu alimento. Foi bom ter assimilado a linguagem de Camapro, li algumas coisas rapidamente e acredito que encontrarei respostas para o que aconteceu. Por falar nisto, se não se importarem vou para nossa casa, continuem as visitas sem mim.
— Está bem Jacobin, pode ir, mas cuidado não vai se perder.
O cientista nem respondeu e saiu apressado.
— Jacobin não vê a hora de encontrar sentido para a existência daquele material. Observou Arosco.
— Agora é minha vez Justus, quero conhecer um Hospital ou Centro de saúde local. Disse Gilson.
— Estou bem com vocês, agora o outro quer ver doentes! Era o que me faltava. Resmungou Právida.
— Ora Právida, se não quiser ir não precisa, eu é que não vou perder esta oportunidade.
— Viemos juntos, um já se desligou, mas entendo o motivo. Depois agora é um bom momento, não estamos acompanhados e a imprensa ainda não nos descobriu. Disse Justus.

Boas casas de alvenaria com exóticos enfeites ou jardins a frente ladeavam a rua movimentada por carros quase quadrados. Os transeuntes quase paravam quando os humanos passavam. Muitos faziam o gesto habitual do cumprimento e eram correspondidos pelo grupo. Nos passeios estreitos não se via entulhos e tudo era muito bem conservado.
Casas comerciais, sons de musicas mostravam vida em profusão.
Não conheciam o caminho do centro de saúde, mas Arosco logo se informou e assim dobraram uma esquina.
Enquanto caminhavam Právida comentou:
— Não entendo a razão da ótima temperatura aqui, enquanto lá fora pode estar fazendo até sessenta graus.
— Ainda temos que estudar isto. Parece que a camada acima de nós funciona como se fosse um imenso protetor térmico. Observou Gilson.
— Nossos estudos ainda não definiram o fenômeno, julgamos que seja pelas alternâncias de frio e calor intensos sobre a superfície. Tanto em Lacrin quanto aqui, a água é abundante e não se altera como na região dos lagos. Não existem chuvas, mas existem lugares muito úmidos, até pântanos.
— Com tantos “formigas” vivendo dentro do planeta, não poluíram os rios internos? E os excrementos e outros lixos? Perguntou Gilson.
— Já tenho falado sobre isto, mas vou repetir. Abismos ou buracos que vão talvez para o centro do planeta são muito comuns e são aproveitados. Perdemos as águas que levam os detritos, mas nunca as nascentes diminuíram por isto, provavelmente a própria natureza deve fazer a filtragem.
Por outro lado, consideramos a água como o bem mais precioso que existe.
— Certa vez Arosco, me disse sobre navegação, mas nada vi sobre isto. Interferiu Justus.
— Aqui em Contag não tem, também acredito que não teremos tempo de visitarmos os portos. As embarcações nossas são meio parecidas com os submarinos dos filmes, lógico que de construção simples, parecem casulos.
— Bem, isto fica para uma outra oportunidade.
Parece que aquele prédio ali é o hospital.

