terça-feira, 2 de junho de 2009

Força Desconhecida

Luti brincava sobre a grama recém nascida. Calima com seu belo corpo, quase desnudo, se aconchegava ao peito do forte homem. Este fora um eminente cientista, que lidara com aparelhagens sofisticadas, de repente encontrava-se naquele lugar ermo, vivendo de peixes de uma lagoa próxima e de alguns vegetais da flora ainda muito rarefeita.
Sentados sobre a pedra que lhes servia de poltrona, observavam o filho, que nos seus quatro anos, sequer poderia imaginar o sacrifício deles para que sobrevivesse. Atrás, a gruta, que lhes servira abrigo e que se transformara em casa, verdadeira fortaleza.
Joab por muitas vezes acordava sobressaltado, pesadelos acompanhavam seus sonhos. Não conseguia tirar da visão as horríveis cenas.
Não conseguira nada salvar, nenhuma ferramenta, por mais rudimentar que fosse, mal teve tempo de acudir a esposa e o menino.
Há tempos estavam naquele lugar, as roupas transformaram-se em trapos, a ponto dos órgãos genitais ficarem a mostra. A esposa partilhava do sofrimento, também fora uma cientista e trabalhara com o marido no Centro de Pesquisas Biológicas. No mesmo local a criança, na ala de manutenção infantil, recebera excepcionais cuidados.
Depois de anos desenvolvendo análises, por merecimento, obtiveram um período de folga, que aproveitaram para conhecer outros lugares. Estavam em viagem quando a catástrofe aconteceu.
--- Joab, o que será de nossa vida? Perguntou Calima.
--- Estamos presos, temos que nos acostumar. É o reinicio. Cometemos grande erro, fomos longe demais.
--- Agora é tarde para lamentações. Ainda temos a felicidade de estarmos vivos, ELE nos poupou.
Estamos conseguindo nos manter, mas sem panela, sem nada para cozinhar o alimento, é muito difícil. Comentou a moça, com o semblante tristonho e marcado pelo sofrimento.
Joab, pensativo como sempre, com olhar fixo no horizonte, ouviu a esposa e observou:
--- Você tem razão, fico perdido em divagações e acabei esquecendo de improvisar meios para uma melhor sobrevivência.
A terra ainda está muito úmida, acredito que deva encontrar argila própria para fabricarmos alguns objetos. Amanhã vou procurar.
Nesse meio tempo, Luti, vendo um pequeno réptil saltitante, correu para a mãe e os três adentraram pela grande formação rochosa, onde o fogo obtido pela fricção de pedras mantinha-se aceso.
No dia seguinte, um sol alegre acalentava a fria manhã. Joab munido de um saco de fibras vegetais colocou-se a caminho, vasculhando áreas próximas. Como não encontrava o material, foi embrenhando-se rumo ao que lhe era desconhecido. Pela primeira vez se afastava tanto do abrigo, depois de quase dois anos.
A solidão, o silêncio quebrado apenas pela brisa ou por raros pássaros foi lhe permitindo ouvir aos poucos o barulho longínquo do mar. Isto lhe fez esquecer seu objetivo e caminhar na direção do murmúrio. Andou muito, sempre cuidando de marcar a direção de sua “casa”.
Várias horas o distanciavam da família, quando, após subir uma colina, avistou extensa praia e o oceano a perder de vista, mais ainda, sob tosca cobertura perto das águas, dois homens e duas mulheres.
Apressou-se e, correndo foi na direção do grupo. Extenuado, agitado, quase não crendo no que via gritou:
--- Sou Joaaab! Quem são vocês?
O grupo, sobressaltado, olhou para aquele homem seminu que parecia desequilibrado, depois o mais velho respondeu:
--- Acalme-se homem. Sou Gotan, este é Java. Aquela é minha filha Savina e a outra é minha esposa Judi.
Judi, vê se encontra algo para este homem vestir!
Mais aflito do que as pessoas que encontrara Joab quase não se continha. Até então, imaginava não haver mais ninguém.
Apreensivo, mas já mais descontraído pela boa acolhida, vestiu indiferentemente as roupas um pouco melhores e perguntou:
--- Como conseguiram se salvarem?
--- Talvez da mesma forma que você, depois de muito sofrimento.
--- Já encontraram outros? Voltou a perguntar o cientista.