Na frente um bonito jardim com plantas multicoloridas. Bancos se dispunham ao longo da estreita via que dava acesso a uma grande porta.
Carros maiores, provavelmente ambulâncias ficavam numa parte mais baixa e muitos “formigas” se avolumavam no atendimento.
O interessante é que enfermeiros ou médicos não se diferenciavam dos terrestres quanto às vestimentas.
Os quatro entraram e logo uma atenciosa “formiga” toda de branco veio recebê-los. Ficou até assustada quando Justus, na linguagem de Camapro, a cumprimentou e pediu para falar com o chefe do hospital.
Mais que depressa subiu alguns degraus até uma pequena porta que estava a frente. Enquanto isto, doentes ou não, rodearam os terráqueos. Todos já haviam ouvido falar deles, mas queriam conhecê-los de perto. Não tendo nada a falar, sorriam e deram graças quando um “formiga” idoso veio ao encontro deles.
— Que satisfação virem conhecer a minha casa. Sou Asprilo e dirijo este hospital.
Justus se apresentou e aos outros. Asprilo ficou contente por saber que dentre eles estava um médico. Não demorou muito para a conversação caminhar para o que Gilson esperava.
O velho “formiga”, muito atencioso e agradável logo começou a apresentar a equipe, os quartos, as salas de cirurgias e os equipamentos.
Apesar da longa distância entre os terráqueos e aquele povo, Gilson não deixou de fazer um elogio sincero:
— Estou gostando de ver a limpeza.
— É o maior remédio que descobrimos doutor. Em épocas muito antigas, as grandes inimigas de nosso povo eram as infecções que se alastravam e dizimavam populações. Em todos os nossos centros de saúde este cuidado é redobrado, para ser evitado a proliferação de germens.
— Então as doenças aqui devem estar sob controle.
— Não doutor, nosso conhecimento é limitado. Apenas sabemos que a limpeza é fator importantíssimo.
Desde os primeiros passos, cada “formiga” aprende a se manter limpo e o local onde vive. Cresce dentro deste princípio e passa a vida cuidando disto. No entanto, epidemias existem e só agora começamos a entender sobre vacinas, graças a vocês.
Lacrin não perdeu tempo em guerras e se transformou na maior farmácia deste mundo. Mas também, recentemente, enviamos cientistas para sua nação e esperamos aumentar nossos conhecimentos.
— Dr. Asprilo, com a limpeza que vejo aqui, os demais problemas são menores, mas no que depender de nosso auxílio poderão contar.
Právida que também pouco entendia de assuntos médicos, apresentava-se ansioso para sair, enquanto Gilson se aprofundava cada vez mais e o bate papo entre os dois médicos parecia não ter fim.
Até Arosco estava mostrando-se irritado e Justus parecia apenas tolerar. Como o tempo passava o Tenente acabou interrompendo a conversa:
— Vamos Gilson, ainda temos de fazer mais visitas.
A contragosto se despediu de Asprilo e todos agradeceram a atenção que lhes foram dadas.
Na rua, voltando para casa, Gilson sofreu uma saraivada de recriminações, principalmente de Právida.
— Hoje é meu dia mesmo! Não agüento mais, primeiro foi o Justus.
— Eu?! Mas o que fiz?
— Ficou de papo com Godoin e não saia mais de lá. Agora hoje, começou com Jacobin e para completar o Gilson.
Você e o Justus parecem que engoliram uma máquina de falar. Só está faltando o Arosco.
Todos riram dele e Gilson completou:
— Está ficando velho, impertinente, bem a gente compreende.
Právida bufou, ia responder, mas o “Rei” interveio:
— É brincadeira Právida, mas que você precisa tomar um calmante isto precisa.
— Se quiser, sempre tenho alguns comigo!
Para que Gilson foi dizer aquilo? Quase apanhou do Tenente, que fechou a cara por bom tempo.
— Bem minha gente, estamos chegando, está na hora de comermos alguma coisa. Vamos arranjar nossas malas, partiremos amanhã. Nossa visita terminou.
Ao chegarem na residência, em pé, encostado perto da porta entreaberta, estava um “formiga” bem vestido, logo reconhecido por Arosco.
— É Sanato, o que estará fazendo aqui?
Justus se aproximou dele:
— Bom dia Sanato, está nos esperando?
Depois de retribuir o cumprimento, respondeu:
— Vim falar com o senhor, Jacobin me disse que haviam saído, assim resolvi ficar aqui fora para esperá-los.
— Então vamos entrar Sanato.
Ao entrarem depararam com Jacobin que sentado junto a uma pequena mesa parecia perdido no seu mundo. A sua frente o grande livro aberto e ele lendo e fazendo anotações. Mal levantou a cabeça quando Justus lhe disse:
— Faça um pouco de companhia a Sanato Jacobin enquanto vamos ao banheiro.
Foi preciso Justus falar duas vezes com ele para que entendesse.
Instantes depois voltou e perguntou a Sanato:
— Mas em que posso lhe ser útil?
— Acabo de vir de nossa reunião na sede do governo e depois de analisarmos a situação, achamos por bem convidarmos o César para o ser o Juiz no caso de Godoin.
Os crimes dele contra nosso povo foram enormes mas suas últimas ações visavam vocês. Assim, pelo motivo que acabo de dizer e também por nossos representantes judiciais ainda estarem presos às regras antigas, nada melhor do que entregarmos o caso para um homem que conhecemos. Portanto, em meu nome e do governo venho pedir sua intercessão.
— Se ele se dispor a vir, não vejo qualquer objeção. Pelo contrário acredito que escolheram muito bem. Falarei com César e avisarei Morambe.
Assim, após mais algum tempo conversando, Sanato se retirou. Právida mal abrira a boca, estava sentando num sofá e remoía aquele dia que não lhe fora agradável. Arosco, passando por trás dele, sorriu apontando-o.
Gilson quase estourou de vontade de rir e Justus não gostou daquilo e olhou sério para eles. Assim, as brincadeiras terminaram.
No dia seguinte o “Rei” acionou o comunicador, chamou Jader e pediu o envio do transportador.
Morambe e todo o grupo de auxiliares foram buscar os terráqueos. Jacobin estava indeciso, não queria largar o grande livro, acabou pedindo ao Presidente que lhe emprestasse aquele volume.
— Jacobin, pode levá-lo. Melhor ainda, será um presente nosso para você.
— Obrigado Morambe, não vai se arrepender deste seu gesto. Dali em diante mudou por completo, passou a ser o mais apressado em viajar.
A grande comitiva engrossada por Denis, Juréia, Oshiro e os soldados acompanharam os visitantes até a um dos portões de acesso ao mundo exterior.
Os cinco acenaram e entraram no veículo que logo tomou altura.

Após a partida dos alienígenas, Morambe percebeu que a casa que ocupavam ficara vazia. Foi então que caiu em si de sua falha e foi falar com Denis.
— Em meio a confusão dos últimos dias, esqueci que você e Juréia estão hospedando os soldados. Sua mulher pediu a ajuda de mais uma serviçal, pelo menos isto providenciei, mas não raciocinei sobre o acúmulo de pessoas lá. Sinto que até pareça proposital, mas não foi.
— Não se preocupe Morambe, estamos nos entendendo com eles.
— Nunca é tarde para corrigir um erro, assim, peça a Oshiro ir para a residência que vagou e levar uma das empregadas, bem entendido, se não for atrapalhar.
Estou bastante cansado de tantas reuniões, por isto peço o favor de tomar as providências. Quando ocorrer fatos como este, fale comigo até eu entender.
Denis foi para casa e deu a notícia a Juréia, que sentiu-se aliviada. Depois comunicou Oshiro, dizendo que ele poderia levar uma das empregadas.
O chefe de polícia por sua vez informou seus soldados e qual não foi sua surpresa quando Ronan lhe fez um pedido:
— Já que podemos levar uma das serviçais, gostaria que fosse a Mirna.
— Ronan, Ronan não gostei do que ouvi. Você me parece muito interessado nela. Não vou fazer isto não.

Os cinco voltaram para a Base e foram cuidar de suas habituais ocupações, menos Jacobin que não deixava o grande livro.
Entrava dia, saia dia e ele sorvia cada vez mais o conteúdo das velhas páginas.
Jader encabulou-se com aquilo e acabou indo até sua sala, encontrou-o sentando e debruçado sobre o grande volume em sua mesa.
— Jacobin o que existe aí que o faz ficar tanto tempo estudando esta velharia?
— Contém todo mistério deste mundo, tudo está aqui. Nem os habitantes do planeta imaginam o que já aconteceu na superfície. Estou encontrando muitas respostas, mas é difícil entendê-lo. Mais parece um compêndio de mitologia, quem o tenha escrito colocou os fatos baseados na época em que vivia.
Na Terra também existiam tipos de livros análogos, no entanto eram recortes de fatos que nunca nos possibilitaram uma composição definida das épocas anteriores. Mas neste daqui, a seqüência tem lógica e poderá mostrar os caminhos de uma civilização anterior, mais ainda, tão adiantada ou mais que a nossa. Aqui nesta página, por exemplo diz: e maran abusou de seu poder, fez as aves engolirem raios e vomitarem, todos morreram e aqueles que não morreram entraram nos buracos. Quando desceu não teve onde se esconder. Entendeu Jader?
— Mais ou menos Jacobin.
— Maran era o nome que davam a todos os formigas. Resumindo, isto quer dizer que utilizavam a energia nuclear.
O que lhe disse é apenas uma frase. Espero quando completar minhas anotações responder o porque de encontrarmos material atômico em Camapro.
— Bem Jacobin, isto é com você mesmo. Honestamente nunca fui aplicado em arqueologia. Dizendo isto voltou para seu departamento.

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Aprisionados, os algozes começavam a pagar pelos crimes. Estavam banidos da sociedade. A esperança de Godoin se desmantelava. A repressão aos que haviam partilhado de vantagens oferecidas pelo ex-tirano não ficara apenas nas curtas palavras de Morambe em Carma.
Auxiliado por Oshiro e Denis fora montado uma verdadeira escola de inteligência e agentes do governo se espalharam por todo território.
Um a um dos poderosos membros da máfia foram sendo encarcerados e aguardavam julgamento. Uma revolução diferente se processava e a execução sumária não ocorria. Milhares de “formigas” que davam suporte a Godoin iam sendo desmascarados. Na cidade de Carma fora encontrado o maior reduto.
Após quatro meses, com as ações em andamento e sob controle, Oshiro percebendo que dali em diante sua participação já não seria tão necessária, conversou com Morambe:
— Parece estar tudo em ordem, assim se me permite gostaria de voltar com meus soldados para Terra Nova, pelo menos por uns quinze dias. Nossos familiares devem estar preocupados.
— Não precisava nem me dizer Oshiro. Se quiser levar um ou dois veículos é só pegá-los.
— Obrigado Morambe, mas vou solicitar um transportador da Base.

Quando Mirna entendeu que Ronan ia voltar passou o dia chorando e se queixando para Juréia e esta a acalmava.
— Mirna, agora você terá a certeza de que ele realmente a escolheu. Não faça qualquer empenho para que fique e aguarde sua volta.
— Mas e se não voltar?
— Ora Mirna, se ele não voltar é porque não merece você.
Não demorou para o grupo deixar Contag, todos estavam ansiosos exceto Ronan.
Enquanto o transportador os levavam para o lar, Oshiro informou aos seus comandados que voltaria breve e quem não quisesse retornar que o avisasse. Quatro deles se manifestaram na hora.