--- Não. Vasculhamos a região, se existiram cidades por aqui, foram engolidas. Nem escombros, fizemos até uma pequena embarcação com pedaços de madeira. Até onde fomos, tudo está deserto, voltamos então e resolvemos acampar neste lugar. Éramos agricultores, assim, por sorte, tivemos a idéia de mantermos algumas sementes que plantamos mais acima. Estamos sobrevivendo com peixes, frutos do mar e um pouco de cereais. Mas o que o fez nos encontrar?
--- Saí para procurar uma boa argila para fazer objetos de cozinha, andei muito, depois de horas comecei a ouvir o mar e resolvi continuar.
Não posso deixar minha mulher e filho sozinho, vou voltar e os trarei, juntos poderemos pensar melhor.
Depois de conversar com os demais, Joab se apressou em retornar.
Estava escuro quando entrou pela abertura das pedras. Calima, aflita, correu e abraçou o marido, sua única esperança naquele mundo desconhecido.
--- Joab, o que aconteceu? Porque demorou tanto? Pelo jeito, nada trouxe.
--- Você não vai acreditar! Encontrei uma família de sobreviventes, me deram até roupas para vestir. Pretendo levá-la para conhece-la. Tenho esperança de juntarmos força para enfrentarmos nosso destino.
Calima ouviu a informação, seu rosto, no lusco-fusco fornecido pelas chamas se modificou, a apatia e tristeza desapareceram, os olhos brilharam e um sorriso moldou a linda face da jovem. Daí então, especulou tanto o marido, que após algum tempo lhe disse:
--- Estou muito cansado, andei muito, amanhã continuaremos a conversa. Preciso recompor as forças, você também precisa descansar para podermos chegar lá.
O casal não esperou, mal o novo dia chegou, se revezando com o filho e munidos de alimentação seguiram na direção do mar.
Iniciava-se o primeiro núcleo humano.
A natureza não mais fustigava o homem, pelo contrário, lhe oferecia todas as condições para a existência. Riachos próximos jorravam água cristalina. Animais domésticos desgarrados apareceram. Embora até então pensassem estarem sós, outras vidas foram chegando e aos poucos uma pequena vila se formava.
Meses depois, Joab chefiava a pequena comunidade, se é que assim pudesse ser chamada. Não passavam de cem, mas já era um bom início, embora não dispusessem de qualquer bem que a antiga ciência lhes concedera.
Sobreviventes da natureza em fúria; no torvelinho que parecia interminável, beberam água suja; na fome, comeram raízes e restos orgânicos, mas a calmaria veio e o sol brilhou novamente. Apenas cinco crianças em meio a maioria jovem. Idosos, apenas Gotan, a esposa e mais dois outros.
Nunca mais veriam aviões, navios ou veículos a correr em estradas bem feitas. Toda técnica desaparecera. Nenhum objeto, mesmo pequeno, que pudesse lembrar o dia a dia de suas vidas fora resgatado. Haviam voltado no tempo e como animais, se debatiam procurando um habitat.
Mais sobreviventes não encontraram. Quanto mais se esforçavam, percebiam dificuldades, sentiam-se pesados. Não possuíam meios para saírem daquele lugar, a não ser com os próprios pés. Debalde esperar ajuda, os anos se passaram, por fim tiveram plena consciência de que estavam sós, num mundo novo.
Joab e alguns poucos sabiam que a natureza fora implacável, que a civilização se extinguira.
Há tempos esperavam a queda do grande asteróide. A ciência julgava possuir meios para detê-lo. O planeta ficou dilacerado e a bipartição do astro sufocou a sabedoria humana. O imenso bloco se incorporara ao globo, a ponto de proporcionar aumento gravitacional. Era este o pensamento de Joab, que passava horas observando o mar, enquanto sua mente caminhava para uma explicação do fenômeno. Sentia-se culpado, crédulo de que uma força muito grande, indignada com o que estavam fazendo viera interromper os passos da ciência. Arrependia-se de haver participado da criação de muitas aberrações com a utilização de cobaias humanas. Na sua cabeça uma certeza, Atlântica e Lemúria não mais existiam e com elas o restante dos domínios.
Deus, não estava satisfeito com sua criação, vendo que os homens se dispunham a tentar igualá-lo resolvera por um fim na humanidade, limpando a TERRA de toda técnica. Assim o homem retornou ao princípio, mas parece que novamente tende a cometer o mesmo erro.

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