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Oshiro ao entrar em sua casa correu para abraçar Sabrina, mas ela se desviou dizendo:
— Não quero abraço! Estava séria e com a fisionomia brava.
— Mas porque isto Sabrina?
— Como é inocente!
— Todo este tempo lá e não teve tempo de me telefonar?
Pensei que fosse importante para você! Esbravejava, enquanto o filho de quatro anos se encolhia no sofá diante da cena que não entendia.
— Sabrina, não via o momento de voltar.
— Não parece, decerto alguma formiga o mordeu!
— Pare com isto Sabrina! Errei em não lhe telefonar, mas nunca havia saído daqui, nem pensei em ligar.
— Aí! Não disse? Nem chegue perto de mim!
A raiva de Sabrina durou mas depois se dissipou e o casal se entendeu, mas logo voltou a carga quanto Oshiro lhe disse que ia voltar.

César aguardaria o término do processo para seguir para Contag, aceitara a função e se sentia orgulhoso em ter sido o escolhido.
Era prova de que suas leis foram bem aceitas e representaria uma radical mudança naquele mundo. No entanto, sabia que não iriam aplicá-las na integra, apenas adaptariam aos códigos deles os parágrafos mais importantes.
Logo que soube que Oshiro voltara e que retornaria breve, mudou de idéia, procurou Justus e pediu permissão para ir com o chefe de polícia. Pensou melhor e concluiu haver necessidade de se inteirar dos procedimentos feitos por seus alunos. Também, poderia se familiarizar com o sistema judicial de Camapro para oportunamente dar uma sentença correta.
Por sua vez, Jacobin tomou conhecimento da ida de César e foi falar com ele:
— Não pretendo ir já para lá César, mas quero que saiba que serei testemunha de defesa de uma bandida chamada Stefana.
— Vai defender uma marginal Jacobin?
— Prometi a ela a vida, só isto.
— Mas você não poderia prometer nada Jacobin, não é o Juiz.
— César, para conseguir muitas informações lhe disse que podia contar comigo e ela foi muito útil. Por outro lado, ela é a pior “formiga” que deva existir. Só pensa em si, portanto, já que vai para Contag, seria bom dizer isto aos investigadores. Deixei de fazer isto quando estava lá.
— Na qualidade de Juiz, não posso me intrometer nas investigações, mas falo com Denis.

Em Contag as duas primeiras semanas de ausência dos terráqueos fora normal, mas quando menos se esperava, um forte grupo armado invadiu o presídio na tentativa de libertar Godoin, mas os soldados de Morambe estavam atentos e deram combate. Houve mortes de lado a lado e os agressores sobreviventes conseguiram escapar.
O presidente comunicou o fato a Justus e este mandou chamar Oshiro.
— Sinto interromper suas férias, tentaram invadir o presídio. Isto quer dizer que nosso “formiga” ainda possui forças a seu favor. Precisa ir para lá urgente e procurar os mandantes do ato.
— Não devia nem ter vindo Justus, mas tudo estava tão calmo que julguei que não havia mais perigo. Vou reunir meus homens e amanhã mesmo partirei. Preciso avisar César, ele disse que irá junto.
— Deixe que eu faço isto.
Oshiro se despediu e saiu apressado e ao mesmo tempo preocupado no que diria a Sabrina.

No dia seguinte, Ronan foi o primeiro a chegar a Base. Estava triste e ao mesmo tempo feliz, triste porque os familiares como era de se esperar não concordaram com seu namoro, feliz porque não via o momento de encontrar Mirna.
Quase uma hora depois é que Oshiro chegou e o restante dos soldados. César se uniu a eles, entram no elevador e foram para o topo da fortaleza, onde o transportador já estava pronto.

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Quando César chegou a Contag foi levado por Oshiro para a casa de Denis. Passara por todas as etapas de surpresas, tanto quanto cada terrestre que descia para as profundezas do globo. Juréia o recebeu com surpresa, não esperava que viesse muito antes do julgamento.
— O Denis não está Juréia?
— Não, ficou na reunião do conselho e deverá chegar mais tarde.
— Vim partilhar um pouco sua casa Juréia, se me permitir.
— Mas é claro César, para nós é uma honra tê-lo conosco.
Mirna quando percebeu a presença de Oshiro entrou toda entusiasmada, nem olhando para o novo hospede.
— E Ronan, veio?
— Perguntou para Juréia, mas foi Oshiro quem respondeu.
— Veio sim Mirna, está com os outros soldados. Vou lhe contar um segredo, estava tão ansioso por chegar aqui que fez questão de ser o primeiro a embarcar.
Ela agradeceu e voltou sorrindo para a cozinha.
— É Oshiro, vamos ter problemas. Os dois se entendem e isto vai dar em casamento.
César, sentando numa poltrona presenciava tudo e comentou:
— Que interessante, uma “formiga” e um terráqueo. Como sairão os filhos?
— É verdade César, podemos ir pensando nisto. Já vi casais se gostarem, mas igual a eles é difícil. Honestamente não entendo a razão de tanta afinidade.
Oshiro que estava em pé, pediu licença e voltou para sua casa, no dia seguinte se apresentaria a Morambe.
— Juréia mostrou o quarto a César e mandou Mirna lhe preparar uma refeição.
O Juiz estava em fase de ambientação, apenas se alimentou e foi descansar.
Denis chegou horas depois, muito esgotado.
— Juréia o ataque ao presídio foi muito sério, por muito pouco não conseguiram levar o marginal, só não alcançaram o objetivo porque os guardas arriscaram suas vidas. O resultado foi a morte de quatorze soldados e vinte e dois agressores, não contanto os feridos.
— Deixe lhe falar, o César chegou, está no quarto.
— O César aqui? Mas ainda vai demorar o processo.
— Está casado e ainda precisa se habituar com o ambiente.
— Só ele Juréia?
— Apenas ele, mas ainda nada disse.
— Esqueça tudo agora Denis, vá jantar, ele já se alimentou.

No que seria o dia seguinte Mirna se deu conta da gafe que cometera. Falou com César quando este já estava sentado à mesa na espera do lanche:
— Desculpe-me doutor por ontem, não o vi na sala.
— Não se preocupe por isto eu entendo.
Enquanto Mirna voltava para a cozinha, Juréia entrou cumprimentou o Juiz e também sentou-se. César, que dormira desde que fora para o pequeno descanso procurou se justificar. Denis também chegou.
— Doutor César, como tem passado? Não sabia que vinha.
— Preciso de sua ajuda Denis. Pensei muito e achei por bem me familiarizar com os habitantes daqui e também preparar-me para um bom julgamento. Mas antes que me esqueça e também para que não tenha que comentar com os “formigas” devo transmitir-lhe um recado de Jacobin: pediu para ser colocado como testemunha a favor de Stefana, mais ainda, disse que ela é o caminho para que descubram toda organização criminosa.
— Ele já havia me falado, mas acho que isto ainda não foi feito. Falando nisto, o senhor sabe que atacaram o presídio.
— Sim, por isto o Oshiro teve de voltar.
— Tenho certeza que foram mercenários. Pelo jeito, existe ainda muitos poderosos envolvidos e farão tudo para livrar os bandidos.
Nisto, Mirna entra para colocar à mesa uma espécie de chá e seus deliciosos quitutes.
— Surpreendente a vida aqui em baixo, estou até sentindo-me bem. Pensava que ia ficar sufocado, só que sem os óculos ainda não consigo ver claramente.
— Isto é temporário, logo vai se acostumar. Respondeu Juréia, que não parava de comer.
— Qual a rotina de vocês hoje?
— Pouco estou saindo César, como deve ter percebido estou grávida e já não estou participando do trabalho, mas Denis tem sua agenda lotada.
— Tenho que ir para a reunião com os conselheiros, existe muita coisa para ser feita neste País. Completou Denis.
— Posso acompanhá-lo Denis?
— Claro César será uma honra e todo pessoal vai ficar muito feliz com sua presença.
Terminado o café, se prepararam e saíram a pé em direção à sede do governo.

Morambe mostrou grande contentamento ao ver César e muito mais os ex-alunos dele. Oshiro fora convidado e também estava presente.
Sanato não esperou para utilizar os conhecimentos do mestre e logo fez a primeira pergunta:
— Doutor, estamos a voltas com um tipo de ação que não esperávamos fosse acontecer, sei que não é de sua área mas gostaria de sua opinião.
— É sobre a invasão do presídio, correto?
— Isto mesmo César.
— Fica evidente que Godoin possui uma organização muito maior do se imaginava. Ao meu ver, torna-se necessário a captura urgente do mandante ou mandantes do atentado. No momento não devem perder tempo na busca dos agressores sobreviventes. Se estavam dispostos a sacrificar a vida no ataque é sinal de que foram escolhidos para isto e se capturados nada vão falar.
— De fato, nenhum dos que foram presos confessaram, mesmo sob forte pressão.
— Não adianta, logicamente são treinados na organização para agirem assim. Não chegarão a lugar algum. Depois outra, Godoin e os principais membros de seu grupo estão na cadeia. Será através deles que obterão respostas.
— Já vimos tentando a bastante tempo conhecer os nomes que infestam a nação. Observou Moralo.
— Formamos muitos agentes. Já prenderam muitos, centenas deles estão atrás das grades. Para mim foi uma surpresa o que aconteceu. Atalhou Oshiro.
— Talvez tenhamos errado em nosso modo de agir. As vezes negociando chegaremos a um resultado melhor. Observou Denis.
— Negociar com bandidos! Exclamou um dos integrantes da mesa.
— Sim, porque não? Quem me alertou sobre isto foi Jacobin antes de voltar. Até vem testemunhar a favor de Stefana por esta razão.
— Os donos do comércio e indústrias deste país são integrantes dessa organização.
— Não podemos generalizar Arlin, alguns poderão estar envolvidos, mas na maioria vieram de famílias ricas ou conseguiram o que possuem com trabalho honesto.
— Tem razão Morambe, sempre será preciso provar o que dizemos, nunca poderemos julgar ninguém sem evidências claras de que participa ou executou uma ação criminosa. Por esta razão a prisão de um marginal não significa sua condenação.
Até Godoin poderá sair livre se não forem arroladas testemunhas que sofreram as conseqüências de seus atos ou que sejam conhecedoras deles. Se isto ainda não foi feito, devem agir com muita urgência, senão irão ver parte deles saírem livres. Aconselhou César.
— Quando formamos os agentes isto foi muito bem esclarecido. Estão percorrendo todas as províncias e cidades a procura das provas necessárias para condenação dos prisioneiros e até de testemunhas favoráveis a eles. Portanto não estão apenas indiciando os suspeitos que vêem sendo encarcerados por toda a nação. Explicou Oshiro.
— Os arquivos estão ficando lotados de documentos neste sentido Doutor César. Quero deixar claro que ao me posicionar contra os donos do comércio e indústria, quis dizer dos poderosos e isto é apenas reflexo de minha opinião pessoal.
— Nem precisava se justificar Arlin, entendi seu comentário. Mas se me permitem, gostaria de uma opinião sobre o tempo que ainda vai demorar para o julgamento.
— César, estamos procedendo de acordo com as novas leis. Agentes formaram agentes e a nação está sendo vasculhada. Camapro é o maior país do mundo, possuindo uma população com mais de quinhentos milhões de “formigas”.
Se estivéssemos agindo dentro de nossas leis, o processo seria muito simplificado e todos os envolvidos já estariam nas profundezas. Mas, por consenso dos seus formandos tudo mudou e acredito que trabalhando sem parar, como vimos fazendo, no mínimo ainda teremos dois meses pela frente. Respondeu-lhe Morambe.
— Ótimo Morambe, vou poder me entrosar bem aqui até lá. Quanto a um processo simples demorado eu também condeno. Mas neste caso, pelo que percebi existem muito a se fazer.
Vocês já disseram a eles que têem direito a advogado de defesa?
— Isto não foi feito César, acho que eles não tem direito a nada. Retrucou Morambe.
— Se querem começar certos, isto é um direito de cada um deles, lógico se puderem pagar. Caso contrário o próprio estado deve fornecer.
— Mais esta César, não vejo a hora de exterminá-los.
— Morambe, o País é seu, você é o Presidente. Se quiser chamar um Juiz local e agir dentro das leis anteriores, você pode fazer e eu volto para Terra Nova.
Morambe caiu em si da grosseria e se justificou:
— Depois do recente atentado, ando descontrolado e com muita raiva por saber que ainda existem elementos que aderem ao sanguinário.
Compreendo isto muito mais do que possa imaginar, mas você ou qualquer outro que venha ocupar o cargo nunca se desvencilharão de situações como esta. Só que deve ver os fatos pelo lado positivo.
— Lado positivo?
— Sim! Pelo lado positivo. O que ocorreu nada mais é que um desespero de causa. Os favorecidos de Godoin estão com medo de serem presos e punidos.
Verdade que você teve baixas, mas eles nada conseguiram, abriram as guardas, vai ser mais fácil identificá-los.
— Isto é o que não entendo César. Do modo que fala parece que a espera é um bom caminho.
— Morambe, vou pedir a Oshiro que lhe explique.
Oshiro não esperava ter ele de orientar o Presidente, mas atendeu César:
— Quando treinamos os agentes, a principal orientação foi a de observarem qualquer movimentação pró-Godoin.
Tenho certeza que neste momento alguns deles já devem estar sabendo sobre a origem do ataque.
Veja bem Morambe, se o grupo tivesse sido executado sumariamente, nunca mais encontraríamos cúmplices. Isto acontece porque temem serem envolvidos, pelo menos enquanto estiverem vivos. Para tais mafiosos existem no momento dois objetivos: extermínio do grupo ou a liberdade deles.
Nosso Juiz disse uma coisa que deve ser feita.
Dando a eles o direito de contratarem advogados, irão se surpreenderem, mas não abrirão mão disto. Darão nomes dos seus defensores e estes logicamente trarão testemunhas favoráveis.
No correr do julgamento vai entrar nosso papel, ou seja, descobrir envolvidos, acabarão lhes dando cobertura e muito mais.
— Então podemos prender todo mundo de uma vez.
— Não Morambe, interveio Sanato, nada poderemos fazer, mas saberemos onde encontrar os culpados para no futuro juntarmos provas e colocá-los no banco dos réus. Leva tempo Morambe, mas seguindo esta linha poderemos limpar a nação.
— Acho que preciso ser seu aluno César. Não pensei em nada disto, o melhor é seguir as novas regras.
Denis então observou:
— Acho que deverei representar o papel, se concordarem. Falarei com Godoin e os demais e obterei nomes, vou ter de lhes esclarecer sobre a reforma das leis para que entendam.
Dali em diante, César apenas ouviu os debates e no final disse:
— Sendo a primeira vez que um julgamento seguirá parcialmente dentro das normas terrestres, devo lembrar-lhes da necessidade do promotor e de advogados.
Vim com antecedência para entrar em contato com juristas locais. Assim, aproveito a oportunidade para pedir-lhes o favor de me providenciarem, se possível, uma sala. Necessito inteirar-me sobre normas não alteradas.
Imediatamente Morambe lhe ofereceu um compartimento próximo ao salão onde estavam. Perguntado se continuaria a participar da mesa do conselho, acabou repetindo o motivo de se encontrar em Contag.

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Entremeando o desenrolar dos acontecimentos em Camapro, a vida em Terra Nova era cada vez mais agitada. Num planeta de vastíssima superfície e sem cidades externas, o núcleo humano tornara-se uma novidade. Lacrin estava na vanguarda do relacionamento com a colônia, era o primeiro país a estabelecer oficialmente um sistema de transporte coletivo.
Arosco perdera o pai e sua mãe Marla não queria ir viver na superfície com ele. Era filho único e deixara de ter muita afinidade com os demais parentes. Visitava-a com freqüência e toda vez que voltava, ficava aborrecido.
Jaci somente viajava para o interior da terra sob muita pressão de Arosco, para não falar de Wilma e Ramon que nem iam, sempre arranjavam desculpas. Mas compreendendo a situação do marido, resolveu ir até lá para tentar mudá-la de idéia.
— D. Marla, sei que a senhora não quer ir morar conosco, mas faça um sacrifício, venha comigo, fique alguns dias lá e eu a trago de volta.
— Traz mesmo Jaci?
— Claro D. Marla. Não será preciso viver na superfície.
Arosco talvez não compreenda o que a senhora quer, mas eu entendo. Da mesma forma que me adaptei e não quero voltar, percebo que sua casa aqui representa sua vida e não a quer deixar. Meus pais também nunca foram me visitar, mas minha família é grande e meus irmãos cuidam deles, assim minha preocupação é bem menor.
Arosco anda muito preocupado com a senhora, sabe que os parentes não moram mais aqui em Maura e também que não quer ir para a casa de nenhum deles. Pensando nisto, resolvi vir fazer um trato, cada vez que eu vier eu a levo e depois a trago logo que queira. Combinado?
— Bem Jaci, se me prometer que não irão tentar me segurar lá, eu vou. Mas nunca saí daqui, nem sei como andar lá, tenho medo de ficar cega.
— Não se preocupe, o colírio resolverá o problema. Quanto estivermos no coletivo eu lhe aplico as gotas e a senhora não sentirá a diferença. Me habituei tanto a viver lá em cima que hoje nem o uso mais. Para meus filhos nem foi preciso.
Alguns dias depois, de surpresa em surpresa Marla descobriu o novo mundo e parecia uma criança a querer ver e conhecer tudo a sua volta.
Arosco ficou contentíssimo e quem não cumpriu o trato foi a própria mãe que cercada pelos dois netos não falava em voltar. Assim, a família completou a felicidade.

Myriam e Mourisco já não encontravam resistência por parte de Karen que até chegava a conversar com o noivo da mãe. Por sua vez, a psicóloga de tanto ensinar o casal de índios, se familiarizou com eles.
Janina tratava Myriam como se fosse da família e constantemente falava de Noripa e Karen e ela começava a aceitar o namoro de ambos. Afinal percebera que nenhuma diferença havia quanto aos sentimentos.
D. Antônia surpreendera os jovens se beijando e deu uma lição de moral neles, mas nem por isto impediu que Noripa continuasse a freqüentar a casa. Juliano também não se importava e achava natural até o casamento deles. E não seria o primeiro caso na localidade, Sherman já havia unido alguns humanos com “formigas indígenas”.

Os meses passaram, o julgamento em Contag foi considerado o fato mais importante de uma época, representantes de todas as nações foram assisti-lo. Seguira as normas terrestres, Promotor e Juizes locais compuseram também a mesa. César conquistou a amizade dos juristas. Alguns advogados locais defenderam os marginais e muitas falsas provas foram apresentadas. Jacobin foi testemunha de defesa de Stefana e conseguiu livrá-la da pena de morte. Mas Godoin e mais da metade dos prisioneiros foram condenados à pena máxima. A execução se processou dentro do sistema de Camapro, ou seja, a de não ser aguardado nenhum prazo após a condenação.
No país todo os julgamentos se processaram e a máfia foi desmantelada. Morambe finalmente entendera que o caminho a seguir era dentro das novas leis.
César e Jacobin voltaram para a Base. Denis e Juréia ficaram, mas já não estavam mais sozinhos, um belo garoto nascera no hospital de Asprilo e nem foi preciso chamar o Dr. Gilson. Ficariam em Contag até às eleições e também para que o menino se fortalecesse. Era o primeiro camaprense humano e assim foi registrado, tendo como padrinhos Morambe, Ronan e Mirna.

Na Base Justus reuniu a CE e considerou os problemas solucionados ou em fase de solução para todos os setores e se pronunciou:
— Agora poderemos formar com segurança a nossa nação. Sem registros de conflitos entre as nações, acredito que uma época de muita paz reinará. Chegou portanto o momento de desfazermos das armas que nunca deveriam ter sido construídas.
Jader, pode expedir convites para todos os governos para virem testemunhar a retirada delas e o envio para Épsilon, mas os avise de que deverão permanecer aqui por alguns dias. A base possui condições para acomodar todos com conforto.
Marcos, gostaria de ouvir sua opinião sobre a roda, ou seja, devemos depositar dentro delas as bombas e depois enviá-la para a estrela ou não?
— Justus, a roda tem sido um excelente satélite e nunca cairá sobre o planeta, sua tendência é distanciar-se. Por outro lado ela não tem sido útil apenas para fim militar, mas para uma infinidade de observações. Nossos equipamentos ainda durarão por muito tempo. Na minha opinião é um desperdício fazermos isto.
— Mas então como poderemos levar tudo o que está armazenado para a queima?
— Se me permite, tenho uma idéia. Disse Joseph, continuando:
Colocaremos tudo numa órbita estacionária e as prenderemos em blocos, depois um transportador também lotado puxará as que não couberem dentro. Feito isto, direcionaremos tudo para o “sol”.
— Esta é a melhor opção. Todos concordam?
Não tendo havido nenhum rebatimento, ficou então decidido ser aquela a melhor maneira.

Não demorou para que as terríveis armas começassem a serem retiradas da conservação e ficassem expostas até a chegada dos governadores.
Quando vieram, assistiram a filmes que mostravam os efeitos devassadores de cada uma. Assim, quando presenciaram a enorme quantidade existente tornou-se fácil associarem com as cenas.
Ficaram assustadíssimos, com medo de tudo daquilo explodir e arrasar o planeta.
Então, à distância, foram observando os transportadores cósmicos serem carregados e depois ganharem altura e desaparecerem. Justus comentava detalhe por detalhe, sempre observando que o processo era demorado mas que permanecessem em Terra Nova até a retirada da última peça.
Dez dias depois, os blocos que formavam a fila da destruição estavam unidos. A partir daí o grupo passou a ver o que acontecia através dos telões e sob explicações do “Rei”.
Um transportador carregando a grande fila foi acionado e os demais voltaram. Sob controle da base, tomou a direção da estrela. Esta seria a última cena que os representantes das nações veriam. Justus então voltou à tribuna para dizer:
— Como observaram, cumpri o que prometi, nenhuma das perigosas bombas ficaram neste mundo. Um conselho lhes dou, deixem impressos em suas normas de existência uma proibição para a ciência. Nunca devem construir armas atômicas, podem até ainda não saberem o que é, mas um dia chegarão a isto.
Jacobin, um cientista nosso, descobriu recentemente vestígios de que o povo deste planeta já foi quase totalmente destruído pelo “fogo do céu”, que nada mais fora do que uma guerra com armas iguais as que estamos nos desfazendo.
Agradeço a presença de todos e peço desculpas por segurá-los aqui por tanto tempo.
Palmas e gestos de gratidão se misturaram e a felicidade estampou-se em cada um dos convidados.
Um mês depois, no sensoriamento era visto o grande impacto na estrela, o brilho extra da explosão se alastrou por alguns segundos e desapareceu na ardência do astro.

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Dez anos depois as tribos indígenas haviam saído da ignorância e juntas com os humanos passaram a dominar o território que recebera o mesmo nome da Capital Terra Nova.
Xerengo era outro e auxiliava Justus na Administração do País. Os filhos de Karen e Noripa representavam a formação da nova raça. Nas escolas a miscigenação estampava-se numa grande parcela das miúdas fisionomias. Myriam e Mourisco, também casados, tornaram-se os mais respeitáveis mestres da nova nação que surgia. Janina perdera os hábitos indígenas e se portava como uma grande dama da sociedade local, dividindo com sua ex-professora a afeição dos netos.
Karen intercedeu a favor do pai, Samuel acabou sendo libertado e passou a viver na Base em regime condicional.
Jânio e Selma fundaram uma pequena vila no interior e montaram um sistema de comercialização de produtos naturais.
Vários humanos deixaram a Capital e se estabeleceram em fazendas, levando gado e outros animais.
Ronan e Mirna faziam parte da comunidade com os filhos mesclados.

A nave 353 da frota terrestre marcava a semeadura do bem num escondido mundo da galáxia.
Um poder inexplicável, na aparente forma de um cometa a colocara na superfície de Grimuan para uma grande missão: mostrar os caminhos corretos para a vida.




Fim

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